Você acredita que me conhece.
E se eu lhe dissesse que tenho o rabo
preso entre a porta do céu e a do inferno?
Bom é saber que nem os anjos legais
nem os outros decaídos se importam
com meus versos e minha tenra angústia.
Não creio em coisa alguma senão na poesia.
E o mais belo é que o poema passa
como os carros de boi
passam.
Mas aquele som das rodas de madeira
fica eterno dentro da alma da gente.
segunda-feira, 11 de março de 2013
o coxo
Mais uma noite sem dormir andando pela casa de muleta
feito um monge a pagar pelos pecados da juventude.
Até os fantasmas se compadeceram
do meu patético estado e me fizeram
companhia relembrando velhos tempos
em que eu os prendia no guarda-roupa
a torturá-los sem piedade.
Veja só, querida.
Hoje são eles que me aliviam
dessa solidão terrível de tendões inflamados.
Se houvesse ópio na casa
eu encheria minha alma
mas no meu quarto
só há versos.
Alguns já velhinhos de bengala bebendo
seu chazinho e seus biscoitos de gergelim.
Os meus fantasmas nunca mais vou prendê-los
dentro do guarda-roupa ou debaixo da cama.
Foram justamente os meus fantasmas
nessas duas noites seguidas de sofrimento
que me deram a mão e passearam comigo.
Na cozinha de madrugada
as baratas pensam que o reino é delas.
Mas como matá-las
caxingando sem forças
sequer pra segurar um copo d'água?
Aliás, foi uma fantasminha interessante
que me levou o copo à boca e me disse:
"bebe, mocinho, e não se esquece
do seu comprimido, hein?"
Quando eu morrer, querida,
vou me casar com essa fantasminha.
feito um monge a pagar pelos pecados da juventude.
Até os fantasmas se compadeceram
do meu patético estado e me fizeram
companhia relembrando velhos tempos
em que eu os prendia no guarda-roupa
a torturá-los sem piedade.
Veja só, querida.
Hoje são eles que me aliviam
dessa solidão terrível de tendões inflamados.
Se houvesse ópio na casa
eu encheria minha alma
mas no meu quarto
só há versos.
Alguns já velhinhos de bengala bebendo
seu chazinho e seus biscoitos de gergelim.
Os meus fantasmas nunca mais vou prendê-los
dentro do guarda-roupa ou debaixo da cama.
Foram justamente os meus fantasmas
nessas duas noites seguidas de sofrimento
que me deram a mão e passearam comigo.
Na cozinha de madrugada
as baratas pensam que o reino é delas.
Mas como matá-las
caxingando sem forças
sequer pra segurar um copo d'água?
Aliás, foi uma fantasminha interessante
que me levou o copo à boca e me disse:
"bebe, mocinho, e não se esquece
do seu comprimido, hein?"
Quando eu morrer, querida,
vou me casar com essa fantasminha.
domingo, 10 de março de 2013
um gato rixento
Meu filho é um garotão de onze anos
que adora artes marciais
e quando me visita vive
a esmurrar portas e paredes.
Certo dia quebrou a pata
do gato da sua vó
em uma chave
de braço.
A partir daí (tenho impressão)
o gato ao vê-lo acena
com os dedos juntos
para um novo
desafio.
Se o gato da sua vó aparecer novamente
com a outra pata quebrada
ou o olho roxo
a culpa será
desse gato brigão.
que adora artes marciais
e quando me visita vive
a esmurrar portas e paredes.
Certo dia quebrou a pata
do gato da sua vó
em uma chave
de braço.
A partir daí (tenho impressão)
o gato ao vê-lo acena
com os dedos juntos
para um novo
desafio.
Se o gato da sua vó aparecer novamente
com a outra pata quebrada
ou o olho roxo
a culpa será
desse gato brigão.
uma alma gentil
Romântico é um homem muito feliz.
Eu que não conheço felicidade
sou apenas um bárbaro.
Mas isso não me impede
de quando venho do trabalho
estender o braço e tocar as flores
dos jardins alheios ou passar mais de uma hora
observando um pombo coçando as costas e dando pulinhos.
Eu que não conheço felicidade
sou apenas um bárbaro.
Mas isso não me impede
de quando venho do trabalho
estender o braço e tocar as flores
dos jardins alheios ou passar mais de uma hora
observando um pombo coçando as costas e dando pulinhos.
simpatia
Você não precisa gostar de mim
mas me convide às vezes
pra passearmos juntos
que lhe mostro o segredo do sol
que bate na calçada e ilumina
uma fenda no pé da árvore
onde mora uma lagartinha-
de-fogo.
Há quanto tempo que você
não vê uma lagartinha-de-fogo?
Vou contar-lhe um segredo:
sabe por que nos queima a pele
se a lagartinha-de-fogo nos toca?
Porque ela vive ocupada
com seus mil braços
e mil pernas
passando roupas
e frisando os cabelos
com chapa quente de ferreiro.
mas me convide às vezes
pra passearmos juntos
que lhe mostro o segredo do sol
que bate na calçada e ilumina
uma fenda no pé da árvore
onde mora uma lagartinha-
de-fogo.
Há quanto tempo que você
não vê uma lagartinha-de-fogo?
Vou contar-lhe um segredo:
sabe por que nos queima a pele
se a lagartinha-de-fogo nos toca?
Porque ela vive ocupada
com seus mil braços
e mil pernas
passando roupas
e frisando os cabelos
com chapa quente de ferreiro.
isla negra
Quando conheci Pablo Neruda
eu era um peixe pequeno,
asmático e trêmulo.
O poeta chileno teve muito cuidado
em retirar da minha boca o anzol
e mais zelo ainda ao jogar-me
no cesto.
Não houve tempo para me debater.
Pablo Neruda acarinhou minhas escamas.
Olhou-me amorosamente e deu-me um beijo.
Na mesma boca ainda sangrando do anzol.
Subiu uma ladeirinha íngreme assobiando
uma canção de sua aldeia e do alto
respirou fundo admirando o mar.
Eu, peixe pequeno e asmático,
também suspirei emocionado.
Sabia que meu destino
era o fogo e o sal.
Meti logo o dedo na minha goela e entreguei-lhe uma carta
de um jovem que sonhava em ser poeta e aprender coisas.
Coisas do tipo:
pescar e amar
os peixes.
eu era um peixe pequeno,
asmático e trêmulo.
O poeta chileno teve muito cuidado
em retirar da minha boca o anzol
e mais zelo ainda ao jogar-me
no cesto.
Não houve tempo para me debater.
Pablo Neruda acarinhou minhas escamas.
Olhou-me amorosamente e deu-me um beijo.
Na mesma boca ainda sangrando do anzol.
Subiu uma ladeirinha íngreme assobiando
uma canção de sua aldeia e do alto
respirou fundo admirando o mar.
