Mais terrível que entrar na cova dos leões
é entrar na cova dos leões e tentar um diálogo.
Ou use a sua espada
ou ore muito por sua alma.
Se os leões ajoelharem-se
e lamberem as suas mãos:
acredite então em milagre.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
santuário de nuvens
Imagina, meu bem,
que duas vezes na vida
procurei a morte: primeiro
com a faca de cortar pão e depois
com um tubo de comprimidos pesados.
Da primeira tentativa
ainda trago no pulso
nódoas brancas
dos riscos.
Da última vez fizeram
uma lavagem estomacal.
A enfermeira na despedida
confidenciou-me que eu não parava
de vomitar flores: violetas, lírios, orquídeas.
que duas vezes na vida
procurei a morte: primeiro
com a faca de cortar pão e depois
com um tubo de comprimidos pesados.
Da primeira tentativa
ainda trago no pulso
nódoas brancas
dos riscos.
Da última vez fizeram
uma lavagem estomacal.
A enfermeira na despedida
confidenciou-me que eu não parava
de vomitar flores: violetas, lírios, orquídeas.
sopro
Só aguardo o dia
em que o meu coração
baterá à porta do quarto
e dirá - "hora de nós dormirmos,
meu jovem e cúmplice senhor,
para sempre..."
em que o meu coração
baterá à porta do quarto
e dirá - "hora de nós dormirmos,
meu jovem e cúmplice senhor,
para sempre..."
intimidade
Ópio e vinho
terão seus dias.
Neste instante, porém,
sou todo da escrivaninha.
Que sensual rebola
quando lhe roço
o braço.
terão seus dias.
Neste instante, porém,
sou todo da escrivaninha.
Que sensual rebola
quando lhe roço
o braço.
sementes de mostarda
Não me canso de escrever poema
pelo simples fato do devaneio
atacar-me tão lúcido
quanto uma dor
de dente.
Amarro um lenço
em volta do queixo
por cima da cabeça
e ando pela casa
tropeçando.
pelo simples fato do devaneio
atacar-me tão lúcido
quanto uma dor
de dente.
Amarro um lenço
em volta do queixo
por cima da cabeça
e ando pela casa
tropeçando.
buffet
Quando jogarem o buquê:
acalme-se, não corra, não atropele
as suas inimigas, as amigas, a parentada.
O buquê cairá
em nossa mesa.
Não se trata de ilusionismo
nem milagre de Santo Antônio:
apenas fiz um trato com a noiva.
Ou ela cumpre
ou espalho na internet
o nosso tempo de aventuras.
Em que eu era um sátiro lírico e feliz
e ela uma atriz pornô atrás de fama.
Portanto, meu docinho,
relaxe e beba seu drinque.
acalme-se, não corra, não atropele
as suas inimigas, as amigas, a parentada.
O buquê cairá
em nossa mesa.
Não se trata de ilusionismo
nem milagre de Santo Antônio:
apenas fiz um trato com a noiva.
Ou ela cumpre
ou espalho na internet
o nosso tempo de aventuras.
Em que eu era um sátiro lírico e feliz
e ela uma atriz pornô atrás de fama.
Portanto, meu docinho,
relaxe e beba seu drinque.
noviço
Ao teu lado por muito tempo
descobririas tiques e segredos
que devem permanecer únicos
às minhas formigas e às portas.
O nosso amor perderia o viço
se pendurada aos meus ombros
fosses pouco a pouco desvendando
as caretas que faço e os frêmitos
quando escrevo e me desligo.
E quão forte seria teu choque
ao perceber que o poema
nunca vai embora
sem que me beije os dedos
e passe a língua nas orelhas.
descobririas tiques e segredos
que devem permanecer únicos
às minhas formigas e às portas.
O nosso amor perderia o viço
se pendurada aos meus ombros
fosses pouco a pouco desvendando
as caretas que faço e os frêmitos
quando escrevo e me desligo.
E quão forte seria teu choque
ao perceber que o poema
nunca vai embora
sem que me beije os dedos
e passe a língua nas orelhas.
batatas de outras terras
Se aqui se colhe
o que se planta
por isso então
carrego
preso à corcunda
um balaio de sonhos.
o que se planta
por isso então
carrego
preso à corcunda
um balaio de sonhos.
o último suspiro das botas
Se havia um motivo aparente desconhecia.
