Quando sair, digo pra minha alma,
deixe a porta do quarto aberta.
Pouco me importa o vento:
que bata a porta até rachar o teto.
Saberão os ladrões
que tem em casa
um alma viva.
Não a minha, claro,
que já anda distante.
Mas a da porta
que vem e vai
e bate
e torna
a bater.
Quando voltar, digo pra minha alma,
veja se ainda serve a chave
e se o teto não desabou.
Se dócil a fechadura
e se o teto seguro
festeje então meu corpo,
a sua única e fiel morada.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
neuros
ah, esse sonho insano
querer atar a alma
do outro
ao nosso
capricho
já não nos basta esta
doida pela casa
tateando no escuro
xícara, mesa, toalha
ah, essa tolice mesquinha
de querer laçar o corpo
do outro
ao nosso
sapato
já não nos basta esta febre
dentro do olho
tateando no escuro
o último analgésico
ah, deixemos os outros
com seus ombros
com seu peso
e pluma
já não nos basta esta
cruz de santo
esta coroa
de louco
pela casa
tarde da noite
tateando no escuro os chinelos
e só encontrando os pés da estante
...
querer atar a alma
do outro
ao nosso
capricho
já não nos basta esta
doida pela casa
tateando no escuro
xícara, mesa, toalha
ah, essa tolice mesquinha
de querer laçar o corpo
do outro
ao nosso
sapato
já não nos basta esta febre
dentro do olho
tateando no escuro
o último analgésico
ah, deixemos os outros
com seus ombros
com seu peso
e pluma
já não nos basta esta
cruz de santo
esta coroa
de louco
pela casa
tarde da noite
tateando no escuro os chinelos
e só encontrando os pés da estante
...
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
terça gorda e linda
Quatro dias é o suficiente
para tratar-se de uma artrite.
Espantoso,
nunca canto:
nem samba
nem fado.
A minha salvação é que sei
fazer uma andorinha gozar.
É lindo vê-la em transe
asinhas meio pendidas
biquinho entreaberto
e os olhos enormes
arregalados,
de vidro
ou porcelana?
Terça-feira gorda de carnaval.
Não conheço um dia mais santo.
para tratar-se de uma artrite.
Espantoso,
nunca canto:
nem samba
nem fado.
A minha salvação é que sei
fazer uma andorinha gozar.
É lindo vê-la em transe
asinhas meio pendidas
biquinho entreaberto
e os olhos enormes
arregalados,
de vidro
ou porcelana?
Terça-feira gorda de carnaval.
Não conheço um dia mais santo.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
ausente do juízo normal
No dia em que você rasgou meus poemas
eu deveria ter percebido de uma vez
a mulher louca que era
ninguém rasga poemas
por imensa a frieza
por maior o ódio
poemas são filhos sem mãe
que logo partem
sem dizer adeus
ou onde vão morar.
No dia em que você rasgou meus poemas
em diversas perpendiculares
fazendo horizontes
apartados das nuvens
eu deveria na mesma hora
ter feito minha mala
ou lhe dado uma bofetada
ou lhe ter jogado uma praga
porque ninguém rasga poemas
e continua a viver impune.
Mas tolo nada fiz
senão olhá-la
perplexo,
incrédulo.
Hoje em dia você se alegra com seus amigos
faz planos de trabalho e passeios.
Decerto você não imagina
que rasgar poemas
é um pecado
um pecado mortal
e sem expiação.
Veja o meu caso.
Um dia rasguei poemas.
Agora minha vida se resume a escrever versos.
Não tenho tempo nem para calar a minha boca.
E isto é triste
quando é eterno.
eu deveria ter percebido de uma vez
a mulher louca que era
ninguém rasga poemas
por imensa a frieza
por maior o ódio
poemas são filhos sem mãe
que logo partem
sem dizer adeus
ou onde vão morar.
No dia em que você rasgou meus poemas
em diversas perpendiculares
fazendo horizontes
apartados das nuvens
eu deveria na mesma hora
ter feito minha mala
ou lhe dado uma bofetada
ou lhe ter jogado uma praga
porque ninguém rasga poemas
e continua a viver impune.
Mas tolo nada fiz
senão olhá-la
perplexo,
incrédulo.
Hoje em dia você se alegra com seus amigos
faz planos de trabalho e passeios.
Decerto você não imagina
que rasgar poemas
é um pecado
um pecado mortal
e sem expiação.
Veja o meu caso.
Um dia rasguei poemas.
Agora minha vida se resume a escrever versos.
Não tenho tempo nem para calar a minha boca.
E isto é triste
quando é eterno.
o nevoeiro que se dissipa
Os versos tortos que escrevo
é a comprovação que sou humano.
Falho como homem
e como poeta.
A divindade que me vem
com o poema eterno
some,
sequer tenho tempo
para festejar o assombro.
Esta minha capacidade
em ser falível e efêmero
é a sincera afirmação
de que sou humano.
Haverá para meu corpo
as dentadas dos vermes
como já voam sobre o que escrevo
os brilhantes dentes do esquecimento.
é a comprovação que sou humano.
Falho como homem
e como poeta.
A divindade que me vem
com o poema eterno
some,
sequer tenho tempo
para festejar o assombro.
Esta minha capacidade
em ser falível e efêmero
é a sincera afirmação
de que sou humano.
Haverá para meu corpo
as dentadas dos vermes
como já voam sobre o que escrevo
os brilhantes dentes do esquecimento.
domingo, 19 de fevereiro de 2012
melancolia
O coração sabe da tolice enfadonha
que é um punho com artrite.
Mas que bom que é domingo de carnaval
e todos estão na praia e na serra
felizes.
Deus na sua infinita ironia abençoa-me:
agora são os dois punhos com artrite
e os dez dedos obesos mórbidos.
Capitão Gancho pergunta se quero
que ele ponha açúcar na xícara
e Peter Pan me diz sorrindo
que no seu reino
para cada tipo de artrite
existe uma fada específica.
Preocupa-me apenas como apertar o tubo de pasta
e derramar sobre a escova
a lágrima de flúor.
que é um punho com artrite.
Mas que bom que é domingo de carnaval
e todos estão na praia e na serra
felizes.
Deus na sua infinita ironia abençoa-me:
agora são os dois punhos com artrite
e os dez dedos obesos mórbidos.
Capitão Gancho pergunta se quero
que ele ponha açúcar na xícara
e Peter Pan me diz sorrindo
que no seu reino
para cada tipo de artrite
existe uma fada específica.
Preocupa-me apenas como apertar o tubo de pasta
e derramar sobre a escova
a lágrima de flúor.
sábado, 18 de fevereiro de 2012
sábado de carnaval
Que raios de mão esquerda é esta
bastando mudar o tempo,
esfriar, chover
para que o punho inflame
e os dedos inchem.
A minha alma sofre mais que o corpo
com sua mão esquerda podre
de punho inflamado
e dedos gordos.
A minha alma se torce,
se rói, se lastima
busca alguma magia
para aliviar essa dor patética.
Capitão Gancho é um bom sujeito.
Certamente escreve melhor que Peter Pan.
Segurar a pena com um anzol é para poucos.
Sobretudo bêbado de conhaque.
Peter Pan não bebe
e suas mãos de seda
encantam as meninas.
Basta chover,
esfriar o tempo
que volta a artrite
e o punho incha
e os dedos engordam.
Penso em capitão Gancho.
Dizem que um crocodilo
devorou-lhe a mão.
A verdade é que foi capitão Gancho
que amputou a mão de tédio,
louco de artrite.
Sujeito de coragem.
Natural que escreva
melhor que Peter Pan.
bastando mudar o tempo,
esfriar, chover
para que o punho inflame
e os dedos inchem.
A minha alma sofre mais que o corpo
com sua mão esquerda podre
de punho inflamado
e dedos gordos.
A minha alma se torce,
se rói, se lastima
busca alguma magia
para aliviar essa dor patética.
Capitão Gancho é um bom sujeito.
Certamente escreve melhor que Peter Pan.
Segurar a pena com um anzol é para poucos.
Sobretudo bêbado de conhaque.
Peter Pan não bebe
e suas mãos de seda
encantam as meninas.
Basta chover,
esfriar o tempo
que volta a artrite
e o punho incha
e os dedos engordam.
Penso em capitão Gancho.
Dizem que um crocodilo
devorou-lhe a mão.
A verdade é que foi capitão Gancho
que amputou a mão de tédio,
louco de artrite.
Sujeito de coragem.
Natural que escreva
melhor que Peter Pan.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
a poética das coisas
Devo tantas vidas
mas não devo
a mentira
pois o que invento
corta-me a pele.
A estante de ferro
e o óleo johnson
não têm o mesmo corpo
mas têm a mesma alma
dentro do meu peito.
Devo a eternidade
mas não devo
a mentira
pois meu coração é súdito
de duas senhoras,
uma de espuma
e a outra de cristal.
mas não devo
a mentira
pois o que invento
corta-me a pele.
A estante de ferro
e o óleo johnson
não têm o mesmo corpo
mas têm a mesma alma
dentro do meu peito.
Devo a eternidade
mas não devo
a mentira
pois meu coração é súdito
de duas senhoras,
uma de espuma
e a outra de cristal.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
antes que o céu desabe
O sanguinário homem não entende
o perverso homem não entende
que a alma humana é salva
dentro da sua própria casa
com a voz dócil
e os olhos sinceros.