Eu, peixe pequeno e asmático,
também suspirei emocionado.
Sabia que meu destino
era o fogo e o sal.
Meti logo o dedo na minha goela e entreguei-lhe uma carta
de um jovem que sonhava em ser poeta e aprender coisas.
Coisas do tipo:
pescar e amar
os peixes.
sábado, 9 de março de 2013
o degredado
A poesia é uma excelente prisão:
todos os dias eu limpo a vidraça
com meu hálito para que aves
sintam inveja da mocidade
das minhas asas.
As grades lustro usando meus cílios.
E o teto é o bico das minhas botas.
As francesinhas que passeiam
sobre meu prato sempre me
guardam uma migalha
em noites de fome.
E água quem me traz
é uma velha lagartixa.
Bebo da boca dela
e só reclamo quando
sinto gosto de formiga.
No mais, a poesia é uma excelente prisão.
Sobretudo para jovens senhores
cansados da velhice.
todos os dias eu limpo a vidraça
com meu hálito para que aves
sintam inveja da mocidade
das minhas asas.
As grades lustro usando meus cílios.
E o teto é o bico das minhas botas.
As francesinhas que passeiam
sobre meu prato sempre me
guardam uma migalha
em noites de fome.
E água quem me traz
é uma velha lagartixa.
Bebo da boca dela
e só reclamo quando
sinto gosto de formiga.
No mais, a poesia é uma excelente prisão.
Sobretudo para jovens senhores
cansados da velhice.
saudades de marinheiro
Creio que já falei que a minha xícara antiga
em cujos lábios deixei as marcas dos meus dentes
quebrou-se e tive de jogá-la à lixeira da área de serviço.
Por alguns minutos mantive a parte intacta
sobre a estante e até pensei em conservá-la
com o resto de café que havia colado no fundo.
Logo acordei do delírio
e entendi que a minha xícara
mesmo esfarelada dentro da lixeira
não concordaria com essa espécie de mumificação.
Poderia, isso sim,
ter guardado em uma caixa de sapato
suas cinzas e a parte dela que não se quebrou.
Todas as tardes beijaria seus lábios
e lembraria do tempo em que
éramos uma só cerâmica
e uma só alma.
em cujos lábios deixei as marcas dos meus dentes
quebrou-se e tive de jogá-la à lixeira da área de serviço.
Por alguns minutos mantive a parte intacta
sobre a estante e até pensei em conservá-la
com o resto de café que havia colado no fundo.
Logo acordei do delírio
e entendi que a minha xícara
mesmo esfarelada dentro da lixeira
não concordaria com essa espécie de mumificação.
Poderia, isso sim,
ter guardado em uma caixa de sapato
suas cinzas e a parte dela que não se quebrou.
Todas as tardes beijaria seus lábios
e lembraria do tempo em que
éramos uma só cerâmica
e uma só alma.
tríade
O grande trabalho do pescador não é lançar a rede.
Bem antes há de ter o faro de um lenhador.
Escolher a árvore certa.
E depois toda a sensibilidade do carpinteiro
para deixar nos trinques o seu pequeno barco.
Só aí, então, o pescador
ora aos céus e joga
sua rede ao mar.
Bem antes há de ter o faro de um lenhador.
Escolher a árvore certa.
E depois toda a sensibilidade do carpinteiro
para deixar nos trinques o seu pequeno barco.
Só aí, então, o pescador
ora aos céus e joga
sua rede ao mar.
não chores
Estive pensando como amo o mundo.
Seus sorvetes e suas bombas.
Como amo,
como amo
o mundo.
Seus algozes
e seus jardineiros.
O céu que nos engana
fazendo cara que vai chover.
E lá vem o sol
com seus óculos escuros.
Um dia desses atravessei a praia
de um extremo a outro descalço
conversando com as ondas
pra que não molhassem
meu bermudão.
Como amo o mundo.
Seus caranguejos e seus tubarões.
Um tubarão quando não está faminto
parece um golfinho ansioso
por um afago.
O risco é ser esse tubarão um vigarista
e nos comer a mão, o braço, o corpo inteiro.
Como eu amo os golfinhos.
Estes se estão entediados
podem nos atacar,
mas de leve.
Pelo menos os meus golfinhos.
Nunca se sabe o golfinho do outro.
Há golfinhos de certa gente
que é mais carnívoro
que um tubarão
louco.
Por isso, meu filho,
olhe bem pro seu coração.
Indague-se que tipo de golfinho
você alimenta quando está sozinho.
Seus sorvetes e suas bombas.
Como amo,
como amo
o mundo.
Seus algozes
e seus jardineiros.
O céu que nos engana
fazendo cara que vai chover.
E lá vem o sol
com seus óculos escuros.
Um dia desses atravessei a praia
de um extremo a outro descalço
conversando com as ondas
pra que não molhassem
meu bermudão.
Como amo o mundo.
Seus caranguejos e seus tubarões.
Um tubarão quando não está faminto
parece um golfinho ansioso
por um afago.
O risco é ser esse tubarão um vigarista
e nos comer a mão, o braço, o corpo inteiro.
Como eu amo os golfinhos.
Estes se estão entediados
podem nos atacar,
mas de leve.
Pelo menos os meus golfinhos.
Nunca se sabe o golfinho do outro.
Há golfinhos de certa gente
que é mais carnívoro
que um tubarão
louco.
Por isso, meu filho,
olhe bem pro seu coração.
Indague-se que tipo de golfinho
você alimenta quando está sozinho.
os pássaros são formigas
Mudaram-me de quarto
depois que fantasmas
fugiram da porta
da velha porta
morta de cupins.
Não sofram, meus amores.
Já estou quase completo
nessas questões
de dor.
Não da dor trivial do corpo.
Dor normal que é dor de dente
nem da unha do dedão arrancada de um chute.
Mudaram-me de quarto
para estarem próximos
do meu corpo.
Não sabem eles que o meu corpo é um guardião cansado.
A qualquer instante pode acordar atordoado imaginando
o fim do mundo e pular da varanda.
Da varanda, meus amores, é um pulo insignificante.
No final do ano viajarei pras bandas do Tibete.
Dizem que lá há verdadeiros penhascos
dignos de uma morte definitiva.
Mudaram-me de quarto.
E me sinto melhor.
Não pelo quarto em si
mas pelos novos amigos
que estou conquistando:
insetos ainda desconfiados
meio incrédulos da minha solidão.
depois que fantasmas
fugiram da porta
da velha porta
morta de cupins.
Não sofram, meus amores.
Já estou quase completo
nessas questões
de dor.
Não da dor trivial do corpo.
Dor normal que é dor de dente
nem da unha do dedão arrancada de um chute.
