Não passa por minha mente a hipótese:
última vez em que farei o cafezinho
e andarei até a varanda.
No entanto, sem alarde
partindo desse mundo
não quero levar nenhuma lembrança
[boa ou danesca] que me faça
prender uma lágrima já vestido
do paletó de madeira.
Não lembro por que me lançaram
nessa maravilha de ringue e de coliseu.
Sei que tenho lutado com tantos gigantes
e com ferozes leões [todos frutos
da minha imaginação]
que pouco restará do frescor dos olhos
quando bater o sol espatifar a vidraça.
Uma coisa tenho certeza:
não estarei lerdo.
Nunca estive.
Nem mesmo naquele tempo
em que acreditava reais
os gigantes com seus caninos
os leões com as jubas de fogo.
Não passa por minha mente
[deus me livre] um adeus
aos meus objetos e às pessoas
que atravessaram minha sombra
e não notaram algo diferente
na silhueta das asas.
Mas se é para falar da morte
então vestido de lilás mortalha
saiba que não estarei dormindo
tampouco ligado às lembranças
[flores ou alfinetes] estarei apenas
ouvindo uma descomunal anjinha
tocando flauta os lábios carnudos.
Não passa por minha mente
[saravá meu pai] viajar agora
ou evaporar para sempre.
É que há tanto silêncio em volta
que me vejo feliz e saltitante.
Digamos, uma perfeita tarde
para despedidas.
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