terça-feira, 30 de junho de 2015

Sinal que estou bem e quase feliz
Quando eu penso no último poema.

Se não der tempo de vocês lerem
Terei escrito no coração.

Mas isso já faço,
Ora bolas.

Escrevamos, pois.
E não nos tratemos mal.
Os nosso inimigos são outros.

Cada um com seu alforje.
Voemos, pois.

E no meio do caminho
Partilhemos o pão.

Não esperemos o fim da trilha.
Entre a trilha há outras e outras.

Você pensa que não reflito
Sobre até quando essa loucura?

Mas aí, passo da filosofia à poesia.
E escrevo meio coelhinho, meio javali.

Meia dúzia de gatos pingados
Subiu ao telhado levando
Uma garrafa de uísque
E um violão.

Não é que tocam
Um blues incrível
Com levada de soul.

Não, baby,
Não tenho mais discos
E os livros vendi pra comprar
Os sonhos da década de oitenta.

A meia dúzia de gatos pingados
Bebeu todas e se unharam
Loucos por uma gata.

Sabemos que uma gata
Entre gatos bêbados
Tocadores de blues
Dá em morte.

Apagaste o poema?
Sim, doutor.

Ok, agora
Senta-te.

Tem um dente
Mole de infância.

Por que nunca deixas
Na porta teus sapatos?

O quê, doutor?
Esquece, abre a boca.
Tem um dente mole de infância.

Não tenho a menor dúvida.
Nenhuma nuvenzinha de interrogação
Em volta e pairando sobre minha cabeça.

Se você aceitasse minha companhia
Seríamos dois golfinhos mágicos
Em alto mar.

Não faço barulho à mesa
Em cafés de contemplação.

Não reclamo das coisas femininas
Espalhadas pela casa nem jogo
As minhas pelas cadeiras.

Abraço forte, com paixão mesmo
Quem amo, sobretudo em noites frias.

Só tenho um defeito,
Por sinal, terrível.

Quando acordo
Troco de chinelos
Com minha amada
E esqueço os meus.


Rebeca nunca mais voltou pra casa.
Foi comprar um batom e vestido
E sumiu do mapa.

Rebeca tanto me amava que até inventara
Uma nova posição tântrica: "Lagartixa
Debruçada à francesa."

Gosto de lavar as louças.
Quando plantava girassóis
Sentia a mesma contemplação
Alongar-se em meu espírito infantil.

Lavo as louças
Com um riso
Nos lábios.

Canto
De boca.

E não confundam
Lavar as louças

Com lavar
As moças.

(Também
Adoraria)

Meus filhos, não forcem a barra,
Não supliquem exclusividade.

Se forem especiais,
Garanto-lhes que um
Não largará do pé do outro.

E lançarão pétalas
Por onde caminharem.

E cingirão as cabeças
Com flores de cerejeira.

O princípio básico do encantamento
É a delicada liberdade dos corações.

Vão por mim,
Meus adolescentes
E anciãos tão tolinhos.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Pra me aproximar da leveza
A angústia quase lúdica
Da palavra

Tive que esvaziar minha mente
Jogar fora todos os parafusos
E encaixar no vácuo
Craniano

O meu
Coração.

Parece-me que a poesia
Sente-se grata do seu jeito.

Claro que um dia
Você experimentará
Do meu café e então
Entenderá os porquês.

O porquê das andorinhas me amarem.
O porquê do ciúme das plantinhas da varanda.

O segredo do meu café (não tenho problema
Em revelar) é o amor que a minha cafeteira
Devota há séculos ao tímido açucareiro.

Fomos roubar frutas
E antes que subíssemos
Até aos apetitosos sonhos

Um cão enorme apostou corrida
Com o vento e babava riscando
A grama ao nosso encontro.

Éramos moleques fortes e lépidos.
O muro devia ter uns três metros.

Pulamos, aliás,
Voamos alto.

Sentados na calçada do cemitério,
Ainda sob espasmos e maravilhados,
Conversávamos, ou melhor, atropelávamos
Extasiados em palavras e gargalhadas e berros.

Só depois soube
Que o nome daquele troço
Que queimara o meu coração
E me fez voar através do muro da paróquia
Chamava-se adrenalina. Adrenalina. Um lindo nome.
Querida, sempre fui um Sátiro ofegante.
No cinema, com o meu primeiro amor,
A menina passava o filme suplicando
Que eu sossegasse o meu coração.

Imagine agora
Este meu peito
De jovem senhor.

I
Existem poemas que retornam pra casa
Confiando nas árvores e passarinhos
O caminho de volta.

Esses poemas pródigos
Trazem da floresta encantada
Gravetos fabulosos que jogados
Ao fogo sobem fagulhas de amor.

Dá pra ver de longe, de muito longe,
O brilho da aurora boreal pela chaminé.

                             II
Segunda-feira não é dia
Pra escrever um poema
Meloso de amor e fábula.

Disse-me a formiga
Do alto da colherinha.

E não pensou duas vezes
Em morrer dentro do café.

domingo, 28 de junho de 2015

Quando escrevo um poema irritante
(Irritante como o liquidificador antigo
Do vizinho na hora da nossa música)
Cai a ficha e percebo o universo fluir.

Quando escrevo um poema irritante
Tiro um peso das pontas das unhas.

Nem penso em passarinhos
Ou na minha xícara de café.

Amo a minha cama
Box solteiro encostada
À parede cuja mola solta
Dá um choque na minha sétima vértebra
E lembra que não custa a vida levantar-se
Escrever mais sete versos de final de domingo
Antes de escovar os dentes que ainda não fugiram.

Não julgue o poeta
Por um poema.

Não o coroe
Nem jogue
Moedas.

Enquanto acordar
Haverá um sol.

Mas quando dorme
Brilha outro fogo.

Inútil vaidade
Por um punhado
De palavras e infarto.

Acabei de assinar uma papelada.
A partir de agora, meus ossos,
Minha carne e coração

Serão partes das oitis
Da minha calçada.

Há um bom tempo
Que essas doces árvores
Seduzem-me com algumas cláusulas.

"Se o poeta em questão
Desejar sentir o batimento
Cardíaco das andorinhas
Ao crepúsculo poderá
Fazê-lo sem objeção
Das mesmas."

Não podia recusar
Um acordo em que
A minha alma será
Alma das minhas oitis.

E sentirei o que os seus galhos
Vibram quando as andorinhas
Reúnem-se ao entardecer.

Troque a água das flores
E não esqueça as três
Gotinhas de lixívia.

