segunda-feira, 13 de julho de 2015

É preciso muito cuidado
Em operar um coração
Ainda firme entre
Costelas.

Os lábios cantando em voz baixa um blues
Ajuda a dar os pontos e trazer de volta o risco.

O penhasco é uma bela vista
Pra quem sabe que lá no abismo
Existem ninhos de pássaros raros.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Não beberei um copo de água com açúcar.
Conheça de perto os meus soluços, baby.

São eles que me dão força
Para esticar a linha do telefone
De caixas de fósforos e falar contigo.

Tem assassino de filme
Que chupa e beija a bala
Antes de encaixá-la no tambor
E apertar o gatilho na direção certa.

Às vezes, chupo e beijo
Mais de uma palavra
E aperto o gatilho.

A direção segue
O meu peito.

Vivo de favor na casa da poesia.
Ela me dá o de comer e o de beber.
E eu dou em troca toda a minha alma.

Se não existe alma,
Ofereço o coração.

Mas se o coração só um músculo sanguíneo,
Então a minha vida é completamente em vão.

Um dia Quintana cansou
E mandou ver a mão
Nos seus sapatos
Da janela

Que caíram
Na calçada
Sobre um
Pombo.

Quintana nunca soube
Que matou um pombo.


Amanhã planto uma rosa.
Hoje, bebo um espinho.
Sem perder elegância.

Se não gosta de um poeta
Quebre o nariz do cara
E ofereça o seu.

Um coração inteiro
Com toda a sua loucura
É mais generoso que partido
Em laços de ternura e cinismo.

Ousar dividir a névoa do chumbo
Com uma lâmina de espátula pra bolo
Causa-me vergonha a vergonha dos outros.

O meu tornozelo suporta
Veneno de cobra, escorpiões
E flechas de semideuses pagãos.

Manda.

Já escrevi em quase todo tipo de papel:
De embrulhar pães, de caixa de sapatos,
Caixa de cervejas, caixa de geladeira nova,
Em papel de presente, guardanapo e contracapa
De livrinho de sétimo dia. Pra cada textura uma letra
Específica, como um pingo de chuva nas costas de elefante,
Um pingo de chuva na areia e um pingo de chuva na vidraça.
Se pegar na arma para escrever
Tenha estômago e encare
A primeira palavra
Como vício.

Não terá fim.
Recebi um cartãozinho de Mãe Salomé
(Cartas, tarô, búzios). Não rasguei
E joguei na rua, tenho educação.

Tiro agora do bolso e penso em ligar pra saber
Se os meus oráculos batem com o mesmo destino
Que a Mãe Salomé prevê pra este poeta apaixonado.

Confesso, antes eu pensava
Que era uma nota de cinquenta.

A poesia me revela
Cada ruga, o corte
Do queixo, sinal
Da boca.

O paspalho que sou
E o samurai que dança
Com sapatilhas douradas.

Se não for poesia que grita
Arrancando-lhe o coração
Aquiete-se, homem.

O seu signo já foi velado.
E a fantasia humana arrasta
Sobre os ombros o seu sepulcro.

Retorne pra sua caverna
E faça seu fogo sozinho.

Sagrado é o silêncio
Pela clareza do silêncio.

Mas eu quero
É barulho!


Uma mulher sempre guarda
Um sinal e raladura de infância
Para o seu novo e querido bem.

Basta que este se entregue
Com as pontas dos dedos
Pelo corpo da amada
Em carinhos
E febre.

Só depois, muito tempo depois,
Adentre e visite-lhe o coração.

O meu filho tem o cheiro forte igual ao pai.
Embora não goste de poesia, ao passar
Pelas árvores da calçada

Os passarinhos inspiram profundamente
E suspiram virando os olhinhos e asas.

O meu filho largadão na cama.
Virou a noite papeando.
Tá mortinho.

O poeta não conhecia felicidade
Passou então a conhecê-la durante
Os cinco dias em sua lépida companhia.

A propósito, eu te falei do mais delicioso suco
Que já bebi em toda a minha vida? Abacaxi
Com hortelã preparado por suas mãos
De treze anos.

Mas o rapazinho tem de acordar.
Ou não comprarei os jogos do Xbox.
(A sua mãe depositou a grana desde ontem)

Não tenho noção.
Sei que preciso pegar
Alguma coisa com febre.

E minhas mãos correm pela casa
Tateando lembranças da minha infância.

A madeira do baú antigo da minha vó
Por muito tempo a minha segunda pele.

Cortei os dedos na dobradiça
Naquele dia de espantos.

E pingou sangue
Dentro do tesouro:
Crucifixos, orações,
Lenços, xícaras, moedas.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Você me vê na rua jogado
Saco de batatas podre
E me chuta.

E me chuta, me chuta, me chuta,
Até que meus olhos sorriem.

Não gosto quando meus olhos
Sorriem pro céu, imagino
Nessas horas da noite
Que cairá um anjo.

Um ancestral louco
Que um dia me amou.

Caso a minha poesia não a enlouqueça,
Não haverá graça. Mas agora é pessoal:
Farei de você a mulher mais louca e feliz.

