Minha alma só deixa meu corpo
por um motivo: coçar minhas costas.
Espreme três cravos,
dá dois beijinhos.
Em seguida retorna pra casa
onde vive sossegada
feliz com o coração
entre as costelas.
domingo, 29 de janeiro de 2012
pela eternidade que me sucumbe
Um poeta desatento é uma palavra
intrusa que aborta e sangra
o poema.
Depois de perdido o verso
o outro filho não alivia
o eclipse e a saudade.
São mais que versos
o que faz do poeta
um santo.
Eu, por exemplo, tenho os ombros
de São Francisco de Assis
sobre os quais passarinhos pousam,
fazem suas necessidades e cantam.
intrusa que aborta e sangra
o poema.
Depois de perdido o verso
o outro filho não alivia
o eclipse e a saudade.
São mais que versos
o que faz do poeta
um santo.
Eu, por exemplo, tenho os ombros
de São Francisco de Assis
sobre os quais passarinhos pousam,
fazem suas necessidades e cantam.
sábado, 28 de janeiro de 2012
memórias de um falastrão apaixonado
Antigamente,
há séculos,
quando meus lábios rachavam
eu descia ao jardim do prédio
colhia algumas pétalas
de certas flores
esmagava-as, pisava-as,
alcançando uma textura
de unguento.
Em seguida deixava sobre o parapeito da varanda
um tempão esse unguento até que um bem-te-vi
concluísse o ritual: era necessário que ungisse
três vezes no bico e debaixo das asas
o bálsamo.
Lembro-me que ao untar esse bagulho nos lábios
logo caíam as escamas e assustava-me
a jovialidade da minha boca.
Descia pra calçada
e perdia a conta
das meninas
que beijava
todas vindo da pracinha
algumas desiludidas
do seu príncipe.
Ainda guardo dentro de envelopes secretos
cartas amorosas beirando loucura
e línguas inteiras embrulhadas
com lindos lacinhos.
há séculos,
quando meus lábios rachavam
eu descia ao jardim do prédio
colhia algumas pétalas
de certas flores
esmagava-as, pisava-as,
alcançando uma textura
de unguento.
Em seguida deixava sobre o parapeito da varanda
um tempão esse unguento até que um bem-te-vi
concluísse o ritual: era necessário que ungisse
três vezes no bico e debaixo das asas
o bálsamo.
Lembro-me que ao untar esse bagulho nos lábios
logo caíam as escamas e assustava-me
a jovialidade da minha boca.
Descia pra calçada
e perdia a conta
das meninas
que beijava
todas vindo da pracinha
algumas desiludidas
do seu príncipe.
Ainda guardo dentro de envelopes secretos
cartas amorosas beirando loucura
e línguas inteiras embrulhadas
com lindos lacinhos.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
o glutão viciado em fome
Agora sei como cantar a felicidade
por acaso não é ela essa ausência
sem vigor, pálida
de inflamadas bochechas
a tocar trombone volteando a praça?
Ou seria ela esse relógio parado na parede
ponteiros longos e tensos que nunca
alcançam o horizonte?
por acaso não é ela essa ausência
sem vigor, pálida
de inflamadas bochechas
a tocar trombone volteando a praça?
Ou seria ela esse relógio parado na parede
ponteiros longos e tensos que nunca
alcançam o horizonte?
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
adejar
Escrevo poemas, baby.
E não seria diferente
com esta alma
que voa.
A curiosidade das palavras
ressoa pelo corredor escuro.
Meus passos se perdem
onde elas costumam fazer ninho.
Escrevo poemas, baby.
E morreria se não tivesse
esta alma agarrada aos meus chinelos.
Imensamente tudo tão mágico e feroz
quando as palavras roubam
os meus chinelos.
Correm loucas pela casa
com meus chinelos escondidos.
Alegria delas é cheirar o suor impregnado
nas marcas escuras de cada dedo.
Meus chinelos o ópio das minhas palavras.
E todas se deleitam quando durmo.
Debaixo da cama guardo meus chinelos
e sobre eles as palavras -
sonhando.
E não seria diferente
com esta alma
que voa.
A curiosidade das palavras
ressoa pelo corredor escuro.
Meus passos se perdem
onde elas costumam fazer ninho.
Escrevo poemas, baby.
E morreria se não tivesse
esta alma agarrada aos meus chinelos.
Imensamente tudo tão mágico e feroz
quando as palavras roubam
os meus chinelos.
Correm loucas pela casa
com meus chinelos escondidos.
Alegria delas é cheirar o suor impregnado
nas marcas escuras de cada dedo.
Meus chinelos o ópio das minhas palavras.
E todas se deleitam quando durmo.
Debaixo da cama guardo meus chinelos
e sobre eles as palavras -
sonhando.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
o ceifeiro dos campos de espuma
não há velhice, meu caro
mesmo que os dedos decrépitos
irritem-se e urrem e digam que sim
que sim senhor há velhice
na palma da mão e nas falanges
eu digo que não há velhice, meu jovem
mesmo que os joelhos rosnem
e sussurrem metálicos que há velhice
no andar desolado e no curvar-se absorto
confirmo que não há velhice, menino
mesmo que os cabelos brancos enlouqueçam
mesmo que os lábios ressecados blasfemem
asseguro-lhe, criança
que não há velhice no espírito
apartado do instante que dorme
e se quiser tomar a sua vida de volta
retorne aos seus vícios de ontem
sem murmúrios
mesmo assim
só haverá velhice
depois da chuva
quando seu barquinho
tiver sumido dentro do bueiro
ora, mas o que é um barquinho
para um velho esquecido
que tem o corpo a julgar
como inimigo?
mesmo que os dedos decrépitos
irritem-se e urrem e digam que sim
que sim senhor há velhice
na palma da mão e nas falanges
eu digo que não há velhice, meu jovem
mesmo que os joelhos rosnem
e sussurrem metálicos que há velhice
no andar desolado e no curvar-se absorto
confirmo que não há velhice, menino
mesmo que os cabelos brancos enlouqueçam
mesmo que os lábios ressecados blasfemem
asseguro-lhe, criança
que não há velhice no espírito
apartado do instante que dorme
e se quiser tomar a sua vida de volta
retorne aos seus vícios de ontem
sem murmúrios
mesmo assim
só haverá velhice
depois da chuva
quando seu barquinho
tiver sumido dentro do bueiro
ora, mas o que é um barquinho
para um velho esquecido
que tem o corpo a julgar
como inimigo?
do inferno e dos sentidos
Alguns raios da tarde descendo pela parede
é o suficiente para que eu perceba
que perdi o poder sobre
meus males:
aquele coração peçonhento
aquele frio no intestino.
E as virtudes, se existiram,
não vivo sob o jugo delas.
Estou só e liberto como há de ser:
um homem infinitamente feliz
de sua tristeza.
é o suficiente para que eu perceba
que perdi o poder sobre
meus males:
aquele coração peçonhento
aquele frio no intestino.
E as virtudes, se existiram,
não vivo sob o jugo delas.
Estou só e liberto como há de ser:
um homem infinitamente feliz
de sua tristeza.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
o zeloso pégaso
Eis de volta meu pégaso
a alegria da casa
com suas asas
curadas.
Agora ele pode subir ao telhado.
Flertar de perto as estrelas.
Sei que será um tormento
tardão da noite seus uivos.
Meu bom pégaso deitado sobre o telhado
pesca estrelas como quem vai ao mar
abençoado e traz à praia
todo tipo de peixe.
Vigia debaixo das asas um frasco de lavanda
e um buquê de rosas: as estrelas são peixes,
precisam de mimos.
Assim, sorrindo, com um frasco de lavanda
e um buquê de rosas meu pégaso sobe
ao telhado pescar estrelas.
Será um tormento sua dor mais tarde
depois que amanhece e as estrelas
perfumadas e floridas
partem também sorrindo
pro outro lado da praça.
a alegria da casa
com suas asas
curadas.
Agora ele pode subir ao telhado.
Flertar de perto as estrelas.
Sei que será um tormento
tardão da noite seus uivos.
Meu bom pégaso deitado sobre o telhado
pesca estrelas como quem vai ao mar
abençoado e traz à praia
todo tipo de peixe.
Vigia debaixo das asas um frasco de lavanda
e um buquê de rosas: as estrelas são peixes,
precisam de mimos.
Assim, sorrindo, com um frasco de lavanda
e um buquê de rosas meu pégaso sobe
ao telhado pescar estrelas.
Será um tormento sua dor mais tarde
depois que amanhece e as estrelas
perfumadas e floridas
partem também sorrindo
pro outro lado da praça.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
sinais
A mulher sabe da fêmea
que lhe assopra aos ouvidos:
"este é solitário,
um pobre monge."
E principia ela a andar descalça,
ao quase requebro, olhos fingidos.
Desatino são dentes trincando lábios.
O que eu fiz em silêncio.
Mas não chames de loucura aquele silêncio:
a cada passo que tu davas à tua varanda
eu refletia como é miserável a solidão.
E ao retornares pro fogão agachando-te
eu já conhecia teus pensamentos.
Não é mistério para o monge
a mente de uma mulher
se a fêmea se veste
só de camiseta
a passear
pela casa.
que lhe assopra aos ouvidos:
"este é solitário,
um pobre monge."
E principia ela a andar descalça,
ao quase requebro, olhos fingidos.
Desatino são dentes trincando lábios.
O que eu fiz em silêncio.
Mas não chames de loucura aquele silêncio:
a cada passo que tu davas à tua varanda
eu refletia como é miserável a solidão.
E ao retornares pro fogão agachando-te
eu já conhecia teus pensamentos.
Não é mistério para o monge
a mente de uma mulher
se a fêmea se veste
só de camiseta
a passear
pela casa.
domingo, 22 de janeiro de 2012
amor doutro mundo
Se cai do teto uma perninha de aranha
sobre meu bermudão surrado
sinto frio na espinha.
Já ofereci a deus minha alma
e se deus não existir
quem cuidará
da minha
menina?
A alma é minha menina.
A única que adoro
dia e noite.
E não importa se ela chegou
de trem ou de foguete.