O mesquinho homem não entende
o egoísta homem não entende
que o brilhantismo da alma humana
acontece quando o ancião lembra
que tem memória
e o jovem arrebatamentos.
O louco homem não entende
o ansioso homem não entende
que a bravura da alma humana
vem da sua primeira inocência
dentro da sua própria casa
dentro da sua própria casa.
o perverso homem não entende
que a alma humana é salva
dentro da sua própria casa
com a voz dócil
e os olhos sinceros.
O mesquinho homem não entende
o egoísta homem não entende
que o brilhantismo da alma humana
acontece quando o ancião lembra
que tem memória
e o jovem arrebatamentos.
O louco homem não entende
o ansioso homem não entende
que a bravura da alma humana
vem da sua primeira inocência
dentro da sua própria casa
dentro da sua própria casa.
docinho
O musgo da árvore
não é o mesmo
do telhado.
Pelos galhos pássaros,
borboletas e cigarras
já demarcaram
território.
Enquanto o telhado antigo
guarda no seu musgo
apenas os olhares
das estrelas.
não é o mesmo
do telhado.
Pelos galhos pássaros,
borboletas e cigarras
já demarcaram
território.
Enquanto o telhado antigo
guarda no seu musgo
apenas os olhares
das estrelas.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
chuvinha fina e um sol tímido
Se digo que os olhos da ninfa
brilham mais que estrelas
apenas suponho
que o fogo da juventude
é tão reluzente quanto distante.
Se digo que os seios de uma ninfa
é um par de doces devaneios
apenas sugiro
que o sabor do pensamento
ainda dá água na boca do sonhador.
brilham mais que estrelas
apenas suponho
que o fogo da juventude
é tão reluzente quanto distante.
Se digo que os seios de uma ninfa
é um par de doces devaneios
apenas sugiro
que o sabor do pensamento
ainda dá água na boca do sonhador.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
a boa insônia
Senhorita, perdoa-me os dentes
faz tanto tempo que não beijo
eles pensaram que tua língua
fosse um bife.
Senhorita, perdoa-me novamente os dentes
faz tanto tempo que não mamo
eles pensaram que os bicos
fossem de borracha.
Senhorita, pela última vez, perdoa-me os dentes
faz tanto tempo que não meto a cara
em um jardim perfumado
eles pensaram que os pelos pubianos
fossem relva do paraíso.
faz tanto tempo que não beijo
eles pensaram que tua língua
fosse um bife.
Senhorita, perdoa-me novamente os dentes
faz tanto tempo que não mamo
eles pensaram que os bicos
fossem de borracha.
Senhorita, pela última vez, perdoa-me os dentes
faz tanto tempo que não meto a cara
em um jardim perfumado
eles pensaram que os pelos pubianos
fossem relva do paraíso.
o último estalo é que acende o fósforo
Não, meu bom moço
ninguém observa tuas lágrimas
chora então e não peças clemência.
Não existe atrás da parede um deus oculto
nem sobre o telhado um samurai misericordioso.
Não acredites em olhar de quem vive morto.
Não escutes a voz da mãe que mente ao filho.
A única razão para que mexas em cadáveres
é vê-los sorrindo e não acomodados
em sonhos.
Acorda-os e escreve as cartas do teu coração
que nunca em hipótese alguma te serão entregues.
Abre teu baú de memórias
inferniza-te até que tuas pálpebras
se cansem dessa luta insignificante
entre lágrimas de cera
e cílios postiços.
Descer à masmorra das mentiras
é como correr em volta da praça
em dia chuvoso que parte ossos.
Deixa pelos canteiros tuas costelas.
Deixa que mais cedo ou tarde
hão de virar cinzas.
No invisível de ti há um jardim todo florido
plantado e replantado quando exausto
tu paras e consegues ver
uma rosa branca
que é azul.
ninguém observa tuas lágrimas
chora então e não peças clemência.
Não existe atrás da parede um deus oculto
nem sobre o telhado um samurai misericordioso.
Não acredites em olhar de quem vive morto.
Não escutes a voz da mãe que mente ao filho.
A única razão para que mexas em cadáveres
é vê-los sorrindo e não acomodados
em sonhos.
Acorda-os e escreve as cartas do teu coração
que nunca em hipótese alguma te serão entregues.
Abre teu baú de memórias
inferniza-te até que tuas pálpebras
se cansem dessa luta insignificante
entre lágrimas de cera
e cílios postiços.
Descer à masmorra das mentiras
é como correr em volta da praça
em dia chuvoso que parte ossos.
Deixa pelos canteiros tuas costelas.
Deixa que mais cedo ou tarde
hão de virar cinzas.
No invisível de ti há um jardim todo florido
plantado e replantado quando exausto
tu paras e consegues ver
uma rosa branca
que é azul.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
ondas
O poeta é um tolo, notório e conhecido
desde o tempo em que nasciam batatinhas
esparramadas pelo chão, diziam meus inimigos.
Sempre me comportei como tal
mas a minha ira também assusta.
Eu assumo minha tolice
e a bestial cólera
que me prende
e sufoca.
Eu não apenas assumo como canto
assoprando flautas doces e clarins.
Agora mesmo racha-me a cabeça
um raio digno de um tolo
e furioso poeta.
Não há motivos aparentes
que o mundo saiba antes
dos versos suspensos.
Se tivesse na mão um objeto cortante
uma caneta bico de bronze
não demoraria o sangue
a sujar-me o bermudão.
O que tenho nas duas mãos são dedos.
Dedos espertos que tramam aventuras.
Cada gesto anterior à palavra e ao pensamento
os meus dez dedos parados sobre as teclas
já intuem, sabem, riem.
Eu sou um poeta tolo e colérico,
os meus dedos são eremitas
e a cada toque no teclado
uma estrela morre
e outra nasce.
Ah, que linda ilusão
escrever poema
com o peito
espinhoso
...
há de nascer uma flor
desta voz abafada.
desde o tempo em que nasciam batatinhas
esparramadas pelo chão, diziam meus inimigos.
Sempre me comportei como tal
mas a minha ira também assusta.
Eu assumo minha tolice
e a bestial cólera
que me prende
e sufoca.
Eu não apenas assumo como canto
assoprando flautas doces e clarins.
Agora mesmo racha-me a cabeça
um raio digno de um tolo
e furioso poeta.
Não há motivos aparentes
que o mundo saiba antes
dos versos suspensos.
Se tivesse na mão um objeto cortante
uma caneta bico de bronze
não demoraria o sangue
a sujar-me o bermudão.
O que tenho nas duas mãos são dedos.
Dedos espertos que tramam aventuras.
Cada gesto anterior à palavra e ao pensamento
os meus dez dedos parados sobre as teclas
já intuem, sabem, riem.
Eu sou um poeta tolo e colérico,
os meus dedos são eremitas
e a cada toque no teclado
uma estrela morre
e outra nasce.
Ah, que linda ilusão
escrever poema
com o peito
espinhoso
...
há de nascer uma flor
desta voz abafada.
sábado, 11 de fevereiro de 2012
dois velhinhos sacanas
Viverei até os oitenta anos.
Não se trata de presságio
ou sandice.
É que gostei desse número.
Dessa imagem simbólica.
Simples assim, diria
Pitágoras.
Até lá hei de colher meus gravetos em pântanos sombrios
como também em coloridas florestas de esquilos.
Terei bem de tardinha quando o sol esfriar
o que lançar às calçadas: versos tortos,
poemas apagados, palavrinhas ainda
bebês.
Os meus olhos estarão claros.
O meu sorriso franco.
Não sei o que você terá lançado sobre as calçadas
quando o sol estiver frio, talvez moedas de ouro.
Sei que você igual a mim morrerá aos oitenta anos.
Suas mãos gordas e peludas não verei seu sangue.
Ouvirei decerto seu escárnio das minhas memórias.
Dos meus gravetos colhidos em pântanos sinistros
como em florestas aprazíveis.
Terei a meu favor a mágica da textura do bambu
e ao tenro toque reconhecerei qual o poema
mais louco e qual o mais dócil.
E você com todas as moedas de ouro
espalhadas nas calçadas o que revelará?
As mulheres estarão aos seus pés.
E você ditoso de tanto rir das minhas ilusões
e de tanto alegrar-se da sua volúpia
não perceberá que as suas mulheres
são demônios de saia
e perfume.
Enquanto as minhas mulheres somente terei em versos.
Pois cada uma terá envelhecido e morrido antes de mim.
E serão todas santinhas no céu.
Não lembrarei delas da dor terrível no peito
pelo que me fizeram sofrer durante quase um século.
Engraçado é que fecharemos os olhos
ao mesmo tempo, minuto e delírio.
Eu não morrerei feliz porque gravetos
guardados dentro dos bolsos do paletó
incomodam quando se dorme
para sempre.
Imagino você com tantas moedas de ouro.
Não se trata de presságio
ou sandice.
É que gostei desse número.
Dessa imagem simbólica.
Simples assim, diria
Pitágoras.
Até lá hei de colher meus gravetos em pântanos sombrios
como também em coloridas florestas de esquilos.
Terei bem de tardinha quando o sol esfriar
o que lançar às calçadas: versos tortos,
poemas apagados, palavrinhas ainda
bebês.