Mas não é bom discutirmos com a voz
que vive antes do poeta dentro
do coração.
Alguns só ouvem batimento cardíaco.
Eu ouço mensagens claríssimas
ainda que tape os ouvidos
e corra pela casa
nu e louco.
Levantei-me então da cama -
lavei os olhos, escovei os dentes,
abaixei a tampa do vaso [acredite].
O sol bateu no meu rosto
sem aviso prévio apenas
por sadismo queimou
dois ou três cílios.
Continuei andando firme e forte.
Andei pelo centro, periferia, beira-mar.
Cansado voltei ao meu quarto
e larguei meus tênis debaixo
da escrivaninha.
As minhas velhas botas em estado de coma
abraçaram os tênis corados do passeio
e sugaram até a última gota de suor
do que reina lá fora.
Incrível o que ouvimos dos nossos objetos:
sim, meu bem, as minhas botas
acabaram de falecer.
Mas não é bom discutirmos com a voz
que vive antes do poeta dentro
do coração.
Alguns só ouvem batimento cardíaco.
Eu ouço mensagens claríssimas
ainda que tape os ouvidos
e corra pela casa
nu e louco.
Levantei-me então da cama -
lavei os olhos, escovei os dentes,
abaixei a tampa do vaso [acredite].
O sol bateu no meu rosto
sem aviso prévio apenas
por sadismo queimou
dois ou três cílios.
Continuei andando firme e forte.
Andei pelo centro, periferia, beira-mar.
Cansado voltei ao meu quarto
e larguei meus tênis debaixo
da escrivaninha.
As minhas velhas botas em estado de coma
abraçaram os tênis corados do passeio
e sugaram até a última gota de suor
do que reina lá fora.
Incrível o que ouvimos dos nossos objetos:
sim, meu bem, as minhas botas
acabaram de falecer.
domingo, 13 de outubro de 2013
sabonete cremoso
O medo te fará recuar de mim:
e recuando, recuando, recuando
do poeta acabarás caindo no abismo.
Mesmo que eu pule e estique o braço,
meus dedos nunca tocarão os cabelos
de uma mulher
assustada.
e recuando, recuando, recuando
do poeta acabarás caindo no abismo.
Mesmo que eu pule e estique o braço,
meus dedos nunca tocarão os cabelos
de uma mulher
assustada.
pôquer
Não descarte nenhuma possibilidade:
o trunfo não é uma carta na manga,
mas todo o baralho da imaginação.
Embaralhe as suas convicções
qual uma gueixa usa o leque.
É fatal na artéria
do pescoço.
o trunfo não é uma carta na manga,
mas todo o baralho da imaginação.
Embaralhe as suas convicções
qual uma gueixa usa o leque.
É fatal na artéria
do pescoço.
casadinho
Não há como amansar a minha dor:
ela tem o mesmo perfume na pele de um bisão
ou dentro da caixa de sapato entre as antigas cartas.
Estável,
perene,
sã.
ela tem o mesmo perfume na pele de um bisão
ou dentro da caixa de sapato entre as antigas cartas.
Estável,
perene,
sã.
pintura
Vejo teus cactos tomando sol
e eu noto a ausência
de um jarrinho
no parapeito
da tua janela.
Morreu um cacto teu
ou fugiu para meu banheiro?
e eu noto a ausência
de um jarrinho
no parapeito
da tua janela.
Morreu um cacto teu
ou fugiu para meu banheiro?
analogia de uma despedida
Tu sabes que um artilheiro
marcará um gol apenas
pelo jeito em que ele
encara o goleiro
baixa a cabeça
e bate na bola.
Tu também sabes
o perfume da saudade
quando um pássaro chega
à tua janela te sangra os olhos
bem fundo e parte brilhando as asas.
marcará um gol apenas
pelo jeito em que ele
encara o goleiro
baixa a cabeça
e bate na bola.
Tu também sabes
o perfume da saudade
quando um pássaro chega
à tua janela te sangra os olhos
bem fundo e parte brilhando as asas.
choro de criança
Muita felicidade
em um dia especial
faz a criança ter pesadelo.
Os antigos sabiam muito bem
como domesticar os deuses:
cautelosos entre
a euforia e o tédio
amamentavam-nos.
em um dia especial
faz a criança ter pesadelo.
Os antigos sabiam muito bem
como domesticar os deuses:
cautelosos entre
a euforia e o tédio
amamentavam-nos.
bilhete depois da guerra
O poema quando se comporta
feito uma porta sem mistério
o poeta amadurece.
