quinta-feira, 7 de abril de 2011

sala de espera

Aguardo o exame de vista.

Sei que enxergo nuvens
e flores no lugar de gente
e fantasmas pendurados
no varal do banheiro.
Mas nada grave.

Nuvens e flores lembram-me a infância.
O vento quando balança as camisas molhadas
os fantasmas fogem.

Escolherei uma armação cor das asas da minha andorinha.
Meio marrom, creme, café com leite.

Vou colar a foto do biquinho dela na lente.
Dormirei de óculos.

A minha andorinha é muito louca
certamente há de querer entrar nos meus olhos.

Dizem que são os olhos as janelas da alma.
Pra que janelas se o sol quando bate
é engolido pelas minhas botas?

Aguardo o exame de vista.

Sei quando lanço o olhar
contra a calçada eu queimo
a folha seca e a  lagartinha.

Não sou um facínora.
Mas sempre que lanço o olhar
contra a calçada eu queimo
uma folha seca e a lagartinha.

Talvez seja por isso
que ao ouvir os meus passos
descendo a escada o vento assobia
e correm apressadas todas as folhas secas
e todas as lagartinhas pro outro lado da rua.

E se for preciso uma cirurgia?
Um implante?

Bato o pé pelos olhinhos miúdos
da minha andorinha [sei que só vou
levar as córneas]

Meu Deus, como sou egoísta.
Não pensei na minha andorinha.

Por aí de galho em galho e fios de alta tensão
com os olhos enfaixados a lamentar o infortúnio
de haver se apaixonado por um poeta.

Por um poeta quase cego.

9 comentários:

  1. O poeta deve ser mesmo cego comparado ao jeito de olhar comum. Por isso a gente sente tanto.

    Beijinho.

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  2. é uma cegueira mágica,
    né?

    Beijo carinhoso,
    Alma Sensível Que Levita.

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  3. creio na inocência das andorinhas embora não sejam asas que se cheirem...

    beijo de olho aberto!

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  4. lembrei-me da inesquecível canção:

    http://letras.terra.com.br/chico-buarque/85947/

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  5. Cris [Flor Dourada]
    as andorinhas têm debaixo
    das asinhas uma fragrância
    inesquecível
    ...

    Beijo nos teus olhos abertos
    ...

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  6. já estou de óculos
    e as coisas mais embaçadas
    ...

    [amanhã talvez se fará a luz]

    forte abraço,
    irmão Assis.

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  7. o poeta cego?
    não, o poeta não quer ver aquilo que na verdade vê
    beijo
    Laura

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  8. tantas imagens que cegam
    e purificam
    ...

    Beijo carinhoso, Laura.

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