Os meus olhos estarão claros.
O meu sorriso franco.
Não sei o que você terá lançado sobre as calçadas
quando o sol estiver frio, talvez moedas de ouro.
Sei que você igual a mim morrerá aos oitenta anos.
Suas mãos gordas e peludas não verei seu sangue.
Ouvirei decerto seu escárnio das minhas memórias.
Dos meus gravetos colhidos em pântanos sinistros
como em florestas aprazíveis.
Terei a meu favor a mágica da textura do bambu
e ao tenro toque reconhecerei qual o poema
mais louco e qual o mais dócil.
E você com todas as moedas de ouro
espalhadas nas calçadas o que revelará?
As mulheres estarão aos seus pés.
E você ditoso de tanto rir das minhas ilusões
e de tanto alegrar-se da sua volúpia
não perceberá que as suas mulheres
são demônios de saia
e perfume.
Enquanto as minhas mulheres somente terei em versos.
Pois cada uma terá envelhecido e morrido antes de mim.
E serão todas santinhas no céu.
Não lembrarei delas da dor terrível no peito
pelo que me fizeram sofrer durante quase um século.
Engraçado é que fecharemos os olhos
ao mesmo tempo, minuto e delírio.
Eu não morrerei feliz porque gravetos
guardados dentro dos bolsos do paletó
incomodam quando se dorme
para sempre.
Imagino você com tantas moedas de ouro.
tumulto
Não pouparei sangue dos dedos
até que seja escrito o último verso.
Não me venhas então com candura
sossego de espírito e calmaria no andar.
Meu coração é tão somente artérias
entupidas de delírios e estupidez.
Não me peças então paciência
placidez e olhar cristalino.
Minha alma é puro ciúme
do invisível que lambe
do inexprimível
que toca.
Não pouparei cálices de lágrimas
até que seja lançado ao fogo
o último verso.
Porque nunca fui calmo e consciente
e todo o meu pavor é reduzido à loucura.
Meus braços não temem as ondas
nem as noites de relâmpagos
que me queimam.
Não me digas então
que amanhã será outro dia.
Não há mudança no sangue das veias
de quem conviveu com a própria morte.
E esta dor é morte -
infame, deliciosa,
mas morte.
até que seja escrito o último verso.
Não me venhas então com candura
sossego de espírito e calmaria no andar.
Meu coração é tão somente artérias
entupidas de delírios e estupidez.
Não me peças então paciência
placidez e olhar cristalino.
Minha alma é puro ciúme
do invisível que lambe
do inexprimível
que toca.
Não pouparei cálices de lágrimas
até que seja lançado ao fogo
o último verso.
Porque nunca fui calmo e consciente
e todo o meu pavor é reduzido à loucura.
Meus braços não temem as ondas
nem as noites de relâmpagos
que me queimam.
Não me digas então
que amanhã será outro dia.
Não há mudança no sangue das veias
de quem conviveu com a própria morte.
E esta dor é morte -
infame, deliciosa,
mas morte.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
rubião entristecido
Dá-me água fresca
não para matar-me a sede
mas para lavar meus olhos.
Bons tempos aqueles em que moinhos
eram fantásticos gigantes de mil tentáculos
e a prostituta da taberna minha querida amada.
Bateu sobre meus ombros o fardo das estrelas
entediadas de tanto brilho sem que ninguém
possa salvá-las do passado.
Dá-me água fresca,
lava-me o rosto com teus cílios.
Devolve-me os olhos de outrora
do viajante jamais do eremita.
Pois este não sabe cuidar
da sua própria casa.
Dá-me água fresca,
lava e beija meus olhos
diz-me adeus e acompanha-me.
Minha cabana é logo adiante
seguindo o chiclete das minhas botas.
não para matar-me a sede
mas para lavar meus olhos.
Bons tempos aqueles em que moinhos
eram fantásticos gigantes de mil tentáculos
e a prostituta da taberna minha querida amada.
Bateu sobre meus ombros o fardo das estrelas
entediadas de tanto brilho sem que ninguém
possa salvá-las do passado.
Dá-me água fresca,
lava-me o rosto com teus cílios.
Devolve-me os olhos de outrora
do viajante jamais do eremita.
Pois este não sabe cuidar
da sua própria casa.
Dá-me água fresca,
lava e beija meus olhos
diz-me adeus e acompanha-me.
Minha cabana é logo adiante
seguindo o chiclete das minhas botas.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
espiões
Não leve tão a sério
o que lhe digo bêbado
os gestos,
os olhos
a quase vontade
de pular da varanda.
No dia seguinte não tarda
vem a andorinha à janela do banheiro
inocente,
sem a mínima ideia
do monstro que sou
a confessar-me feito um anjo
sobre coisas dos céus e das nuvens.
o que lhe digo bêbado
os gestos,
os olhos
a quase vontade
de pular da varanda.
No dia seguinte não tarda
vem a andorinha à janela do banheiro
inocente,
sem a mínima ideia
do monstro que sou
a confessar-me feito um anjo
sobre coisas dos céus e das nuvens.
borboletas de todos os dias
As borboletas não são idiotas
mas às vezes me cansam
com seus dois olhos
nas asas
vigiando-me os passos
quando vou ao jardim.
Então é hora
de afastar-me delas
com cascos de rinoceronte
para que a terra trema
e os céus ouçam.
Borboletas devem caber-se
somente em forma
de tatuagem
na nuca e tornozelo
de uma mulher.
Mas o que lhes confesso
é outro tipo de juramento
naquelas manhãs de pura solidão
onde borboletas são princesas
e também nossas meninas.
mas às vezes me cansam
com seus dois olhos
nas asas
vigiando-me os passos
quando vou ao jardim.
Então é hora
de afastar-me delas
com cascos de rinoceronte
para que a terra trema
e os céus ouçam.
Borboletas devem caber-se
somente em forma
de tatuagem
na nuca e tornozelo
de uma mulher.
Mas o que lhes confesso
é outro tipo de juramento
naquelas manhãs de pura solidão
onde borboletas são princesas
e também nossas meninas.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
lázaro e o molusco
Interessante eu nunca ter catado pedrinhas na praia
só me interessavam búzios talvez
por eu saber que um dia
dentro deles
viveram moluscos
e moluscos têm a mesma vida dos homens:
sonham com o mar dentro dos ouvidos
e temem horrorizados quando
são arrastados às falésias.
Eu fui um poeta a partir da noite
quando sozinho pela praia
colhi um búzio
e ao levá-lo
ao ouvido
não foram apenas ondas
e gracejos de cavalos-marinhos.
Eu ouvi o próprio molusco
ressuscitando a mínima parte
que lhe havia restado dentro do búzio.
E eu [que quase medo tenho de nada]
deixei que o molusco ainda meio
amputado do abdome
invadisse meu ouvido,
descesse não sei por qual via
até o meu coração e lá se plantasse
e lá se iniciasse a regeneração de cada molécula.
Sempre que estou sozinho no meu quarto
ou dentro do banheiro eu faço concha
com as mãos e não ouço ondas
ou gracejos dos cavalos-marinhos -
eu ouço claramente
os assobios do molusco
em forma de agradecimento.
Loucura minha mas é como se ele
o molusco ao qual dei vida
confessasse que eu sou
um rei, um maltrapilho
mas um rei.
só me interessavam búzios talvez
por eu saber que um dia
dentro deles
viveram moluscos
e moluscos têm a mesma vida dos homens:
sonham com o mar dentro dos ouvidos
e temem horrorizados quando
são arrastados às falésias.
Eu fui um poeta a partir da noite
quando sozinho pela praia
colhi um búzio
e ao levá-lo
ao ouvido
não foram apenas ondas
e gracejos de cavalos-marinhos.
Eu ouvi o próprio molusco
ressuscitando a mínima parte
que lhe havia restado dentro do búzio.
E eu [que quase medo tenho de nada]
deixei que o molusco ainda meio
amputado do abdome
invadisse meu ouvido,
descesse não sei por qual via
até o meu coração e lá se plantasse
e lá se iniciasse a regeneração de cada molécula.
Sempre que estou sozinho no meu quarto
ou dentro do banheiro eu faço concha
com as mãos e não ouço ondas
ou gracejos dos cavalos-marinhos -
eu ouço claramente
os assobios do molusco
em forma de agradecimento.
Loucura minha mas é como se ele
o molusco ao qual dei vida
confessasse que eu sou
um rei, um maltrapilho
mas um rei.
um homem triste que tem um tesouro
Não falemos sobre os homens tristes
que guardam nos olhos flores
das quais até abelhas
fogem apavoradas.
Embora eu seja um deles
a selar um tesouro
na cova rasa
de um túmulo antigo.
Ninguém em plena e total consciência
haveria de se interessar por esse tipo
de rubis, esmeraldas, brilhantes.
Mas eu juro que tenho, baby
trancado em um baú debaixo
de um anjo de mármore
um tesouro com todas essas pedras preciosas
e mais alguns papiros que revelam a longa vida.
Mas quem haveria de pôr ao ombro a pá
e sob uma noite de furiosa lua cheia
escavar tal tesouro?
Por isso, baby
eu sou um homem triste
largado de deus
e esquecido do demo.
Sem um pingo de amor
a derramar dos meus versos.