De alforge
ou de rendinha.
o passado não desbota
não, meu amor, não preciso que o tempo mude
para escolher do guarda-roupa uma camisa adequada
ando mesmo nu pelo quarto e meu cheiro forte atravessa
paredes chega às narinas da vizinha, ui, ouço um suspiro
não, meu amor, nunca fui um cavalheiro
sou mesmo um bruto, um cavalo
triste e esnobe
que apesar das patas quebradas
ainda galopa pelos campos
de girassóis
não, meu amor, não há tempo bom
circulando em minhas veias
o meu sangue pouco vive
pouco se alegra
creia, meu coração é um patife
cujo batimento lembra
a luxúria do engenho -
bagaço,
aguardente
e desse jeito virando a noite
levando junto o travesseiro
meu sangue não se confunde com minhas lágrimas
por sinal esqueci o dia em que elas deslizaram
pelas faces
não, meu amor, não sou um romântico
sou um bêbado sóbrio, um demo safo,
um santo manco, um sapo mudo
e tudo sobre a estante
é uma alma penada
que combina
comigo.
para escolher do guarda-roupa uma camisa adequada
ando mesmo nu pelo quarto e meu cheiro forte atravessa
paredes chega às narinas da vizinha, ui, ouço um suspiro
não, meu amor, nunca fui um cavalheiro
sou mesmo um bruto, um cavalo
triste e esnobe
que apesar das patas quebradas
ainda galopa pelos campos
de girassóis
não, meu amor, não há tempo bom
circulando em minhas veias
o meu sangue pouco vive
pouco se alegra
creia, meu coração é um patife
cujo batimento lembra
a luxúria do engenho -
bagaço,
aguardente
e desse jeito virando a noite
levando junto o travesseiro
meu sangue não se confunde com minhas lágrimas
por sinal esqueci o dia em que elas deslizaram
pelas faces
não, meu amor, não sou um romântico
sou um bêbado sóbrio, um demo safo,
um santo manco, um sapo mudo
e tudo sobre a estante
é uma alma penada
que combina
comigo.
sábado, 21 de janeiro de 2012
o jardineiro descalço
Em anos bissextos deixo o corpo, mudo de pele,
troco o dente da frente pela sétima vértebra
e ao sorrir todo o sistema nervoso palpita.
Em anos bissextos ganho de presente
uma alma novinha em folha.
Sem linhas traçadas, sem páginas gordurosas,
sem vestígios de traças, cupins e baratas.
Tenho a chance de recuperar a moeda de dez centavos
que um dia eu perdi dentro da rachadura da parede.
Em anos bissextos posso perdoar a mim mesmo
do olhar cruel e da voz cínica que derrubaram
quem se importava comigo
e me amava.
Em anos bissextos como maçã
e ouço os pássaros
sem nenhum desejo
de rastejar sinuoso
ou voar boçal.
Em anos bissextos meus punhos inflamam,
meu coração para de bater, a mente pifa,
a língua seca, o sangue flui
e não volta.
Em anos bissextos eu morro,
eu morro de óculos,
bermudão,
os pés sobre as correias
de um velho chinelo.
troco o dente da frente pela sétima vértebra
e ao sorrir todo o sistema nervoso palpita.
Em anos bissextos ganho de presente
uma alma novinha em folha.
Sem linhas traçadas, sem páginas gordurosas,
sem vestígios de traças, cupins e baratas.
Tenho a chance de recuperar a moeda de dez centavos
que um dia eu perdi dentro da rachadura da parede.
Em anos bissextos posso perdoar a mim mesmo
do olhar cruel e da voz cínica que derrubaram
quem se importava comigo
e me amava.
Em anos bissextos como maçã
e ouço os pássaros
sem nenhum desejo
de rastejar sinuoso
ou voar boçal.
Em anos bissextos meus punhos inflamam,
meu coração para de bater, a mente pifa,
a língua seca, o sangue flui
e não volta.
Em anos bissextos eu morro,
eu morro de óculos,
bermudão,
os pés sobre as correias
de um velho chinelo.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
primeira comunhão
Parece que pouco esforço fiz
ou esforço algum
e tenho um filho
de lá para cá
entre o quarto
e a cozinha -
ora vem com uma taça de sorvete
ora joga dama com o computador
deixa um download aberto
e parte novamente
para a cozinha.
Tudo é mágico nele:
sorriso, voz, olhos de cutia.
E eu me pergunto -
"Quem me deu esse menino?"
Passei tanto tempo dormindo,
ei-lo altivo e brincante
fazendo graça,
pilhéria do mundo.
E eu me assombro -
"Quem me deu esse menino?"
ou esforço algum
e tenho um filho
de lá para cá
entre o quarto
e a cozinha -
ora vem com uma taça de sorvete
ora joga dama com o computador
deixa um download aberto
e parte novamente
para a cozinha.
Tudo é mágico nele:
sorriso, voz, olhos de cutia.
E eu me pergunto -
"Quem me deu esse menino?"
Passei tanto tempo dormindo,
ei-lo altivo e brincante
fazendo graça,
pilhéria do mundo.
E eu me assombro -
"Quem me deu esse menino?"
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
cabelos brancos em estátua de bronze
Não sossegue
pois nem a poesia
que é origem e fim
lhe dará resposta
sinta, quando acaba o poema
tem aquela voz dentro gasta
e ainda aquela outra fora
em nascimento.
Confuso assim mesmo
caso não fosse
teria o poeta
um fácil destino.
Espere o último olhar
trincar os dentes
então você somente
saberá se valeu a pena
o caminho escolhido
o rio nunca atravessado.
Triste assim mesmo
é tão triste assim mesmo
se nada foge
se tudo é lembrança.
pois nem a poesia
que é origem e fim
lhe dará resposta
sinta, quando acaba o poema
tem aquela voz dentro gasta
e ainda aquela outra fora
em nascimento.
Confuso assim mesmo
caso não fosse
teria o poeta
um fácil destino.
Espere o último olhar
trincar os dentes
então você somente
saberá se valeu a pena
o caminho escolhido
o rio nunca atravessado.
Triste assim mesmo
é tão triste assim mesmo
se nada foge
se tudo é lembrança.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
cânticos de pássaros
Meus animais estão com fome.
Não posso escolher entre
um ou outro.
Ambos comem carne
e também adoram
girassóis ao azeite.
Se debaixo da chuva eu cruzasse os braços
e não os alimentasse o que fariam meus animais?
Comeriam-me vivo meu fígado de ovelha
e meus cílios grãos de mostarda?
Meu amor,
não siga o caminho
das vidraças quando chove.
Não se comova tanto -
não são lágrimas
no rosto delas.
Não posso escolher entre
um ou outro.
Ambos comem carne
e também adoram
girassóis ao azeite.
Se debaixo da chuva eu cruzasse os braços
e não os alimentasse o que fariam meus animais?
Comeriam-me vivo meu fígado de ovelha
e meus cílios grãos de mostarda?
Meu amor,
não siga o caminho
das vidraças quando chove.
Não se comova tanto -
não são lágrimas
no rosto delas.
fogo do fogo
Se a poesia for mesmo importante para tua vida
não sentarás à mesa com três caras sinistros
porque teu amigo te convidou.
Não demora teu amigo some
e os três sujeitos sinistros
trocam entre si
olhar assassino
e decidem
te matar.
Entrega teu coração a Deus logo cedo
antes de dormir e antes que desça
a aurora.
Mas agora Deus está ocupado,
furioso com Abraão -
dedo em riste,
puxando-lhe a orelha,
gritando-lhe ao ouvido.
"isto não é sinal de fé
é loucura, Abraão!"
Aquela imagem nunca mais sairá
da cabeça do filho de Abraão.
Deus não viu mas se viu permitira
que o filho de Abraão pelos vãos dos dedos
que lhe encobriam o rostinho assustado
aprendesse algum tipo de mistério
naquele dia incrível.
Se a poesia for tão importante para tua vida
passa reto quando teu amigo
mesmo que seja amigo
de nascença
te convidar à mesa para beber
com três caras sinistros.
Nem pegues teu filho pela mão
atravessando um deserto
com um punhal
à cintura.
não sentarás à mesa com três caras sinistros
porque teu amigo te convidou.
Não demora teu amigo some
e os três sujeitos sinistros
trocam entre si
olhar assassino
e decidem
te matar.
Entrega teu coração a Deus logo cedo
antes de dormir e antes que desça
a aurora.
Mas agora Deus está ocupado,
furioso com Abraão -
dedo em riste,
puxando-lhe a orelha,
gritando-lhe ao ouvido.
"isto não é sinal de fé
é loucura, Abraão!"
Aquela imagem nunca mais sairá
da cabeça do filho de Abraão.
Deus não viu mas se viu permitira
que o filho de Abraão pelos vãos dos dedos
que lhe encobriam o rostinho assustado
aprendesse algum tipo de mistério
naquele dia incrível.
Se a poesia for tão importante para tua vida
passa reto quando teu amigo
mesmo que seja amigo
de nascença
te convidar à mesa para beber
com três caras sinistros.
Nem pegues teu filho pela mão
atravessando um deserto
com um punhal
à cintura.
alcova
Não tenho a mínima ideia dos outros com suas paredes
mas das minhas eu cuido: deixo teias de aranha
à vontade, nódoas de infiltrações da chuva
e só uma vez colei fita gomada
tapando as rachaduras
pois é um perigo
escorpiões.
Por muito tempo houve equívoco da minha parte:
via nelas tristeza, silêncio, solidão, cinismo.
Cegueira minha,
as minhas paredes
são felizes com o tempo.
Se chove e descem lágrimas das suas quinas
ou se venta forte e seus insetos
são arrastados
elas recebem tudo de bom grado
sem exclamações ou murmúrios.
As paredes do quarto parecem com seu dono
como é igual o bichinho de estimação
àquele quem dele cuida.
Eu cuido das minhas paredes -
deixo-as à toa e não me espanto
com o sangue das muriçocas
na pintura branca
do seu rosto.
mas das minhas eu cuido: deixo teias de aranha
à vontade, nódoas de infiltrações da chuva
e só uma vez colei fita gomada
tapando as rachaduras
pois é um perigo
escorpiões.
Por muito tempo houve equívoco da minha parte:
via nelas tristeza, silêncio, solidão, cinismo.
Cegueira minha,
as minhas paredes
são felizes com o tempo.
Se chove e descem lágrimas das suas quinas
ou se venta forte e seus insetos
são arrastados
elas recebem tudo de bom grado
sem exclamações ou murmúrios.
As paredes do quarto parecem com seu dono
como é igual o bichinho de estimação
àquele quem dele cuida.
Eu cuido das minhas paredes -
deixo-as à toa e não me espanto
com o sangue das muriçocas
na pintura branca
do seu rosto.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
mosteiro
Faço-te um poema
para que durmas
com os anjos.