As rosas adoram
Um barato.

(Não será qualquer beija-flor
A beber das suas lágrimas)

Sempre soube que o serial killer
Da cidade de minha infância
Era o barbeiro.

Mas ficava de bico calado.
Tinha medo que o psicopata
Cortasse o pescoço do meu avô

Naquelas manhãs
De sábado.

A verdade, meu terrorista,
Os inimigos que cultuas
Vivem do ódio entre
Ti e tu mesmo.

A tua mente é uma alma bélica
Um cadáver insone que vive
A te arrastar à forca.

E tu sonhas
Debaixo do alçapão
Setenta e sete virgens e mel.

Não apertes a minha mão
Nem beijes o meu rosto.

Os meus passarinhos
Detestam a tua voz.

Natural pra um romântico
De bermudão sem camisa
Bater papo com passarinhos.

Um deles, há pouco à janela,
Perguntou-me por quanto tempo
Dura um amor perdido de humano.

Segundo este passarinho,
O amor de certos pássaros
Só acaba quando seus ossinhos
E asas viram nuvens de céus azuis.

Ufa.

Ainda não te falei da minha primeira xícara.
Bebia café como se conversasse em outro reino
Segurando sua asinha de porcelana. Um dia alguém
Bebeu nela, deixou-a cair e a minha primeira xícara espatifou-se.

Passei três dias sob depressão.
Sequer podia olhar pra cafeteira.
Até que me presentearam outra.
A que bebo agora café é branca.

A cor da tua alma
Que enfeitiça a minha.

As palavras que chegam voando da catapulta
Com a força e o fogo dos suspiros, se não erguem
O meu corpo, levam o meu coração ao fundo do fosso.

Não tem crocodilo.
Nem serpente marítima.

Gasto minha pena
Com quem amo.

Mas não se engane.
O castelo que construo
Tem um fosso profundo.

Que gozo, transgressão e beatitude
Não ter partidos de névoas e brumas.

Ser uma folha seca disforme
A levitar trôpega e sutil
Que nunca atinge
O chão.

A ovelha não sente frio
Distante da mão do tosador.

Mas quem disse
Que não é gostoso
Flocos de neve na barba.

sábado, 27 de junho de 2015

Trouxeram-me rosas.
O jarro de vidro voltou
A existir com água e rosas.

O bonsai agora
Adivinho que o bonsai está
Sobre a outra mesinha da sala.

Trouxeram-me rosas.
E eu ainda não lhes troquei
A água. Não lembrarei o tempo
Em que caminhava até a área de serviço
Cheirando as pétalas e sonhando alto com outra mulher.

Sei que os meus ossos
Secarão sozinhos e as minhas mãos
Não terão outra xícara para encher de café.

Mas trouxeram-me rosas.
E o que mais desejo
Antes de morrer?

"Morrer" caiu-me
Como fim de poema.
Não da nossa história.

Desde muito cedo, fui um corruptor de criaturinhas dos céus.
Lembro-me claramente quando a professora pedia que escrevesse
Uma redação corria pra janela da classe, assobiava e logo chegava
Aos galhos das árvores do pátio uma turminha malandra de passarinhos.

Ordenava-lhes (com o olhar firme de uma criança corruptora
De criaturinhas dos céus) que escrevessem a tal redação.

Os meus cúmplices (ora andorinhas, ora pintassilgos)
Desembrulhavam dos bicos um papel de embrulhar pães
Com letras, ou melhor, garranchos em que me custava ler.

Mas conseguia traduzir.
E sempre tirava dez.

Como era fácil escrever uma boa redação
Com ajuda das criaturinhas dos céus.

Mentiria se dissesse que não adoro
A minha caixa de sapatos cheia
De moedas antigas, flores
E ratoeiras.

Não queima o meu coração
Outra entidade, senão a poesia.

Agora, veste
Aquele shortinho
E voemos à praia.

O passarinho não tem medo
De cair do alto da árvore
Da minha calçada.

Não pelas suas asas
Coladas aos ombros.

Mas por saber que o seu deus
É o mesmo das minhas mãos.

Como é mágico
A janela do quarto
Aberta em uma manhã.

A poesia remove cicatrizes
Ou arrebenta de vez os pontos.

Em ambos os casos
A negação é formidável.

Costumo levantar-me da mesa de cirurgia
Sangrando, mas novinho, novinho em folha.

O rastro de sangue
Só me leva às nuvens.

                                                    "O amor é uma companhia. 
                                                    Já não sei andar só pelos caminhos, 
                                                     Porque já não posso andar só."
        
                                                                   Alberto Caeiro




sexta-feira, 26 de junho de 2015

Não consigo ver, confesso,
Mas sempre que escrevo
Alguns poemas

Alguém toma por mim
Uma bandinha de sintético.

"Pra doirar o sangue
E ferver o amor..."

Sussurra
O coração.

Não me empolgo
Com as vidas
E almas

Que possuo
Nas mãos.

A poesia só abre a porta.

Tenho dezenas de palavras xodós
Que me acompanham um tempão.

Antes de escrevê-las,
Pulam dos meus olhos
E me fazem um poeta
Menos doido traumático.

Essas palavras xodós
Trazem em sua morfologia
Algum encanto de sílabas mágicas.

Ainda que o poema
Pareça-me melancólico,
Atroz, sombrio, de fígado ruim,
As minhas palavras xodós aliviam
O vácuo do pacote de café já aberto.

Como se fossem mãe de 78 anos
Que abraça o filho após uma guerra.

Que história é essa de parar o tempo.
Não teria graça a eternidade do contentamento.
Você suportaria saber que a sua morte é tal dia?

Houve um tempo
Em que eu amava
Heráclito de Éfeso.

E no meu jardim de infância
Já tinha calculado minha cova.

Então chegou uma formiga
Comeu uma folha e sumiu.

Não faz sentido o meu coração
Nessas horas em que não me pertenço.
O meu único amigo é quem me fala aos ouvidos.

Não escrevo à toa
Tudo que ouço.

Nada dessa conversa
De parar o tempo,
Por favor.

Não dormirei com o teu lençol
A fim de matar tanta saudade.

Mas prometo que escovo os dentes
Com a tua escova lilás ao acordar.

Quando as coisas andam boas
Logo desconfio e tento mover
As esferas do espaço.

Brinco de ser criador
De galáxias, minhocas,
Túneis, buracos negros.

E não me convenço
Que felicidade é ser
Cruel com o próximo.

A poesia, ó meu amor,
É porco-espinho selvagem
E sabe ferir os tolos incautos.

