quarta-feira, 29 de abril de 2015

O espirro de uma mulher
É igualzinho ao espirro
De uma abelha

Ao abanar asas
E jogar pólen
Em uma flor.

O da minha vizinha
Sem dúvida que é.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Se as batatas que você plantou
Ainda não deram ar da graça
Não culpe os céus,

A falta de chuva
Ou tempestade.

Se as batatas que você plantou
Ainda não criaram raízes,

Olhe pras suas unhas
E veja se brilham
Sujas de terra.
Amanheci o dia sem forças
Nem pra abrir o pote de açúcar.

Mas quero casar. E ter um cãozinho.
As formigas (enfim) fora de questão.

Chega de vida fácil.
Há poemas que não nos deixam levantar da cama
Com mãos de ferro nos seguram os pés como
Adventistas dos últimos dias e a gente

Acaba se acostumando a escrever
Sem lápis e sem papel a repetir
Mil vezes o mesmo grito

E a ouvir o eco
Da nossa voz
Até a morte.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Não ensinei ao meu filho andar de bicicleta.
Mas o seduzi a que escrevesse um poema.
Coisa que o rapazinho fez aos nove.

Paguei-lhe as cinco moedas prometidas.
E o amiguinho da onça nunca mais poetou.

Enquanto a poesia
Não doa a metade
Do seu olho, vivo
Capenga e cego.
Fizeram-me tanto susto
Quando eu era pequeno.
Deixaram-me tantas vezes
Pra trás em corredor escuro.
Que cresci amigo de fantasmas.


Ensinem a esses homens
Que só conhecem o calor
De uma arma,

Ensinem a passar uma tarde
Jogado no sofá namorando.

(Descobrindo
Sinais secretos
Da tesuda amada)

Ensinem a esses homens
Que só conhecem uivos
E gritos de guerra,

Ensinem a sussurrar malandragens
Aos ouvidos de quem se ama.

Vamos lá, andorinhas,
Visitem o coração
Desses loucos.

Eu já morri.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Se eu tivesse um animal de estimação
seria uma gatinha como companhia
e ela amaria brincar com o novelo
dos meus cílios e arranharia
meu rosto com delícia.

Mas só tenho formigas
e todas muito sérias.


Cabides
Tremem
No varal.

Os cabides são magros
Por tremerem no varal
Ou tremem no varal
Os cabides por
Ser magros?
A primeira vez que meu coração parou de bater
Vi uma menina com o seu bambolê na calçada.

Usava meias polainas.
(Dançava jazz a menina)


Curioso, há passarinhos
Que miam na copa das árvores
E penso que é um gato em apuros.

As oitis da minha calçada
Com seus longos galhos
Riem da minha cabeça.

E sussurram ao meu ouvido:
"Passarinhos apaixonados,
Poeta, cantam como se
Ronronassem..."
Pra conversar com crianças
Não precisamos mudar a voz.

Um adulto com voz de neném
Não faz com que a criança
Confie mais ou menos.

"Não mude a voz, garota."
Quase aconselhei a mulher
Que se aproximou da sobrinha.

Mas não ia fechar o livro.
A leitura estava ótima.
A pracinha tranquila.

Deixei a mulher
Com a voz de neném
Conversando com a sua sobrinha
Que pelo que consegui ouvir era aniversariante.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Sempre que o caminhão de lixo
Passa em frente à minha casa
Fecho as janelas e sinto dó.

Como se todas as noites
Eu apunhalasse o motorista
E os seus rapazes da coleta.

Um dia, convido
Para que subam
E bebam café.
Só vou tomar o meu remédio na hora de dormir.
Ontem, tomei muito cedo, acordei em seguida
E fiquei pela casa qual uma barata tonta sem
A mínima noção. Até um couro de bode fui
Tingir na varanda em companhia
Dos meus antepassados.

Há tempos, meu filho,
Que entreguei minha vida
Nas mãos da poesia. Ela que
Dita meus passos, voos e rosto
Amassado no chão. Por isso, sem essa
De contrição barata ou ódio eterno. A poesia
É uma seta de pelicanos cruzando o céu ao amanhecer.

Também uma meia
Largada sobre o pufe.
Depois de uma xícara de café com leite
(Bem quente) caminho até a janela
Pra ver andorinhas ajeitando-se
Entre os galhos das oitis.

Pode ser que o vento frio
Bata no meu rosto e torça
Meu riso pro lado esquerdo.