Não te assustes
com as minhas lágrimas.
Eu não sou um anjo.
Eu nunca vi um anjo chorar.
Pensando bem,
escrevo-te um poema
para que sonhes com um poeta.
Poeta chora e pensa
tantas vezes em matar-se.
Não te apavores.
Digo matar-se em outro sentido.
Entrando e não saindo
de dentro das botas
ou perdido dentro
das paredes.
A verdade é que te faço um poema
para que tu não durmas
e compartilhes comigo
meus pulsos inflamados.
Mas se desejares anjos,
que seja.
Acostuma-te com o sorriso
com o eterno sorriso deles.
Um poeta dopado de analgésicos e anti-inflamatórios
já é um milagre escrever alguma coisa talvez lírica
que faça, enfim, os anjos caírem às lágrimas.
Se vês algum tipo dessas lágrimas na minha face
então crê, meu bem, que sou um anjo -
desses doidões
e silenciosos.
para que durmas
com os anjos.
Não te assustes
com as minhas lágrimas.
Eu não sou um anjo.
Eu nunca vi um anjo chorar.
Pensando bem,
escrevo-te um poema
para que sonhes com um poeta.
Poeta chora e pensa
tantas vezes em matar-se.
Não te apavores.
Digo matar-se em outro sentido.
Entrando e não saindo
de dentro das botas
ou perdido dentro
das paredes.
A verdade é que te faço um poema
para que tu não durmas
e compartilhes comigo
meus pulsos inflamados.
Mas se desejares anjos,
que seja.
Acostuma-te com o sorriso
com o eterno sorriso deles.
Um poeta dopado de analgésicos e anti-inflamatórios
já é um milagre escrever alguma coisa talvez lírica
que faça, enfim, os anjos caírem às lágrimas.
Se vês algum tipo dessas lágrimas na minha face
então crê, meu bem, que sou um anjo -
desses doidões
e silenciosos.
da varanda é formoso o balé
O que seríamos nós sem as palavras.
Essas meninas loucas.
Nunca as vi de jeans.
Só as vejo de vestidos.
Leves, soltos,
sem botões.
E quando minha vista está apurada
vejo, também nada usam por baixo.
Passo longas horas voyeur
admirando o segredo das palavras.
Quem disse que elas têm família
certamente nunca as viram
por baixo do vestido.
Os vestidos de florezinhas,
estampados, bordadinhos,
às vezes lisos sem um fio
de costura é apenas
sedução
para que meus olhos se detenham em seus raios
feito folhas brilhantes caindo da copa de uma árvore.
Antes que cheguem às calçadas
já tenho engolido milhares delas.
Se eu estiver em um dia de sorte
nem precisarei vê-las por baixo.
Descerá pelos meus olhos
até meus lábios cada detalhe.
As palavras são femininas
e as interjeições seus batons.
Pertencem a uma única classe:
à classe do olhar de quem as olha.
O meu é um olhar ávido
de menino de dez anos.
Não tenho fome
enquanto me encanto.
Essas meninas loucas.
Nunca as vi de jeans.
Só as vejo de vestidos.
Leves, soltos,
sem botões.
E quando minha vista está apurada
vejo, também nada usam por baixo.
Passo longas horas voyeur
admirando o segredo das palavras.
Quem disse que elas têm família
certamente nunca as viram
por baixo do vestido.
Os vestidos de florezinhas,
estampados, bordadinhos,
às vezes lisos sem um fio
de costura é apenas
sedução
para que meus olhos se detenham em seus raios
feito folhas brilhantes caindo da copa de uma árvore.
Antes que cheguem às calçadas
já tenho engolido milhares delas.
Se eu estiver em um dia de sorte
nem precisarei vê-las por baixo.
Descerá pelos meus olhos
até meus lábios cada detalhe.
As palavras são femininas
e as interjeições seus batons.
Pertencem a uma única classe:
à classe do olhar de quem as olha.
O meu é um olhar ávido
de menino de dez anos.
Não tenho fome
enquanto me encanto.
domingo, 15 de janeiro de 2012
quando as andorinhas somem
Se o amor acaba um dia
o meu amor não acaba em um dia.
Pois a cada dia pressinto um nervo inflamado
em seguida uma artéria de cor assustadora.
Isso é o amor eterno
na fragilidade do corpo.
O amor que se apega a outro amor
sob juras e consequências,
este acaba.
Porque a cumplicidade
não vive de lembranças.
O velhinho que perdeu sua amada
olha para a fotografia desbotada.
E a foto ao cair no chão decerto
as lembranças se confundem.
Cadê o olhar do outro amor
para amenizar a fraqueza
dos rins?
O meu amor envelhece.
As minhas coisas envelhecem.
E cego se eu vier a estar um dia
não me faltará a imagem
da amada.
Nem tombarei junto com a fotografia
no momento em que o vento
assoprá-la da minha mão.
Quem é responsável por minhas lembranças
são meus nervos inflamados e essas artérias.
o meu amor não acaba em um dia.
Pois a cada dia pressinto um nervo inflamado
em seguida uma artéria de cor assustadora.
Isso é o amor eterno
na fragilidade do corpo.
O amor que se apega a outro amor
sob juras e consequências,
este acaba.
Porque a cumplicidade
não vive de lembranças.
O velhinho que perdeu sua amada
olha para a fotografia desbotada.
E a foto ao cair no chão decerto
as lembranças se confundem.
Cadê o olhar do outro amor
para amenizar a fraqueza
dos rins?
O meu amor envelhece.
As minhas coisas envelhecem.
E cego se eu vier a estar um dia
não me faltará a imagem
da amada.
Nem tombarei junto com a fotografia
no momento em que o vento
assoprá-la da minha mão.
Quem é responsável por minhas lembranças
são meus nervos inflamados e essas artérias.
janela aberta
Por isso é sempre bom
não meter uma bala
no peito
ou beber um frasco
de comprimidos.
O dia seguinte é um rio
que já ultrapassou a perda
e quando se aperta o peito
e a garrafa de vinho
sorri feito o diabo
então é melhor
enfiarmos a cabeça
dentro do travesseiro.
Não dura tanto tempo o colapso nervoso
se as faces não se contorcem
e o coração logo entende
que a loucura não tem
nada a ver com ele.
Jogue longe o travesseiro
olhe bem para o teto
e se houver algum tipo de inseto
parado, meio caladão
como se paralisado por lembranças
de outros tetos e de outras teias
é hora de lavar o rosto
e ver se a garrafa de vinho
ainda sorri aquele olhar cínico
de quem ao bebê-la
acordaria com o diabo.
Se a garrafa de vinho tiver perdido
esse mau agouro e se o inseto
parecer um anjo sereno
esconda então seu revólver sobre o guarda-roupa
lance ao vaso sanitário um a um dos comprimidos.
Seria mais correto levar seu revólver ao ferreiro.
Ouça as marteladas sobre o cano e o tambor.
Seu filho um dia crescerá
e mesmo ainda menino
não há em casa
lugar seguro.
Diria até que aquele sorriso cínico do diabo na garrafa de vinho
era o primeiro abraço, o primeiro empurrão, a primeira onda
para um tiro no peito ou um frasco inteiro
de comprimidos fatais.
O dia seguinte é um rio
que já visitou o mar.
não meter uma bala
no peito
ou beber um frasco
de comprimidos.
O dia seguinte é um rio
que já ultrapassou a perda
e quando se aperta o peito
e a garrafa de vinho
sorri feito o diabo
então é melhor
enfiarmos a cabeça
dentro do travesseiro.
Não dura tanto tempo o colapso nervoso
se as faces não se contorcem
e o coração logo entende
que a loucura não tem
nada a ver com ele.
Jogue longe o travesseiro
olhe bem para o teto
e se houver algum tipo de inseto
parado, meio caladão
como se paralisado por lembranças
de outros tetos e de outras teias
é hora de lavar o rosto
e ver se a garrafa de vinho
ainda sorri aquele olhar cínico
de quem ao bebê-la
acordaria com o diabo.
Se a garrafa de vinho tiver perdido
esse mau agouro e se o inseto
parecer um anjo sereno
esconda então seu revólver sobre o guarda-roupa
lance ao vaso sanitário um a um dos comprimidos.
Seria mais correto levar seu revólver ao ferreiro.
Ouça as marteladas sobre o cano e o tambor.
Seu filho um dia crescerá
e mesmo ainda menino
não há em casa
lugar seguro.
Diria até que aquele sorriso cínico do diabo na garrafa de vinho
era o primeiro abraço, o primeiro empurrão, a primeira onda
para um tiro no peito ou um frasco inteiro
de comprimidos fatais.
O dia seguinte é um rio
que já visitou o mar.
sábado, 14 de janeiro de 2012
histeria
Que a gargalhada pertença ao outro.
Que o meu sorriso só se divida
entre a leve ponta do canino
e o frio lábio.
Doem meus ouvidos as gargalhadas
de quem não finge tão bem.
Uma boa gargalhada
não deve ter motivos.
Deve ser trêmula,
aterrorizante.
Uma coruja gargalha
quando pia sobre
a igreja.
E as andorinhas tremem
conscientes da morte.
Isso me interessa,
esse tipo de gargalhada.
Ai dos pequenos passarinhos
que hão de ouvir de perto
a gargalhada da coruja.
Depois será a vez do gavião
visitar dentro das torres
os pombos.
Pena que o gavião agora
está aflito por questões
de família.
Todos os filhotes estão bem,
obrigado, mas há aqueles
distraídos transeuntes
que teimam passear
debaixo do ninho.
E há os loucos
que ainda gargalham.
Inclusive alguns pombos
que ingênuos ou incrédulos
procuram comida nos canteiros.
Será que eles não percebem
que a mamãe gavião
está no seu limite?
Voltem para dentro da torre.
Deem um tempo.
Cansei de assistir a pombos degolados.
E os seus tênis vermelhos arrancados
dos seus pés.
Não acredito que ninguém não tenha notado
que os pombos só usam tênis nike vermelho.
Já mencionei essa imagem tantas vezes.
Mas sempre me parece que digo uma mentira.
Olhem para os pés dos pombos.
Vejam seus tênis nike vermelho.
Certo dia um amigo confessou-me
que nem os pombos velhos
tiram as sapatilhas.
Eu disse que não eram sapatilhas.
Eram tênis. Depois pensei -
ora, talvez dentre eles
exista quem prefira
uma sapatilha
a um tênis.