A inquietude é o meu bálsamo.
E os meus tropeços meu deleite.
Pífia soberba dos serenos e justos.

Mas que sejam.
Alguém nessa vida
Tem que florir o tédio.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Não se deve pagar ao poeta
Por seu oficio com moedas
De ouro.

Mas com romance,
Sexo, bebida

E um blues
Torto.

Poesia escrita,
Uma nau perdida.

E o poeta que sou
(Cronista sem fôlego)
Não sabe nadar na beira.

Em alto mar
Sou peixe.

Detestável, pensou
Uma amiga de uma amiga
Quando lhe enviei uma carta
Solicitando sua doce amizade.

Meu bom deus,
Como sou detestável.

Rebeca o seu nome.
Demorou um século
Para que eu ouvisse.

Deu tempo de largar a batina.
Matar o chefão da rua.
Deixar o tráfico.

Deu até tempo
De ler Joyce
Sem vontade.

Se consertassem a minha cabeça
(Um choque, um chip novo, outro
Sopro de vida) em que subterrâneos
A minha mórbida alma se esconderia?

Pois a outra chegaria
Lépida e contagiante.

Mas aí, não seriam minhas
As mãos lisas e a barbicha
De quem escreve estes versos.

Ou tolice esse papo de almas,
Se é o poeta que maneja
As espadas.

E todo o seu corpo
Não traz outras cicatrizes
Senão aquelas que desconhece.
Você se lembra daquele cheiro
De calçadas molhadas e insetos
Quando chovia lentamente por horas?

E depois saíamos com os olhos brilhando
De alguma coisa a navegar dentro de nós?

Você se lembra daquele meu relógio
Que eu escondia pra não ver água?

Roscofe, sim,
Um relógio roscofe.

Onde você se meteu?
Não sinto mais o cheiro
Das calçadas molhadas
Nem dos insetos cambaleantes.

Pra um cara que leva
Um alforje de pássaro
No ombro e não uma cruz
Você acredita mesmo que temo
A sua alma furiosa e o febril olhar?

Sente-se ao redor da fogueira,
Dance, mulher, dance com as estrelas.

Os homens solitários
São meio apavorantes.

Mas é só paixão
Este meu jeito

De comer
Uma maçã.

Dê vida à poesia,
Embriague-a.

Depois, não reclame
Das suas pernas bambas

Diante
Dela.
Tu, singela, perguntas ao meu coração
Se eu, louco, te defenderia de estranhos

Ou até da tua
Própria família.

Subo na árvore da minha calçada
E de megafone do sindicato
Estouro meus pulmões:

Fuzilo quem mexer
Em teus cabelos.
Por três meses, cuidei de um cãozinho.
Seu nome era Mike, um pastor capa preta.

Não conseguíamos dormir. Passava toda a madrugada
Brincando e eu cuidando das suas sujeiras entre
Os fios do computador.

Ao meu filho que tinha cinco anos
Sugeri que dividisse comigo as tarefas.

O meu pequeno sorriu "pai, o senhor limpa
A sujeira do Mike e eu brinco com nosso amiguinho."

Muito triste o fim da história.
E hoje estou um tanto melancólico
Pra final foda de lágrimas e orfandade.

Mas adianto, Mike
Não viveu muito.

Por enquanto, não quero matar ninguém de ódio.
Só escrevo versos e as minhas botas estão mofadas.
Nunca lhe falei da minha estante de ferro e das traças.

Dos livros apenas sobram
As nódoas gordurosas
Dos meus dedos.

Posso chamar
De amor este
Vazio?

Talvez um dia eu plante batata orgânica na serra,
Crie uma família com cachorro, gato e papagaio
Em uma praia deserta, roube as sandálias
Do meu mestre e trilhe caminhos
Místicos.

Mas, no momento,
Basta-me meu quarto:
A xícara branca sobre o pufe,
A tv inclinada, o copo verde de plástico.

Sempre que sinto o cheiro delicioso
De feijão no fogo lembro-me da fábula
Da Dona Baratinha e do Senhor Ratão.

Este morre na panela
Por sua gula e a outra
Perde seu noivo e volta
Tristonha pra sua janela.

Sinistro, baby.
(E eu amava)

Sarei daquela alergia
Abaixo do ombro esquerdo.

Vivia convencido de que era
Marca da sua mordida e compartilhava
Dessa obsessão com as visitas no hospício.

Mas nós sabíamos quando você me entregava
O doce de leite, o maço de cigarros e as três peças
De roupas limpas que aquela erupção cutânea no peito
Não passava de um estigma banal e dilacerante da saudade.

Essa chuvinha fina que cai agora
É um presente que arranjei pra você.

Nem foi preciso arrancar cílios,
Chorar, desesperar-se, bater
Com violência os punhos
Contra a mesa redonda
De vidro.

O meu coração urrou
Igual a um bisão velho
No alto da colina de neve.

Até as minhas andorinhas resolveram
Tocar violinos com os gravetos de oitis.

Tenho uma lesão cerebral
Espécie de fissura em que

Encaixo rente bilhetes amorosos,
Orações, lembretes domésticos.

Graças a esse vazio mental
Ultimamente ando atento
Às asas que nunca
Floriram

Em minhas
Costelas.

Já falei disso antes,
Voar é com passarinhos.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Gasto muita testosterona
Escrevendo meus versinhos.

Há homens que preferem brincar de tiro ao alvo
Em garrafas vazias de uísque ou latas de ervilha.

Os Sátiros
Escrevem.

Não me espanta que a poesia
Reúna em uma só alma
Tantos blues.

Não importa de qual rua você fugira,
Aproxime-se e beije a minha mão.

O êxodo dos corações
É mais grave.

A poesia deu-me respeito
Com o pessoal do outro mundo.

Agora os fantasmas
Que batem à minha porta
Não querem mais quebrar meu nariz.

Abraçam-me forte
E perguntam-me
Se já esqueci
A última
Morte.

Poucos minutos
Pro café invadir
A minha alma.

(Ainda anda
Pela cozinha
O seu aroma)

Então me levanto, encho a minha xícara branca,
E só não vou à varanda por que as andorinhas
São cruéis ao entardecer.

Óbvio que às vezes
(Ou quase sempre)
Apelo pra você.

E escrevo versos
De querubim.

O seu sorriso
Corrompe-me.

Essas eternas andanças
Em volta do teu coração

Abrem-te tantas portas,
Dão um poder especial

Que pra teu deleite e agonia
Só divides por completo sob
A sangria das tuas lágrimas.