Mas não falemos sobre esses homens tristes
que tomam seus porres e se drogam
até o amanhecer
e a vida, baby
permanece mais cínica
e cruel com esses tristonhos.
Esqueça, baby
esses homens tristes
que carregam no rosto
uma cor parda e escamosa.
Ainda não olhei da varanda
como está a lua, decerto
deve brilhar tão silenciosa
quanto meu coração.
que guardam nos olhos flores
das quais até abelhas
fogem apavoradas.
Embora eu seja um deles
a selar um tesouro
na cova rasa
de um túmulo antigo.
Ninguém em plena e total consciência
haveria de se interessar por esse tipo
de rubis, esmeraldas, brilhantes.
Mas eu juro que tenho, baby
trancado em um baú debaixo
de um anjo de mármore
um tesouro com todas essas pedras preciosas
e mais alguns papiros que revelam a longa vida.
Mas quem haveria de pôr ao ombro a pá
e sob uma noite de furiosa lua cheia
escavar tal tesouro?
Por isso, baby
eu sou um homem triste
largado de deus
e esquecido do demo.
Sem um pingo de amor
a derramar dos meus versos.
Mas não falemos sobre esses homens tristes
que tomam seus porres e se drogam
até o amanhecer
e a vida, baby
permanece mais cínica
e cruel com esses tristonhos.
Esqueça, baby
esses homens tristes
que carregam no rosto
uma cor parda e escamosa.
Ainda não olhei da varanda
como está a lua, decerto
deve brilhar tão silenciosa
quanto meu coração.
domingo, 29 de janeiro de 2012
levitação
Minha alma só deixa meu corpo
por um motivo: coçar minhas costas.
Espreme três cravos,
dá dois beijinhos.
Em seguida retorna pra casa
onde vive sossegada
feliz com o coração
entre as costelas.
por um motivo: coçar minhas costas.
Espreme três cravos,
dá dois beijinhos.
Em seguida retorna pra casa
onde vive sossegada
feliz com o coração
entre as costelas.
pela eternidade que me sucumbe
Um poeta desatento é uma palavra
intrusa que aborta e sangra
o poema.
Depois de perdido o verso
o outro filho não alivia
o eclipse e a saudade.
São mais que versos
o que faz do poeta
um santo.
Eu, por exemplo, tenho os ombros
de São Francisco de Assis
sobre os quais passarinhos pousam,
fazem suas necessidades e cantam.
intrusa que aborta e sangra
o poema.
Depois de perdido o verso
o outro filho não alivia
o eclipse e a saudade.
São mais que versos
o que faz do poeta
um santo.
Eu, por exemplo, tenho os ombros
de São Francisco de Assis
sobre os quais passarinhos pousam,
fazem suas necessidades e cantam.
sábado, 28 de janeiro de 2012
memórias de um falastrão apaixonado
Antigamente,
há séculos,
quando meus lábios rachavam
eu descia ao jardim do prédio
colhia algumas pétalas
de certas flores
esmagava-as, pisava-as,
alcançando uma textura
de unguento.
Em seguida deixava sobre o parapeito da varanda
um tempão esse unguento até que um bem-te-vi
concluísse o ritual: era necessário que ungisse
três vezes no bico e debaixo das asas
o bálsamo.
Lembro-me que ao untar esse bagulho nos lábios
logo caíam as escamas e assustava-me
a jovialidade da minha boca.
Descia pra calçada
e perdia a conta
das meninas
que beijava
todas vindo da pracinha
algumas desiludidas
do seu príncipe.
Ainda guardo dentro de envelopes secretos
cartas amorosas beirando loucura
e línguas inteiras embrulhadas
com lindos lacinhos.
há séculos,
quando meus lábios rachavam
eu descia ao jardim do prédio
colhia algumas pétalas
de certas flores
esmagava-as, pisava-as,
alcançando uma textura
de unguento.
Em seguida deixava sobre o parapeito da varanda
um tempão esse unguento até que um bem-te-vi
concluísse o ritual: era necessário que ungisse
três vezes no bico e debaixo das asas
o bálsamo.
Lembro-me que ao untar esse bagulho nos lábios
logo caíam as escamas e assustava-me
a jovialidade da minha boca.
Descia pra calçada
e perdia a conta
das meninas
que beijava
todas vindo da pracinha
algumas desiludidas
do seu príncipe.
Ainda guardo dentro de envelopes secretos
cartas amorosas beirando loucura
e línguas inteiras embrulhadas
com lindos lacinhos.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
o glutão viciado em fome
Agora sei como cantar a felicidade
por acaso não é ela essa ausência
sem vigor, pálida
de inflamadas bochechas
a tocar trombone volteando a praça?
Ou seria ela esse relógio parado na parede
ponteiros longos e tensos que nunca
alcançam o horizonte?
por acaso não é ela essa ausência
sem vigor, pálida
de inflamadas bochechas
a tocar trombone volteando a praça?
Ou seria ela esse relógio parado na parede
ponteiros longos e tensos que nunca
alcançam o horizonte?
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
adejar
Escrevo poemas, baby.
E não seria diferente
com esta alma
que voa.
A curiosidade das palavras
ressoa pelo corredor escuro.
Meus passos se perdem
onde elas costumam fazer ninho.
Escrevo poemas, baby.
E morreria se não tivesse
esta alma agarrada aos meus chinelos.
Imensamente tudo tão mágico e feroz
quando as palavras roubam
os meus chinelos.
Correm loucas pela casa
com meus chinelos escondidos.
Alegria delas é cheirar o suor impregnado
nas marcas escuras de cada dedo.
Meus chinelos o ópio das minhas palavras.
E todas se deleitam quando durmo.
Debaixo da cama guardo meus chinelos
e sobre eles as palavras -
sonhando.
E não seria diferente
com esta alma
que voa.
A curiosidade das palavras
ressoa pelo corredor escuro.
Meus passos se perdem
onde elas costumam fazer ninho.
Escrevo poemas, baby.
E morreria se não tivesse
esta alma agarrada aos meus chinelos.
Imensamente tudo tão mágico e feroz
quando as palavras roubam
os meus chinelos.
Correm loucas pela casa
com meus chinelos escondidos.
Alegria delas é cheirar o suor impregnado
nas marcas escuras de cada dedo.
Meus chinelos o ópio das minhas palavras.
E todas se deleitam quando durmo.
Debaixo da cama guardo meus chinelos
e sobre eles as palavras -
sonhando.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
o ceifeiro dos campos de espuma
não há velhice, meu caro
mesmo que os dedos decrépitos
irritem-se e urrem e digam que sim
que sim senhor há velhice
na palma da mão e nas falanges
eu digo que não há velhice, meu jovem
mesmo que os joelhos rosnem
e sussurrem metálicos que há velhice
no andar desolado e no curvar-se absorto
confirmo que não há velhice, menino
mesmo que os cabelos brancos enlouqueçam
mesmo que os lábios ressecados blasfemem
asseguro-lhe, criança
que não há velhice no espírito
apartado do instante que dorme
e se quiser tomar a sua vida de volta
retorne aos seus vícios de ontem
sem murmúrios
mesmo assim
só haverá velhice
depois da chuva
quando seu barquinho
tiver sumido dentro do bueiro
ora, mas o que é um barquinho
para um velho esquecido
que tem o corpo a julgar
como inimigo?
mesmo que os dedos decrépitos
irritem-se e urrem e digam que sim
que sim senhor há velhice
na palma da mão e nas falanges
eu digo que não há velhice, meu jovem
mesmo que os joelhos rosnem
e sussurrem metálicos que há velhice
no andar desolado e no curvar-se absorto
confirmo que não há velhice, menino
mesmo que os cabelos brancos enlouqueçam
mesmo que os lábios ressecados blasfemem
asseguro-lhe, criança
que não há velhice no espírito
apartado do instante que dorme
e se quiser tomar a sua vida de volta
retorne aos seus vícios de ontem
sem murmúrios
mesmo assim
só haverá velhice
depois da chuva
quando seu barquinho
tiver sumido dentro do bueiro
ora, mas o que é um barquinho
para um velho esquecido
que tem o corpo a julgar
como inimigo?
do inferno e dos sentidos
Alguns raios da tarde descendo pela parede
é o suficiente para que eu perceba
que perdi o poder sobre
meus males:
aquele coração peçonhento
aquele frio no intestino.
E as virtudes, se existiram,
não vivo sob o jugo delas.
Estou só e liberto como há de ser:
um homem infinitamente feliz
de sua tristeza.
é o suficiente para que eu perceba
que perdi o poder sobre
meus males:
aquele coração peçonhento
aquele frio no intestino.
E as virtudes, se existiram,
não vivo sob o jugo delas.
Estou só e liberto como há de ser:
um homem infinitamente feliz
de sua tristeza.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
o zeloso pégaso
Eis de volta meu pégaso
a alegria da casa
com suas asas
curadas.
Agora ele pode subir ao telhado.
Flertar de perto as estrelas.
Sei que será um tormento
tardão da noite seus uivos.
Meu bom pégaso deitado sobre o telhado
pesca estrelas como quem vai ao mar
abençoado e traz à praia
todo tipo de peixe.
Vigia debaixo das asas um frasco de lavanda
e um buquê de rosas: as estrelas são peixes,
precisam de mimos.