Mudaram-me de quarto
para estarem próximos
do meu corpo.
Não sabem eles que o meu corpo é um guardião cansado.
A qualquer instante pode acordar atordoado imaginando
o fim do mundo e pular da varanda.
Da varanda, meus amores, é um pulo insignificante.
No final do ano viajarei pras bandas do Tibete.
Dizem que lá há verdadeiros penhascos
dignos de uma morte definitiva.
Mudaram-me de quarto.
E me sinto melhor.
Não pelo quarto em si
mas pelos novos amigos
que estou conquistando:
insetos ainda desconfiados
meio incrédulos da minha solidão.
olhares
Uma torneira pingando
apenas uma torneira pingando
e o inepto poeta não consegue trocar por outra
falta a chave apropriada embora eu já tenha
tentado com os dentes mas os meus dentes
de bom vampiro não servem pra morder
e girar torneiras pingando.
Os meus caninos são adaptados para morder
pescoços de meninas ingênuas e também
daquele tipo de menina esperta
que no fim da noite
convida-nos toda maliciosa
pra uma última taça de vinho.
Engraçado, nunca soube ao certo
depois de morder os pescoços
das minhas meninas
o que de fato é vinho na taça
e o que é sangue manchado
na minha camisa branca.
apenas uma torneira pingando
e o inepto poeta não consegue trocar por outra
falta a chave apropriada embora eu já tenha
tentado com os dentes mas os meus dentes
de bom vampiro não servem pra morder
e girar torneiras pingando.
Os meus caninos são adaptados para morder
pescoços de meninas ingênuas e também
daquele tipo de menina esperta
que no fim da noite
convida-nos toda maliciosa
pra uma última taça de vinho.
Engraçado, nunca soube ao certo
depois de morder os pescoços
das minhas meninas
o que de fato é vinho na taça
e o que é sangue manchado
na minha camisa branca.
uma manhã singela
Vale a pena estar vivo por esse momento
de há pouco vindo da padaria uma chuvinha fina
e como não havia de ser comendo
o biquinho do pão com os olhos chorosos.
Os pequenos animais que não vemos
mas que andam nos seguindo pelas calçadas
certamente também conviveram comigo desse deleite.
E eu andava vistoso, altivo, meio preguiçoso
cheio de esperança de um mundo tranquilo
em que nos bastaria apenas ir à padaria
debaixo de uma chuvinha fina
e comer os biquinhos dos pães.
de há pouco vindo da padaria uma chuvinha fina
e como não havia de ser comendo
o biquinho do pão com os olhos chorosos.
Os pequenos animais que não vemos
mas que andam nos seguindo pelas calçadas
certamente também conviveram comigo desse deleite.
E eu andava vistoso, altivo, meio preguiçoso
cheio de esperança de um mundo tranquilo
em que nos bastaria apenas ir à padaria
debaixo de uma chuvinha fina
e comer os biquinhos dos pães.
zumbi
O poema tem suas manias.
E cada um é mais louco que o outro.
Tive de acordar já tarde porque
um certo poema simplesmente
ordenou-me que eu fosse ao banheiro
e não me esquecesse de fazê-lo vivo.
E como se faz vivo um poema,
digam-me, senhores, quando o artífice
já anda morto do cansativo dia debaixo de sol.
O poema não se importa com minhas frescuras.
Se trabalhei como peão ou se havia tomado
comprimido para dormir.
Os poemas, como disse, cada um tem sua tática.
Este que agora escrevo levantou-me da cama
a apavorar-me sob um pesadelo
em que eu mijava sem fim.
Na minha idade não há escapatória.
Vai que de fato realiza-se a maldição do poema?
Como de costume venceu-me o poema
e por mistérios e armadilhas
desses sujeitos -
levantei-me,
pus-me as mãos sobre o teclado
e fiz dele, desse poema sacana,
um verdadeiro homem distinto
com mil palavras na boca e um riso
envaidecido de quem ganha a batalha
contra o seu próprio parceiro de trincheira.
Satisfeito, senhor poema?
Agora, por favor, leve-me pra cama.
E cada um é mais louco que o outro.
Tive de acordar já tarde porque
um certo poema simplesmente
ordenou-me que eu fosse ao banheiro
e não me esquecesse de fazê-lo vivo.
E como se faz vivo um poema,
digam-me, senhores, quando o artífice
já anda morto do cansativo dia debaixo de sol.
O poema não se importa com minhas frescuras.
Se trabalhei como peão ou se havia tomado
comprimido para dormir.
Os poemas, como disse, cada um tem sua tática.
Este que agora escrevo levantou-me da cama
a apavorar-me sob um pesadelo
em que eu mijava sem fim.
Na minha idade não há escapatória.
Vai que de fato realiza-se a maldição do poema?
Como de costume venceu-me o poema
e por mistérios e armadilhas
desses sujeitos -
levantei-me,
pus-me as mãos sobre o teclado
e fiz dele, desse poema sacana,
um verdadeiro homem distinto
com mil palavras na boca e um riso
envaidecido de quem ganha a batalha
contra o seu próprio parceiro de trincheira.
Satisfeito, senhor poema?
Agora, por favor, leve-me pra cama.
sexta-feira, 8 de março de 2013
o amor é um troço bacana
As mulheres mesmo que me matem
adoro-as sufocando-me debaixo
do travesseiro ou aplicando
cianureto em minha veia.
O meu grande sonho é morrer pelas mãos de uma mulher.
Seja segurando firme um travesseiro ou uma seringa.
Agora, se possível, deem-me antes um aceno,
um beijo, um afago, uma lágrima sobre
meu ombro e se despeçam.
Eu não me perdoaria a mim mesmo se porventura acordasse
noutro mundo sem a voz feminina dentro do meu coração
dizendo apenas que foi inevitável minha morte.
Que eu era muito triste e cínico
e tudo que escrevi o vento
sem esforço levou.
Digo-lhes, minhas mulheres,
que existe um segredo:
o vento não sabe das suas unhas
que guardo dentro do bolso
do meu bermudão.
As suas unhas vento algum leva.
E mesmo depois de morto darei um jeito
de plantar na minha cova novas orquídeas das unhas de vocês.
adoro-as sufocando-me debaixo
do travesseiro ou aplicando
cianureto em minha veia.
O meu grande sonho é morrer pelas mãos de uma mulher.
Seja segurando firme um travesseiro ou uma seringa.
Agora, se possível, deem-me antes um aceno,
um beijo, um afago, uma lágrima sobre
meu ombro e se despeçam.
Eu não me perdoaria a mim mesmo se porventura acordasse
noutro mundo sem a voz feminina dentro do meu coração
dizendo apenas que foi inevitável minha morte.
Que eu era muito triste e cínico
e tudo que escrevi o vento
sem esforço levou.