Colher lágrima na ponta do dedo
Não é o que sugere uma joaninha feliz?

Espera, vê comigo essa formiga
Na ponta da colherinha indecisa
Entre pular no abismo de açúcar

Ou fugir por minha mão,
Braço, até meus cílios.

Depois faço
Nosso café.

Um truque pra te dizer
Por que escrevo versos
(Talvez já percebas) são
Esses olhares incrédulos
Que lanço contra a parede.

Claro, também
Essas explicações
Sem cabimento, vazias,
Que depois gargalho bêbado.

Cuidemos das nossas unhas
Pois unha inflamada dói,
Baby.
Uma garrafa de vinho
E me transformo
Em animal

A exalar um cheiro forte
De cavanhaque grisalho.

Encosto meu coração
Contra o peito da amada

E por mais que ela dance
Pise meus pés e morda
Meu pescoço

Minha alma foge
Recusando-se
A casar.

Ou assinar
Algum pacto
Com o demônio.

Quando for embora
Sentirei saudades
Dessas frutinhas
E legumes

De plástico
Colados com ímã
Na porta da geladeira.

Só dessas coisinhas
Que me fazem sorrir
Sentirei falta, não de livros
Nem discos nem dos teus sapatos.

O meu peito foi atingido.
Troquei de lugar
O coração.

E tive hoje bem cedinho
Que chamar uma andorinha
Com o seu bico gelado desentrançar
Os pontos que deram nós em teus cabelos.
Não há mais rosas
Pra mudar de água

E o jarro de vidro
Anda escondido
Atrás de um
Bonsai.

terça-feira, 23 de junho de 2015

O grande amor da cebola
São os olhos de quem a corta.

Entre a faca
E os cílios

Dançam
Lágrimas
Confiáveis.

Os primeiros poetas não sabiam que nome dar àquela escrita
Suja de âmbar que escreviam em suas costelas com pontas
De pedras. Gostavam mais do som das pedras
Contra as costelas.

Muitos dormiam e sonhavam com palavras
Ouvindo o som das pedras pontudas
Contra as suas costelas.

Os primeiros poetas não escreviam para eles
Nem para o tão próximo ou tão distante.

Escreviam por que havia a luz do fogo
Que iluminava seus corpos em cavernas úmidas.

Os primeiros poetas não escreviam
À luz das estrelas.

Os primeiros poetas nunca foram bons caçadores.
Nem eram dotados de perspicácia e delírios
Para alcançar os céus.

Os primeiros poetas escreviam com pedras pontudas
Contra suas costelas e talvez fosse âmbar aquela resina.

Sei que morreram no inverno.
Cobertos de neves.

Muitos tinham nas mãos e rostos
Mordidas de cães selvagens
E outros bichos.

Mas por seus corpos estarem cobertos de neves
Parecia-lhes uma morte tranquila. Alguns
Não morreram e chegaram a conhecer
Mais dos céus do que da alma.

E a alma aos primeiros poetas
Era só o corpo, o corpo e as costelas
Feridas pelas pedras pontudas de âmbar.



terça-feira, 16 de junho de 2015

Costumo imaginar o meu coração
De fraque e cartola te convidando
Pra um jantar delicioso no telhado.

Pergunta onde se mete
O teu bichano quando
Não brinca aos teus pés.

Na década de oitenta,
Nasceram muitos gatinhos.

E muitas garrafas de vinho
Foram jogadas das estrelas.

Uma amiga confessou-me
Que o seu fetiche era
Beijar por horas

Um louco barbudo
Lenhador eremita.

Perguntei-lhe, inocente,
Se não serviria minha
Barbicha grisalha.

A menina gargalhou,
E eu amei seus dentes.

Os mais branquinhos
Da paróquia.
A minha avó entrou em amnésia profunda
Quando perdeu o seu grande amor.

Passava dias catatônica
Com o olhar perdido,
Distante,

Atravessando
O corredor
Escuro.

Ao despertar,
Caminhava pela casa
E pelo quintal enlouquecida

Invocando dos campos de batalha
E dos salões de baralho o seu amado.

Muitas vezes, exausta
Fechava-se em seu quarto,
Orava ladainhas e fazia as malas.

Conseguia sempre alcançá-la
Na esquina do cemitério.

Segurava-lhe o braço,
Beijava-lhe a cabeça.

Entre irritada e lúgubre
A minha avó chorava
E sorria:

"Meu netinho, onde diacho
Meteu-se o meu velho?"

Já registrei em cartório que só as andorinhas
Das oitis de minha calçada serão detentoras
Dos meus poemas com a minha morte.

Ultimamente cuidam
Dos meus suspiros repentinos
Como se meu coração fosse pifar.

E pifa de fato (encantado)
Quando leio teus versos
E vejo tua alma

De polaina
Dançando jazz.

Mesmo se você mancasse das duas pernas
Adoraria oferecer meu ombro e minha poesia.

Sei que haveria uma esquina
Em que a pegaria no colo
E atravessaria a rua.

O meu cavalheirismo
É tão oportunista.


As andorinhas que nesta madrugada fria
Dormem agrupadas com seus bicos trêmulos

Acreditam piamente
Que você existe.

As andorinhas também se arrepiam
E nesta noite é você o fantasma delas.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Um dia,
O rato percebeu
Que a ratoeira não era
A sua inimiga, mas quem
Armava o queijo entre arames.

E observando os objetos
Passou a conhecer

O coração
Do dono.

Por compaixão a todos os deuses, não.
Nem ouses, poeta, de novo tal loucura.
Foge, rapaz, dos teus delirantes sonhos.

Conheço um barzinho
Entre os arrebóis
Noturnos.

Beberás até amanhecer
E hás de tirar do teu coração
Esse suspiro com ares de inocência.

Sabemos da fragilidade
De tuas costelas.

Conheço uma capela com uma imagem linda
De uma santa forte dos teus antepassados.

Rezarás até amanhecer
E hás de romper do teu coração
Esse olhar bambo, trêmulo, tímido.

Moedas caem dos olhos
Quando escrevo um poema.

E Lázaro acorda
Do transe:

Vê da janela
Que a noite
Não é triste.

Um blues não afoga
Peixes do Mississippi.

Agora lembrei-me
De onde te conheço:

Das noites loucas
Do final dos anos
Vinte.

Os teus lábios
São dessa época.

As minhas orelhas
São dois corações
Para ouvir sua voz.

Pego no ar os seus pensamentos
E faço origamis dos seus suspiros.

Tantos mistérios em seus lábios
Que navios piratas naufragam.