Sem lance de asas
e túneis invisíveis.
O tempo que ganho
escrevendo poemas
é o que pagará à morte
essa atitude de desleixo.
feito uma porta sem mistério
o poeta amadurece.
Sem lance de asas
e túneis invisíveis.
O tempo que ganho
escrevendo poemas
é o que pagará à morte
essa atitude de desleixo.
literalmente
Na minha última saída deixei na porta da choparia
a sola do meu sapato social. Cheguei em casa
louco e sem a língua do bendito sapato.
Depois disso
venho escrevendo
com mais regularidade.
O que me faz sorrir
é o escárnio da balconista
que me vendeu o último chope.
a sola do meu sapato social. Cheguei em casa
louco e sem a língua do bendito sapato.
Depois disso
venho escrevendo
com mais regularidade.
O que me faz sorrir
é o escárnio da balconista
que me vendeu o último chope.
sábado, 12 de outubro de 2013
dos extremos o vazio
O ferro de engomar
é o mais altivo dos objetos
sempre de bico para cima:
não lhe importa
se frio ou quente.
O mais triste
é uma caneta
seca de doer.
é o mais altivo dos objetos
sempre de bico para cima:
não lhe importa
se frio ou quente.
O mais triste
é uma caneta
seca de doer.
interior
Dedique uma música à sua namorada
e espere tocar no rádio tarde da noite.
Abrace os seus travesseiros
arranque-lhes as penas
e as esponjas -
se ela estava dormindo
a culpa é do vinho
em demasia.
e espere tocar no rádio tarde da noite.
Abrace os seus travesseiros
arranque-lhes as penas
e as esponjas -
se ela estava dormindo
a culpa é do vinho
em demasia.
nódulos
Um centímetro acima do moinho
o vento perde a sua majestade.
Prefiro no momento o quarto
à janela: sei do mapa
que tenho debaixo
do braço.
E os piratas com seus brincos
não engolirão a desculpa
de flores e rua.
Eles querem ouro,
baby, ouro, ouro.
Terão no meu enterro
não durante minha vida.
o vento perde a sua majestade.
Prefiro no momento o quarto
à janela: sei do mapa
que tenho debaixo
do braço.
E os piratas com seus brincos
não engolirão a desculpa
de flores e rua.
Eles querem ouro,
baby, ouro, ouro.
Terão no meu enterro
não durante minha vida.
minhas meninas ectoplasmas
Além do que os olhos veem
existe um zigue-zague de almas
entre meus braços que ao abraçá-la
outra alma desconhecida corre e escapa.
Amor, não se preocupe -
cada alma tem o seu dono.
No meu caso que vivo em um harém
todas as almas são minhas e vestem lençóis brancos.
existe um zigue-zague de almas
entre meus braços que ao abraçá-la
outra alma desconhecida corre e escapa.
Amor, não se preocupe -
cada alma tem o seu dono.
No meu caso que vivo em um harém
todas as almas são minhas e vestem lençóis brancos.
transparência
Você se decepcionará com os outros.
Oxalá essa tragédia ocorra,
meu doce.
Mas se esquive
da espada na sua garganta
erguida por sua própria mão.
Não suba ao cadafalso
pelas suas pernas - fuja
do carrasco de si mesma.
Se o outro é a sua imaginação,
você não é embuste da sua dor.
Oxalá essa tragédia ocorra,
meu doce.
Mas se esquive
da espada na sua garganta
erguida por sua própria mão.
Não suba ao cadafalso
pelas suas pernas - fuja
do carrasco de si mesma.
Se o outro é a sua imaginação,
você não é embuste da sua dor.
dislexia
Só uma única vez o coração é cínico:
segura todo o sangue e não divide
com o resto do corpo.
Nesse momento
de morte cerebral
os cupidos trabalham.
Quando recobram a memória
os apaixonados estão no altar.
Ou seria
no abismo?
segura todo o sangue e não divide
com o resto do corpo.
Nesse momento
de morte cerebral
os cupidos trabalham.
Quando recobram a memória
os apaixonados estão no altar.
Ou seria
no abismo?
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
reflexos
Mexo com o pescoço
e olho para a porta
a me certificar se ela permanece
devorada por cupins até o ventre.
Às vezes passam luzes...