Digo-lhes, minhas mulheres,
que existe um segredo:
o vento não sabe das suas unhas
que guardo dentro do bolso
do meu bermudão.
As suas unhas vento algum leva.
E mesmo depois de morto darei um jeito
de plantar na minha cova novas orquídeas das unhas de vocês.
quinta-feira, 7 de março de 2013
caridade
O meu cheiro é forte, meu bem.
De búfalo, de camelo.
Desde criancinha eu tinha um cheiro forte assim.
Inclusive as flores do jardim da minha pracinha
prendiam a respiração quando por perto
eu colhia algumas azaleias.
Faça como as flores da minha infância, meu bem.
Prenda a respiração mas não me deixe sozinho
sem um pouco de perfume nas mãos.
De búfalo, de camelo.
Desde criancinha eu tinha um cheiro forte assim.
Inclusive as flores do jardim da minha pracinha
prendiam a respiração quando por perto
eu colhia algumas azaleias.
Faça como as flores da minha infância, meu bem.
Prenda a respiração mas não me deixe sozinho
sem um pouco de perfume nas mãos.
femininas
Entendo aos poucos mas definitivo
que não são eus que tenho aos montes.
São almas apartadas
que vivem fora.
Agora mesmo há uma que olha da varanda
um passarinho triste equilibrando-se
no fio de alta tensão.
Outra tenta consertar a torneira.
E mais outra oculta debaixo da cama
cata com a língua formigas e saboreia-as.
Os meus eus são complicados.
Racionais e senhores.
As minhas almas, ao contrário,
são leves e cheias de encanto
e passionais.
As minhas almas são moças,
e todas virgens, acredite.
O único conceito que têm de mim
é que não sou atado a nenhuma delas.
As minhas almas só me pedem liberdade.
E olha que até pouco tempo eu pensava
que só eram três.
Vejo que são muitas e muitas delas
ainda bebês se enroscando
entre minhas pernas.
Eu tenho leite, meus amores.
Não se queixem da sede.
Eu tenho braços, meus amores.
Trarei todas para meu peito.
solidão silvestre
Vou tomar pílulas dessas que papagaios assanhados tomam
e vivem se declarando pra mulheres bonitas que passam
debaixo da sua janela -
"curupaco, curupaco, curupaco,
moça bonita quer se casar comigo?"
Mas, que tosca figura a minha,
sou muito tímido e o máximo
que digo -
"curupaco, moça bonita, curupaco,
leu o livro? curupaco, gostou do livro?"
Eis o meu fim
de papagaio velho
mais triste que uma porta
depois que os cupins lhe levaram a alma.
e vivem se declarando pra mulheres bonitas que passam
debaixo da sua janela -
"curupaco, curupaco, curupaco,
moça bonita quer se casar comigo?"
Mas, que tosca figura a minha,
sou muito tímido e o máximo
que digo -
"curupaco, moça bonita, curupaco,
leu o livro? curupaco, gostou do livro?"
Eis o meu fim
de papagaio velho
mais triste que uma porta
depois que os cupins lhe levaram a alma.
o pródigo náufrago
Esquecer uma palavra é o bastante para o poema fincar os pés.
Esconder-se em labirintos de nuvens.
Rejeitar a camisa nova,
os tênis velhos.
Uma palavra esquecida quando já dançava
no dorso da língua é um ato demoníaco
confabulado por certos anjos
que detestam o poema.
E dentro dele, do poema,
incutem-lhe desprezo
por aquele artesão
que perde a vida
para encontrar uma janela aberta.
A palavra que some por essa janela aberta
não causa dor nem saudade porque ela
existiu e foi sã e transparente.
Mas a palavra que escapa do coração
por um tal de esquecimento estranho
que nem esquecimento é,
esse sumiço sim
é uma desordem.
Um pássaro que voa sisudo
descontente do tempo chuvoso.
Esconder-se em labirintos de nuvens.
Rejeitar a camisa nova,
os tênis velhos.
Uma palavra esquecida quando já dançava
no dorso da língua é um ato demoníaco
confabulado por certos anjos
que detestam o poema.
E dentro dele, do poema,
incutem-lhe desprezo
por aquele artesão
que perde a vida
para encontrar uma janela aberta.
A palavra que some por essa janela aberta
não causa dor nem saudade porque ela
existiu e foi sã e transparente.
Mas a palavra que escapa do coração
por um tal de esquecimento estranho
que nem esquecimento é,
esse sumiço sim
é uma desordem.
Um pássaro que voa sisudo
descontente do tempo chuvoso.
a justa sombra da luz
A poesia é um travecão
inebriante sobre o palco
mas quando chega em casa
joga longe os sapatos
e com um cigarro colado
nos lábios de batom vermelho
anda firme
até a varanda.
Se a noite foi boa sorri cínica
mas se a noite foi péssima
dá uma banana e manda
o mundo às favas.
Impressionante a coragem e o esplendor
desse travecão novamente sobre o palco
as mãos glamourosas de quem segura uma flor
e ao mesmo tempo calosas de quem levanta uma parede.
E será o mesmo show dentro de casa uma taça de gim
os sapatos largados debaixo da cama
o sutiã sobre a mesa
o mesmo andado até a varanda
com o cigarro colado nos lábios de batom vermelho
e se a noite foi boa gargalha
e se a noite foi uma droga
fica em silêncio.
A lágrima que desce não é pela noite
nem pela desgraça nem pelo luxo -
a lágrima que desce
é porque é uma lágrima
e tem de descer e não cegar os olhos.
inebriante sobre o palco
mas quando chega em casa
joga longe os sapatos
e com um cigarro colado
nos lábios de batom vermelho
anda firme
até a varanda.
Se a noite foi boa sorri cínica
mas se a noite foi péssima
dá uma banana e manda
o mundo às favas.
Impressionante a coragem e o esplendor
desse travecão novamente sobre o palco
as mãos glamourosas de quem segura uma flor
e ao mesmo tempo calosas de quem levanta uma parede.
E será o mesmo show dentro de casa uma taça de gim
os sapatos largados debaixo da cama
o sutiã sobre a mesa
o mesmo andado até a varanda
com o cigarro colado nos lábios de batom vermelho
e se a noite foi boa gargalha
e se a noite foi uma droga
fica em silêncio.
A lágrima que desce não é pela noite
nem pela desgraça nem pelo luxo -
a lágrima que desce
é porque é uma lágrima
e tem de descer e não cegar os olhos.
imperecível
Penso um dia tatuar meu peito
com o rosto do amor eterno
que é essa vida que levo
esse suicídio que às vezes tento.
O amor não vai embora de mim tão cedo
porque ele ocupa um lugar de vime
e quanto mais chove
ou esquenta
a nossa cabana
fica mais forte
e tenra.
com o rosto do amor eterno
que é essa vida que levo
esse suicídio que às vezes tento.
