terça-feira, 30 de junho de 2020

Bugigangas

Não é sacrifício
evitar o passo em falso
aquele andado meio trôpego
e a fatídica exceção a uma tolice.

O que lhe falta,
moço?

Você tem o que comer
o que beber e o dinheiro

do lúdico e também
das responsabilidades.

Seguir sob a luz da leveza
não é sacrifício, moço.

A essa altura
do campeonato
não deveria, moço,
existir dor de cabeça
por um reino de néscios.

Séculos 80

Já usei tantas vezes
fórceps e hashi
para extrair
poemas

da minha
cabeça.

Os poemas do coração
utilizo teu perfume
eau de l'arc.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Sannyasa

Até a muriçoca percebe quando
estou contemplativo de eternidade 
e evita passar perto das minhas orelhas.

Esconde o violino de cordas quebradas
e some pelas paredes da área de serviço.

Delta Do Mississippi

Nunca tive biquinho de trompetista
mas faz alguns dias que perdi a manha
de beber café - ou a minha xícara branca
vive de mal dos meus lábios: Inevitavelmente
pingos de café caem no meu peito e no bermudão.

Sujeito-me a beber meu café
lambendo a boquinha 
de porcelana

em movimentos 
circulares.

Acredito que minha pequena descobrira uma forma
intensa e rápida de chegar a orgasmos múltiplos.

sábado, 27 de junho de 2020

Apresentadora

Basta um corte
de meio palmo
na saia da mulher

para que o poeta 
enlouqueça e pule da janela 
com o jarrinho de orquídea na mão.

Magias

Seus ossos são da matéria
dos seus pensamentos
e as nuvens 

das suas
ações.

O caminho
não cai sobre
os seus ombros.

Você que escolhe e segue
cada passo e cada trilha.

Os tombos e os sustos
servem para mostrar a casa
que você abandona ou que já habita.

O tesouro
que brilha
lá fora é triste.

Colha as suas romãs
e divida com passarinhos.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Idealístico

Claro que você meu caro terá importância
para os olhos de quem se oculta aos outros

mas revela-se
ao seu coração.

A força será tanta
que seus passos
vão brincar

de voos
repentinos.

Por pouco
você sumiu
e agora é vasto.

Ninguém próximo ou distante entenderá
a energia que das multidões se reguarda

mas deixa seus ouvidos
atentos e limpos
aos pequenos
das oitis:

Os pássaros
sempre foram
amigos do peito.

Hereditariedade

Estava lavando
a minha máscara

quando resolvi alimentar
todo o meu povo e família.

Fiz uma salada de laranja, 
mamão e melão fatiados.

Ao meu filho
com nescau.

À minha mãe
salada pura.

Depois, o mesmo chocolate 
que servi ao meu filho
servi-me (seu pai), 

ou melhor,
seu coroa.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Quinta

Você não entende
os passarinhos
do pé de oiti?

Converse mais com Lola
(que não tira os olhos
da janela).

A cadelinha
conhece bem

as vozes dos
passarinhos

que saltitam
na calçada.

O Entendimento Não Regressa

A superstição só indica
a sua dúvida sobre
o caminho

que vai seguir
ou que já segue.

As cinzas demonstram
o quanto o fogo é gentil.

As nozes caem dos céus
embora seus pés na terra.

Quem sabe do olhar fiel
é aquela namorada 
cúmplice.

A luz que acende e apaga
não é a luz da eternidade.

sábado, 20 de junho de 2020

Turmalina

O eterno não se encontra
no que os seus olhos veem.

Mas naquilo
que o coração
guarda e protege.

A mudança de ares
não transformará
a sua alma.

O perfume de pétalas raras
e o cheiro forte de peixes mortos
não curvarão a luz que sobe e some.

Os três laços de amor que você deu 
na sua última vértebra ainda é pouco.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Cadelinha

A poesia jamais desaparecerá da natureza psíquica do poeta.
O poeta que alcança outro nível de obsessão e perde a graça.

Lola já não se requebra
quando ouve a minha voz.

terça-feira, 16 de junho de 2020

A Vizinha Do Térreo

Uma mulher fatiando abacaxi
observada do alto é um encanto.

Não queiras conhecer
os pensamentos da mulher.