Ok, meu bem, sei
que são as sombras
dos insetos da lâmpada.
e olho para a porta
a me certificar se ela permanece
devorada por cupins até o ventre.
Às vezes passam luzes...
Ok, meu bem, sei
que são as sombras
dos insetos da lâmpada.
estranheza
Os gatos passeavam e namoravam pelo telhado -
sob as cobertas eu imaginava lá em cima
fantasmas e contava
os dedos das mãos e dos pés
até voltar o silêncio das telhas frias.
Eu sabia que eram frias
as telhas do casarão
dos meus avós.
Nem as patas dos gatos
e os meus fantasmas
eram mais frios.
sob as cobertas eu imaginava lá em cima
fantasmas e contava
os dedos das mãos e dos pés
até voltar o silêncio das telhas frias.
Eu sabia que eram frias
as telhas do casarão
dos meus avós.
Nem as patas dos gatos
e os meus fantasmas
eram mais frios.
pontos nevrálgicos
A minha dor de cabeça
não aperta as têmporas
nem alucina um homem
meio tonto por natureza.
A minha dor de cabeça
na verdade não parece
que é minha a dor
ou que é minha
a cabeça.
Uma dor que suporto
sem comprimidos,
compressas,
ópio.
E a cabeça fora do lugar
encaixa-se melhor no poema.
não aperta as têmporas
nem alucina um homem
meio tonto por natureza.
A minha dor de cabeça
na verdade não parece
que é minha a dor
ou que é minha
a cabeça.
Uma dor que suporto
sem comprimidos,
compressas,
ópio.
E a cabeça fora do lugar
encaixa-se melhor no poema.
epifania de sacis
Quando o vento bate nas portas
e as portas tremem loucas
as paredes entendem
a linguagem.
Ou tu acreditas que somente
é ventania - e as portas
e paredes são surdas?
e as portas tremem loucas
as paredes entendem
a linguagem.
Ou tu acreditas que somente
é ventania - e as portas
e paredes são surdas?
cão de guarda
Dormindo eu sabia que dormia
e que a ideia não passava
de um sonho
mas esqueceram de avisar
a quem não dormia comigo
e fomos nós -
nevoeiro e lucidez -
ao encontro da poesia.
e que a ideia não passava
de um sonho
mas esqueceram de avisar
a quem não dormia comigo
e fomos nós -
nevoeiro e lucidez -
ao encontro da poesia.
migalhas e orações
Pedinte o que sempre fui
pedinte de coisas da terra
de coisas dos céus e de coisas
dentro do abismo que só as orquídeas
conhecem quando chove pelas paredes.
E de pedir em demasia
sem respeito e sem aguardo
de novas e adequadas horas
parece que outra mão brota
na palma da minha
aberta.
pedinte de coisas da terra
de coisas dos céus e de coisas
dentro do abismo que só as orquídeas
conhecem quando chove pelas paredes.
E de pedir em demasia
sem respeito e sem aguardo
de novas e adequadas horas
parece que outra mão brota
na palma da minha
aberta.
selvagem
Dos sonhos em que caminhava
eu te deixei o vazio -
entenderás agora
o que é ser um espantalho sem cabeça
fincado no centro de uma plantação de girassóis.
eu te deixei o vazio -
entenderás agora
o que é ser um espantalho sem cabeça
fincado no centro de uma plantação de girassóis.
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
zarpando bolas de sabão
O universo agora
tem mil esferas
circulando
em volta
da cabeça
de um alfinete -
penduradas no teto do meu quarto
bastam-me as mil traças usando
vestidos cauda de peixe.
tem mil esferas
circulando
em volta
da cabeça
de um alfinete -
penduradas no teto do meu quarto
bastam-me as mil traças usando
vestidos cauda de peixe.
quando sátiro toca sax
Se você me pega a mão
e me diz que caminho
ao contrário da luz
do sol
que lhe doura
os cabelos negros
deixando-os áureos
com filtros de magia
e que ao caminhar
sigo em passos
tristes,
dou-lhe a mão com prazer
e passo para a sua rua
sua trilha -
eu não temo, minha querida,
que a felicidade me faça mal.
e me diz que caminho
ao contrário da luz
do sol
que lhe doura
os cabelos negros
deixando-os áureos
com filtros de magia
e que ao caminhar
sigo em passos
tristes,
dou-lhe a mão com prazer
e passo para a sua rua
sua trilha -
eu não temo, minha querida,
que a felicidade me faça mal.
cítaras
Não é descascando batatas
que atravessarei o atlântico
nem recitando meus poemas
para marujos bêbados e cortesãs diabólicas
tampouco na cabine do capitão fumando ópio.
