LACAIO DA POESIA
"a minha morte é lenta, pois o amor não se acaba..."
segunda-feira, 27 de julho de 2020
Infância
Dos muitos insultos
que os fantasmas vociferaram
contra a minha vida e meu destino
egocêntrico
era o mais
comum.
Mas que mal pode
ruir sobre minha cabeça
se nuvens de rostos somem
diante da clareza quando acordo?
Se nem
durmo.
domingo, 26 de julho de 2020
Engenho
Os passarinhos respiram
quando estão cantando.
Quando não cantam
estão a meditar sobre
as lagartas e humanos.
Se querem uma fruta
voam até lá e bicam-na.
Se têm sede
mergulham
em poças.
Se preferem um menu excêntrico
(a parasitas e outros insetos)
fazem uma assepsia
no lombo
de um burro velho.
sábado, 25 de julho de 2020
Costelas de Éter
Você dirá que acabou
a minha obsessão poética
a loucura em cortar o pulso
para ver o sangue e admirá-lo
em breves suspiros
pelas paredes.
Creio que de fato chegou ao fim
o cilindro de oxigênio desse cadáver.
sexta-feira, 24 de julho de 2020
Cabide
Com o tempo,
na leveza e doçura,
os objetos começam a ter
a importância de um cabide
para a toalha
de banho.
Coisa simples,
fato simples
(meio que
sem vontade
de ser escrito).
terça-feira, 14 de julho de 2020
Nescau
Agora você sabe
que não terá fim
o nosso encanto -
útero, língua,
palavras.
O que dissermos, filho,
a eternidade propaga,
queima e joga
debaixo
da ponte
as cinzas.
Os peixes
conhecem
a temperatura
dos nossos sonhos.
segunda-feira, 13 de julho de 2020
Bolachas
Voltei a ser um bom camarada
com aquelas formigas
da toalha de mesa.
Não limpei
os farelos.
Que engordem
na disciplina
de faquir.
Em outra tarde
deixarei poças
de sorvete
e creme.
sábado, 11 de julho de 2020
Burgo
Os frades tão fragilizados
por terríveis orações
aos céus
e mil pensamentos
da carne
enquanto caminham ao mercado sofrem de pânico:
A nuca das camponesas exala o inferno, sonham.
Pulsações Aromáticas
Quando começamos a esquecer o caminho de casa
oh, meu querido, é que já estamos prestes a cair
no poço e dormir na escuridão.
O disfarce e ardis
da patética loucura
é tocar trombetas do efêmero
julgando eternidade aos sons.
As flores hipnotizam borboletas
mas também ferram as abelhas.
sexta-feira, 10 de julho de 2020
O Lusitano Caolho
Para um míope
paquerar da janela
é desastroso, docinho.
Embora a vista
seja um profundo
encanto feminil
cheio de magia.
Da janela do quarto
escrevo versos e vejo
o profundo encanto feminil
em sensuais gracejos de candura.
quinta-feira, 9 de julho de 2020
Ligações Aéreas
O preço da tua lucidez
é a clareza que não escapa
nem por entre teus cílios
nem pelo abismo dos dedos.
Areia, orvalho,
vapores e brumas -
nada se esconde
da tua mente.
O coração é um observador
do estado da alma e o que diz
é da conta apenas das vértebras.
O coração não conversa
com as vozes da mente.
Oferece
às vértebras
o testemunho
do sangue.
Basta-me o sangue
que não é frívolo
para festejar
a vida.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
Café
Já fui crucificado, baby.
Não guardo mágoas
nem aquela coroa
de espinhos.
Dentro da minha caixa de sapatos
só cabem moedas antigas, uma
florzinha de pétalas murchas
e as tuas últimas cartas.
Fiz um mapa
até tua casa.
Quero te mostrar
o som de um trompete.
Pois olha, meu bem,
aprendi a tocar
o instrumento
do diabo.
Antes só vivia
de flauta doce
feita de bambu
debaixo de tua janela
e tu morrias de tédio.
Agora, meu bem,
as mulheres do diabo
requebram ao meu solo.
Mas tu, incrédula,
detestas o delta
do Mississippi.
E satirizas o meu coração
com tuas agulhas de acupuntura.
Vaidade e Sigilo
Magnífico mesmo
é o não-encontro:
a fantasia
e quimeras
roendo-se
de vontades.
O meu corpo
que não verás
admiro todo dia.
A minha gargalhada
e o riso silencioso
que nunca
tocarás
alegram os objetos
da casa de minha mãe.
Sabemos que nossas mentes
fertilizam-se pela distância.
As nossas mãos permanecem
mãos de náufragos brincando
com garrafas vazias e gravetos.
Subterfúgio
Ora, ora, ora -
você ainda pensa
em cortar os pulsos
por vacilos gramaticais?
Palavras, seres e objetos -
tudo é graça, meu doce.
Se troco vocábulos masculinos
por femininos é que na minha cabeça,
alma, espírito, psique e paralelos ocultos -
tudo, baby,
é feminino.
(bela desculpa,
hein, Sophia?)
Desfile
Adoro as oitis
da minha calçada.
Os pássaros
que tocam
gaitas
e tudo
mais.