Assim, sorrindo, com um frasco de lavanda
e um buquê de rosas meu pégaso sobe
ao telhado pescar estrelas.
Será um tormento sua dor mais tarde
depois que amanhece e as estrelas
perfumadas e floridas
partem também sorrindo
pro outro lado da praça.
a alegria da casa
com suas asas
curadas.
Agora ele pode subir ao telhado.
Flertar de perto as estrelas.
Sei que será um tormento
tardão da noite seus uivos.
Meu bom pégaso deitado sobre o telhado
pesca estrelas como quem vai ao mar
abençoado e traz à praia
todo tipo de peixe.
Vigia debaixo das asas um frasco de lavanda
e um buquê de rosas: as estrelas são peixes,
precisam de mimos.
Assim, sorrindo, com um frasco de lavanda
e um buquê de rosas meu pégaso sobe
ao telhado pescar estrelas.
Será um tormento sua dor mais tarde
depois que amanhece e as estrelas
perfumadas e floridas
partem também sorrindo
pro outro lado da praça.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
sinais
A mulher sabe da fêmea
que lhe assopra aos ouvidos:
"este é solitário,
um pobre monge."
E principia ela a andar descalça,
ao quase requebro, olhos fingidos.
Desatino são dentes trincando lábios.
O que eu fiz em silêncio.
Mas não chames de loucura aquele silêncio:
a cada passo que tu davas à tua varanda
eu refletia como é miserável a solidão.
E ao retornares pro fogão agachando-te
eu já conhecia teus pensamentos.
Não é mistério para o monge
a mente de uma mulher
se a fêmea se veste
só de camiseta
a passear
pela casa.
que lhe assopra aos ouvidos:
"este é solitário,
um pobre monge."
E principia ela a andar descalça,
ao quase requebro, olhos fingidos.
Desatino são dentes trincando lábios.
O que eu fiz em silêncio.
Mas não chames de loucura aquele silêncio:
a cada passo que tu davas à tua varanda
eu refletia como é miserável a solidão.
E ao retornares pro fogão agachando-te
eu já conhecia teus pensamentos.
Não é mistério para o monge
a mente de uma mulher
se a fêmea se veste
só de camiseta
a passear
pela casa.
domingo, 22 de janeiro de 2012
amor doutro mundo
Se cai do teto uma perninha de aranha
sobre meu bermudão surrado
sinto frio na espinha.
Já ofereci a deus minha alma
e se deus não existir
quem cuidará
da minha
menina?
A alma é minha menina.
A única que adoro
dia e noite.
E não importa se ela chegou
de trem ou de foguete.
De alforge
ou de rendinha.
o passado não desbota
não, meu amor, não preciso que o tempo mude
para escolher do guarda-roupa uma camisa adequada
ando mesmo nu pelo quarto e meu cheiro forte atravessa
paredes chega às narinas da vizinha, ui, ouço um suspiro
não, meu amor, nunca fui um cavalheiro
sou mesmo um bruto, um cavalo
triste e esnobe
que apesar das patas quebradas
ainda galopa pelos campos
de girassóis
não, meu amor, não há tempo bom
circulando em minhas veias
o meu sangue pouco vive
pouco se alegra
creia, meu coração é um patife
cujo batimento lembra
a luxúria do engenho -
bagaço,
aguardente
e desse jeito virando a noite
levando junto o travesseiro
meu sangue não se confunde com minhas lágrimas
por sinal esqueci o dia em que elas deslizaram
pelas faces
não, meu amor, não sou um romântico
sou um bêbado sóbrio, um demo safo,
um santo manco, um sapo mudo
e tudo sobre a estante
é uma alma penada
que combina
comigo.
para escolher do guarda-roupa uma camisa adequada
ando mesmo nu pelo quarto e meu cheiro forte atravessa
paredes chega às narinas da vizinha, ui, ouço um suspiro
não, meu amor, nunca fui um cavalheiro
sou mesmo um bruto, um cavalo
triste e esnobe
que apesar das patas quebradas
ainda galopa pelos campos
de girassóis
não, meu amor, não há tempo bom
circulando em minhas veias
o meu sangue pouco vive
pouco se alegra
creia, meu coração é um patife
cujo batimento lembra
a luxúria do engenho -
bagaço,
aguardente
e desse jeito virando a noite
levando junto o travesseiro
meu sangue não se confunde com minhas lágrimas
por sinal esqueci o dia em que elas deslizaram
pelas faces
não, meu amor, não sou um romântico
sou um bêbado sóbrio, um demo safo,
um santo manco, um sapo mudo
e tudo sobre a estante
é uma alma penada
que combina
comigo.
sábado, 21 de janeiro de 2012
o jardineiro descalço
Em anos bissextos deixo o corpo, mudo de pele,
troco o dente da frente pela sétima vértebra
e ao sorrir todo o sistema nervoso palpita.
Em anos bissextos ganho de presente
uma alma novinha em folha.
Sem linhas traçadas, sem páginas gordurosas,
sem vestígios de traças, cupins e baratas.
Tenho a chance de recuperar a moeda de dez centavos
que um dia eu perdi dentro da rachadura da parede.
Em anos bissextos posso perdoar a mim mesmo
do olhar cruel e da voz cínica que derrubaram
quem se importava comigo
e me amava.
Em anos bissextos como maçã
e ouço os pássaros
sem nenhum desejo
de rastejar sinuoso
ou voar boçal.
Em anos bissextos meus punhos inflamam,
meu coração para de bater, a mente pifa,
a língua seca, o sangue flui
e não volta.
Em anos bissextos eu morro,
eu morro de óculos,
bermudão,
os pés sobre as correias
de um velho chinelo.
troco o dente da frente pela sétima vértebra
e ao sorrir todo o sistema nervoso palpita.
Em anos bissextos ganho de presente
uma alma novinha em folha.
Sem linhas traçadas, sem páginas gordurosas,
sem vestígios de traças, cupins e baratas.
Tenho a chance de recuperar a moeda de dez centavos
que um dia eu perdi dentro da rachadura da parede.
Em anos bissextos posso perdoar a mim mesmo
do olhar cruel e da voz cínica que derrubaram
quem se importava comigo
e me amava.
Em anos bissextos como maçã
e ouço os pássaros
sem nenhum desejo
de rastejar sinuoso
ou voar boçal.
Em anos bissextos meus punhos inflamam,
meu coração para de bater, a mente pifa,
a língua seca, o sangue flui
e não volta.
Em anos bissextos eu morro,
eu morro de óculos,
bermudão,
os pés sobre as correias
de um velho chinelo.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
primeira comunhão
Parece que pouco esforço fiz
ou esforço algum
e tenho um filho
de lá para cá
entre o quarto
e a cozinha -
ora vem com uma taça de sorvete
ora joga dama com o computador
deixa um download aberto
e parte novamente
para a cozinha.
Tudo é mágico nele:
sorriso, voz, olhos de cutia.
E eu me pergunto -
"Quem me deu esse menino?"
Passei tanto tempo dormindo,
ei-lo altivo e brincante
fazendo graça,
pilhéria do mundo.
E eu me assombro -
"Quem me deu esse menino?"
ou esforço algum
e tenho um filho
de lá para cá
entre o quarto
e a cozinha -
ora vem com uma taça de sorvete
ora joga dama com o computador
deixa um download aberto
e parte novamente
para a cozinha.
Tudo é mágico nele:
sorriso, voz, olhos de cutia.
E eu me pergunto -
"Quem me deu esse menino?"
Passei tanto tempo dormindo,
ei-lo altivo e brincante
fazendo graça,
pilhéria do mundo.
E eu me assombro -
"Quem me deu esse menino?"
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
cabelos brancos em estátua de bronze
Não sossegue
pois nem a poesia
que é origem e fim
lhe dará resposta
sinta, quando acaba o poema
tem aquela voz dentro gasta
e ainda aquela outra fora
em nascimento.
Confuso assim mesmo
caso não fosse
teria o poeta
um fácil destino.
Espere o último olhar
trincar os dentes
então você somente
saberá se valeu a pena
o caminho escolhido
o rio nunca atravessado.
Triste assim mesmo
é tão triste assim mesmo
se nada foge
se tudo é lembrança.
pois nem a poesia
que é origem e fim
lhe dará resposta
sinta, quando acaba o poema
tem aquela voz dentro gasta
e ainda aquela outra fora
em nascimento.
Confuso assim mesmo
caso não fosse
teria o poeta
um fácil destino.
Espere o último olhar
trincar os dentes
então você somente
saberá se valeu a pena
o caminho escolhido
o rio nunca atravessado.
Triste assim mesmo
é tão triste assim mesmo
se nada foge
se tudo é lembrança.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
cânticos de pássaros
Meus animais estão com fome.
Não posso escolher entre
um ou outro.
Ambos comem carne
e também adoram
girassóis ao azeite.
Se debaixo da chuva eu cruzasse os braços
e não os alimentasse o que fariam meus animais?
Comeriam-me vivo meu fígado de ovelha
e meus cílios grãos de mostarda?
Meu amor,
não siga o caminho
das vidraças quando chove.
Não se comova tanto -
não são lágrimas
no rosto delas.
Não posso escolher entre
um ou outro.
Ambos comem carne
e também adoram
girassóis ao azeite.
Se debaixo da chuva eu cruzasse os braços
e não os alimentasse o que fariam meus animais?