Eu não sou um pombo.
Não como migalhas.
Não bico os olhos
das flores.
Muito menos dou voltas em torno da praça
de tênis ou sapatilhas. O meu negócio
é observá-los, a eles os pombos
e as corujas e os gaviões.
Todos na praça.
E acreditem, nessas horas
a minha gargalhada é verdadeira.
Vem do intestino,
esôfago e pulmões.
Que o meu sorriso só se divida
entre a leve ponta do canino
e o frio lábio.
Doem meus ouvidos as gargalhadas
de quem não finge tão bem.
Uma boa gargalhada
não deve ter motivos.
Deve ser trêmula,
aterrorizante.
Uma coruja gargalha
quando pia sobre
a igreja.
E as andorinhas tremem
conscientes da morte.
Isso me interessa,
esse tipo de gargalhada.
Ai dos pequenos passarinhos
que hão de ouvir de perto
a gargalhada da coruja.
Depois será a vez do gavião
visitar dentro das torres
os pombos.
Pena que o gavião agora
está aflito por questões
de família.
Todos os filhotes estão bem,
obrigado, mas há aqueles
distraídos transeuntes
que teimam passear
debaixo do ninho.
E há os loucos
que ainda gargalham.
Inclusive alguns pombos
que ingênuos ou incrédulos
procuram comida nos canteiros.
Será que eles não percebem
que a mamãe gavião
está no seu limite?
Voltem para dentro da torre.
Deem um tempo.
Cansei de assistir a pombos degolados.
E os seus tênis vermelhos arrancados
dos seus pés.
Não acredito que ninguém não tenha notado
que os pombos só usam tênis nike vermelho.
Já mencionei essa imagem tantas vezes.
Mas sempre me parece que digo uma mentira.
Olhem para os pés dos pombos.
Vejam seus tênis nike vermelho.
Certo dia um amigo confessou-me
que nem os pombos velhos
tiram as sapatilhas.
Eu disse que não eram sapatilhas.
Eram tênis. Depois pensei -
ora, talvez dentre eles
exista quem prefira
uma sapatilha
a um tênis.
Eu não sou um pombo.
Não como migalhas.
Não bico os olhos
das flores.
Muito menos dou voltas em torno da praça
de tênis ou sapatilhas. O meu negócio
é observá-los, a eles os pombos
e as corujas e os gaviões.
Todos na praça.
E acreditem, nessas horas
a minha gargalhada é verdadeira.
Vem do intestino,
esôfago e pulmões.
a formiguinha reflexiva
Há duas notórias heresias:
falar de Deus e da Poesia.
No entanto
herege que sou
com uma cara lisa e de pau
cometo tal tolice porque
creio que é muito pouco
apenas escrever versos
e apenas ter fé
diante das paredes.
Confesso-me então o herege
em certas horas de pavor
e inutilidade.
Chegará o dia não do silêncio
mas das ruas - bebida,
mulheres e ópio.
Nesse dia serei um homem correto.
Sem mazelas e sem aquele suor frio.
falar de Deus e da Poesia.
No entanto
herege que sou
com uma cara lisa e de pau
cometo tal tolice porque
creio que é muito pouco
apenas escrever versos
e apenas ter fé
diante das paredes.
Confesso-me então o herege
em certas horas de pavor
e inutilidade.
Chegará o dia não do silêncio
mas das ruas - bebida,
mulheres e ópio.
Nesse dia serei um homem correto.
Sem mazelas e sem aquele suor frio.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
as sombras não têm nomes
A mulher da minha vida partiu
antes que eu tivesse visto
ela na praça comendo
pipoca.
Em todas as esquinas
que dobrei apressado
ela já havia fugido
no trem
e já tinha atravessado
o arco-íris das montanhas.
Um trem que leva
quem nunca conhecemos
jamais haverá de apitar
aos nossos ouvidos
a chegada
do amor.
A mulher da minha vida
para meu agrado
não me viu
sentado na fonte
mascando chiclete.
Da mesma forma
que a perdi no trem
ela esqueceu a fonte
de águas coloridas.
Tive que crescer
para entender
que eram plásticos
colados nas lâmpadas.
então creio que o arco-íris das montanhas
também são plásticos coloridos
da imaginação.
Apesar dessa verdade óbvia e dilacerante
permaneço de vez em quando visitando
estações e me emocionando
com aquele arco-íris refletido
na poça da chuva fina.
A mulher da minha vida
para meu deleite e delírio
não me ouve e não lê
esses versos.
Não haveria motivo.
Nós não nos conhecemos.
Quem sabe ela até odeie
esse tipo de molusco
que faz poemas.
E quem sabe eu até ignore
a mulher do meu destino.
antes que eu tivesse visto
ela na praça comendo
pipoca.
Em todas as esquinas
que dobrei apressado
ela já havia fugido
no trem
e já tinha atravessado
o arco-íris das montanhas.
Um trem que leva
quem nunca conhecemos
jamais haverá de apitar
aos nossos ouvidos
a chegada
do amor.
A mulher da minha vida
para meu agrado
não me viu
sentado na fonte
mascando chiclete.
Da mesma forma
que a perdi no trem
ela esqueceu a fonte
de águas coloridas.
Tive que crescer
para entender
que eram plásticos
colados nas lâmpadas.
então creio que o arco-íris das montanhas
também são plásticos coloridos
da imaginação.
Apesar dessa verdade óbvia e dilacerante
permaneço de vez em quando visitando
estações e me emocionando
com aquele arco-íris refletido
na poça da chuva fina.
A mulher da minha vida
para meu deleite e delírio
não me ouve e não lê
esses versos.
Não haveria motivo.
Nós não nos conhecemos.
Quem sabe ela até odeie
esse tipo de molusco
que faz poemas.
E quem sabe eu até ignore
a mulher do meu destino.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
nuvens
O sonho é o meu pão de todos os dias
mesmo que seco não me engasga.
O sonho é a minha oração,
meu copo d'água sobre a cômoda.
A fresta do entardecer
que passa pela porta
e bate na parede onde vejo
algumas formigas tecendo mantas
para o talvez inverno que se aproxima.
Sou um sonhador nato, nativo, natural.
Embora algumas vezes eu quebre
xícaras no teto e dê nós
nos tênis sujos.
Mas isso também é sonho.
Urro de um homem primitivo.
Que ao final da noite
recolhe-se na sua caverna
e procura desenhar seus primeiros castelos.
mesmo que seco não me engasga.
O sonho é a minha oração,
meu copo d'água sobre a cômoda.
A fresta do entardecer
que passa pela porta
e bate na parede onde vejo
algumas formigas tecendo mantas
para o talvez inverno que se aproxima.
Sou um sonhador nato, nativo, natural.
Embora algumas vezes eu quebre
xícaras no teto e dê nós
nos tênis sujos.
Mas isso também é sonho.
Urro de um homem primitivo.
Que ao final da noite
recolhe-se na sua caverna
e procura desenhar seus primeiros castelos.
quem sabe do amanhã é o bem-te-vi
É certo como a morte -
não me caso novamente.
As mulheres que encontro
roubam todos meus anéis
e fogem no meu pégaso.
Não me deixam telefone,
links de boa música
nem um olhar
até breve.
Como sonhar em casar com esse tipo de mulher
que de mim só deseja meus anéis de aço cirúrgico?
A única com a qual fui ao cartório
deixou-me assim de repente
só porque recusei
arrancar do meu dedo
um anel feito do seixo
de uma praia deserta.
Está decidido -
não me caso
e ao encontrar uma mulher
escondo todos os meus anéis
dentro do bolso
do meu velho jeans.
Agora também é verdadeiro -
no dia em que uma mulher beijar meus dedos
sem olhar para os meus anéis
e fazer minhas unhas
então serão dela
anéis, dedos
e todas as nódoas brancas
das unhas da minha infância.
não me caso novamente.
As mulheres que encontro
roubam todos meus anéis
e fogem no meu pégaso.
Não me deixam telefone,
links de boa música
nem um olhar
até breve.
Como sonhar em casar com esse tipo de mulher
que de mim só deseja meus anéis de aço cirúrgico?
A única com a qual fui ao cartório
deixou-me assim de repente
só porque recusei
arrancar do meu dedo
um anel feito do seixo
de uma praia deserta.
Está decidido -
não me caso
e ao encontrar uma mulher
escondo todos os meus anéis
dentro do bolso
do meu velho jeans.
Agora também é verdadeiro -
no dia em que uma mulher beijar meus dedos
sem olhar para os meus anéis
e fazer minhas unhas
então serão dela
anéis, dedos
e todas as nódoas brancas
das unhas da minha infância.
o destino é falastrão
Após muito refletir cheguei a seguinte conclusão:
o jambo foi amante da maçã.
Ao morder um jambo
dói a vista a sua pele
de tão branca feito
um prisioneiro
que não sai da cela
saudoso da sua amada.
Enquanto a maçã mordida
esquecida sobre um livro
pouco tempo entristece
e fica com uma cor morta
de quem perdeu as esperanças
em encontrar o seu cavalheiro.
Sinto aflita minha alma
por nada poder fazer
senão devorar o jambo
e reparti-lo com uma senhorita
que tenha batom vermelho nos lábios
e jamais esquecer uma maçã pela metade
mesmo que o livro me prenda a atenção
e me faça suspirar por longas horas.
o jambo foi amante da maçã.
Ao morder um jambo
dói a vista a sua pele
de tão branca feito
um prisioneiro
que não sai da cela
saudoso da sua amada.
Enquanto a maçã mordida
esquecida sobre um livro
pouco tempo entristece
e fica com uma cor morta
de quem perdeu as esperanças
em encontrar o seu cavalheiro.
Sinto aflita minha alma
por nada poder fazer
senão devorar o jambo
e reparti-lo com uma senhorita
que tenha batom vermelho nos lábios
e jamais esquecer uma maçã pela metade
mesmo que o livro me prenda a atenção
e me faça suspirar por longas horas.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
antes que o sol me apavore
A noite debaixo da escrivaninha
não relembra livros da estante
nem das dores do peito
sufocado.
A noite é irmã da escrivaninha
como sou irmão das sombras
de todas já vistas
naquela infância jurada
de assombrações.
Nunca tive medo da chuva -
apavoravam-me os trovões
e rasgavam-me a alma
os relâmpagos.
Depois de quebrar muitos dentes contra paredes.
De assistir a tantos travesseiros com insônia.