Ufa.

Ao acordar gargalhe
Dos seus traumas.

Não permita
Que sua mente
Ferre-lhe o espírito.

O seu coração é suave.
Não pertence a esse inferno.

Escape.

Não leve impressão
Da cena do crime.

Deixe que os mortos
Cuidem dos seus mortos
E não ouça seus lamentos.

domingo, 14 de junho de 2015

Costumava deixar versos no escuro
Quando fechava um livro.

Agora, antes de devolver o livro de poesia
À estante, grito alto da boca da caverna
E jogo uma tocha acesa.

Nenhum poeta
Será surpreendido
Por suas úlceras.

Ahh, o mamão
Com seu sorriso amarelo
E os seus mil dentes negros.

Ao abrir a geladeira
Às vezes tomo susto.

Entre um lhama
E um coelho
Meu filho

Quando
Diverte-se.

E ao ir embora
Deixa pela casa
Rastros de comida
E de muita saudade.

Em uma manhã de domingo
Sob chuvinha fina, meu filho
Largadão na cama com os pés
Batendo na parede, os passarinhos
Com seus guarda-chuvas das folhas
De oiti dando pulinhos e reclamando da vida
Impossível, impossível não ser o eleito de meu deus.

Mesmo assim, não perco minha rebeldia
E jogo pela janela carocinhos de laranja.

sábado, 13 de junho de 2015

De uns dias pra cá
Escrevo pra você.

Não lhe digo nada.
Não dou sinal.

Sou mudo
E covarde.

Quando o encanto chega (saiba)
Subo na árvore da minha calçada.

E brigo com as andorinhas
Por um canto quente e escuro.

As  mulheres rendeiras
Entregam-se à vida
Tão apaixonadas.

Quanta volúpia,
Meu bom deus,
Em suas mãos.

Os seus bordados são furinhos
De colmeias das rainhas de seda.

Cancioneiro algum lhes ensinou a namorar.
Nasceram mestras em encantos e febril deleite.
O lenhador caminha
Até a floresta escura
Para colher gravetos:

Que minhocas gritam
Em sua cabeça e que
Fogo arde o seu peito?

A cada passo seu
O poema é construído
Antes da poesia escrita.

Não há pausa
Em estado poético
Nem se divide o tempo.

O que seria de você
Se eu fugisse.

Abrisse aquela porta
Pra comprar pães
E não voltasse.

A qual andarilho você doaria
O meu fígado de Prometeu
E minha caixa de Pandora?

Você não teria mais as minhas mãos
Pra dar tiros no escuro nem meus suspiros
Dentro de garrafas de vinho em noites loucas.

A qual fantasma você ofereceria meus medos tolos,
Minha insônia ridícula e a minha libido exuberante?

Sua sorte que apostei meu coração
Nesse negócio de poesia.

Uma fortuna
Incalculável.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Saudade dos paletós
E calças de linho
Do meu avô.

Sempre sonhei
Em me vestir
Com a sua
Desilusão.

Os sinais
Da sua testa
Não eram faróis.

Mas eram ilhas
De Portugal.
A minha antiga xícara
Que jogaram contra
A parede

Refaço-me
Da sua morte.

Bom é não ter ciúme.
Mas aí o coração seria
De vidro, se é de sangue.

Se você sabe assobiar
Não há o que temer.

Com assobios
Invocamos
Saci.

E Saci sempre dispõe
De uma história incrível.

(Fábulas da cabeça dele
Que lhe amenizam a solidão)
Quando escrevia poesia
A lápis, eu era feliz.

Feliz em todos
Os sentidos.

A minha perdição iniciou-se
Com a máquina de escrever.

Só venda poesia em bares
Se você estiver bêbado.

Então você poderá
Sentar-se à mesa
Dos seus algozes.

Enquanto eles pensam
Que o ridicularizam
É você o cínico
Da história.
A criança que perde
Seu brinquedo no mar,
A partir daí está pronta
Pra poesia e suas reflexões.

Meu filho nunca esqueceu o seu Hulk:
Um dia desses comentou que na África
O sol acorda verde das suas lembranças.

Já comentei sobre
Sua lágrima de rímel

Que escorre por minha
Xícara branca de café.

Mas agora pingou
No meu peito
Sem camisa.
Poeta transplantado
Sabe da dor de um órgão
Em último estágio de vida.

Não se iluda, meu filho:
O coração nunca teve
Vida própria.

Não fumo.

Mas se bebo
Peço cigarros.

As suas rugas
São orquídeas.

Não as retire
Do rosto.

Permita que minhas mãos
Leiam os seus caminhos.

Amo as orquídeas
Por amar os sinais
De comoção e febre.

O que parece solidão
É nosso segredo.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Uma porta que se fecha
Chamo um beija-flor
De bico curvo

Pra abrir
A fechadura.

A poesia fala
Por si mesma.

Mas é louvável
O poeta que tenha
Um coração disposto.

O sujeito que escreve versos
Por muito velho que acorde
Sem cálcio nos ossos
E pupilas secas

Mais fôlego possui
A arrebentar-lhe
Os pulmões.

Não há poema definitivo
Que coroe o seu fim.

Poeta não pendura
As chuteiras.

Uma flor
Mesmo que morta
Atrai mil borboletas.

Quem passou toda a vida
Oferecendo delicadezas
Nunca será posta
De lado

À mercê
De moscas.

Não vá cortar os dedos
Na hélice do liquidificador
Sonhando com o improvável.

Termine de lavar a louça em paz
E não se esqueça da cicatriz
Do seu peito.

Os pontos ainda
Tão frágeis.

O fogo apaga da minha memória
Os livros que li, parei de reler
Os meus clássicos.

Ou teria que passar
Toda a minha vida
Levando debaixo
Do braço almas.

A cada história queimada,
Cinzas dentro dos meus olhos,
Sobra alguma coisa que é purificada.

O meu Alzheimer
É um tipo poético.

É muito azar galinhas-d'angola
Um bando delas em cortejo

Passar cantando diante
Do cadafalso na hora

Em que o enforcado dizia
O seu último discurso.

"Sim, o meu coração está fraco, está fraco,
Está fraco, está fraco..." Concluiu o homem
Com a corda no pescoço.

A sua espirituosidade
Rendeu o perdão
Do rei.
Existe um dedinho meu que é feliz.
Sabe tocar o sino, abrir o portão
Dos jardins encantados.

Sempre chove
Ao primeiro
Sinal.

Ao jogar a moeda pro céu
Você está no jogo.