O amor não vai embora de mim tão cedo
porque ele ocupa um lugar de vime
e quanto mais chove
ou esquenta
a nossa cabana
fica mais forte
e tenra.
terça-feira, 5 de março de 2013
tosco
Ofereça sua narina direita
pra uma enfermeira
entubar-lhe um cano
de borracha
abaixo
e ouça a música do seu vômito
chegando dos seus pulmões,
aí então, menino
você é poeta
e poderá dizer aos sete ventos
que tem um punhal cravado
no seu peito.
pra uma enfermeira
entubar-lhe um cano
de borracha
abaixo
e ouça a música do seu vômito
chegando dos seus pulmões,
aí então, menino
você é poeta
e poderá dizer aos sete ventos
que tem um punhal cravado
no seu peito.
do submergir-se
Por que vocês querem tanto minha alma?
Ela é minha e há
dentro das minhas botas
e pela circunferência
da minha xícara
recanto e lugares
somente dela.
Deixem minha alma em paz quando ela morrer.
Estarei vivo, decerto, mas tão distante
que só poderei ouvir-lhe
seus cantos ou
suas lágrimas.
Esticar a língua, a minha língua,
e bater-lhe contra o seu céu
será impossível.
Ela é minha e há
dentro das minhas botas
e pela circunferência
da minha xícara
recanto e lugares
somente dela.
Deixem minha alma em paz quando ela morrer.
Estarei vivo, decerto, mas tão distante
que só poderei ouvir-lhe
seus cantos ou
suas lágrimas.
Esticar a língua, a minha língua,
e bater-lhe contra o seu céu
será impossível.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
desaparecimento
Aquele poema que nos soa tão verdadeiro
é dito e assoprado aos nossos ouvidos
por nossa alma mais quieta.
Mesmo que falemos de trovões
destroçando nossas costelas
ou de lágrimas ácidas
a queimar nossos
lábios.
Aquele poema que nos vem tão límpido
sem manchas do dia louco que tivemos
e da noite anterior tão pesada
é forjado em nossos pulsos
por nossa alma mais quieta.
Essa alma que não se queixa da chuva
nem da nostálgica lembrança do orvalho.
Aquele poema que nos parece o único
aquele poema que nos acalenta
com suas mãos de fogo
e o seu olhar doce
de menino
é levado à nossa cabeceira
pelas mãos da nossa mãe -
um copo d'água e um comprimido
naquele tempo em que ter febre
era apenas um presságio
da ausência da morte.
Aquele poema que nos salva
é um grito sereno de alguém
que dentro de nossa alma
é a nossa alma
mais quieta.
é dito e assoprado aos nossos ouvidos
por nossa alma mais quieta.
Mesmo que falemos de trovões
destroçando nossas costelas
ou de lágrimas ácidas
a queimar nossos
lábios.
Aquele poema que nos vem tão límpido
sem manchas do dia louco que tivemos
e da noite anterior tão pesada
é forjado em nossos pulsos
por nossa alma mais quieta.
Essa alma que não se queixa da chuva
nem da nostálgica lembrança do orvalho.
Aquele poema que nos parece o único
aquele poema que nos acalenta
com suas mãos de fogo
e o seu olhar doce
de menino
é levado à nossa cabeceira
pelas mãos da nossa mãe -
um copo d'água e um comprimido
naquele tempo em que ter febre
era apenas um presságio
da ausência da morte.
Aquele poema que nos salva
é um grito sereno de alguém
que dentro de nossa alma
é a nossa alma
mais quieta.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
brandura
Delicado assim hoje como estou
não haverá andorinha que resista.
Já preparo a mesa com migalhas de bolo
e um restinho de café na minha xícara
que há pouco
bebi.
As andorinhas adoram
beber a sobra do meu cafezinho
no mesmo canto da xícara
em que colei meus lábios trêmulos.
Dizem elas que é pra começar bem o dia.
Atravessarem nuvens cinzentas
e se molharem da chuva
cantando.
não haverá andorinha que resista.
Já preparo a mesa com migalhas de bolo
e um restinho de café na minha xícara
que há pouco
bebi.
As andorinhas adoram
beber a sobra do meu cafezinho
no mesmo canto da xícara
em que colei meus lábios trêmulos.
Dizem elas que é pra começar bem o dia.
Atravessarem nuvens cinzentas
e se molharem da chuva
cantando.
pescador
Os meus óculos estão velhinhos,
velhinhos, bem velhinhos
mas com eles
que pesco versos
dentro de mim
usando cílios
como anzol
e na ponta
lágrimas
como
isca.
Às vezes eu pesco um par de botas.
Outras vezes um guarda-chuva.
Mas tudo é peixe, meu amor.
usando cílios
como anzol
e na ponta
lágrimas
como
isca.
Às vezes eu pesco um par de botas.
Outras vezes um guarda-chuva.
Mas tudo é peixe, meu amor.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
limpo
Lânguido e sorridente
desvendei sua alma
e agora não há mais tristeza
quando planto uma flor
no jarro da varanda.
O sol lá fora frita ovos na calçada
e o céu de tão azul lembra-me
meu primeiro bermudão.
São só coisas boas, querida
que ultimamente me espantam.
Bob Dylan com sua gaita
e uma banda de nova orleans.
desvendei sua alma
e agora não há mais tristeza
quando planto uma flor
no jarro da varanda.
O sol lá fora frita ovos na calçada
e o céu de tão azul lembra-me
meu primeiro bermudão.
São só coisas boas, querida
que ultimamente me espantam.
Bob Dylan com sua gaita
e uma banda de nova orleans.
míope
É muita sorte agarrar um cílio em plena queda.
Quando ocorre colo o cílio nas pontas dos dedos
e como dizia a minha vó,
faço um pedido.
Às vezes a gente se engana,
não é um cílio -
é uma formiguinha
de asas.
Quando ocorre colo o cílio nas pontas dos dedos
e como dizia a minha vó,
faço um pedido.
Às vezes a gente se engana,
não é um cílio -
é uma formiguinha
de asas.
palavras
São as histórias das palavras
que me fazem curvar a coluna
à procura dos
meus óculos.
Não sou eu quem carrega os sonhos.
São as palavras com as suas mil histórias.
E elas sabem como me deixar maluco
com o seu olhar de perda
e entrelaçamento.
Se eu te contasse os segredos
de cada poema que escrevo,
tu me deixarias sozinho
e correrias atrás
das palavras.
que me fazem curvar a coluna
à procura dos
meus óculos.
Não sou eu quem carrega os sonhos.
São as palavras com as suas mil histórias.
E elas sabem como me deixar maluco
com o seu olhar de perda
e entrelaçamento.