Se não chegou aí
O presente que enviei
(Duas alianças de prata
Presas aos pés de um pombo)
Então, ele se enganou de casa.

Esses pombos.
Que cheiro de borracha queimada.
Já pegou fogo a minha cabeça?

(Pelo menos uma pira de pensamentos ridículos
Tive o deleite de riscar o primeiro fósforo e atear)

Nunca fui bom dos nervos.
Na infância, tremia desenhando
Casas, montanhas, sol nascendo.

Hoje em dia, jovem senhor,
Tremo escrevendo versos.

Que inveja dos hunos
Com seus arcos e flechas.
As minhas úlceras
Morrem enlouquecidas
Dos intermináveis poemas.

(Nem chegam
A me atacar)

Não lhes ofereço tempo
Que descubram que
Tenho um corpo.
Lembrar-se onde guardou o azeite
É uma vitória incalculável ao poeta
Com Alzheimer perdido na cozinha.

(Agora
É o sal)
Os olhos de quem escreve
Criam uma ponte com as palavras.
Antes que a alma leia, os olhos ardem.

O cansaço é nítido
No princípio do poema.
Ou um fulgor que arrebata.
Você expande seu olhar
Até a montanha, mas
Dentro de você

Que segue a correnteza
Apontando pra nascente.

O olhar que você estira
Até a montanha é só pra
Você ficar quieto em casa.
Os sonhos são tambores
Que ruflam as batidas
Do coração.

[Várias caixinhas de presente
Que guardam nossos suspiros]

E às vezes, a surpresa é
De uma alegria indescritível.
E sequer uma vírgula sonhada
Foi igual (há quem chame de magia)

Uma flor não cai sobre a cabeça
De quem sonha sem que ela
Não a mereça.
Éramos felizes,
Lembras?

A casa morria
De inveja.

E quando passeava
De rosto liso e jovem
O mundo explodia e secava
De infernal e tresloucado ciúme.

Confesso que te amava ainda mais,
Bem mais, muito mais quando tu
Tiravas sangue do canto dos
Meus lábios.

Sei que tu entravas em transe
Ao lamber tua lâmina e sorrir.

Mas eis que é hora da viagem.
Serei monge e a barba crescerá
Até bater no chão e varrer a calçada.

Adeus, meu barbeador.
Cuida-te e vê se não
Te enferrujas à toa
Por aí.

domingo, 19 de abril de 2015

Os meus dentes
Ainda não caíram
Da boca de tantos
Espantos, mas levo
No bolso uma dentadura.

Sabe-se lá o dia
Da Revelação em
Que não precisarei
Mais escrever versos.
Adoro cheiro
De esterco.

(Ao anoitecer
Vendo a lua)

Nietzsche chorou
Ao abraçar um cavalo.

Eu morreria sob prantos
Se abraçasse uma vaca.
A poesia vem antes das coisas.
Convive entre todas as coisas.
Dentro de todas as coisas.

Não faço mais do que o meu ofício
Acalmar minha pressão arterial e concluir
O poema (muitas vezes o poema me aguarda).

Como de um filho
O pai aguarda
Que diminua
O tremor.
A vida é tão boa,
Apesar da bronca
Dos deuses sisudos.

Mas não esquento.
Sou mesmo iconoclasta.
Caso perdido de adorações.

Vemos graças
Se libertos.

As tartarugas em terra firme
Ou no fundo do mar não mudam
Aquele olhar distante - indiferente
Ao tempo e à metafísica das coisas.

As tartarugas foram os primeiros filósofos
Que sacaram que melancolia não é tristeza.

E para viver mais de cem anos
Basta não enlouquecer o passado
Comer folhas, moluscos, plânctons.

"A pressa é mãe
Do incêndio."

Brincam
Entre elas.

Desde quando amo as tartarugas?
Desde Galápagos, creio, só agora
Derrama-se esse amor encantado.

Poeta, pega tua pena
E corta as nuvens
Em fatias

Junta-as em balaios
Ao pé da tua mesa

Que chegou a hora
De fazer origamis
Dobrar tsurus.

Mil tsurus.
Quem já pisou seixos
De um rio abandonado
Nunca perderá a esperança
Das lavadeiras cantando blues.

O mesmo aperto do coração
Quando o céu escurecia

E as nuvens olhavam
Pras roupas secas
Em pequenos
Pingos.
Não tenho mais sangue
Pras muriçocas, agora
Quem bebe das minhas
Artérias são os albatrozes.
O poeta que sou tem as suas necessidades.
Escrever é a única que conheço. As outras
São tomar café e amar as mínimas coisas.
Peter Pan, enfim, desposou Sininho
Cujo padrinho, o capitão Gancho,
Presenteou a noiva com uma
Bolsa de couro de crocodilo.