Comeriam-me vivo meu fígado de ovelha
e meus cílios grãos de mostarda?
Meu amor,
não siga o caminho
das vidraças quando chove.
Não se comova tanto -
não são lágrimas
no rosto delas.
fogo do fogo
Se a poesia for mesmo importante para tua vida
não sentarás à mesa com três caras sinistros
porque teu amigo te convidou.
Não demora teu amigo some
e os três sujeitos sinistros
trocam entre si
olhar assassino
e decidem
te matar.
Entrega teu coração a Deus logo cedo
antes de dormir e antes que desça
a aurora.
Mas agora Deus está ocupado,
furioso com Abraão -
dedo em riste,
puxando-lhe a orelha,
gritando-lhe ao ouvido.
"isto não é sinal de fé
é loucura, Abraão!"
Aquela imagem nunca mais sairá
da cabeça do filho de Abraão.
Deus não viu mas se viu permitira
que o filho de Abraão pelos vãos dos dedos
que lhe encobriam o rostinho assustado
aprendesse algum tipo de mistério
naquele dia incrível.
Se a poesia for tão importante para tua vida
passa reto quando teu amigo
mesmo que seja amigo
de nascença
te convidar à mesa para beber
com três caras sinistros.
Nem pegues teu filho pela mão
atravessando um deserto
com um punhal
à cintura.
não sentarás à mesa com três caras sinistros
porque teu amigo te convidou.
Não demora teu amigo some
e os três sujeitos sinistros
trocam entre si
olhar assassino
e decidem
te matar.
Entrega teu coração a Deus logo cedo
antes de dormir e antes que desça
a aurora.
Mas agora Deus está ocupado,
furioso com Abraão -
dedo em riste,
puxando-lhe a orelha,
gritando-lhe ao ouvido.
"isto não é sinal de fé
é loucura, Abraão!"
Aquela imagem nunca mais sairá
da cabeça do filho de Abraão.
Deus não viu mas se viu permitira
que o filho de Abraão pelos vãos dos dedos
que lhe encobriam o rostinho assustado
aprendesse algum tipo de mistério
naquele dia incrível.
Se a poesia for tão importante para tua vida
passa reto quando teu amigo
mesmo que seja amigo
de nascença
te convidar à mesa para beber
com três caras sinistros.
Nem pegues teu filho pela mão
atravessando um deserto
com um punhal
à cintura.
alcova
Não tenho a mínima ideia dos outros com suas paredes
mas das minhas eu cuido: deixo teias de aranha
à vontade, nódoas de infiltrações da chuva
e só uma vez colei fita gomada
tapando as rachaduras
pois é um perigo
escorpiões.
Por muito tempo houve equívoco da minha parte:
via nelas tristeza, silêncio, solidão, cinismo.
Cegueira minha,
as minhas paredes
são felizes com o tempo.
Se chove e descem lágrimas das suas quinas
ou se venta forte e seus insetos
são arrastados
elas recebem tudo de bom grado
sem exclamações ou murmúrios.
As paredes do quarto parecem com seu dono
como é igual o bichinho de estimação
àquele quem dele cuida.
Eu cuido das minhas paredes -
deixo-as à toa e não me espanto
com o sangue das muriçocas
na pintura branca
do seu rosto.
mas das minhas eu cuido: deixo teias de aranha
à vontade, nódoas de infiltrações da chuva
e só uma vez colei fita gomada
tapando as rachaduras
pois é um perigo
escorpiões.
Por muito tempo houve equívoco da minha parte:
via nelas tristeza, silêncio, solidão, cinismo.
Cegueira minha,
as minhas paredes
são felizes com o tempo.
Se chove e descem lágrimas das suas quinas
ou se venta forte e seus insetos
são arrastados
elas recebem tudo de bom grado
sem exclamações ou murmúrios.
As paredes do quarto parecem com seu dono
como é igual o bichinho de estimação
àquele quem dele cuida.
Eu cuido das minhas paredes -
deixo-as à toa e não me espanto
com o sangue das muriçocas
na pintura branca
do seu rosto.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
mosteiro
Faço-te um poema
para que durmas
com os anjos.
Não te assustes
com as minhas lágrimas.
Eu não sou um anjo.
Eu nunca vi um anjo chorar.
Pensando bem,
escrevo-te um poema
para que sonhes com um poeta.
Poeta chora e pensa
tantas vezes em matar-se.
Não te apavores.
Digo matar-se em outro sentido.
Entrando e não saindo
de dentro das botas
ou perdido dentro
das paredes.
A verdade é que te faço um poema
para que tu não durmas
e compartilhes comigo
meus pulsos inflamados.
Mas se desejares anjos,
que seja.
Acostuma-te com o sorriso
com o eterno sorriso deles.
Um poeta dopado de analgésicos e anti-inflamatórios
já é um milagre escrever alguma coisa talvez lírica
que faça, enfim, os anjos caírem às lágrimas.
Se vês algum tipo dessas lágrimas na minha face
então crê, meu bem, que sou um anjo -
desses doidões
e silenciosos.
para que durmas
com os anjos.
Não te assustes
com as minhas lágrimas.
Eu não sou um anjo.
Eu nunca vi um anjo chorar.
Pensando bem,
escrevo-te um poema
para que sonhes com um poeta.
Poeta chora e pensa
tantas vezes em matar-se.
Não te apavores.
Digo matar-se em outro sentido.
Entrando e não saindo
de dentro das botas
ou perdido dentro
das paredes.
A verdade é que te faço um poema
para que tu não durmas
e compartilhes comigo
meus pulsos inflamados.
Mas se desejares anjos,
que seja.
Acostuma-te com o sorriso
com o eterno sorriso deles.
Um poeta dopado de analgésicos e anti-inflamatórios
já é um milagre escrever alguma coisa talvez lírica
que faça, enfim, os anjos caírem às lágrimas.
Se vês algum tipo dessas lágrimas na minha face
então crê, meu bem, que sou um anjo -
desses doidões
e silenciosos.
da varanda é formoso o balé
O que seríamos nós sem as palavras.
Essas meninas loucas.
Nunca as vi de jeans.
Só as vejo de vestidos.
Leves, soltos,
sem botões.
E quando minha vista está apurada
vejo, também nada usam por baixo.
Passo longas horas voyeur
admirando o segredo das palavras.
Quem disse que elas têm família
certamente nunca as viram
por baixo do vestido.
Os vestidos de florezinhas,
estampados, bordadinhos,
às vezes lisos sem um fio
de costura é apenas
sedução
para que meus olhos se detenham em seus raios
feito folhas brilhantes caindo da copa de uma árvore.
Antes que cheguem às calçadas
já tenho engolido milhares delas.
Se eu estiver em um dia de sorte
nem precisarei vê-las por baixo.
Descerá pelos meus olhos
até meus lábios cada detalhe.
As palavras são femininas
e as interjeições seus batons.
Pertencem a uma única classe:
à classe do olhar de quem as olha.
O meu é um olhar ávido
de menino de dez anos.
Não tenho fome
enquanto me encanto.
Essas meninas loucas.
Nunca as vi de jeans.
Só as vejo de vestidos.
Leves, soltos,
sem botões.
E quando minha vista está apurada
vejo, também nada usam por baixo.
Passo longas horas voyeur
admirando o segredo das palavras.
Quem disse que elas têm família
certamente nunca as viram
por baixo do vestido.
Os vestidos de florezinhas,
estampados, bordadinhos,
às vezes lisos sem um fio
de costura é apenas
sedução
para que meus olhos se detenham em seus raios
feito folhas brilhantes caindo da copa de uma árvore.
Antes que cheguem às calçadas
já tenho engolido milhares delas.
Se eu estiver em um dia de sorte
nem precisarei vê-las por baixo.
Descerá pelos meus olhos
até meus lábios cada detalhe.
As palavras são femininas
e as interjeições seus batons.
Pertencem a uma única classe:
à classe do olhar de quem as olha.
O meu é um olhar ávido
de menino de dez anos.
Não tenho fome
enquanto me encanto.
domingo, 15 de janeiro de 2012
quando as andorinhas somem
Se o amor acaba um dia
o meu amor não acaba em um dia.
Pois a cada dia pressinto um nervo inflamado
em seguida uma artéria de cor assustadora.
Isso é o amor eterno
na fragilidade do corpo.
O amor que se apega a outro amor
sob juras e consequências,
este acaba.
Porque a cumplicidade
não vive de lembranças.
O velhinho que perdeu sua amada
olha para a fotografia desbotada.
E a foto ao cair no chão decerto
as lembranças se confundem.
Cadê o olhar do outro amor
para amenizar a fraqueza
dos rins?
O meu amor envelhece.
As minhas coisas envelhecem.
E cego se eu vier a estar um dia
não me faltará a imagem
da amada.
Nem tombarei junto com a fotografia
no momento em que o vento
assoprá-la da minha mão.
Quem é responsável por minhas lembranças
são meus nervos inflamados e essas artérias.
o meu amor não acaba em um dia.
Pois a cada dia pressinto um nervo inflamado
em seguida uma artéria de cor assustadora.
Isso é o amor eterno
na fragilidade do corpo.
O amor que se apega a outro amor
sob juras e consequências,
este acaba.
Porque a cumplicidade
não vive de lembranças.
O velhinho que perdeu sua amada
olha para a fotografia desbotada.