Compreendi que é a noite amiga
minha única amiga que me traz
doces e sorvetes
mesmo que seja
uma noite vazia.
E que apenas um par de botas
cumpra seu dever de zelar
pelo seu dono.
As meias dentro são lençóis
para o dia que há de nascer
e reconfortar cada dedo
e cada unha encravada.
Meu par de botas
é um bom amigo
e as meias
uma boa alma.
não relembra livros da estante
nem das dores do peito
sufocado.
A noite é irmã da escrivaninha
como sou irmão das sombras
de todas já vistas
naquela infância jurada
de assombrações.
Nunca tive medo da chuva -
apavoravam-me os trovões
e rasgavam-me a alma
os relâmpagos.
Depois de quebrar muitos dentes contra paredes.
De assistir a tantos travesseiros com insônia.
Compreendi que é a noite amiga
minha única amiga que me traz
doces e sorvetes
mesmo que seja
uma noite vazia.
E que apenas um par de botas
cumpra seu dever de zelar
pelo seu dono.
As meias dentro são lençóis
para o dia que há de nascer
e reconfortar cada dedo
e cada unha encravada.
Meu par de botas
é um bom amigo
e as meias
uma boa alma.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
o poema
Escrevo este poema para quem não está sozinho.
Para quem tem botas e uma lâmpada mágica.
O poema que escrevo
é um poema sem dono.
Uma vez que não conheço
nem de perto nem de longe
quem ouve as batidas do meu peito
ou o silêncio do meu cílio que cai.
Escrevo para quem ama a si mesmo
sem que tenha que cheirar cocaína
ou comprar um vestido novo.
Como eu havia previsto
escrevo este poema
sem noção alguma
do que seja amor
ou solidão.
Escrevo este poema para alguém
que não esteja sozinho nem traga
tanto sal do mar dentro dos olhos.
Às vezes as conchas mudam de forma -
algumas são lágrimas e vêm juntas as pérolas.
Escrevo este poema para alguém
que o receba com afeto
e segredo.
E saiba entender o valioso tesouro das conchas.
Das conchas que sorriem sem necessidade
de abrir-lhes a carne com uma faca.
Para quem tem botas e uma lâmpada mágica.
O poema que escrevo
é um poema sem dono.
Uma vez que não conheço
nem de perto nem de longe
quem ouve as batidas do meu peito
ou o silêncio do meu cílio que cai.
Escrevo para quem ama a si mesmo
sem que tenha que cheirar cocaína
ou comprar um vestido novo.
Como eu havia previsto
escrevo este poema
sem noção alguma
do que seja amor
ou solidão.
Escrevo este poema para alguém
que não esteja sozinho nem traga
tanto sal do mar dentro dos olhos.
Às vezes as conchas mudam de forma -
algumas são lágrimas e vêm juntas as pérolas.
Escrevo este poema para alguém
que o receba com afeto
e segredo.
E saiba entender o valioso tesouro das conchas.
Das conchas que sorriem sem necessidade
de abrir-lhes a carne com uma faca.
domingo, 8 de janeiro de 2012
terras distantes
Tanto tempo sem mulher
faz do bárbaro um apaixonado
pelo sangue dos seus inimigos
esquece do caminho de casa
do bosque com suas flores
amarelas e vermelhas.
A sua paixão é admirar
os corpos destrinchados
de outros bárbaros
e dos sobreviventes
os rostos sujos de pólvora.
Tanto tempo sem mulher
faz do bárbaro um louco
que range e abre a boca
evocando mais guerras.
Mas tudo cessa
como nasce outro dia
e na estrada o vento sopra poeira
cujos grãos sepultam os casacos de javali.
O bosque não muda
e a casa é logo adiante.
Com os olhos lacrimosos,
feridos, quase cegos
o bárbaro escuta seu coração
pela voz sussurrante da sua mulher.
Corre, corre bárbaro
que a tua guerra agora
é na cama de folhagens.
Tanto tempo sem mulher
tanto tempo sem mulher
também faz de um poeta
um bárbaro sanguinário
que encontra na parede
seu mortal pesar:
sua fotografia
e da sua amada.
faz do bárbaro um apaixonado
pelo sangue dos seus inimigos
esquece do caminho de casa
do bosque com suas flores
amarelas e vermelhas.
A sua paixão é admirar
os corpos destrinchados
de outros bárbaros
e dos sobreviventes
os rostos sujos de pólvora.
Tanto tempo sem mulher
faz do bárbaro um louco
que range e abre a boca
evocando mais guerras.
Mas tudo cessa
como nasce outro dia
e na estrada o vento sopra poeira
cujos grãos sepultam os casacos de javali.
O bosque não muda
e a casa é logo adiante.
Com os olhos lacrimosos,
feridos, quase cegos
o bárbaro escuta seu coração
pela voz sussurrante da sua mulher.
Corre, corre bárbaro
que a tua guerra agora
é na cama de folhagens.
Tanto tempo sem mulher
tanto tempo sem mulher
também faz de um poeta
um bárbaro sanguinário
que encontra na parede
seu mortal pesar:
sua fotografia
e da sua amada.
mocinho
O meu príncipe um dia crescerá
aliás todos os dias seus pés sufocam antigos tênis
e os seus olhos passam a ter um brilho diferente
como se a alma já se alargasse
e ultrapassasse seus cílios.
Meu príncipe sem dúvida
nasceu para logo
que amanheça
lhe caia bem sua túnica de ouro e jasmins
e reconheça do telhado
em todas as estrelas
o mesmo brilho.
O meu príncipe dorme agora
e eu o amo de forma natural
sem nada que me possa
apertar o peito
ou sugerir sonhos.
O meu príncipe é um presente
uma estrela de dez anos
enviado pelo mesmo anjo
que certa vez me dissera:
"tu és torto, mas hás
de ser leve e feliz
com teu filho"
aliás todos os dias seus pés sufocam antigos tênis
e os seus olhos passam a ter um brilho diferente
como se a alma já se alargasse
e ultrapassasse seus cílios.
Meu príncipe sem dúvida
nasceu para logo
que amanheça
lhe caia bem sua túnica de ouro e jasmins
e reconheça do telhado
em todas as estrelas
o mesmo brilho.
O meu príncipe dorme agora
e eu o amo de forma natural
sem nada que me possa
apertar o peito
ou sugerir sonhos.
O meu príncipe é um presente
uma estrela de dez anos
enviado pelo mesmo anjo
que certa vez me dissera:
"tu és torto, mas hás
de ser leve e feliz
com teu filho"
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
cabelos e braços
O perfume dos cabelos das meninas
sinto de longe e o sabonete dos braços
avisam que é tempo de descer ao jardim
e plantar outra flor com gosto de saudade.
Saudade amistosa, serena, discreta.
Nenhuma sabe da mistura dos frascos.
Do conselho que sempre peço
às borboletas que não dormem.
Pelo menos acordam e fingem não dormir
quando desço até o jardim com as narinas
tenras mas pegando fogo.
Uma delas, borboleta,
aconselha-me dormir primeiro.
E só descer ao jardim
com o sonho nos lábios.
sinto de longe e o sabonete dos braços
avisam que é tempo de descer ao jardim
e plantar outra flor com gosto de saudade.
Saudade amistosa, serena, discreta.
Nenhuma sabe da mistura dos frascos.
Do conselho que sempre peço
às borboletas que não dormem.
Pelo menos acordam e fingem não dormir
quando desço até o jardim com as narinas
tenras mas pegando fogo.
Uma delas, borboleta,
aconselha-me dormir primeiro.
E só descer ao jardim
com o sonho nos lábios.
indolência
Não sou eu que quero escrever.
São meus dedos sob um olhar cínico e doce.
Augusto dos Anjos
não teria essa simplória cumplicidade.
Senão da pena gasta
e da luz da vela.
Os dois dedos de alguns séculos atrás que beijam o pavio
não é a mesma coisa do que lançar contra a parede
esse teclado empoeirado.
Teclado sujo e gorduroso
do suor de alguns dedos sacanas.
Escrevo porque meus dedos mandam.
E eu que sou louco obedeço a todos eles.
Sem hesitar lá vou eu sujando pouco das unhas.
Que mesmo roídas mantêm uma haste de carne viva.
Não há engrandecimento nem a mim nem a quem lê.
São apenas teclas sujas e gordurosas
e alguns dedos metidos a besta.
O tesouro é o riso irônico do que foi escrito
e das novas manchas nos pulmões.
São meus dedos sob um olhar cínico e doce.
Augusto dos Anjos
não teria essa simplória cumplicidade.
Senão da pena gasta
e da luz da vela.
Os dois dedos de alguns séculos atrás que beijam o pavio
não é a mesma coisa do que lançar contra a parede
esse teclado empoeirado.
Teclado sujo e gorduroso
do suor de alguns dedos sacanas.
Escrevo porque meus dedos mandam.
E eu que sou louco obedeço a todos eles.
Sem hesitar lá vou eu sujando pouco das unhas.
Que mesmo roídas mantêm uma haste de carne viva.
Não há engrandecimento nem a mim nem a quem lê.
São apenas teclas sujas e gordurosas
e alguns dedos metidos a besta.
O tesouro é o riso irônico do que foi escrito
e das novas manchas nos pulmões.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
distância
O que tu esperas de um cara
que sequer sabe assobiar?
As andorinhas e os bem-te-vis
que chegam à minha varanda
não vêm pelo meu assobio
são os meus olhos, baby
silenciosos e de outro mundo.
O que tu esperas de um sujeito
que pouco pouquíssimo mesmo
se importa com quem sofre
ou se alegra repentinamente?
A minha vida é tão simplória, baby
e justo pela tolice
do que vejo
coisa alguma me mata
quando quero amar
ou por nada
me apaixono
se quero
morrer.
O que tu esperas de uma criatura
de bermudão agora
pernas estiradas
os pés sobre
os livros
da estante?
Os meus travesseiros
dizem outras coisas
aos meus ouvidos.
Coisas como
levantar-se
e não escrever versos
pelo amor de deus
versos não,
versos nunca.
que sequer sabe assobiar?
As andorinhas e os bem-te-vis
que chegam à minha varanda
não vêm pelo meu assobio
são os meus olhos, baby
silenciosos e de outro mundo.
O que tu esperas de um sujeito
que pouco pouquíssimo mesmo
se importa com quem sofre
ou se alegra repentinamente?