Entretanto, enlouqueço
quando uma camponesa
de short branco estiloso
caminha pela outra calçada
e não posso desfrutar do Éden:
Os galhos (como garras de um inimigo)
impedem por zombaria o encantamento.
terça-feira, 7 de julho de 2020
Vinicius
A força é suave
e remove peixes
podres do caminho.
Só peixe fresco
de olhos luminosos
alimentam o espírito.
Vendedores de peixes podres
vivem envenenando as multidões.
As multidões preferem
peixes podres fáceis de engolir
a peixes frescos luminosos ocultos.
Oh, quanto dó
das multidões
enlouquecidas.
Prendem o oxigênio
arrebentam os pulmões
e escolhem o céu duvidoso.
Não conhecem o perfume
do mar repleto de peixes
frescos e luminosos.
Entregam a alma
aos vendedores
de peixes
podres.
Oh, quanto dó
dos fracos e tristes
que vociferam bobagens
e dormem prontos
para a violência.
domingo, 5 de julho de 2020
Ciranda
Morro de carinhos
pela senhorita Lola
e depois
vou lavar
minhas mãos.
Sei que a senhorita Lola
(a cadela adotada)
é bem limpinha,
mas
sabe-se lá
dos pensamentos
das pulgas apaixonadas.
sábado, 4 de julho de 2020
As Oitis
Você põe fé que existe
uma dor de cabeça
boa, meu amor?
Aquela, meu docinho,
fruto da total lucidez.
Acredita que até minha erva
perdeu o glamour jazzístico?
Adoro a minha cara de bisão
e a doce alma de passarinho
à espera de nada e ninguém.
Dos galhos das oitis
as criaturinhas dos céus
fizeram flautas e bandolins.
Nenhuma andorinha
nem bem-te-vi foram
acusados de vadiagem.
Ato
Antes de dormir
apago um poema.
Não vacilo
entre versos
fracos e tristes.
São armadilhas
para a loucura
que espreita.
E morde
a língua
o vento
da noite.
sexta-feira, 3 de julho de 2020
Estrondo
Faz um tempo que recorro ao vazio
e os ossos uivam e a carne (exuberante)
encontra o entendimento na febre do espírito.
Somos peregrinos da grande surpresa
que provoca luz ao útero -
antigamente,
de barro e fábulas
e desgraçado pavor, baby.
Veja o que foi alterado
dentro da sua cabeça
e os seus pés
agora voam.
As ideias
têm mãe
e pai.
Se dormem ao relento, oh,
é só por magia, meu docinho.
Nir-bana
Então, baby?
A iluminação
é algo corriqueiro.
Deveria ser comum
e entrar no calendário
das pessoas mais fortes.
Sabe quando
o anel no dedo
é um presente?
quinta-feira, 2 de julho de 2020
Das Levezas
Já escrevi poema
sobre o apito
da chaleira.
Sobre a timidez
e o medo de Lola.
Sobre meu espírito
e as minhas bolas.
Sobre o meu bigode
e a metafísica dos objetos.
Já escrevi poema
sobre as cicatrizes
do meu pulso esquerdo.
Sobre os passarinhos
das árvores de oiti.
Sobre a camaradagem
do meu bermudão surrado.
Já escrevi poema
sobre o meu primeiro amor
e sobre a magia negra do cinismo.
Já perdi alguns dentes.
Já perdi meus óculos.
Já escrevi poema
sobre as romãs
da clínica
e sobre a psicóloga
os cílios postiços
e seus sapatos.
Já escrevi poema
sobre a morte
do louco.
Sobre a chuva,
sol e festins.
Já escrevi poema
sobre fantasmas
da infância.
A dor, a doçura
e a fatalidade.
O apito da chaleira
é só uma súplica
da água
fervendo.
Navegante
Raspei a cabeça, baby,
do jeito que tu gostas
e tu queres
que enfrente
os ávidos.
As minhas armas
são perigosíssimas.
Uma bala soft, baby,
engasga o apaixonado.
Cresceu o poeta, minha querida,
e de cocaína degusto hoje em dia
o melhor café
da paróquia.
Minha mãe diz
que morrerei
com fama
do mais talentoso
fazedor de café
da Colômbia.
Tragédia Consumada É Tão Patética
O poeta que não escreve versos
é aquela espécie de pescador
que se cansou de pescar
e vive debaixo de um barco velho protegido
da chuva abraçado a uma garrafa de conhaque.
As sereias e as serpentes marinhas
também já se esqueceram da sua voz.
E não existe saudade
onde não há desprezo.
Pudico
Raramente
depilava-me
mas ao conhecê-la
é agora um doce hábito.
Compro um sabonete especial
e um barbeador de última geração
e relaxo sob os seus sonhos e cuidados.
Sei da sua sensibilidade
no terreno das minhas bolas.
quarta-feira, 1 de julho de 2020
Partituras
Não lhe confessarei os meus segredos obscenos, baby.
Se fosse você minha potranca de crina encaracolada
seria minha alma a de um cavalo de dote irresistível.
Mas sou um ser etéreo,
carnal e distante.
Não convém que eu atice
a sua imaginação e febre.
A minha língua
que reza poemas
é aquela mesma língua bifurcada
que idolatra salgadas margens
das grutinhas de caboclas.
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