E não adianta suplicar
Perdão dos gângsteres.

Os corvos são mais suscetíveis.

Então não me chamo mais de poeta.
Sou qualquer outra coisa que o valha.
Sem tanto peso e tolice sobre as mãos.

Afinal, o trabalho não acaba
Quando me levanto da mesa.

As palavras têm cavernas ocultas
Dentro de cada alma que nem desconfiamos.
Esquecemos que quem hiberna não está morto.

Durmo com janela aberta
E o sofá do quarto amanhece
Abençoado pelas folhas de oiti.

Uma festa, até os passarinhos
Entrarem e roubar (essas folhas
São perfeitas pra agasalho de andorinhas).
Descobriram os meus podres.
Agora toda a vizinhança sabe
O que aprontei quando criança:

Fumava da folha seca de bananeira,
Abria barrigas de lagartixas, atravessava
Palitos de picolé nos abdomes de cigarras,
Prendia vaga-lumes em pote de vidro até cansarem de brilhar.

A sociedade livrou-se de um psicopata
Por pura generosidade da poesia.

Conheci um papagaio
Que comia todas.

Passava uma galinha.
"Comia", dizia o papagaio.

Passava uma ema
Debaixo da sua janela.
"Comia", sorria o papagaio.

Passava um porco-espinho.
"Por que não? Comia"

Até que passou
Um da sua espécie.

O papagaio pensou,
Coçou a cabeça,
Cavanhaque:

"Meu caro,
Vale incesto?"

Os peões oferecem a vida
Pela segurança da rainha.

Ofereço
Um ácido.

E a rainha baila
Sobre cubos
De cristal.

Nunca vi a rainha tão solta.

Só não tire a roupa, rainha,
Nem roube o leite da porta
Dos seus súditos.

É fácil, rainha,
Enlouquecermos.

Acredite no amor
Se você estiver feliz.

Bobo, perdido,
Com apetite
Sexual.

Quando se ama
A gente adora
Fantasias.

Não é como se pensa
A prostrar-se apático,
Quimérico, lânguido.

Não, não.

Quando se ama
Vivemos apaixonados.
(Febris e loucos e tesudos)

Amor é paixão
Com docilidade.

Digo isso ao ser cobaia:
Escrevia poemas ternos.
Depois enlouqueci e matei.

Mas aí, baby,
Já não era amor
Nem paixão amorosa.

Era outra coisa
Além da fronteira.

Digamos, um panda
Que se revolta contra
O seu tratador chinês.
E come-lhe o coração.

Não me preocupo
Em passar o tempo
Despertando outras almas

Igual ao anjo
De passagem bíblica
Tentando encher um buraco
Com conchas e conchas de água do mar.

O negócio é existir o mar
E alguém angustiado.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Em outra vida
Fui escravo.

Cuidava do celeiro egípcio
Específico pra calamidades.

O meu posto era no galpão de trigo,
Onde eu e mais dois chapas criamos
Um treco especial chamado aguardente.

Não é pra me gabar,
Mas o faraó bêbado
Via-me um sacerdote.

E oferecia-me mulheres
Lindas com aqueles
Olhos pintados.

Uma luxúria.

Em outra vida
Eu fui escravo.

Tive uma vida boa
No reinado de Ramsés III.

Hoje tenho uma péssima arcada dentária
Por haver acreditado em fada do dente:
Desde muito pequeno arrancava
Os de leite, depois os de aço.

A minha dentista não acredita.
Pensa que é charme
De poeta.

(E se aproxima
Com o sorriso
De nigeriana)

Adoro pleonasmo em um poema.
(Torna os poetas mais humanos)

Quando percebo que dei uma bela mancada,
Sofro por alguns minutos até expurgar-me
A maldição.

Depois mudo de intenção,
Assobio, saio à francesa.

Depois me manda o nome do teu babalorixá.
Tentei alguns xamãs com tendência taoísta.

Mas todos foram enfáticos em me dizer
Que em assunto de coração de poeta
Apenas aos babalorixás cabem
O destino.

E eu vago pela casa de bermudão
Cavanhaque grisalho à toa
Só esperando a hora
Do meu café.

Nem leio mais
Os meus livros.

Alguma entidade piedosa
Viu-me nascer pálido e ossudo.

Não lhe causaria surpresa se eu amasse
Em tempos de chuva o barro de parede fria.

Então essa entidade (cujo nome nunca me foi revelado)
Furou-me o pezinho com um espinho de rosa negra
E sorriu louca por mais um poeta ao mundo.

O frio da tua distância
É tão dolorido que contraio
O abdome e penso em parir um filho.

Não quebre um vaso
Na cabeça do seu amor
Só por que não gostou das flores.

Mas mande-o à pracinha
Negociar outras (e sem abelhas).

O novo jardineiro
É propenso ao suborno.

Um dia
Já dei laços
Nos seus cílios
Pra você não chorar.

Agora são os meus
Que caem nas minhas mãos.

Lembro-me daquela brincadeira mágica:
Aperto-os entre os polegares e faço um pedido.

Uma hiena não morderia
Tão forte assim, até penso
Que é algum tipo de alergia.

Caminho pela casa
Com o peito dilacerado.

E não há bálsamos,
Unguentos, hipoglós.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Imagino que você guarde entre os seios
O primeiro poema que lhe escrevi, também
Imagino aquele sutiã de renda que o prenda.

O seu coração pula,
Não fogem os versos.

Com a minha morte
Os meus travesseiros
Serão queimados, baby.

Não quero que ninguém sinta
O cheiro dos meus sonhos
E leve pra casa.

Sempre rolam lágrimas
Em jogo final.

Com o tempo de poesia
As minhas mãos criaram
Calos nos dedos e já posso

Levantar a tampa quente
Da panela de feijão
Segurando firme
Sem frescura.

(Creio que mais
Dois copos d'água
Será o suficiente)
Na minha infância
Os peixes que pescava
Viviam no topo das árvores.

Eram as folhas
De manga rosa
E manga espada.

E eu menino
Subia até o céu.

Um menino que pescava
No quintal dos seus avós.

Não é só pôr as mãos sobre o teclado
Que os dedos encontrarão o tom perfeito.

É preciso amar o piano,
Gastar as suas teclas,
Levá-lo nas costas.

As flechas que me atravessaram o corpo
Perderam a força do ódio e caíram, uma a uma,
Aos meus pés. Beije as cicatrizes e me renasça humano...

"Corta!"