A minha vida é tão simplória, baby
e justo pela tolice
do que vejo
coisa alguma me mata
quando quero amar
ou por nada
me apaixono
se quero
morrer.
O que tu esperas de uma criatura
de bermudão agora
pernas estiradas
os pés sobre
os livros
da estante?
Os meus travesseiros
dizem outras coisas
aos meus ouvidos.
Coisas como
levantar-se
e não escrever versos
pelo amor de deus
versos não,
versos nunca.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
não é solidão mas estou sozinho
Receito-me duas xícaras de café -
uma logo que amanhece o dia
e a última quando o sol
já quase morto [ou morno]
bate no fio de alta tensão
e atrai as andorinhas.
Ultimamente vigio-me
e aparto-me do vinho
e qualquer gênero
de fumaça.
Ando delicado em um território
que a mim pertence mas não conheço.
Sei que é forjado pelo fogo.
Fogo da lucidez e fogo da loucura.
Tenho flores para cheirar, mel para beber
e abelhas para ferroar meu rosto.
Quando se abre a porta
e revela-se outro paraíso,
digo-me sempre -
é bom ter cautela.
Duas xícaras de café parece algo bobo.
Mas se fossem duas xícaras de chá estaria doente.
Essas duas xícaras de café levam-me a sair do quarto.
Ouvir a cafeteira, visitar as plantinhas da varanda.
E é comum sentir na garganta um gosto diferente.
Não do café bebido mas da lembrança
do tempo em que o café
vinha acompanhado
de ópio
e giz
de cera.
uma logo que amanhece o dia
e a última quando o sol
já quase morto [ou morno]
bate no fio de alta tensão
e atrai as andorinhas.
Ultimamente vigio-me
e aparto-me do vinho
e qualquer gênero
de fumaça.
Ando delicado em um território
que a mim pertence mas não conheço.
Sei que é forjado pelo fogo.
Fogo da lucidez e fogo da loucura.
Tenho flores para cheirar, mel para beber
e abelhas para ferroar meu rosto.
Quando se abre a porta
e revela-se outro paraíso,
digo-me sempre -
é bom ter cautela.
Duas xícaras de café parece algo bobo.
Mas se fossem duas xícaras de chá estaria doente.
Essas duas xícaras de café levam-me a sair do quarto.
Ouvir a cafeteira, visitar as plantinhas da varanda.
E é comum sentir na garganta um gosto diferente.
Não do café bebido mas da lembrança
do tempo em que o café
vinha acompanhado
de ópio
e giz
de cera.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
um olhar
O amor há de começar pela carne.
Pela jovialidade das marcas de nascença.
Meus cotovelos hoje sujos de um tipo de escama
pela monótona frequência de tantos banhos
pergunto-me para que me servem agora.
São tristes meus cotovelos por haver sumido
aquele verniz da mocidade.
Eu amava meus dentes e amava muito meus cotovelos.
Era tudo princípio e só existia para o meu deleite a carne.
O amor há de começar por aquilo que o tempo leva.
Que o tempo estraga e oferece depois outro sentido.
Justamente no tempo em que a medula range
quando nos curvamos para amarrar os sapatos.
E se não houver ouvidos destinados ao som da sabedoria?
E se o homem cansado mas vaidoso ainda ousar viver dos cotovelos da juventude?
E se os dentes amarelos por qualquer método de purificação estejam ainda mais brancos?
Creio então que o amor não se iniciou.
E se existiu foi breve e enfadonho.
Durou apenas o tempo
do espanto.
Vendo agora todos os dias meus dentes amarelos
e os cotovelos sujos de nódoas da existência
acredito que amei meu corpo
com intensa euforia.
Alguém que ame as rugas
das falanges dos seus dedos
como ama as ranhuras da sua estante
verdadeiramente amou a si e as coisas.
Esta minha fadiga tem nome -
é o amor exuberante
da minha carne.
Pela jovialidade das marcas de nascença.
Meus cotovelos hoje sujos de um tipo de escama
pela monótona frequência de tantos banhos
pergunto-me para que me servem agora.
São tristes meus cotovelos por haver sumido
aquele verniz da mocidade.
Eu amava meus dentes e amava muito meus cotovelos.
Era tudo princípio e só existia para o meu deleite a carne.
O amor há de começar por aquilo que o tempo leva.
Que o tempo estraga e oferece depois outro sentido.
Justamente no tempo em que a medula range
quando nos curvamos para amarrar os sapatos.
E se não houver ouvidos destinados ao som da sabedoria?
E se o homem cansado mas vaidoso ainda ousar viver dos cotovelos da juventude?
E se os dentes amarelos por qualquer método de purificação estejam ainda mais brancos?
Creio então que o amor não se iniciou.
E se existiu foi breve e enfadonho.
Durou apenas o tempo
do espanto.
Vendo agora todos os dias meus dentes amarelos
e os cotovelos sujos de nódoas da existência
acredito que amei meu corpo
com intensa euforia.
Alguém que ame as rugas
das falanges dos seus dedos
como ama as ranhuras da sua estante
verdadeiramente amou a si e as coisas.
Esta minha fadiga tem nome -
é o amor exuberante
da minha carne.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
fim de temporada
Estou farto de poetas
pois já não me suporto -
esses olhos lacrimosos que escondem segredos
e não compartilham com as paredes
as últimas lágrimas.
Estou farto de bruxos que nunca beberam outra coisa
senão chá e café e limonada e de bruxas que nunca
fizeram fogo e queimaram as faces.
Estou farto da minha bebida, da minha loucura,
dos anjos que apunhalei e dos cadáveres
que andam presos aos meus pulsos.
Estou farto da minha xícara desfigurada,
das minhas botas tolas, da estante
de ferro, do teclado sujo.
Estou farto do meu cheiro no frasco de perfume
e do meu cheiro na minha pele e dos meus risos
e dos meus medos e da total ausência
de humanidade.
Estou farto da inocência dos golfinhos
que ainda morrem emaranhados
em redes de pescador.
Estou farto das estrelas, do meu pégaso
no telhado, do musgo, das águas-vivas,
das ondas, da poeira debaixo
dos meus tênis.
Estou farto das minhas cuecas no varal
e do vento que empurra o encosto
e me fere.
Estou farto de me sentir acompanhado
pelos pingos do chuveiro quebrado
batendo dentro do balde.
Estou farto da minha infância.
Estou farto da minha velhice.
Do meu sinal caindo pelo canto da boca.
Das costelas. Das minhas unhas roídas.
Estou farto de mim
que não me conheço.
Não ouço mais o que me diz a voz da fortuna.
Minhas mãos cambaleiam e nada trazem do jardim.
pois já não me suporto -
esses olhos lacrimosos que escondem segredos
e não compartilham com as paredes
as últimas lágrimas.
Estou farto de bruxos que nunca beberam outra coisa
senão chá e café e limonada e de bruxas que nunca
fizeram fogo e queimaram as faces.
Estou farto da minha bebida, da minha loucura,
dos anjos que apunhalei e dos cadáveres
que andam presos aos meus pulsos.
Estou farto da minha xícara desfigurada,
das minhas botas tolas, da estante
de ferro, do teclado sujo.
Estou farto do meu cheiro no frasco de perfume
e do meu cheiro na minha pele e dos meus risos
e dos meus medos e da total ausência
de humanidade.
Estou farto da inocência dos golfinhos
que ainda morrem emaranhados
em redes de pescador.
Estou farto das estrelas, do meu pégaso
no telhado, do musgo, das águas-vivas,
das ondas, da poeira debaixo
dos meus tênis.
Estou farto das minhas cuecas no varal
e do vento que empurra o encosto
e me fere.
Estou farto de me sentir acompanhado
pelos pingos do chuveiro quebrado
batendo dentro do balde.
Estou farto da minha infância.
Estou farto da minha velhice.
Do meu sinal caindo pelo canto da boca.
Das costelas. Das minhas unhas roídas.
Estou farto de mim
que não me conheço.
Não ouço mais o que me diz a voz da fortuna.
Minhas mãos cambaleiam e nada trazem do jardim.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
cansaço
Dia a dia alimentamos nossa morte.
Nós nos divertimos tanto
e aproxima-se o fim.
Uma boa morte é alimentada
desde o início da tenra idade
com guloseimas, balões coloridos,
barquinhos de papel, pipas
e bermudões surrados.
Amo a tolice humana e amo a vaidade
oculta e tão óbvia no clarão
dos nossos olhos.
Você que é tão carente
noutros momentos
vivaz e eloquente
não aceita um drink
ou um chazinho
de hortelã?
A cada prazer delicado e simples
é um preparativo para a boa morte
que se anuncia.
Você vive cego
ou é passageiro
esse andado
trôpego?
Depois de um dia de batalha
carregamos nos ombros
três ursos.
Um para o vizinho
que ainda dorme.
O segundo para
a nossa sombra
dentro das botas.
E o último é somente seu.
O mais carnívoro,
presas horríveis
e bafo de onça.
Quem já se viu -
um urso com bafo de onça.
Mas é simpática essa imagem.
Durma,
você está exausto
após um dia de doçuras.
Amanhã cedinho
acorde seus ursos.
Vire-se e pegue de volta
aquele oferecido ao vizinho.
Calce suas botas,
espante sua sombra
e traga para si o segundo.
Quanto ao último urso
[o mais louco e feroz]
deixe-o
bem guardado
na terceira gaveta da cômoda
onde estão o fósforo, a taça
e o seu conhaque.
Nós nos divertimos tanto
e aproxima-se o fim.
Uma boa morte é alimentada
desde o início da tenra idade
com guloseimas, balões coloridos,
barquinhos de papel, pipas
e bermudões surrados.
Amo a tolice humana e amo a vaidade
oculta e tão óbvia no clarão
dos nossos olhos.
Você que é tão carente
noutros momentos
vivaz e eloquente
não aceita um drink
ou um chazinho
de hortelã?
A cada prazer delicado e simples
é um preparativo para a boa morte
que se anuncia.
Você vive cego
ou é passageiro
esse andado
trôpego?
Depois de um dia de batalha
carregamos nos ombros
três ursos.
Um para o vizinho
que ainda dorme.
O segundo para
a nossa sombra
dentro das botas.
E o último é somente seu.
O mais carnívoro,
presas horríveis
e bafo de onça.
Quem já se viu -
um urso com bafo de onça.
Mas é simpática essa imagem.
Durma,
você está exausto
após um dia de doçuras.
Amanhã cedinho
acorde seus ursos.