Basta a inocente segurança 
da mulher fatiando um abacaxi

com a mesma faca 
que fatiará teu coração.

Saibas, meu poeta,
que apaixonado
o monstro

fugirá da caverna
e buscará carne
pelo caminho.

domingo, 14 de junho de 2020

Taifeiro-Mor

Comprarei para minha ex-mulher
um jogo de panelas tramontina.

Entendo a sutil degeneração dos objetos
sob a ausência de quem escreve poemas.

Aquele arroz soltinho
e aquele peixe frito

terão novos
cúmplices.

sábado, 13 de junho de 2020

Pétalas De Ontem

Depois dizem
que o poeta
não tem
a força

de evitar 
tragédias.

Pois da minha janela livrei com o pensamento forte
que uma donzela escorregasse na calçada 
molhada da chuva repentina.

Salvei do tombo a musa
que ainda deu um gritinho 
para o seu anjo da guarda.

O seu anjo 
fez-se de surdo.

Mas o jovem senhor
que escreve versos
largou a pena

e cuidou
da situação.

Afinal, o anjo da musa
é seu demônio predileto.

Matinal

A garota Lola
passará uma longa temporada
sem ver o rostinho da menina do pet shop.

A única causa
foi você ter
passado
a mão

na cabecinha
da minha cadela.

O seu carinho tão tenro 
e o perfume da sua mão,
digamos, de sacerdotisa,

inundaram meu espírito
de fabulosas sensações.

Lola passará séculos e séculos sorrindo vaidosa 
sem tomar banho com o perfume da sua mão
na cabeça e orelhas.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Suave

O inferno do outro
não me sensibiliza.

Já tive os meus
e com frequência
acordava enlouquecido.

O fogo que consumia
o meu ventre pela volúpia

agora é um fogo que pela volúpia
eleva os meus sentidos ao entendimento.

A volúpia
é redentora.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Escaravelho

A miséria nunca esteve presente no corpo.
O corpo sempre se soube corpo e não há ilusão.

Miséria existe em grande potência no espírito 
que não entende de que matéria é formado.

Cego, ataca a si através do corpo
em frescor ou na velhice.

Perde-se e afoita-se
contra o que desconhece.

O corpo sempre se soube
passageiro por natureza.

As flores que o corpo planta secam 
e morrem quando a sua seiva finda.

O espírito, cego e tristonho,
enlouquece e afoga consigo
a imagem do corpo que some.

Passarinhos

Um grande poema ou um poema medíocre
qual a importância para quem já morreu?

A poesia será ficção
enquanto o poema
não for escrito.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

As Vestes Que O Fogo Não Queima

A poesia é a ponte de rompimento
com o pacto ilusório do homem
pelo homem. O poema nunca 
caminha sozinho: Existem
duas pontas da corda,
uma que está no alto
e outra no fundo 
do poço.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Sementes De Laranja

O meu primeiro amor
fazia aquele tipo de tranças
com bobes de ferro e produto alisante
(embora seus cabelos de mel fossem plumas)

mas fazia 
e encantava-me.

Natural que ao ver uma mulher
com aquele penteado de trancinhas
em ondas de espirais caindo pelos ombros 
da minha janela eu chore e suspire aos céus.

sábado, 6 de junho de 2020

A Dócil

A melancolia de Lola
chega a ser mística
debaixo da mesa
pensando 

naquele tempo
de abandono.

Lola aproveita-se da metafísica de sua tristeza
e não me ouve suplicar por sua presença na sala.

A cadelinha sabe
que tenho na minha mão
a seringa para seus remédios.

Sussurra alguma coisa mágica
e tapa os olhos com as patas.

Dark

A minha pele é muito sensível,
sobretudo das minhas bolas.

Cuidado com o piercing
de cobre na sua língua.

Como lhe disse um dia,
ainda tenho muitas
terras férteis pra
fecundar, baby.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Canções

Você acredita
que já fui cantor?

Mudava o timbre
sem que notassem.

Daí, chamaram-me
desafinado, um horror.

Parei de cantar
e continuei escrevendo.

Canções, baby,
escrevo canções.

Pois, a cantar
sou triste astro.