E a foto ao cair no chão decerto
as lembranças se confundem.
Cadê o olhar do outro amor
para amenizar a fraqueza
dos rins?
O meu amor envelhece.
As minhas coisas envelhecem.
E cego se eu vier a estar um dia
não me faltará a imagem
da amada.
Nem tombarei junto com a fotografia
no momento em que o vento
assoprá-la da minha mão.
Quem é responsável por minhas lembranças
são meus nervos inflamados e essas artérias.
janela aberta
Por isso é sempre bom
não meter uma bala
no peito
ou beber um frasco
de comprimidos.
O dia seguinte é um rio
que já ultrapassou a perda
e quando se aperta o peito
e a garrafa de vinho
sorri feito o diabo
então é melhor
enfiarmos a cabeça
dentro do travesseiro.
Não dura tanto tempo o colapso nervoso
se as faces não se contorcem
e o coração logo entende
que a loucura não tem
nada a ver com ele.
Jogue longe o travesseiro
olhe bem para o teto
e se houver algum tipo de inseto
parado, meio caladão
como se paralisado por lembranças
de outros tetos e de outras teias
é hora de lavar o rosto
e ver se a garrafa de vinho
ainda sorri aquele olhar cínico
de quem ao bebê-la
acordaria com o diabo.
Se a garrafa de vinho tiver perdido
esse mau agouro e se o inseto
parecer um anjo sereno
esconda então seu revólver sobre o guarda-roupa
lance ao vaso sanitário um a um dos comprimidos.
Seria mais correto levar seu revólver ao ferreiro.
Ouça as marteladas sobre o cano e o tambor.
Seu filho um dia crescerá
e mesmo ainda menino
não há em casa
lugar seguro.
Diria até que aquele sorriso cínico do diabo na garrafa de vinho
era o primeiro abraço, o primeiro empurrão, a primeira onda
para um tiro no peito ou um frasco inteiro
de comprimidos fatais.
O dia seguinte é um rio
que já visitou o mar.
não meter uma bala
no peito
ou beber um frasco
de comprimidos.
O dia seguinte é um rio
que já ultrapassou a perda
e quando se aperta o peito
e a garrafa de vinho
sorri feito o diabo
então é melhor
enfiarmos a cabeça
dentro do travesseiro.
Não dura tanto tempo o colapso nervoso
se as faces não se contorcem
e o coração logo entende
que a loucura não tem
nada a ver com ele.
Jogue longe o travesseiro
olhe bem para o teto
e se houver algum tipo de inseto
parado, meio caladão
como se paralisado por lembranças
de outros tetos e de outras teias
é hora de lavar o rosto
e ver se a garrafa de vinho
ainda sorri aquele olhar cínico
de quem ao bebê-la
acordaria com o diabo.
Se a garrafa de vinho tiver perdido
esse mau agouro e se o inseto
parecer um anjo sereno
esconda então seu revólver sobre o guarda-roupa
lance ao vaso sanitário um a um dos comprimidos.
Seria mais correto levar seu revólver ao ferreiro.
Ouça as marteladas sobre o cano e o tambor.
Seu filho um dia crescerá
e mesmo ainda menino
não há em casa
lugar seguro.
Diria até que aquele sorriso cínico do diabo na garrafa de vinho
era o primeiro abraço, o primeiro empurrão, a primeira onda
para um tiro no peito ou um frasco inteiro
de comprimidos fatais.
O dia seguinte é um rio
que já visitou o mar.
sábado, 14 de janeiro de 2012
histeria
Que a gargalhada pertença ao outro.
Que o meu sorriso só se divida
entre a leve ponta do canino
e o frio lábio.
Doem meus ouvidos as gargalhadas
de quem não finge tão bem.
Uma boa gargalhada
não deve ter motivos.
Deve ser trêmula,
aterrorizante.
Uma coruja gargalha
quando pia sobre
a igreja.
E as andorinhas tremem
conscientes da morte.
Isso me interessa,
esse tipo de gargalhada.
Ai dos pequenos passarinhos
que hão de ouvir de perto
a gargalhada da coruja.
Depois será a vez do gavião
visitar dentro das torres
os pombos.
Pena que o gavião agora
está aflito por questões
de família.
Todos os filhotes estão bem,
obrigado, mas há aqueles
distraídos transeuntes
que teimam passear
debaixo do ninho.
E há os loucos
que ainda gargalham.
Inclusive alguns pombos
que ingênuos ou incrédulos
procuram comida nos canteiros.
Será que eles não percebem
que a mamãe gavião
está no seu limite?
Voltem para dentro da torre.
Deem um tempo.
Cansei de assistir a pombos degolados.
E os seus tênis vermelhos arrancados
dos seus pés.
Não acredito que ninguém não tenha notado
que os pombos só usam tênis nike vermelho.
Já mencionei essa imagem tantas vezes.
Mas sempre me parece que digo uma mentira.
Olhem para os pés dos pombos.
Vejam seus tênis nike vermelho.
Certo dia um amigo confessou-me
que nem os pombos velhos
tiram as sapatilhas.
Eu disse que não eram sapatilhas.
Eram tênis. Depois pensei -
ora, talvez dentre eles
exista quem prefira
uma sapatilha
a um tênis.
Eu não sou um pombo.
Não como migalhas.
Não bico os olhos
das flores.
Muito menos dou voltas em torno da praça
de tênis ou sapatilhas. O meu negócio
é observá-los, a eles os pombos
e as corujas e os gaviões.
Todos na praça.
E acreditem, nessas horas
a minha gargalhada é verdadeira.
Vem do intestino,
esôfago e pulmões.
Que o meu sorriso só se divida
entre a leve ponta do canino
e o frio lábio.
Doem meus ouvidos as gargalhadas
de quem não finge tão bem.
Uma boa gargalhada
não deve ter motivos.
Deve ser trêmula,
aterrorizante.
Uma coruja gargalha
quando pia sobre
a igreja.
E as andorinhas tremem
conscientes da morte.
Isso me interessa,
esse tipo de gargalhada.
Ai dos pequenos passarinhos
que hão de ouvir de perto
a gargalhada da coruja.
Depois será a vez do gavião
visitar dentro das torres
os pombos.
Pena que o gavião agora
está aflito por questões
de família.
Todos os filhotes estão bem,
obrigado, mas há aqueles
distraídos transeuntes
que teimam passear
debaixo do ninho.
E há os loucos
que ainda gargalham.
Inclusive alguns pombos
que ingênuos ou incrédulos
procuram comida nos canteiros.
Será que eles não percebem
que a mamãe gavião
está no seu limite?
Voltem para dentro da torre.
Deem um tempo.
Cansei de assistir a pombos degolados.
E os seus tênis vermelhos arrancados
dos seus pés.
Não acredito que ninguém não tenha notado
que os pombos só usam tênis nike vermelho.
Já mencionei essa imagem tantas vezes.
Mas sempre me parece que digo uma mentira.
Olhem para os pés dos pombos.
Vejam seus tênis nike vermelho.
Certo dia um amigo confessou-me
que nem os pombos velhos
tiram as sapatilhas.
Eu disse que não eram sapatilhas.
Eram tênis. Depois pensei -
ora, talvez dentre eles
exista quem prefira
uma sapatilha
a um tênis.
Eu não sou um pombo.
Não como migalhas.
Não bico os olhos
das flores.
Muito menos dou voltas em torno da praça
de tênis ou sapatilhas. O meu negócio
é observá-los, a eles os pombos
e as corujas e os gaviões.
Todos na praça.
E acreditem, nessas horas
a minha gargalhada é verdadeira.
Vem do intestino,
esôfago e pulmões.
a formiguinha reflexiva
Há duas notórias heresias:
falar de Deus e da Poesia.
No entanto
herege que sou
com uma cara lisa e de pau
cometo tal tolice porque
creio que é muito pouco
apenas escrever versos
e apenas ter fé
diante das paredes.
Confesso-me então o herege
em certas horas de pavor
e inutilidade.
Chegará o dia não do silêncio
mas das ruas - bebida,
mulheres e ópio.
Nesse dia serei um homem correto.
Sem mazelas e sem aquele suor frio.
falar de Deus e da Poesia.
No entanto
herege que sou
com uma cara lisa e de pau
cometo tal tolice porque
creio que é muito pouco
apenas escrever versos
e apenas ter fé
diante das paredes.
Confesso-me então o herege
em certas horas de pavor
e inutilidade.
Chegará o dia não do silêncio
mas das ruas - bebida,
mulheres e ópio.
Nesse dia serei um homem correto.
Sem mazelas e sem aquele suor frio.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
as sombras não têm nomes
A mulher da minha vida partiu
antes que eu tivesse visto
ela na praça comendo
pipoca.
Em todas as esquinas
que dobrei apressado
ela já havia fugido
no trem
e já tinha atravessado
o arco-íris das montanhas.
Um trem que leva
quem nunca conhecemos
jamais haverá de apitar
aos nossos ouvidos
a chegada
do amor.
A mulher da minha vida
para meu agrado
não me viu
sentado na fonte
mascando chiclete.
Da mesma forma
que a perdi no trem
ela esqueceu a fonte
de águas coloridas.
Tive que crescer
para entender
que eram plásticos
colados nas lâmpadas.
então creio que o arco-íris das montanhas
também são plásticos coloridos
da imaginação.
