domingo, 27 de fevereiro de 2011

o sinal

No lábio superior no canto direito
colado a uma cicatriz adquirida
por arte de criança astuta
tenho um sinal a cada dia
mais vivo e negro.

Sempre ao fazer a barba
curiosamente ocorre um desvio
da lâmina que sangra outra margem.

No meu tempo de trevas
[morto e falido do fígado
aos cabelos] era esse sinal
o meu único refúgio:

algo como um talismã
presságio de renascimento
oração silenciosa de combate.

Aprendi a crer no divino
contemplando esse sinal.

[sobretudo naquelas horas
em que divindade para meus olhos
representava somente fúria e fraqueza]

Agora que ando sobre as águas do banheiro
sinto o perfume das calçadas pelas asas das borboletas
alimento-me bem e ouço a paz reinar dentro dos sentidos

esse sinal parece-me ter mais vida:
move-se, curva-se, sorri.

Eu tenho um acima do lábio superior direito.
Outros têm uma pinta no braço.
[caravelas, lágrimas, folhas]

Ainda há aqueles que nem velhos e sambados
perceberam a longa existência de anjos
colados no corpo só esperando
um olhar atento.

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