Sabedoria Na Casa De Mãe

Liberdade
é transitar
entre dois
lugares,
ou mais,
e não
dizer.

Poemas são duros de escrever
quando não querem ser ditos.

Mas, ó-lá-lá,
se querem,
gostam.

Diga, filho,
qual novidade?

O amor
é digno.

Siga,
filho,
amando.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Engenhos

Observando Lola
lambendo-se

medito sobre
a vida dos cães.

Em particular,
a vida dessa
cadelinha
Lola.

Quatro anos de solidão,
e há três meses adotada.

Ração das boas,
água e esporte.

Sem falar da perfumaria,
medicina veterinária,
laços vermelhos
e ciganos.

Lambendo-se
Lola não reflete
sobre sua existência.

Mas decerto sente
que a vida mudou
de espinhos para
flores aquáticas.

Vendo Lola
lambendo-se

concluo que alguma força
observa as minhas ruminações
e ama minha cabeça maluquinha.

Litoral

Dentro da minha gaveta
(a um braço de onde estou)
guardo cartas antigas, moedas
de ouro e um bom punhado de erva.

Mediante o clima do ritual,
utilizo as líricas lembranças
das cartas de amor, a temperatura
das moedas de ouro e a fluidez da erva.

A cada passo,
segurança.

Esqueça as armas do passado,
a fúria e os desejos de pântano.

De onde estou
estiro o meu braço
e toco minha gaveta.

O coração,
ouve?

Dante Alighieri

O meu nariz
é simbólico.

Já entrou em frias
pra chuchu, baby.

Cheirou pelos, pó, éter,
axilas, nucas e virilhas.

Quebraram-no
duas vezes.

A primeira,
na infância

por um soco
de uma criança
bem mais velha.

A segunda,
na mocidade

por outro soco
ciúme louco
de rival.

E veja só,
o meu nariz
é um sobrevivente.

Ares epifânicos,
místicos, galantes.

Ultimamente
senhor de si.

Não entra em ciladas
tampouco é levado
a sério

pelas camponesas
que continuam 
colhendo 
maçãs

usando decotes
magníficos.

Dia Dos Bruxos

Ainda sou um menino mau
e jogo carocinhos de laranja
pela janela da minha varanda.

Antigamente
era perverso
e jogava

cartas
de amor.

Algumas vizinhas
passaram a me odiar
por meu romantismo.

Até o dia em que cheguei
com uma xícara na mão
pedindo açúcar

à porta
de cada
uma delas.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Deleite

Agora que você não tem nenhum vínculo
com os antigos demônios quem o espera?

O banquete está posto
na sua nova casa
e as moscas
fugiram.

Alimente-se
da sua voz

e cave
um túnel
para guardar
os seus poemas.

Secreto

Não há a menor chance
nem a mínima possibilidade
de agouros funestos perturbarem
a sua cabeça e causarem enjoos ao seu coração.

O entendimento
é um suave
fogo.

A volúpia é doce,
a coragem é delicada.

Acredite, foi o vento
que derrubou a sua fotografia
e a mariposa que entrou no quarto
só queria lhe agradecer o seu presente.

Tabelião

Os meus segredos eu só confesso
em transe consciente, ou seja, 
escrevendo meus poemas.

Jamais ouvirá da minha boca
embriaguez irritante e patética.

Principalmente
porque parei
de encher
a cara.

De cheirar
e fumar.

A fantasia também
tem um fim, filho.

E o que planto 
é a verdade.

Óbvio, a verdade do meu ponto de vista.
Do seu ponto de vista é a sua verdade.

Precisei parar de ficar bêbado,
cheirar cocaína e fumar pedra
pra acreditar no meu mistério.

Meu mistério
que se expande
para você, filho.

Nada de outro mundo,
enlouquecedor e obscuro.

Transformações

Depois que entendemos
que o estímulo das multidões
é a ignorância, passamos então
a amar a solidão e adorar os objetos.

No meu caso, sobretudo 
a xícara branca de café.

Já se foi o tempo em que fazia
negócios com a poesia e o mundo
girava em torno da minha obsessão 
por sombras que lessem meus poemas.

Quem hoje em dia vier à minha casa
saberá que em cada palavra 
existe um transtorno.