Vire-se e pegue de volta
aquele oferecido ao vizinho.
Calce suas botas,
espante sua sombra
e traga para si o segundo.
Quanto ao último urso
[o mais louco e feroz]
deixe-o
bem guardado
na terceira gaveta da cômoda
onde estão o fósforo, a taça
e o seu conhaque.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
folhas secas ao vento
A minha xícara perdeu o sorriso.
Era linda como antigamente -
as duas fissuras tão finas
em torno da circunferência.
Tremi de susto
ao vê-la hoje
com mil olhos
e dentes.
Minha xícara [é mais que posse -
é um amor entre pele
e porcelana]
deveria ser única
na minha boca
e eterna sob
meu olhar distraído.
Mas alguém a deixou cair -
cozinha, sala, varanda,
sei lá onde.
O que me dói,
exaspera-me a alma
é que alguém antes a beijou
mesmo contra sua vontade.
Ela silenciosa
de um silêncio triste.
E eu morto de desilusão
embora sempre soubesse:
o que mais fere
é o encanto.
Era linda como antigamente -
as duas fissuras tão finas
em torno da circunferência.
Tremi de susto
ao vê-la hoje
com mil olhos
e dentes.
Minha xícara [é mais que posse -
é um amor entre pele
e porcelana]
deveria ser única
na minha boca
e eterna sob
meu olhar distraído.
Mas alguém a deixou cair -
cozinha, sala, varanda,
sei lá onde.
O que me dói,
exaspera-me a alma
é que alguém antes a beijou
mesmo contra sua vontade.
Ela silenciosa
de um silêncio triste.
E eu morto de desilusão
embora sempre soubesse:
o que mais fere
é o encanto.
domingo, 13 de novembro de 2011
inefável mas se sente
Você já me viu chorar
mas esqueceu minhas lágrimas.
E eu não chorava pela perda
de um desejo antigo
destroçado
mas sim [como choro agora]
por essa possessão poética
do meu sangue
e ossos.
É como se não me pertencessem
as palavras que brotam
da minha unha
no entanto,
as ranhuras delas
foram todas minhas.
Você não mais existe
e deixou de existir a partir
do dia em que esqueci teu aniversário.
Não foi maldade [acredite]
eram muitas lágrimas
dentro dos meus olhos,
e um cego lacrimoso
esquece até do dia
em que se fez
sol -
um lindo dia
de sol.
sábado, 12 de novembro de 2011
meus tênis e um sapato estranho
Não preciso de sapatos.
É tão natural a textura das nuvens.
Deem os meus tênis e mais aquele bico fino preto
[nunca usado] ao cidadão da esquina.
Ele precisa.
Sinto que ele anda pesado.
Os meus tênis por serem velhinhos
são algodões-doces que se desmancham
nas calçadas sobretudo nas calçadas
ainda molhadas do orvalho
de ontem.
O cidadão da esquina anda carregado de muito ouro.
Necessita com urgência da alma daquele passarinho
que um dia se abancou no ombro
de São Francisco.
O sapato bico fino preto [concluo agora]
não lhe ofereçam. Também é carregado
e só tem no solado terras por onde
não andei e não conheço
o dono dele.
Pressinto que o sapato bico fino preto
não é recomendável para quem
deseja andar nas nuvens.
O cidadão da esquina
caso calce esse sapato
pode matar alguém
por mais dinheiro
ou mais ouro.
De quem será esse sapato bico fino preto?
Chegou-me ao quarto nem lembro
como e qual motivo.
Então deem somente meus tênis.
Todos eles e digam ao cidadão da esquina
para fechar os olhos quando atravessar as praças.
Meus tênis embora velhinhos gostam
de correr atrás dos pombos.
E por falar em pombos,
eles usam nike vermelho.
Vejam, não há um pombo
que não use um tênis nike vermelho.
É tão natural a textura das nuvens.
Deem os meus tênis e mais aquele bico fino preto
[nunca usado] ao cidadão da esquina.
Ele precisa.
Sinto que ele anda pesado.
Os meus tênis por serem velhinhos
são algodões-doces que se desmancham
nas calçadas sobretudo nas calçadas
ainda molhadas do orvalho
de ontem.
O cidadão da esquina anda carregado de muito ouro.
Necessita com urgência da alma daquele passarinho
que um dia se abancou no ombro
de São Francisco.
O sapato bico fino preto [concluo agora]
não lhe ofereçam. Também é carregado
e só tem no solado terras por onde
não andei e não conheço
o dono dele.
Pressinto que o sapato bico fino preto
não é recomendável para quem
deseja andar nas nuvens.
O cidadão da esquina
caso calce esse sapato
pode matar alguém
por mais dinheiro
ou mais ouro.
De quem será esse sapato bico fino preto?
Chegou-me ao quarto nem lembro
como e qual motivo.
Então deem somente meus tênis.
Todos eles e digam ao cidadão da esquina
para fechar os olhos quando atravessar as praças.
Meus tênis embora velhinhos gostam
de correr atrás dos pombos.
E por falar em pombos,
eles usam nike vermelho.
Vejam, não há um pombo
que não use um tênis nike vermelho.
a candura do pequeno sátiro
Se o teu filho te pede um sagaz aperto de mão em sinal
de uma amizade sem fim e sem nenhum tipo de vacilo
não é que ele esteja com vergonha do pai
ao levá-lo à catequese,
é que lá onde se aprende coisas de deus
de santos, rezas e histórias sagradas
também habitam ao olhar dele
meninas e meninotas.
O teu filho não se sente razoavelmente um homem
ao pé da calçada contigo beijando-lhe a cabeça
e abraçando-o sob gracejos
e despedidas infantis.
Tu não vês mas as meninas e as meninotas
encaram teu guri com um riso de deboche.
Quando, enfim, tu partes
elas chegam a desconfiar
e indagam irônicas
se o teu rapaz
de fato
tem dez.
Tu não imaginas o sufoco
do teu garoto.
Ridículo explicar aqueles teus efusivos beijos na cabeça
e abraços desesperados de quem vai pra guerra
ou retorna de outra mais longa.
Todas as meninas e meninotas coloridas de batons e esmaltes
metralhando teu filho com olhares e risinhos
e o teu pivete lá sem graça
um ódio louco de ti.
Sem mencionar os outros caras que vão sozinhos
dignos cavaleiros altivos e silenciosos
sem pai para beijá-los na cabeça
e sufocá-los em abraços.
Despede-te com bom senso,
faz o que te pede teu rebento:
um aperto de mão esperto
desses de mano
e só.
Deixa que beijos e abraços
ultimamente o teu filho
almeja das meninas
e meninotas.
de uma amizade sem fim e sem nenhum tipo de vacilo
não é que ele esteja com vergonha do pai
ao levá-lo à catequese,
é que lá onde se aprende coisas de deus
de santos, rezas e histórias sagradas
também habitam ao olhar dele
meninas e meninotas.
O teu filho não se sente razoavelmente um homem
ao pé da calçada contigo beijando-lhe a cabeça
e abraçando-o sob gracejos
e despedidas infantis.
Tu não vês mas as meninas e as meninotas
encaram teu guri com um riso de deboche.
Quando, enfim, tu partes
elas chegam a desconfiar
e indagam irônicas
se o teu rapaz
de fato
tem dez.
Tu não imaginas o sufoco
do teu garoto.
Ridículo explicar aqueles teus efusivos beijos na cabeça
e abraços desesperados de quem vai pra guerra
ou retorna de outra mais longa.
Todas as meninas e meninotas coloridas de batons e esmaltes
metralhando teu filho com olhares e risinhos
e o teu pivete lá sem graça
um ódio louco de ti.
Sem mencionar os outros caras que vão sozinhos
dignos cavaleiros altivos e silenciosos
sem pai para beijá-los na cabeça
e sufocá-los em abraços.
Despede-te com bom senso,
faz o que te pede teu rebento:
um aperto de mão esperto
desses de mano
e só.
Deixa que beijos e abraços
ultimamente o teu filho
almeja das meninas
e meninotas.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
o crepúsculo é uma lenda
Agora é assim, qualquer esforço humano
meus pulsos doem e os nervos latejam.
Escrever é humano,
diga isso aos meus tendões
melindrosos
e frágeis.
Agora é assim, mal amputo meus dedos
sobre o teclado e nem se vê o sangue
meus pulsos já doem e latejam.
Como faço então meu amor para escrever cartas.
Sabe, essa manha das minhas mãos é herança
daquele tempo em que eu morria
em uma olivetti studio 45.
Batia a máquina mil cartas de amor e todas iam ao lixo.
Naquele tempo eu era jovem portanto podia morrer
quantas vezes quisesse - e todos riam da loucura
da minha língua que passava horas
fora da boca feito eu um lunático.
Valeu, hoje sinto-me um bom moço
por ter sido um amante exemplar
da minha velha máquina
de escrever.
E foram tantas voltas em torno da lua
usando rolos de fitas e léguas e léguas
de papel ofício.
No final [como agora] todas as cartas de amor iam ao lixo.
Isso não mudou, mas como doem hoje meus pulsos.
Haverá o dia em que só de olhar pras minhas mãos
elas se levantarão de dentro dos bolsos
quentinhas sem nenhum nervo delicado,
sem nenhum nervo mocinha,
reclamando de inflamação
nos tendões.
Mas tu sabes que te amo
e te amo mesmo sem nunca
haver trocado uma ideia contigo
nem trocado os lençóis juntos.
Te amo mesmo com os pulsos doídos
inchados e creio também
que estou nada bem
da garganta.
Garganta, pelo menos dela
eu tenho a voz que não muda.
meus pulsos doem e os nervos latejam.
Escrever é humano,
diga isso aos meus tendões
melindrosos
e frágeis.
Agora é assim, mal amputo meus dedos
sobre o teclado e nem se vê o sangue
meus pulsos já doem e latejam.
Como faço então meu amor para escrever cartas.
Sabe, essa manha das minhas mãos é herança
daquele tempo em que eu morria
em uma olivetti studio 45.
Batia a máquina mil cartas de amor e todas iam ao lixo.
Naquele tempo eu era jovem portanto podia morrer
quantas vezes quisesse - e todos riam da loucura
da minha língua que passava horas
fora da boca feito eu um lunático.
Valeu, hoje sinto-me um bom moço
por ter sido um amante exemplar
da minha velha máquina
de escrever.
E foram tantas voltas em torno da lua
usando rolos de fitas e léguas e léguas
de papel ofício.
