Não acredito que você ainda guarde mágoas
no seu baú, na sua mala, no seu alforge,
nos cântaros, nas ânforas, na gaveta
do oratório da sua avó.
Juro que não acredito
que você não tenha visto
a outra margem, o outro paralelo,
a outra dimensão e não tenha transformado
a fúria obsessiva dos seus inimigos em potência espiritual.
Não acredito que você não tenha feito as pazes com seu filho,
a sua filha, os seus netos, os seus irmãos, o louco da encruzilhada,
aquele fantasma que ao assustá-lo forjou em seus músculos coragem.
Não acredito que você ainda creia em salvadores da pátria,
em pescadores de almas e não tenha oferecido de bom grado
os seus sonhos de grandeza e cinismo aos porcos e às serpentes.
Juro que não entendo
que você ainda cultive
o poema como válvula
de escape e bomba
de ópio e vaidade.
Não vê que somos tão cinzas e tripas
quanto as palavras são poeira ao vento?
Passaremos, e os passarinhos
nada sabem da nossa existência.