(Rapaz, você é um bom ator,
Mas precisa de uma entonação trágica na voz
E aquele olhar de São Sebastião pro céu... sacou?)
A verdade é que aquelas plantinhas da varanda
Nunca me pertenceram e não sentirão minha falta.

Elas têm seus pombos
A cortejá-las e minha irmã
Para aguar-lhes os cabelos.

Estão todas mais fortes,
Altivas, brilhando de verdes.

Sequer notaram
Os meus suspiros.
Já tive meu tempo de ratos,
Baratas, escorpiões, formigas,
Lagartas-de-fogo, embuás, borboletas.

Passou.

Só não passa o tempo
De passarinhos.

O lenhador que parte
Pra floresta escura
Ou leva a fúria
Ou clareza.

Os poemas que apago
Parecem-me sempre
Dormentes.

Apáticos.
Distantes.

Como se a poesia renunciasse
Ao cargo de senhora louca
Das minhas mãos.



segunda-feira, 8 de junho de 2015

Que significa século vinte e um
Para alguém que não enxerga
Com o coração?

Pessoas que guardam espinhos
Dentro dos olhos não aceitam
O próximo e a diferença.

Violentas e tristonhas
Essas pessoas sofrem.

No íntimo vivem perdidas
Sem clareza dos grilhões
Que levam aos tornozelos.

Família nasce do amor
E não de gêneros.

Amem-se.

Rir sozinho de si mesmo
É sinal de loucura e pureza.

Desde criança investigo meu olhar
Pra ver se existe alguém dentro
Do espelho.

Às vezes,
Ouvia uma voz.
Agora é uma algazarra.

Cada entidade sonha
Com a última palavra.

Você já leu o mesmo livro
Com alguém ao mesmo
Tempo?

Rostos colados,
Mãos tocando-se
Ao virar as páginas.

Cada um no seu ritmo,
Cúmplices, generosos.

Isso é prova de amor.

Não controle o tremor
Das suas pernas nem
Prenda as borboletas
Do seu estômago.

O seu Sátiro chegou
Com o cavanhaque
Grisalho e as patas
De bode a luzir.

Os moralistas são muito tristes.
(A natureza é uma criança febril)

Contanto que você
Não me abandone,
Pode levar meu
Coração.

Tenho outro
Com alguém.

"Cachorro"

Não, não, não.
Não é o que pensa.

Imagine um mestre bonsai
Cuidando dos seus afetos.

Todos os dias desperta
Com os olhos cheios
De espanto.

Encosta o nariz
Nos ramos das
Suas pequenas.

(Sabe que sua alma
Nunca será perfeita)

Assim, minha amiga,
Que escrevo poemas.

Ao poeta a eutanásia será permitida,
Desde que sejam os passarinhos
Da sua infância a desligar
Os aparelhos.

E que tragam em seus bicos
Gravetos úmidos de nanquim
Para o último poema em vida.
Tu achas que sou maluco o bastante
A ponto de me meter nos amores
Dos outros?

Cisne que ame lagarta-de-fogo.
Javali que se apaixone por andorinha.

O meu negócio é vender flores.
E cobrar uma taxa extra ao casal
Que quiser um poema no ramalhete.
Há poetas que não precisam
De uma força oculta dirigindo-lhes
Os pensamentos, as mãos e planos.

São poetas práticos, objetivos, realistas.
Nunca encontram dificuldade no cotidiano.

Trocam lâmpadas,
Escrevem matérias geniais,
Abrem garrafas de espumante,
Não esquecem o aniversário da esposa.

Outros sequer dão um passo imaginam
Que as suas pernas não lhes pertencem.

Não entendo as mulheres
Que suportam homens felizes.

Aquele sorriso de encantamento,
Perdoo se estiverem amando.

A questão é que há homens felizes
Durante toda a vida solitários ou não.

Não entendo como os passarinhos
Suportam os poetas melancólicos
Que têm a janela de frente
Pros seus ninhos.

Que mundo
Especial,
Baby.
Aquele almoço
Que lhe parece
Apático e chinfrim
Use sua imaginação:

Junte o arroz ao feijão,
Misture-os com legumes
Ainda no vapor por minutos.

O peixe tão sem graça,
Embebede-o com azeite
E fatie sobre ele uma maçã.

Eis o milagre
Do banquete.

E nem precisei
Andar sobre águas
Para ser um messias.

O poeta que em tempos atrás foi tão romântico
Hoje em dia viaja com o semblante de homem-bomba.

Manco.

Amor bonito é aquele
Marcado pelo tempo:

Rugas, cicatrizes,
O amarelo dentro
Dos olhos, riso
Distante, névoa,
Um leve tremor
Nas veias das
Mãos.

Aquele outro tipo de euforia
É apenas aguardente de trigo.
Queria um momento a sós com você:
Ouvi-la, ouvi-la, ouvi-la, falar-lhe
De alguns segredos meus,

Beijar seu pescoço,
Morder-lhe orelha,
Fazer amor.

Depois iria pra casa da minha mãe
E você pra sua. Se a saudade apertasse,
Eu lhe enviaria um vídeo meu erótico e você
Escreveria um poema romântico. Simples assim.

O meu evangelho é a poesia.
Grande coisa, responderam-me
Os passarinhos nesta manhã fria.

Seja mais convincente, meu poeta.
Sorriu minha xícara branca de café.

domingo, 7 de junho de 2015

Só você sabe
Quando tagarelo
Com língua de fogo

E derrubo os insetos
Dos cantos das paredes

É que tarda meu coração
Dentro de um vespeiro
E ninguém consegue

Com as mãos trêmulas
De viciado em sétimo dia
Parar os cavalos selvagens.

Um brinde à falência
Múltipla dos órgãos.
A silhueta de um ancião
Sob a penumbra da janela
De um quarto soturno assusta
As andorinhas da minha calçada.

Gostaria de dizer a esse senhor
Que não vale a pena estourar
Os miolos.

Mas como pode
Um vampiro sombrio
Aconselhar outro tristonho?
Confesso que ao apagar
Um poema de amor
Longo e inútil

Sinto-me no céu
(Febre nos pulmões)

Ares de tolice
Pesam mais
Que a vida.

As unhas que caem
Não doem, meu bem.
Dizem que não é o poeta
Que encontra a poesia,

Mas a poesia
Que escolhe
O poeta.

No meu caso,
Corri atrás dela

Segurando-lhe o rabo de elefante
E as antenas de formiga diabética.

Exausta,
A poesia
Olhou-me:

"Tu és louco,
Serve-me."

Quantas vezes, meu deus,
Já fiz café nesta minha vida.