No final [como agora] todas as cartas de amor iam ao lixo.
Isso não mudou, mas como doem hoje meus pulsos.
Haverá o dia em que só de olhar pras minhas mãos
elas se levantarão de dentro dos bolsos
quentinhas sem nenhum nervo delicado,
sem nenhum nervo mocinha,
reclamando de inflamação
nos tendões.
Mas tu sabes que te amo
e te amo mesmo sem nunca
haver trocado uma ideia contigo
nem trocado os lençóis juntos.
Te amo mesmo com os pulsos doídos
inchados e creio também
que estou nada bem
da garganta.
Garganta, pelo menos dela
eu tenho a voz que não muda.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
no ardor de uma tosse
Se tu nada fizesses agora
o dia todo sem mexer as mãos
nem um sequer piscar de cílios
que cor teria teu céu
e quais as fisionomias
das tuas nuvens?
Mas se tu matares uma serpente
e beijares enlouquecido uma andorinha
certamente
tua manhã será de um júbilo
e de uma alma florida
dentro da tua
que só mesmo o espanto
e a fúria do esquecimento
para enfraquecer o milagre.
o dia todo sem mexer as mãos
nem um sequer piscar de cílios
que cor teria teu céu
e quais as fisionomias
das tuas nuvens?
Mas se tu matares uma serpente
e beijares enlouquecido uma andorinha
certamente
tua manhã será de um júbilo
e de uma alma florida
dentro da tua
que só mesmo o espanto
e a fúria do esquecimento
para enfraquecer o milagre.
velhinhas
As velhinhas me acham bonito.
Meus cabelos grisalhos
e o sinalzinho acima
do lábio direito.
Mas estou cansado de iludir as velhinhas
e empurrá-las da escada só pra que elas
quebrem as pernas ou a bacia
e prostrem-se entediadas.
Eu adoro isto -
alimentá-las na boquinha,
pentear-lhes os cabelos,
perfumá-las a alfazema.
Sim, sou um altíssimo santo maldoso
pois desejo para meu conforto
cuidar das velhinhas
que mesmo deitadas na cama
ou estiradas no sofá ainda que
desdentadas e suadas de apatia
querem-me bem,
acham-me bonito
e têm uma queda
por meus cabelos grisalhos
e pelo sinalzinho acima
do lábio direito.
Sempre ouvi falar em amor
jovial e dilacerante
mas não existe outro
tão rico e palpitante
quanto o que sinto
por minhas velhinhas de sorriso puro
depois de todo o pecado da juventude.
Meus cabelos grisalhos
e o sinalzinho acima
do lábio direito.
Mas estou cansado de iludir as velhinhas
e empurrá-las da escada só pra que elas
quebrem as pernas ou a bacia
e prostrem-se entediadas.
Eu adoro isto -
alimentá-las na boquinha,
pentear-lhes os cabelos,
perfumá-las a alfazema.
Sim, sou um altíssimo santo maldoso
pois desejo para meu conforto
cuidar das velhinhas
que mesmo deitadas na cama
ou estiradas no sofá ainda que
desdentadas e suadas de apatia
querem-me bem,
acham-me bonito
e têm uma queda
por meus cabelos grisalhos
e pelo sinalzinho acima
do lábio direito.
Sempre ouvi falar em amor
jovial e dilacerante
mas não existe outro
tão rico e palpitante
quanto o que sinto
por minhas velhinhas de sorriso puro
depois de todo o pecado da juventude.
bruxas
Só as mulheres deveriam escrever poemas
e os homens escutar com os olhos atentos.
Os homens deveriam cuidar do fogo
e dos bichos ferozes atrás da montanha
enquanto as mulheres no seu dia atarefado
[couro secando ao sol e roupas enxutas no varal]
preparavam versos e não alimentos para seus homens.
Os homens que se mantivessem vivos atrás das montanhas
comendo a carne suculenta do animal ainda quente
e chegando gordos e exaustos a casa
lá estariam as mulheres com seus poemas.
Sentem-se homens tolos e frescos e ouçam os versos
das suas mulheres que além de cuidar do sótão,
da masmorra, da fornalha no quintal
tiveram tempo e delícias
para escrever poemas.
Ouçam bem, homens tolos e frescos
com os olhos atentos do coração
pois não há outra forma
de amar suas mulheres
suas belas e corcundas mulheres
que escrevem poemas fabulosos.
Vão pra montanha depois.
Pra lá das montanhas têm bichos ferozes
cacem e pelem e destrinchem todo o animal.
Comam da carne que é a mesma vossa,
homens tolos e frescos.
Não tentem escrever versos porque
só as mulheres o fazem
com perfeição
e suicídio.
e os homens escutar com os olhos atentos.
Os homens deveriam cuidar do fogo
e dos bichos ferozes atrás da montanha
enquanto as mulheres no seu dia atarefado
[couro secando ao sol e roupas enxutas no varal]
preparavam versos e não alimentos para seus homens.
Os homens que se mantivessem vivos atrás das montanhas
comendo a carne suculenta do animal ainda quente
e chegando gordos e exaustos a casa
lá estariam as mulheres com seus poemas.
Sentem-se homens tolos e frescos e ouçam os versos
das suas mulheres que além de cuidar do sótão,
da masmorra, da fornalha no quintal
tiveram tempo e delícias
para escrever poemas.
Ouçam bem, homens tolos e frescos
com os olhos atentos do coração
pois não há outra forma
de amar suas mulheres
suas belas e corcundas mulheres
que escrevem poemas fabulosos.
Vão pra montanha depois.
Pra lá das montanhas têm bichos ferozes
cacem e pelem e destrinchem todo o animal.
Comam da carne que é a mesma vossa,
homens tolos e frescos.
Não tentem escrever versos porque
só as mulheres o fazem
com perfeição
e suicídio.
uma guitarra melancólica
Ninguém me assombra
ou me causa leve desejo.
Aonde lanço o olhar são os ossos que voam
e se juntam às folhas secas da minha calçada.
O livro posto e esquecido é mais uma costela
sobre a estante criando uma alma de palavras.
Os corais vivem do sangue dos peixes desatentos,
digo eu, dos peixes destemidos que se ferem
e deixam peles das escamas em oferecimento
ao celestial brilho de quem se afoga.
Como eu, baby
como eu agora.
ou me causa leve desejo.
Aonde lanço o olhar são os ossos que voam
e se juntam às folhas secas da minha calçada.
O livro posto e esquecido é mais uma costela
sobre a estante criando uma alma de palavras.
Os corais vivem do sangue dos peixes desatentos,
digo eu, dos peixes destemidos que se ferem
e deixam peles das escamas em oferecimento
ao celestial brilho de quem se afoga.
Como eu, baby
como eu agora.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
mulheres
Quantas mulheres passam por meus olhos
e não me veem a criança doida por chocolate.
Sujar os meus dedos de chocolate
para que os lábios dessas mulheres
deem-me beijinhos
e sorriem mansinho.
Quantas mulheres passam ao meu lado
triscam em minhas mãos e não se sujam.
Mas eu sei que elas ao entrarem no banheiro
percebem um cheiro de almíscar leve e amargo
nos pulsos e elas cheiram os pulsos e não entendem.
Pensam mil coisas
menos em um homem
com os dedos sujos
de chocolate.
e não me veem a criança doida por chocolate.
Sujar os meus dedos de chocolate
para que os lábios dessas mulheres
deem-me beijinhos
e sorriem mansinho.
Quantas mulheres passam ao meu lado
triscam em minhas mãos e não se sujam.
Mas eu sei que elas ao entrarem no banheiro
percebem um cheiro de almíscar leve e amargo
nos pulsos e elas cheiram os pulsos e não entendem.
Pensam mil coisas
menos em um homem
com os dedos sujos
de chocolate.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
o tristonho dos tristonhos
Ai de quem não ama.
De quem não perde a tarde inteira
olhando pro teto e sonhando com aqueles olhos.
Ai de quem não ama e deixa de lado o leite no fogo
e as cuecas há semanas de molho
e o café já frio na estante.
Ai de quem não ama e não remexe as gavetas
à procura de somente uma carta perfumada.
Ai de quem não ama e não dá dois passos de volta
na calçada de uma floricultura embora sem grana
apenas para admirar aquela rosa.
Ai de quem não ama e quando a amada esquece
os chinelos de florezinhas debaixo da cama
o menino homem passa a noite abraçado
e cheirando os pezinhos da santa.
E não há de ser santo o amor.
Espero que um dia não o seja.
Ai de quem não ama e lê um livro
ou ouve um jazz e supõe felicidade.
Ai de quem não ama
e ainda escreve versos
pras andorinhas.
De quem não perde a tarde inteira
olhando pro teto e sonhando com aqueles olhos.
Ai de quem não ama e deixa de lado o leite no fogo
e as cuecas há semanas de molho
e o café já frio na estante.
Ai de quem não ama e não remexe as gavetas
à procura de somente uma carta perfumada.
Ai de quem não ama e não dá dois passos de volta
na calçada de uma floricultura embora sem grana
apenas para admirar aquela rosa.
Ai de quem não ama e quando a amada esquece
os chinelos de florezinhas debaixo da cama
o menino homem passa a noite abraçado
e cheirando os pezinhos da santa.
E não há de ser santo o amor.
Espero que um dia não o seja.
Ai de quem não ama e lê um livro
ou ouve um jazz e supõe felicidade.
Ai de quem não ama
e ainda escreve versos
pras andorinhas.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
compulsivo
O vinho abre a porta do inferno
e eu um diabo manco e caolho
desço as escadas espumando
no canto da boca loucura.
Mas como pode um infortúnio
em uma alma de santo?
Vinde então cruéis carrascos
decepai minha cabeça
e lançai aos porcos.
Doravante andarei apenas com o tronco.
Lúcido e delicado com o coração vivo
na concha das mãos.
E quem beber do meu sangue
beberá da vitória do mendigo
que acordou um rei -
um rei manso
que colhe flores.
e eu um diabo manco e caolho
desço as escadas espumando
no canto da boca loucura.
Mas como pode um infortúnio
em uma alma de santo?
Vinde então cruéis carrascos
decepai minha cabeça
e lançai aos porcos.
Doravante andarei apenas com o tronco.
Lúcido e delicado com o coração vivo
na concha das mãos.
E quem beber do meu sangue
beberá da vitória do mendigo
que acordou um rei -
um rei manso
que colhe flores.
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