Deem-me apenas a pilha de louças:
os cristais, as xícaras de cerâmica
e porcelana, os bules antigos da vovó,
as frigideiras de aço, as panelas de alumínio,
os garfos, colheres de sopa e de chá, as facas.
Não se acanhem,
deem-me todo o trem
que a cada peça brilhando sobre a mesa
é um poema que abro ao meio como abriria um peixe.
E ainda tenho a vantagem
de não lavar as mãos
após o trabalho
sujo.
que atravessarei o atlântico
nem recitando meus poemas
para marujos bêbados e cortesãs diabólicas
tampouco na cabine do capitão fumando ópio.
Deem-me apenas a pilha de louças:
os cristais, as xícaras de cerâmica
e porcelana, os bules antigos da vovó,
as frigideiras de aço, as panelas de alumínio,
os garfos, colheres de sopa e de chá, as facas.
Não se acanhem,
deem-me todo o trem
que a cada peça brilhando sobre a mesa
é um poema que abro ao meio como abriria um peixe.
E ainda tenho a vantagem
de não lavar as mãos
após o trabalho
sujo.
a gravidade da melancolia
Os cães, dizem os seus donos,
nunca esquecem quem os alimenta.
E as botas largadas debaixo da escrivaninha
haverão de esquecer os pés do lenhador de gravetos?
Receio que ao calçá-las
elas rosnem e me mordam.
Faz séculos que mofam
com os seus bicos sisudos
presos às paredes por teias.
Como me lembro da felicidade delas
mascando chicletes e pisando folhas secas
imbatíveis em calçadas douradas ou chuvosas.
Era um reino de músculos,
de passos fortes e sonhos.
Agora, ei-las -
com os seus bicos sisudos
presos às paredes por teias.
nunca esquecem quem os alimenta.
E as botas largadas debaixo da escrivaninha
haverão de esquecer os pés do lenhador de gravetos?
Receio que ao calçá-las
elas rosnem e me mordam.
Faz séculos que mofam
com os seus bicos sisudos
presos às paredes por teias.
Como me lembro da felicidade delas
mascando chicletes e pisando folhas secas
imbatíveis em calçadas douradas ou chuvosas.
Era um reino de músculos,
de passos fortes e sonhos.
Agora, ei-las -
com os seus bicos sisudos
presos às paredes por teias.
blasé
Escreva o seu discurso na hora da sua morte.
Em que todos estiverem em volta do buraco.
Tome a palavra do padre, seja breve, elegante.
Peça para que os aldeões retornem aos vilarejos.
Andem descalços pela casa, descasquem laranjas.
Leiam pros seus filhos fábulas, filosofia, ensinem
matemática e não esqueçam poesia e jardinagem.
Que namorem mais do que sonham e sejam leais.
Se o filho quer ser médico explique-lhe o que raios
é amigdalato e se o sal em excesso é um veneno
também o açúcar é uma péssima companhia desmedido.
Se a filha deseja ser sacerdotisa caminhe com ela pelas
matas e acampe três dias e três noites em volta de um rio.
Se o mais novo sonha em ser lutador profissional não gargalhe.
Mas não escreva o seu discurso antes da sua morte que traz má sorte.
Diga todas essas bobagens a quem estiver presente só na hora em que
a corda ranger as argolas de bronze do seu caixão de janelinha embaçada.
Devolva a palavra ao padre, conforte-se, embora seja cedo e nunca anoiteça.
Em que todos estiverem em volta do buraco.
Tome a palavra do padre, seja breve, elegante.
Peça para que os aldeões retornem aos vilarejos.
Andem descalços pela casa, descasquem laranjas.
Leiam pros seus filhos fábulas, filosofia, ensinem
matemática e não esqueçam poesia e jardinagem.
Que namorem mais do que sonham e sejam leais.
Se o filho quer ser médico explique-lhe o que raios
é amigdalato e se o sal em excesso é um veneno
também o açúcar é uma péssima companhia desmedido.
Se a filha deseja ser sacerdotisa caminhe com ela pelas
matas e acampe três dias e três noites em volta de um rio.
Se o mais novo sonha em ser lutador profissional não gargalhe.