Se eu te contasse os segredos
de cada poema que escrevo,
tu me deixarias sozinho
e correrias atrás
das palavras.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
nirvana
Fiz amor com a plantinha da varanda.
Nascerá um filho com meus olhos
e os cabelos da mãe -
meio amarelos
esverdeados.
As andorinhas ao entardecer que chegarem à janela
terão muito cuidado com suas algazarras
para não perturbar minha plantinha
durante a gravidez.
Nascerá um filho com meus olhos
e os cabelos da mãe -
meio amarelos
esverdeados.
As andorinhas ao entardecer que chegarem à janela
terão muito cuidado com suas algazarras
para não perturbar minha plantinha
durante a gravidez.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
perfume
Os passos de uma mulher
de sapato alto subindo
a escada
fazem-me tremer a medula
de um frio gelado.
Tenho plena consciência
do que ela esconde
dentro da bolsa.
Um cigarro e um batom
depois de largar-me morto.
Morto sobre a cama
vejo-a sorrir e levar minha alma.
Os passos são os mesmos
descendo a escada.
de sapato alto subindo
a escada
fazem-me tremer a medula
de um frio gelado.
Tenho plena consciência
do que ela esconde
dentro da bolsa.
Um cigarro e um batom
depois de largar-me morto.
Morto sobre a cama
vejo-a sorrir e levar minha alma.
Os passos são os mesmos
descendo a escada.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
o bichinho esperança
Dentro do bolso da farda
cabe uma esperançazinha.
E ela veio-me inesperada
apropriando-se dos versos
que guardo no final da tarde.
Meteu-se entre os rabiscos.
Fez das palavras acolchoados.
Tive, entretanto, de retirá-la
do seu deleite entre poemas.
Pois o bolso da minha farda não é confiável.
Tanto pode haver versos quanto veneno.
E eu morreria se aquela esperançazinha
que caiu sobre meu ombro experimentasse
em vez da seiva das árvores o ópio do poeta.
cabe uma esperançazinha.
E ela veio-me inesperada
apropriando-se dos versos
que guardo no final da tarde.
Meteu-se entre os rabiscos.
Fez das palavras acolchoados.
Tive, entretanto, de retirá-la
do seu deleite entre poemas.
Pois o bolso da minha farda não é confiável.
Tanto pode haver versos quanto veneno.
E eu morreria se aquela esperançazinha
que caiu sobre meu ombro experimentasse
em vez da seiva das árvores o ópio do poeta.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
éter
Pergunto-me o que farei com as minhas vértebras
quando eu aprender de vez a levitar
sobre o telhado antigo
da capela do cemitério.
Lá pelo musgo do telhado antigo da capela do cemitério
existem segredos que somente pássaros e gatos conhecem.
Os coveiros sabem da terra.
Sobre os segredos do telhado antigo da capela do cemitério
somente pássaros e gatos são mestres e misteriosos.
Quando eu aprender a levitar definitivamente
sobre o telhado antigo da capela do cemitério
lançarei fora as minhas vértebras ao vento
e convidarei os coveiros a se juntarem
aos gatos e pássaros
sobre o telhado antigo
da capela do cemitério.
Não estou pedindo para que eles se esqueçam das suas covas.
Só quero que os coveiros sorriam um pouco
sem ter que beber pinga
para olhar as unhas.
quando eu aprender de vez a levitar
sobre o telhado antigo
da capela do cemitério.
Lá pelo musgo do telhado antigo da capela do cemitério
existem segredos que somente pássaros e gatos conhecem.
Os coveiros sabem da terra.
Sobre os segredos do telhado antigo da capela do cemitério
somente pássaros e gatos são mestres e misteriosos.
Quando eu aprender a levitar definitivamente
sobre o telhado antigo da capela do cemitério
lançarei fora as minhas vértebras ao vento
e convidarei os coveiros a se juntarem
aos gatos e pássaros
sobre o telhado antigo
da capela do cemitério.
Não estou pedindo para que eles se esqueçam das suas covas.
Só quero que os coveiros sorriam um pouco
sem ter que beber pinga
para olhar as unhas.
luxo
Há dias em que não gosto de ver cadáveres.
Como há dias em que sinto uma saudade
do meu guarda-chuva preto
com o qual eu furava os
olhos dos pombos.
Há dias em que meu coração bate solto entre as costelas
feito um rei preso à sua rainha passeando em um jardim
de uma pequena cidade holandesa.
Em dias assim em que estou cansado
de pintar os cílios dos mortos
e de ouvir meu coração
maluco por uma flor
faço então algo comum aos poetas -
escrevo versos com os olhos
pequeninos de vovó.
E vovó sabia ler em silêncio
como os mortos sabem
ficar quietos
tanto quanto os reis sabem subjugar-se às suas rainhas
e também sabem subjugar-se às tulipas roxas
de uma cidadezinha holandesa.
Como há dias em que sinto uma saudade
do meu guarda-chuva preto
com o qual eu furava os
olhos dos pombos.
Há dias em que meu coração bate solto entre as costelas
feito um rei preso à sua rainha passeando em um jardim
de uma pequena cidade holandesa.
Em dias assim em que estou cansado
de pintar os cílios dos mortos
e de ouvir meu coração
maluco por uma flor
faço então algo comum aos poetas -
escrevo versos com os olhos
pequeninos de vovó.
E vovó sabia ler em silêncio
como os mortos sabem
ficar quietos
tanto quanto os reis sabem subjugar-se às suas rainhas
e também sabem subjugar-se às tulipas roxas
de uma cidadezinha holandesa.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
calçada molhada da chuva
Se você acredita ou não em outra vida
é uma questão insignificante
quando chove
e uma lagartinha
quando chove
e uma lagartinha
passa por cima
do seu chinelo.
almas trôpegas
As minhas lágrimas
são de farinha
de trigo -
beba-as comigo
e deixe-as cair
sobre nossos
corações.
Lágrimas que se compartilham
viram flores dentro do peito
e um dia crescem
até os céus.
são de farinha
de trigo -
beba-as comigo
e deixe-as cair
sobre nossos
corações.
Lágrimas que se compartilham
viram flores dentro do peito
e um dia crescem
até os céus.
as cinzas de outrora
Então felicidade é esse céu cinzento que não chove.
Essa fresta de luz suspensa pela parede.
Esse quase trovão.
Esse quase raio.
Esse riso cínico no canto da boca
e esse olhar sério, atento, lúcido
a atravessar os livros
da estante.
Então felicidade é esse estado neutro
entre a euforia do mundo
e toda a morbidez
das minhocas.
Então felicidade é esse suspiro,
essa lágrima, essa mordedura
nos lábios.
Esse ar dentro dos pulmões.
Esse vácuo. Esse sangue.
Então felicidade é esse bermudão surrado.