Apesar dessa verdade óbvia e dilacerante
permaneço de vez em quando visitando
estações e me emocionando
com aquele arco-íris refletido
na poça da chuva fina.
A mulher da minha vida
para meu deleite e delírio
não me ouve e não lê
esses versos.
Não haveria motivo.
Nós não nos conhecemos.
Quem sabe ela até odeie
esse tipo de molusco
que faz poemas.
E quem sabe eu até ignore
a mulher do meu destino.
antes que eu tivesse visto
ela na praça comendo
pipoca.
Em todas as esquinas
que dobrei apressado
ela já havia fugido
no trem
e já tinha atravessado
o arco-íris das montanhas.
Um trem que leva
quem nunca conhecemos
jamais haverá de apitar
aos nossos ouvidos
a chegada
do amor.
A mulher da minha vida
para meu agrado
não me viu
sentado na fonte
mascando chiclete.
Da mesma forma
que a perdi no trem
ela esqueceu a fonte
de águas coloridas.
Tive que crescer
para entender
que eram plásticos
colados nas lâmpadas.
então creio que o arco-íris das montanhas
também são plásticos coloridos
da imaginação.
Apesar dessa verdade óbvia e dilacerante
permaneço de vez em quando visitando
estações e me emocionando
com aquele arco-íris refletido
na poça da chuva fina.
A mulher da minha vida
para meu deleite e delírio
não me ouve e não lê
esses versos.
Não haveria motivo.
Nós não nos conhecemos.
Quem sabe ela até odeie
esse tipo de molusco
que faz poemas.
E quem sabe eu até ignore
a mulher do meu destino.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
nuvens
O sonho é o meu pão de todos os dias
mesmo que seco não me engasga.
O sonho é a minha oração,
meu copo d'água sobre a cômoda.
A fresta do entardecer
que passa pela porta
e bate na parede onde vejo
algumas formigas tecendo mantas
para o talvez inverno que se aproxima.
Sou um sonhador nato, nativo, natural.
Embora algumas vezes eu quebre
xícaras no teto e dê nós
nos tênis sujos.
Mas isso também é sonho.
Urro de um homem primitivo.
Que ao final da noite
recolhe-se na sua caverna
e procura desenhar seus primeiros castelos.
mesmo que seco não me engasga.
O sonho é a minha oração,
meu copo d'água sobre a cômoda.
A fresta do entardecer
que passa pela porta
e bate na parede onde vejo
algumas formigas tecendo mantas
para o talvez inverno que se aproxima.
Sou um sonhador nato, nativo, natural.
Embora algumas vezes eu quebre
xícaras no teto e dê nós
nos tênis sujos.
Mas isso também é sonho.
Urro de um homem primitivo.
Que ao final da noite
recolhe-se na sua caverna
e procura desenhar seus primeiros castelos.
quem sabe do amanhã é o bem-te-vi
É certo como a morte -
não me caso novamente.
As mulheres que encontro
roubam todos meus anéis
e fogem no meu pégaso.
Não me deixam telefone,
links de boa música
nem um olhar
até breve.
Como sonhar em casar com esse tipo de mulher
que de mim só deseja meus anéis de aço cirúrgico?
A única com a qual fui ao cartório
deixou-me assim de repente
só porque recusei
arrancar do meu dedo
um anel feito do seixo
de uma praia deserta.
Está decidido -
não me caso
e ao encontrar uma mulher
escondo todos os meus anéis
dentro do bolso
do meu velho jeans.
Agora também é verdadeiro -
no dia em que uma mulher beijar meus dedos
sem olhar para os meus anéis
e fazer minhas unhas
então serão dela
anéis, dedos
e todas as nódoas brancas
das unhas da minha infância.
não me caso novamente.
As mulheres que encontro
roubam todos meus anéis
e fogem no meu pégaso.
Não me deixam telefone,
links de boa música
nem um olhar
até breve.
Como sonhar em casar com esse tipo de mulher
que de mim só deseja meus anéis de aço cirúrgico?
A única com a qual fui ao cartório
deixou-me assim de repente
só porque recusei
arrancar do meu dedo
um anel feito do seixo
de uma praia deserta.
Está decidido -
não me caso
e ao encontrar uma mulher
escondo todos os meus anéis
dentro do bolso
do meu velho jeans.
Agora também é verdadeiro -
no dia em que uma mulher beijar meus dedos
sem olhar para os meus anéis
e fazer minhas unhas
então serão dela
anéis, dedos
e todas as nódoas brancas
das unhas da minha infância.
o destino é falastrão
Após muito refletir cheguei a seguinte conclusão:
o jambo foi amante da maçã.
Ao morder um jambo
dói a vista a sua pele
de tão branca feito
um prisioneiro
que não sai da cela
saudoso da sua amada.
Enquanto a maçã mordida
esquecida sobre um livro
pouco tempo entristece
e fica com uma cor morta
de quem perdeu as esperanças
em encontrar o seu cavalheiro.
Sinto aflita minha alma
por nada poder fazer
senão devorar o jambo
e reparti-lo com uma senhorita
que tenha batom vermelho nos lábios
e jamais esquecer uma maçã pela metade
mesmo que o livro me prenda a atenção
e me faça suspirar por longas horas.
o jambo foi amante da maçã.
Ao morder um jambo
dói a vista a sua pele
de tão branca feito
um prisioneiro
que não sai da cela
saudoso da sua amada.
Enquanto a maçã mordida
esquecida sobre um livro
pouco tempo entristece
e fica com uma cor morta
de quem perdeu as esperanças
em encontrar o seu cavalheiro.
Sinto aflita minha alma
por nada poder fazer
senão devorar o jambo
e reparti-lo com uma senhorita
que tenha batom vermelho nos lábios
e jamais esquecer uma maçã pela metade
mesmo que o livro me prenda a atenção
e me faça suspirar por longas horas.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
antes que o sol me apavore
A noite debaixo da escrivaninha
não relembra livros da estante
nem das dores do peito
sufocado.
A noite é irmã da escrivaninha
como sou irmão das sombras
de todas já vistas
naquela infância jurada
de assombrações.
Nunca tive medo da chuva -
apavoravam-me os trovões
e rasgavam-me a alma
os relâmpagos.
Depois de quebrar muitos dentes contra paredes.
De assistir a tantos travesseiros com insônia.
Compreendi que é a noite amiga
minha única amiga que me traz
doces e sorvetes
mesmo que seja
uma noite vazia.
E que apenas um par de botas
cumpra seu dever de zelar
pelo seu dono.
As meias dentro são lençóis
para o dia que há de nascer
e reconfortar cada dedo
e cada unha encravada.
Meu par de botas
é um bom amigo
e as meias
uma boa alma.
não relembra livros da estante
nem das dores do peito
sufocado.
A noite é irmã da escrivaninha
como sou irmão das sombras
de todas já vistas
naquela infância jurada
de assombrações.
Nunca tive medo da chuva -
apavoravam-me os trovões
e rasgavam-me a alma
os relâmpagos.
Depois de quebrar muitos dentes contra paredes.
De assistir a tantos travesseiros com insônia.
Compreendi que é a noite amiga
minha única amiga que me traz
doces e sorvetes
mesmo que seja
uma noite vazia.
E que apenas um par de botas
cumpra seu dever de zelar
pelo seu dono.
As meias dentro são lençóis
para o dia que há de nascer
e reconfortar cada dedo
e cada unha encravada.
Meu par de botas
é um bom amigo
e as meias
uma boa alma.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
o poema
Escrevo este poema para quem não está sozinho.
Para quem tem botas e uma lâmpada mágica.
O poema que escrevo
é um poema sem dono.
Uma vez que não conheço
nem de perto nem de longe
quem ouve as batidas do meu peito
ou o silêncio do meu cílio que cai.
Escrevo para quem ama a si mesmo
sem que tenha que cheirar cocaína
ou comprar um vestido novo.
Como eu havia previsto
escrevo este poema
sem noção alguma
do que seja amor
ou solidão.
Escrevo este poema para alguém
que não esteja sozinho nem traga
tanto sal do mar dentro dos olhos.
Às vezes as conchas mudam de forma -
algumas são lágrimas e vêm juntas as pérolas.
Escrevo este poema para alguém
que o receba com afeto
e segredo.
E saiba entender o valioso tesouro das conchas.
Das conchas que sorriem sem necessidade
de abrir-lhes a carne com uma faca.
Para quem tem botas e uma lâmpada mágica.
O poema que escrevo
é um poema sem dono.
Uma vez que não conheço
nem de perto nem de longe
quem ouve as batidas do meu peito
ou o silêncio do meu cílio que cai.
Escrevo para quem ama a si mesmo
sem que tenha que cheirar cocaína
ou comprar um vestido novo.
Como eu havia previsto
escrevo este poema
sem noção alguma
do que seja amor
ou solidão.
Escrevo este poema para alguém
que não esteja sozinho nem traga
tanto sal do mar dentro dos olhos.
Às vezes as conchas mudam de forma -
algumas são lágrimas e vêm juntas as pérolas.
Escrevo este poema para alguém
que o receba com afeto
e segredo.
E saiba entender o valioso tesouro das conchas.
Das conchas que sorriem sem necessidade
de abrir-lhes a carne com uma faca.
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