quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O Sax de John Coltrane

Você pode andar
com as próprias
pernas e portanto

poderá cair em um
poço escuro cavado
diante dos seus olhos.

Mas você não viu
por andar tão louco 
das pernas trôpegas 
de rum ou de cocaína.

Volte então a andar
com as próprias pernas
e bem diante do poço escuro
cavado a um palmo do seu nariz

dê um pulo,
ultrapasse
o poço
triste

segurando-se no rabo
de uma arara gigante.

E não se esqueça das gargalhadas
de criança ou das gargalhadas de Deus.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Substancial

A poesia tímida

receia entre


partículas

e cheiros.


Mas da mente abstrai

o frasco de perfume

do primeiro

amor.


Fiel depositária

do território

do encanto


a poesia tímida

bebe um cálice

de licor com

John Locke.


As asas e as folhas

na minha varanda

são ideias relativas


dos pássaros e árvores

que sempre vejo ou que sonho.

domingo, 27 de setembro de 2020

Semente de mostarda

O conhecimento

do que se contempla

não necessita de palavras.


Não é manchado

de tristeza e vazio

a fonte de fogo e luz.


Além dos pensamentos

existe o que se contempla.


Além do que se contempla

morrem todas as ideias.


E somente pela entrega

do que não se possui

seguramos o fio


que circula o princípio

e que não tem fim.

sábado, 26 de setembro de 2020

Tertúlia

Singelos passarinhos

que me visitam sem

a janela eu abrir 

ou baterem 

à porta,


Se danos cairão sobre

os seus ombros,

voam.


E você me pergunta

se já matei passarinhos.


Enterrei

apenas

um.


Aquele da infância

na caixa de papelão.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Âmago

Escrever poemas

cabe àquele


que nunca

do amor

fugiu.


E o amor

tem muitas

faces e flores.


Por vezes

é de espinhos

que nos abrem a mente.


Sabei, meu filho,

o ganho será eterno.


Pois o que se ganha 

será repartido com a matéria 

em proporções extraordinárias:


Da terra amanhecem sementes,

dos céus nascem sol e sombras.

Lagunas

De madrugada

o galo canta


e as novinhas

acordam felizes:

já colheram maçãs

e nenhuma envenenada.


A natureza da carne

são experiências

indizíveis.


Os segredos, se envelhecem,

perdem a graça, mas o que morre

é a vontade de se querer encantado.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Os sonhos têm sabor de baunilha

A eternidade já juntou todos os búzios

e todas as pérolas em sua homenagem.


A única magia

que enlouquece

o meu coração

é a sua dança


segurando uma latinha de cerveja

de camiseta preta sem escrúpulos

branquinha, sapeca, sacerdotisa.


Digo-lhe que a eternidade

já fez do seu olhar pagão

a minha crença noutra vida:


O seu corpo de fêmea

é a ponte de pétalas

para o encanto

da carne.

domingo, 20 de setembro de 2020

Amores

Não tenho sede de viver sufocado 
pois das mil fontes tenho bebido 
ah delícias, ah infernos 

e em todas as margens 
encontro passos de fantasmas 
que mudam orquídeas de janelas

conversando com seus botões mágicos
que por ora morrem e que por ora acordam. 

Pássaros não se cansam
das suas penas nem
os seus olhos

da terra
e nuvens.

Ah delícias,
ah infernos.

A razão pura
tem o fim 
supremo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Mandala

Será você o espaço entre o vazio e as formas. Não fugirá do ser o que ao ser é dado por existência e fluidez. Os animais que voam e os que se escondem sabem do profundo caminho. Os peixinhos de riacho e os de corais dão voltas dentro da casa de quem vive no aquário. Conhecem as maravilhas das águas que seguem e dos corais que brilham. Entendem e amam os que dormem.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Salto

Cazuza, Cartola, Cartola, Cazuza cantam a mesma angústia de Kierkegaard. Arboredos, chapadas, nascente. Volte, boa memória, da natureza de Rousseau: sanduíches, cachoeira, baseados.