Os bolsos cheios de papel higiênico
de tanto limpar as lentes
dos óculos.
Então felicidade é essa visão estonteante
da minha xícara de café equilibrando-se
sobre outra xícara branca de leite.
Meus chinelos quentes.
Meus dedos frios.
Os pingos da torneira quebrada.
Os vasos vazios na janela.
O barulho das louças
de quem come
na cozinha.
Então felicidade é esse aspecto de morte.
Um adeus embriagado após um passo
depois da porta.
Um passo firme
apesar dos pés
trêmulos.
Um passo firme,
querida, um passo firme.
Essa fresta de luz suspensa pela parede.
Esse quase trovão.
Esse quase raio.
Esse riso cínico no canto da boca
e esse olhar sério, atento, lúcido
a atravessar os livros
da estante.
Então felicidade é esse estado neutro
entre a euforia do mundo
e toda a morbidez
das minhocas.
Então felicidade é esse suspiro,
essa lágrima, essa mordedura
nos lábios.
Esse ar dentro dos pulmões.
Esse vácuo. Esse sangue.
Então felicidade é esse bermudão surrado.
Os bolsos cheios de papel higiênico
de tanto limpar as lentes
dos óculos.
Então felicidade é essa visão estonteante
da minha xícara de café equilibrando-se
sobre outra xícara branca de leite.
Meus chinelos quentes.
Meus dedos frios.
Os pingos da torneira quebrada.
Os vasos vazios na janela.
O barulho das louças
de quem come
na cozinha.
Então felicidade é esse aspecto de morte.
Um adeus embriagado após um passo
depois da porta.
Um passo firme
apesar dos pés
trêmulos.
Um passo firme,
querida, um passo firme.
rito
Antes de dormir um copo de leite.
Não por medo da insônia, mas
para me lembrar das tetas
de uma vaca.
Uma vez que é impossível
seduzir aquela barata
atrás da porta.
Não por medo da insônia, mas
para me lembrar das tetas
de uma vaca.
Uma vez que é impossível
seduzir aquela barata
atrás da porta.
botas
Um pequeno tapete vermelho é todo o meu reino.
Deixo que lá descansem as minhas botas.
O trabalho delas
é bem mais difícil.
Levam dentro pedras
de caminhos humanos.
Durmam, minhas santas botas.
Sonhem com o novo dia
de calçadas
e asfalto:
sujeira de cães, folhas secas,
tampinhas de cerveja
e refrigerante.
Fechem os olhos
e ouçam cada estalo
cada som de despedida.
Logo mais não haverá outra vida
senão a música do graveto esmagado.
Da terra úmida.
Do chiclete preso.
Deixo que lá descansem as minhas botas.
O trabalho delas
é bem mais difícil.
Levam dentro pedras
de caminhos humanos.
Durmam, minhas santas botas.
Sonhem com o novo dia
de calçadas
e asfalto:
sujeira de cães, folhas secas,
tampinhas de cerveja
e refrigerante.
Fechem os olhos
e ouçam cada estalo
cada som de despedida.
Logo mais não haverá outra vida
senão a música do graveto esmagado.
Da terra úmida.
Do chiclete preso.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
amor andante
Nunca se preocupe comigo.
Sou dado a devaneios.
Desde cedo soube:
homem sonhador
é um bom menino.
A noite é longa
se a floresta é escura.
Mas eu não tenho medo:
o que seria do pântano
sem os seus sapos?
Guardo minha escova no bolso
e parto pra mais uma aventura.
Sou dado a devaneios.
Desde cedo soube:
homem sonhador
é um bom menino.
A noite é longa
se a floresta é escura.
Mas eu não tenho medo:
o que seria do pântano
sem os seus sapos?
Guardo minha escova no bolso
e parto pra mais uma aventura.
tempo
A morte cansada de me ver tão perto
e de não poder me tocar sabe
que o melhor é deixar-me
sozinho.
Sozinho, pensa ela,
eu teria mais tempo
para abrir a porta
do quarto e entrar
o tocador de banjo.
Olhe para as paredes
e veja quantos insetos
felizes com as migalhas.
A morte é uma doce confeiteira
que nunca conhecerá a delícia
de andar com pernas
de insetos.
Há uma parte debaixo dos pés
em que não se sente o frio
nem é sentido o calor.
Sequer existem paredes:
é tudo nuvens, tudo
nuvens.
E em vez de pés
crescem asas.
e de não poder me tocar sabe
que o melhor é deixar-me
sozinho.
Sozinho, pensa ela,
eu teria mais tempo
para abrir a porta
do quarto e entrar
o tocador de banjo.
Olhe para as paredes
e veja quantos insetos
felizes com as migalhas.
A morte é uma doce confeiteira
que nunca conhecerá a delícia
de andar com pernas
de insetos.
Há uma parte debaixo dos pés
em que não se sente o frio
nem é sentido o calor.
Sequer existem paredes:
é tudo nuvens, tudo
nuvens.
E em vez de pés
crescem asas.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
dócil
As minhas coisas são simples.
Quase monótonas: livros
que não leio mais,
óculos embaçados
de suor e não
de lágrimas.
Sapatos velhos,
cuecas velhas.
Uma fotografia antiga de chapéu.
Outra entre as plantas da varanda.
Todas elas patéticas
esperando a fome
das traças.
As traças que comerem
as minhas fotografias
hão de gerar outras
traças tristes
e inválidas.
As minhas coisas são sem graça
beirando o infortúnio dos tolos:
papéis com números
de telefones sobre
a escrivaninha.
Mulheres esquecidas da noite.
Que me deram vinho e fugiram ao amanhecer.
Se ligar para elas o que direi?
Que morrerei vil apesar da solidão?
A solidão é para sermos santos.
Lustrarmos os sapatos e lavarmos as cuecas.
Quase monótonas: livros
que não leio mais,
óculos embaçados
de suor e não
de lágrimas.
Sapatos velhos,
cuecas velhas.
Uma fotografia antiga de chapéu.
Outra entre as plantas da varanda.
Todas elas patéticas
esperando a fome
das traças.
As traças que comerem
as minhas fotografias
hão de gerar outras
traças tristes
e inválidas.
As minhas coisas são sem graça
beirando o infortúnio dos tolos:
papéis com números
de telefones sobre
a escrivaninha.
Mulheres esquecidas da noite.
Que me deram vinho e fugiram ao amanhecer.
Se ligar para elas o que direi?
Que morrerei vil apesar da solidão?
A solidão é para sermos santos.
Lustrarmos os sapatos e lavarmos as cuecas.
fuga
Dou-lhe uma,
dou-lhe duas:
Quem recompensará o poeta
por sua alma fujona?
Ontem era um louco, uma víbora,
hoje é um anjo ouvindo blues.