Se tivesse contado,
Eu e minha cafeteira
Não nos amaríamos
De forma tão pura.

A cada xícara
Selamos o amor.
Minha cabeça explodirá
Mas o meu coração
Está salvo.

Rejeito panaceias
Que me tragam
Sossego.

Rejeito os livros sagrados.
Rejeito amores furtivos.
Rejeito o absinto
De Epicuro.

Quebro as minhas costelas, piso-as:
Há um efeito sagrado neste meu drama.
Meu filho, ultrapasse o corredor escuro
Do casarão de seus avós e só dê ouvidos
À sua sombra. Junte sua coragem ao alforje,
Prenda na crina do seu cavalo, cavalgue, conquiste
Mundos, enfrente demônios, dragões, moinhos e não
Acredite que Sancho Pança quem cuidava de Dom Quixote.

Era o Cavaleiro da Triste Figura
Que iluminava a vida do seu vassalo.

A poesia é mais bela, meu filho,
Com o sol atravessando brumas.
Por alimentar o desejo
De ainda tê-la na minha cama
Conservo seus chinelos do jeito
Que você deixou debaixo da mesa:

Um sobre o outro,
Navios naufragando.
Se as palavras tivessem tanto poder
O poeta seria majestade e mandava
À forca os caretas cínicos e libertava
As bruxas do calabouço sombrio, mas

O que pressinto é que a cada poema escrito
O poeta se perde dentro dos próprios sapatos.

Os sapatos de Drummond
Eram uma coisa, uma coisa.
E poucos pensam naqueles
Que detestam os crédulos,
Os fiéis, os bons e justos.

Detestam, mas convivem
Sem pensar em estrangulá-los.

Pensar até pode.

E poucos compreendem aqueles
Que não sonham em salvar a alma.

Nem por isso vivem ao lado
Dos tolos demoníacos e ávidos.

Esses tristes, esses vazios,
Esses homens de péssima vontade,
Apenas ficam em seus cantos melancólicos.

Lendo um livro
E acarinhando
Um bichano.

Felizes.

sábado, 6 de junho de 2015

Deixei pra trás o último fantasma.
Um bêbado de antepassado que vivia
Seguindo-me os passos sobre meus ombros.

O poeta não julga
As suas ações.

Mas no fundo sabe
Da loucura do vinho.

Não me sinto forte
Por haver sumido
Com o corpo.

Não me iludo.
Sei que há
Outros.

Meus ombros são largos
E onde pousam passarinhos
Também caem auras de parentes
Distantes perdidos que só querem diversão.

Muita coragem bater o sino de bronze
Dentro de um mosteiro enquanto
Luzes piscam lá fora.
No dia em que uma gaivota
Morrer engasgada com uma
Espinha de peixe atravessada

Não ouvirei este coração
Que rejeita o rum e as
Cartas de baralho

Mas não esquece
As palavras e cria
Fórmulas alquímicas

Misturando carne e espírito
Só pra dizer de que são compostas
Estas mãos que nunca foram minhas.

Não me perdoe
Pela poesia.

Tu me perdeste
Por ouvir as tuas amigas
Agora para ter companhia
Terás que ouvir os oráculos.

Todos loucos no alto da colina
Jogarão búzios de estrelas

E negarão à tua alma
Uma nova chance
De morte.

A serpente não me mostrou o inferno.
Ao contrário, presenteou-me o paraíso.

Ela, o réptil bíblico e sensual,
Que ensinou ao solitário poeta

Com chantili
E chocolate
Na língua

As mulheres felizes
Jamais esqueceriam.

Só não revelou
(Por maldade
Ou distração)

Que um dia
Haveria saudade
Loucura e poemas.

E sob essas horas
Que a virtuosa serpente
(Réptil bíblico e sensual)

Escorrega pelos arbustos e cerejeiras
À espera do peito triste do sonhador.
Ontem não dormi
E achei curioso

Da minha janela
Um gatinho amarelo

Atravessando a rua
Repetidas vezes

Como se seguisse
O seu fantasma.

De madrugada,
Um pombo cinza
Que surgiu

Bicando insetos
Do meio-fio

E bebendo
Água de chuva.

Imagina meu rosto
De encanto e tédio.
E foi tão lânguido
E foi tão fino o pio

Que não mais parecia
Um corvo com toda
A sua maldição.

O frio afugentava as muriçocas,
Mas partia os meus ossos.

E era tão doce o blues
Que o poeta cantava
Em sonhos.

Aurora é um segredo
Quase passional
Do teu deus.


Durante toda a minha vida
Não me lembro de ter existido
Fora de mim mesmo: Não sou
O morador, sou a própria casa.

A casca do ovo,
O núcleo da gema.

Quando vi vocês
Com seus martelos
E ferramentas pensei

Epa, vão me tirar à força
Da minha cabeça, sabe naquela
Noite alguém entrou e era você
Tão linda com seu vestido de peles.

Uma ave de ribanceira,
Uma codorna ferida.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Pois o que passa
O que de mim foge
Tem gosto de corpo.

Mordidas
E marcas.

As maçãs
Apodrecem
De outra forma.

Não levam a sério
O éter, a dor de dente.
Ao morrer
Não levarei
O meu corpo
Nem a poesia.

Ambos
São arranjos
Para adornar
O teu coração.

Ainda me banho
Com espumas
Das tuas
Costas.

Vi um passarinho
Quebrar as patas
De um gafanhoto

E com lentidão
Bicar os olhos
Do inseto.

Gritaram-me aos ouvidos
Que havia um demônio
Dentro do coração
Do passarinho.

Tolice, filho,
É só a natureza
Bebendo mais um drinque.
Bolo com café
Olhar triste
À janela.

Moças que passam pela calçada
Sabem do meu estado apocalíptico.

Nem olham pra
Dizer coitado.

A minha doçura
(Imprevisível)
Assusta.
O meu contentamento
(Nunca houve outro)
É o ruído da corda

Em volta
Do pescoço.

Parece-me
Que mataremos
Um rato que não soube
Roubar com elegância um beijo.

Desde cedo compreendi a farsa
Dos sorrisos fáceis e perigosos.

E não levei adiante
Tal descoberta como arma,
Tatuagem no peito, um brasão.

Subi às estrelas escuras
Partilhando a poesia.
O único propósito é não entregar os pontos do peito.
Permitir ao meu coração todo o meu tragável inferno.
Sequer uma mísera ponta de dúvida da minha solidão.

Já pedi esmolas
Aos loucos.

Eis a hora
Dos amores.