Capitão Gancho
Agora é um pirata livre

sábado, 18 de abril de 2015

Nasceu um novo sinal
Na minha têmpora,
E eu só descobri

Quando tosei
A ovelha.

É um sinal de coragem desses
Que nos acompanham até a morte.

Não temos obrigação de passar
O dia todo olhando nossos olhos,
Mas temos a chance de não perder
De vista o caminho do nosso coração.
De onde veio essa sua moeda de ouro?
Se caiu do céu ou por um caminho fácil,
Então o que você edificar será um reino
De mentiras. Mas, se plantar um sonho
E vender no mercado os botões de lírios
Terá na mão uma moeda de ouro valiosa.

O monstro conviverá conosco
Até o último dia e último suspiro.

Você nunca se cansou da poesia,
A poesia nunca lhe deu as costas.

A relação de vocês sempre foi olho no olho,
Lâmina no pulso, risos cínicos de puro desespero.

Vocês se merecem por uma vida longa e festiva.
E a morte não separa o que os deuses cobiçam.
À medida que escrevo,
Corto o mal de mim.

Não há asas
Mas houve
Um corpo.

Corto o mal,
Corto o bem.

Fica o humano
Sem máculas
E estigmas.

Apenas o coração
Aponta o caminho.
Não fui mais feliz
Cantando versos
Pra uma mulher

Do que sou cantando
Para as minhas coisas.

Pra uma mulher
Havia a loucura
Do ciúme.

Pras minhas coisas
Só há o silêncio
Dos objetos.

Que coisa mais meiga
A minha xícara branca
Dentro a colherinha inox.

Um casal perfeito
Que o açucareiro
Teima em separar.

E não mede esforços
Em lançar da mesa
Seus flertes

Pra menina xícara
De tez enrubescida.
Não é mistério
Que por vezes
Deus esquece
A janela aberta
E nos convida
À sua intimidade.

Não foi outra força
Que me trouxe nem
Que me toca as mãos.

Quase lá,
Todos têm
Ainda medo.
Criança nasceu
Para envelhecer
E voltar pra casa.

Como nasceram os passarinhos
Que morrem velhinhos (os ossos
Somem entre nuvens as nuvens
Escurecem e chove penas).

O que chega à minha janela
Deve ter uns mil anos e ainda
Não virou chuva na minha calçada.
Conheça como caminha o seu coração pelo seu corpo.
Quais as sensações que o fazem queimar de coragem.
Se forem sensações rasteiras de crápula não conceda.
O crescimento humano do poeta é seguir seu coração.
Saber distinguir sua canalhice como membro do reino
Do seu caráter poético assustador que o leva ao vazio.
Não há salvação em minhas mãos na hora da escrita.
Mas reconheço que em outro mundo palavras vivem.
Vivem como palavras, embora não gostem do nome.
As palavras (entre elas) são pessoas de carne e ossos.
Enquanto em uma mesa de baralho
Todas as armas brilham sobre a mesa,
Na feitura do poema os punhais se afiam
Só depois muito tempo depois do fim do jogo.
Quando um facho de fogo
Cair das suas mãos, não
Pegue, só afaste os pés
Pra não se queimar.

O impulso de sobrevivência
É patético para quem observa
Do alto sem delicadeza alguma.

O meu deus ao gargalhar
Dá-me vontade de prender-lhe
A barba dentro de um garrafão de vinho.

E lançar em alto mar
O meu poema de náufrago.
A moça não disse uma palavra
Sobre a sua idade e nem
Onde aprendeu a ser
Uma mulher.

Encostou-me contra
A mesa redonda
De vidro

Ajoelhou-se
Diante do zíper
Do meu bermudão

E fez sinal com o dedo
(Encostado aos lábios)
Que eu fizesse silêncio.

Havia prendido
Os cabelos
No fecho
Ecler.
Uma nuvem pesada
Quando paira sobre
Os ombros largos
De um passarinho

A criaturinha só voa pra
Não Parecer arrogante
Com a tempestade.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Pela milésima vez,
Subo ao penhasco

E com um pé
Na ponta do abismo
Peço ao bom deus que
Não me poupe dos anjos.

Mas que me envie anjos
Autênticos e inteligentes.

Com menos sede
De inúteis batalhas.