Não há outro meio particular de ver o sol
dentro da bota engolindo a meia
ou de uma flor debaixo 
da escrivaninha

se não for
pela poesia.

terça-feira, 2 de junho de 2020

Gênios

Quando o meu filho me diz:
"Relaxe, pai, relaxe."

Entro em meditação profunda
encho garrafas de areia colorida
e vamos vendê-las em Jericoacoara.

Mas sob essa sombra pandêmica
eu e meu filho resolvemos plantar
abóboras e aproveitando as sementes
alimentamos todos os tipos de passarim.

O meu rapaz
menciona que
os meus olhos
são de graúna.

Fico feliz,
mas permaneço
em meditação profunda.

Floricultura

Já escrevi alguns poemas para ti,
acredito que chegada a hora
de beijar os teus lábios.

Por favor,
não sejas tímida,
tu sabes a que lábios
eu me refiro: um palmo
abaixo do teu umbigo, baby.

Onde nascem flores
em riacho sagrado.

Missionária

Amor eterno
ou amor que finda
são distrações da sua cabeça.

O amor, em si,
é o selo da eternidade
e não faz parte dos suspiros
dos corações ingênuos e vulgares.

A propósito, estive pensando
como despertá-la dessa loucura.

Mas é tão fascinante
vê-la eufórica e febril

entre multidões 
e na cama.

Pareço-lhe esnobe?
Você não viu meu fantasminha.

Pássaros e Oitis

Acabou de chegar o meu suplemento proteico BCAA.
Hei de fortalecer meus braços e as costelas a fim
de suportar a sua alma ninfomaníaca, baby.

Entretanto, acredite, 
na hora de escrever
não quebro o lápis.

Seguro a pena
com a brandura
de um ser etéreo.

E a minha voz é doce de alfenim
com um ácido debaixo da língua.

Rajadas

Você parou para pensar
que o último poema
é este?

O último poema
sempre será aquele
que acabou de escrever.

Uma mulher de luto
passa pela calçada
e me chamam
atenção

seus cabelos ruivos,
a gravidez recente,
os óculos.

Até esqueci
o que escreveria
sobre o último poema.

Vacaria

Anjos que tocam trombetas
anunciando minha vinda,
aviso-lhes, vão ficar
de castigo.

Silêncio,
meus amores.

Desejo o mundo
do jeito carnal
que somos.

Não ousem tocar suas trombetas
invocando a minha luminosidade.

Ninguém morrerá por meus olhos
nem por minha poesia, meus amores.

Tampouco aos céus
do reino fabuloso
serão salvos.

Amo o mundo
do jeitinho carnal
de que tenho na memória.

Por favor, não toquem suas trombetas
anunciando os meus versinhos diários.

Ninguém é maior nem menor 
que a própria sombra, meus amores.

O tamanho exato,
abstrato e fictício.

Oh, juro,
meus amores.

Agora, sigam
e toquem um blues.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Avivamento

O bom Sátiro
nunca se esquece
dos seus cascos de bode.

Afinal, caso esquecesse,
onde escreveria seus versos?

Não há tábua ou papiro
mais reconfortante.

Craterdã

As mulheres 
que você comeu
e as centenas seduzidas
por sua voz de espantalho

já sorriem
para estranhos.

Aliás, as mulheres
só amam enquanto
sentem atração pelo
ocultismo da palavra.

Depois que você se mostra
capaz de ser um covarde
calculando a sua grana,

então, meu amigo,
é hora de plantar
ópio na varanda.

Você precisa de contatos
que transem a sua fortuna.

Veja a cotação da papoula
do Cratinho de açúcar, hein?

Candelabro

Não leia poemas
como se fosse
uma louca.

Poesia é uma espécie
de demônio equilibrado.

Se você ler muitos poemas
como se fosse uma louca
perderá a sensatez
do delírio.

Esquecerá a voz
que guia cegos.

Tentará voar
com chumbo
nas costas.

Não leia poemas
como se quisesse
matar a sua fome.

Poesia é o mundo exausto 
de bem-aventuranças.

Ou 
sei lá 
o quê.

Ouça-me, 
não leia poemas
como se fosse mágica.

Arranque uma unha
com seus dentes

e assopre da janela
o seu último prazer.

Ou 
sei lá
o quê.