domingo, 15 de janeiro de 2012

janela aberta

Por isso é sempre bom
não meter uma bala
no peito

ou beber um frasco
de comprimidos.

O dia seguinte é um rio
que já ultrapassou a perda

e quando se aperta o peito
e a garrafa de vinho
sorri feito o diabo

então é melhor
enfiarmos a cabeça
dentro do travesseiro.

Não dura tanto tempo o colapso nervoso
se as faces não se contorcem

e o coração logo entende
que a loucura não tem
nada a ver com ele.

Jogue longe o travesseiro
olhe bem para o teto

e se houver algum tipo de inseto
parado, meio caladão

como se paralisado por lembranças
de outros tetos e de outras teias

é hora de lavar o rosto
e ver se a garrafa de vinho
ainda sorri aquele olhar cínico

de quem ao bebê-la
acordaria com o diabo.

Se a garrafa de vinho tiver perdido
esse mau agouro e se o inseto
parecer um anjo sereno

esconda então seu revólver sobre o guarda-roupa
lance ao vaso sanitário um a um dos comprimidos.

Seria mais correto levar seu revólver ao ferreiro.
Ouça as marteladas sobre o cano e o tambor.

Seu filho um dia crescerá
e mesmo ainda menino
não há em casa
lugar seguro.

Diria até que aquele sorriso cínico do diabo na garrafa de vinho
era o primeiro abraço, o primeiro empurrão, a primeira onda
para um tiro no peito ou um frasco inteiro
de comprimidos fatais.

O dia seguinte é um rio
que já visitou o mar.

5 comentários:

  1. a morte só chega quando se entedia com a gente

    saudações,domingos!

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  2. "o dia seguinte
    é um rio que já visitou o mar",

    irmão isso é extraordinário,


    abraço

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  3. e os rios continuam a correr e as chuvas continuam os enchendo e os mares continuam a receber suas águas.

    belo e sábio poema, meu caro.

    grande abraço.

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  4. "O dia seguinte é um rio
    que já ultrapassou a perda"

    Linda mensagem, Domingos!

    Abraço,
    Doce de Lira

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  5. vi e fui varada- janela aberta acoberta o vinho pelas frestas!

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