Mas não escreva o seu discurso antes da sua morte que traz má sorte.
Diga todas essas bobagens a quem estiver presente só na hora em que
a corda ranger as argolas de bronze do seu caixão de janelinha embaçada.
Devolva a palavra ao padre, conforte-se, embora seja cedo e nunca anoiteça.
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
glândulas salivares
Por onde anda aquela toalha
e os incensos e o óleo
quando deitávamos
para não dormir...
por onde andam
os teus sinais
na virilha...
e os incensos e o óleo
quando deitávamos
para não dormir...
por onde andam
os teus sinais
na virilha...
lágrimas
Aprendi a rezar quando escrevi o primeiro poema.
Deus abriu os dois olhos e piscou para mim -
"não vás tão longe, rapaz, só a chuva
não floresce o jardim..."
Deus abriu os dois olhos e piscou para mim -
"não vás tão longe, rapaz, só a chuva
não floresce o jardim..."
blues
Na infância assediava as esperanças
aqueles bichinhos verdes que chegavam
à soleira da minha porta e sempre que os via
era um encanto - atualmente assedio a árvore
da minha calçada e as formigas da minha xícara.
Uma justa troca
ou apenas uma troca humana
da inocência pela doce canalhice.
aqueles bichinhos verdes que chegavam
à soleira da minha porta e sempre que os via
era um encanto - atualmente assedio a árvore
da minha calçada e as formigas da minha xícara.
Uma justa troca
ou apenas uma troca humana
da inocência pela doce canalhice.
um filho de luz ou um filho de ácaros
De nada sei ausente do entardecer:
as nuvens que mudam de cor
também mudam de olhar.
E não me apavora o sabor de mundos estranhos
se a minha língua nesta hora tem o gosto de café.
as nuvens que mudam de cor
também mudam de olhar.
E não me apavora o sabor de mundos estranhos
se a minha língua nesta hora tem o gosto de café.
baby
Se me vem esse contentamento
de chegar ao quarto e ver
sobre o sofá uma pena
sei lá de qual ave
já é sagrado
meu dia.
Pela textura,
leveza e cor
deve ser pena
de abutre ou corvo.
Os bem-te-vis
e os beija-flores
fugiram da calçada.
Creem eles
por esses dias
ando muito pesado.
Com mania
de escuridão
e embriaguez.
de chegar ao quarto e ver
sobre o sofá uma pena
sei lá de qual ave
já é sagrado
meu dia.
Pela textura,
leveza e cor
deve ser pena
de abutre ou corvo.
Os bem-te-vis
e os beija-flores
fugiram da calçada.
Creem eles
por esses dias
ando muito pesado.
Com mania
de escuridão
e embriaguez.
um bolero das antigas
Desilusão teria nesta minha fabulosa vida
se o meu coração não fosse um aprendiz:
é moço ainda,
um rapazote
atraído
por amores
descabidos.
Aproxime-se do infinito
e finde-se, amigo
passarinho.
se o meu coração não fosse um aprendiz:
é moço ainda,
um rapazote
atraído
por amores
descabidos.
Aproxime-se do infinito
e finde-se, amigo
passarinho.
a loucura da senhora escrivaninha
A minha escrivaninha queima de melancolia.
E a cada poema em labaredas - ela geme,
descabela, suplica "por favor, subindo
mais pelas pernas..."
E a cada poema em labaredas - ela geme,
descabela, suplica "por favor, subindo
mais pelas pernas..."
o medo
Coragem não é cortar os pulsos
quando a alma deixa o corpo
e diz "tudo bem, garoto
faça-o."
Coragem e passar um longo tempo
vendo uma formiga carregar na cabeça
todo o peso da árvore nas matizes da folha.
E se a formiga me olha os olhos e me diz
"tudo bem, garoto, faça alguma coisa..."
O que faço então com a faca:
corto o pão, corto os pulsos
ou passo margarina
na bolacha?
quando a alma deixa o corpo
e diz "tudo bem, garoto
faça-o."
Coragem e passar um longo tempo
vendo uma formiga carregar na cabeça
todo o peso da árvore nas matizes da folha.
E se a formiga me olha os olhos e me diz
"tudo bem, garoto, faça alguma coisa..."
O que faço então com a faca:
corto o pão, corto os pulsos
ou passo margarina
na bolacha?
terça-feira, 8 de outubro de 2013
das febres e dos frêmitos
Preciso de alguém que me olhe
mesmo morto, frio e sem palavras.