Tão delicado o moço
que sua xícara treme
a tocar-lhe os lábios.
E amanhã, meninos,
o que será da sua vida
o corpo sem presságios
os passos lúcidos e firmes?
Dou-lhe uma,
dou-lhe duas:
a sua cova está linda
bem arrumadinha
lá no fundo
alguns livros
e uma orquídea.
Vejo coveiros sorridentes
e virgens de preto
bebendo vinho.
Dou-lhe uma,
dou-lhe duas:
juro que esse poeta
conhecerá noutra vida
o pai que não tem seu sangue.
Mas terá o seu rosto.
O seu rosto invisível.
dou-lhe duas:
Quem recompensará o poeta
por sua alma fujona?
Ontem era um louco, uma víbora,
hoje é um anjo ouvindo blues.
Tão delicado o moço
que sua xícara treme
a tocar-lhe os lábios.
E amanhã, meninos,
o que será da sua vida
o corpo sem presságios
os passos lúcidos e firmes?
Dou-lhe uma,
dou-lhe duas:
a sua cova está linda
bem arrumadinha
lá no fundo
alguns livros
e uma orquídea.
Vejo coveiros sorridentes
e virgens de preto
bebendo vinho.
Dou-lhe uma,
dou-lhe duas:
juro que esse poeta
conhecerá noutra vida
o pai que não tem seu sangue.
Mas terá o seu rosto.
O seu rosto invisível.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
tácito
Com o tempo eu aprendo
a beijar bem demorado
as paredes da casa
sem causar inveja
à porta da rua.
Beijo-as tanto
que ando pálido.
E as cartas que vêm de fora
não entram por baixo da fresta.
A minha solidão tem nome e corpo:
chama-se paredes e são quentes
as da cozinha e são frias
as do banheiro.
a beijar bem demorado
as paredes da casa
sem causar inveja
à porta da rua.
Beijo-as tanto
que ando pálido.
E as cartas que vêm de fora
não entram por baixo da fresta.
A minha solidão tem nome e corpo:
chama-se paredes e são quentes
as da cozinha e são frias
as do banheiro.
velho quarto
Aquele senhor que caminha distraído
não se iluda ele tem asas dentro
das botas e os gravetos
que ele traz da floresta
são pincéis mágicos.
Aquele senhor de olhar triste
não é triste o seu olhar
é apenas o silêncio
da certeza de que
ninguém sabe
dos seus sonhos de beija-flor
bebendo água doce em uma florzinha de plástico.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
irmã de alma
Não acredito que você não saiba
que sou o seu melhor amigo
mais amigo seu eu sou
do que sou dos
golfinhos
e olha que hoje estive sentado
na beira do mar olhando
como eles se divertem
fazem de tudo
brincam e assobiam
para me chamar atenção -
ainda trago no rosto
o beijo de um deles
com o sal
de Iracema.
Mas é você que tenho de salvar nesses dias quentes
em que a vida lhe é besta e o gênero humano ridículo.
Cortar os pulsos dói,
juro, pois conheço
as cicatrizes róseas.
Tente afogar-se no mar.
Sempre há por lá um amigo golfinho.
que sou o seu melhor amigo
mais amigo seu eu sou
do que sou dos
golfinhos
e olha que hoje estive sentado
na beira do mar olhando
como eles se divertem
fazem de tudo
brincam e assobiam
para me chamar atenção -
ainda trago no rosto
o beijo de um deles
com o sal
de Iracema.
Mas é você que tenho de salvar nesses dias quentes
em que a vida lhe é besta e o gênero humano ridículo.
Cortar os pulsos dói,
juro, pois conheço
as cicatrizes róseas.
Tente afogar-se no mar.
Sempre há por lá um amigo golfinho.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
telúrico
Querida, descobri que cada fio do meu bigode
tem vida própria e há os que se refrescam
com um copo d'água e outros detestam
os pingos lânguidos pelos cantos.
Os fios do bigode
são muito diferentes
das unhas dos dedos.
As unhas sorriem quando veem a tesourinha.
Os fios do bigode se escondem dentro da boca.
tem vida própria e há os que se refrescam
com um copo d'água e outros detestam
os pingos lânguidos pelos cantos.
Os fios do bigode
são muito diferentes
das unhas dos dedos.
As unhas sorriem quando veem a tesourinha.
Os fios do bigode se escondem dentro da boca.
domingo, 3 de fevereiro de 2013
menino
Até um dia desses
pensava que o poema
tinha uma janela de entrada
e outra de saída, mas agora
entendo que o poema não sai
do corredor escuro do casarão dos meus avós.
E é lá brincando pelas paredes
um raio de luz que não tem por onde entrar nem sair
que vejo uma nuvem noturna cansada do longo dia de sol.
pensava que o poema
tinha uma janela de entrada
e outra de saída, mas agora
entendo que o poema não sai
do corredor escuro do casarão dos meus avós.
E é lá brincando pelas paredes
um raio de luz que não tem por onde entrar nem sair
que vejo uma nuvem noturna cansada do longo dia de sol.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
circo
Nunca me encantei com os palhaços -
desde o início soube que eram eles
os mais tristes
e os mais ébrios
tarde da noite.
Mesmo assim os seguia de longe
até a hora em que limpavam o rosto.
E iam às jaulas alimentar os leões
com os olhos ainda mais tristes,
talvez pensando
em oferecer aqueles leões famintos
suas mãos e seus braços.
desde o início soube que eram eles
os mais tristes
e os mais ébrios
tarde da noite.
Mesmo assim os seguia de longe
até a hora em que limpavam o rosto.
E iam às jaulas alimentar os leões
com os olhos ainda mais tristes,
talvez pensando
em oferecer aqueles leões famintos
suas mãos e seus braços.
formiga pelo braço
A poesia tem seus inimigos naturais
como é natural um dia qualquer
amanhecermos sem a morte
por perto.
Sem o seu dente de leite
dentro do nosso bolso.
O que resta a uma boca
se apenas a lembrança
da primeira dor?
Decerto é uma boca murcha.
De poucas palavras.
Pensamos e sofremos pelo tempo
em que a morte era nossa amante.
Uma amante viva e cheia de manias
como acordar tarde de máscara
ou muito cedo segurando
o regador de plástico
e um riso feliz
de bom dia.
como é natural um dia qualquer
amanhecermos sem a morte
por perto.
Sem o seu dente de leite
dentro do nosso bolso.
O que resta a uma boca
se apenas a lembrança
da primeira dor?
Decerto é uma boca murcha.
De poucas palavras.
Pensamos e sofremos pelo tempo
em que a morte era nossa amante.
Uma amante viva e cheia de manias
como acordar tarde de máscara
ou muito cedo segurando
o regador de plástico
e um riso feliz
de bom dia.
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