Olhe os meus olhos e apare
nas pontas dos dedos a lágrima da vida
que nunca tive, que nunca tive, que nunca tive.
Se houvesse magia suficiente
estaria ao teu lado dormindo.
mesmo morto, frio e sem palavras.
Olhe os meus olhos e apare
nas pontas dos dedos a lágrima da vida
que nunca tive, que nunca tive, que nunca tive.
Se houvesse magia suficiente
estaria ao teu lado dormindo.
o deserto dos gafanhotos
Por ser carne há ossos
que festejam a queda.
E a quantas tolices estarei atento
quase pronto para mais abismos.
Por alguma coisa
além da carne
e dos ossos
dá vontade
de sorrir.
E a quantas tolices estarei atento
sujeito sem um fim próximo
que não seja o tempo
do poema.
E se passa tão rápido
entre as falanges
dos dedos
cada verso
roído de fogo
tenho então por mim
que alguma eternidade
é feita logo mais adiante.
que festejam a queda.
E a quantas tolices estarei atento
quase pronto para mais abismos.
Por alguma coisa
além da carne
e dos ossos
dá vontade
de sorrir.
E a quantas tolices estarei atento
sujeito sem um fim próximo
que não seja o tempo
do poema.
E se passa tão rápido
entre as falanges
dos dedos
cada verso
roído de fogo
tenho então por mim
que alguma eternidade
é feita logo mais adiante.
revirando papiros antiquíssimos
O desejo existe,
não é lutando
contra ele
que serás forte
e sábio -
mas conhecê-lo
e entender-lhe
a fraqueza.
A vida é uma cicatriz ilusória,
não um ferimento aberto.
Olha pela janela
e nesse minuto
de euforia
alguém que não és tu
ainda é alguém e vive.
não é lutando
contra ele
que serás forte
e sábio -
mas conhecê-lo
e entender-lhe
a fraqueza.
A vida é uma cicatriz ilusória,
não um ferimento aberto.
Olha pela janela
e nesse minuto
de euforia
alguém que não és tu
ainda é alguém e vive.
supremos paralelos
O poema não é o de mais valioso
que o caçador traz aos ombros -
o poema é apenas a caça do dia.
Valiosos são os gravetos
em que o poeta pisa
silencioso.
E não me diga que é uma pena
os gravetos depois de pisados
virarem nuvens - assim é a vida
pra quem adora os dois mundos.
que o caçador traz aos ombros -
o poema é apenas a caça do dia.
Valiosos são os gravetos
em que o poeta pisa
silencioso.
E não me diga que é uma pena
os gravetos depois de pisados
virarem nuvens - assim é a vida
pra quem adora os dois mundos.
aliança fora do dedo
Quando voltar a tristeza eu te juro
que não me escondo debaixo da cama.
Receberei a tristeza
com o mesmo respeito
que agora alimento essa alegria.
que não me escondo debaixo da cama.
Receberei a tristeza
com o mesmo respeito
que agora alimento essa alegria.
os jardins do ébrio
O que nos cabe
senão o amor
a lotar a alma
até sorrirmos?
O que nos cabe
senão a doçura
a gemer o peito
até sorrirmos?
O que nos cabe
senão o silêncio
a furar o dedo
até sorrirmos?
O que nos cabe
senão a saudade
a florir o jardim
e o jardineiro
a cuidar-lhe
do sorriso?
senão o amor
a lotar a alma
até sorrirmos?
O que nos cabe
senão a doçura
a gemer o peito
até sorrirmos?
O que nos cabe
senão o silêncio
a furar o dedo
até sorrirmos?
O que nos cabe
senão a saudade
a florir o jardim
e o jardineiro
a cuidar-lhe
do sorriso?
terça-feira, 1 de outubro de 2013
deduções e carapuças
Para escrever poemas
não preciso que o céu
caia nem que o inferno
levante-se até os olhos.
Para teu governo,
não finjo na cama
nem quando as mãos
sem sentido se perdem.
A questão é chegar ao gozo
com o olhar meio bambo
e lágrima.
não preciso que o céu
caia nem que o inferno
levante-se até os olhos.
Para teu governo,
não finjo na cama
nem quando as mãos
sem sentido se perdem.
A questão é chegar ao gozo
com o olhar meio bambo
e lágrima.
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