Você colherá as maçãs do condado
De tiara, nua, tocando flauta e doida.

Recitando o burguês de Florença
Pros ratos dos caixotes de viagem.

Em noites de grande vazio
O melhor abraço é o que sangra.

Fiz a minha escolha
E não beberei chá
De cianeto.

Seria muita desgraça
Não cumprir o último
Pedido das palavras.

Sem pio,
Sem ruído.
Se não fosse a poesia
Viveria esfaqueando
Os travesseiros.

Ora, mas você esfaqueia.
Ou você pensa que esses rasgões
Brincadeira de criança sozinha em casa?

Panaca, disse-me o monstro do peito.
E eu passei o dia pensando por que
Não lhe meti bala. Lembrei que ele
Adora me tirar do sério.

Entrei no saloon,
Pedi um uísque
E o velho John
Trouxe-me

Uma dançarina
Francesa.

Subi a escada de madeira em espiral.
E antes de chegar à porta uma bala
Rasgou o papel parede belle époque.

Quando a solidão bate, olho para minha xícara branca
Com ares de romance e bebo o café em goles tórridos.

Não dou chance
Que os lábios
Sequem.

Cruzaste as pernas de propósito
Sabendo que da minha casa
Posso tocá-la.

E os meus cílios voaram
Para entre as tuas coxas.

Fiz experiências com brotinhos de feijão na infância.
E nunca mais esqueci minha professora de Ciências.

Aqueles olhos de mel e o batom de cereja
Incentivaram-me a ser um aluno sonhador.

Dom Quixote nasceu
De uma aula de Ciências.

Vai saber o que se passa
No coração de  um monge
Enquanto caminha pela trilha
E só vê joaninhas e passarinhos.

Mas eu não duvido do coração
Do poeta de bermudão a cortar
As unhas dos pés e vendo subir

A construção do esqueleto
Do prédio em frente ao meu.

Aqueles operários podem pular dos andaimes.
Já assisti em um filme almas desejando o chão.

E o bardo miserável de contos de fábula
Junta as moedas encantadas da parede.

(Às vezes, os meus fantasmas exageram
Em esconder as moedas entre as rachaduras)

Natural que eu sonhe em tê-la velhinha
Arrastando chinelos e eu com as mãos
Trêmulas ainda bebendo o meu café.

Natural que eu a veja encurvada sobre
O parapeito da varanda tentando pegar
Uma folha ou um plástico trazidos pelo
Vento atrapalhando a nossa tenra horta.

Natural que a poesia tenha esse poder
De adoçar as nossas vistas em torno
Das íris com necroses e calcificação.

Natural que eu sorria e os meus dentes
Caiam dentro do bolso do teu robe de cetim.

Acordei cedinho com as galinhas
Só pra dar bom dia ao meu amor.

Que não é galinha
Nem passarinhos.

É uma mulher
Que adora vestidos
E que eu adoro tirá-los.

(Com os dentes)

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O poema definitivo não existe.
O que faço é tricotar e desmanchar o bordado
Da colcha (pelas mãos de uma mulher olhando o mar).

Não dá pra distinguir
Os cristais de açúcar
Do vidro do armário
Que foi triturado
Com a queda.

Benzo o açucareiro
E adoço o meu café.
A sorte está lançada.

Conheci uma menininha
Que lia o que lhe caísse
Nas mãos.

Até parecia com aquela outra niña
Que roubava livros dos alemães.
Tinha as mesmas tranças.

Um dia uma folha de oiti trazida pelo vento
Pousou sobre o seu colo e a menininha
Tomou um susto: um verso
De Neruda.

Menininha olhou encantada pra janela
E lá estava uma gaivota de Isla Negra
Com o bico sujo de guache e de peixe.

Conheço os meus suspiros
Como conhecem seus pés
Os pombos sobre os fios
De alta tensão.

O choque não mata
Ainda que parta
Costelas.

Estive pensando, baby,
Nesse acidente doméstico
De há pouco: se o vidro do armário
Tivesse inclinado coisa de poucos milímetros
Cortaria meu braço e sabe-se lá quantas artérias.

Sequer chegaria ao portão do prédio com vida.
E amanhã estaria dentro de um caixão bacana.

Quem escreveria os poemas
Que ainda me queimam a alma?

Um dia pensei que mesmo morto
Escreveria com mãos solícitas
De alguns bons espíritos.

Mas, neste momento, só penso
Que o fim existe e não levo
Dor nem fúria.

Às vezes, em manhãs de chuva e sol,
Dou uma de alquimista e elaboro
Algumas fragrâncias.

Experimentei há pouco
(Também sou cobaia)
Um sabonete asas
De passarinho.

O perfume é muito especial.
Coisa de minutos, meu coração mudou
E já vou pra varanda ver como se comportam
As andorinhas das árvores de oiti da minha calçada.

O meu tio Pedim
Tinha na sala de estudos
Uma infinidade de gaiolas
Com mil passarinhos presos.

Era difícil me concentrar
No ditado e nas contas
Ouvindo aquela alegria.

E viajava refletindo sobre
A felicidade dos passarinhos
Trancafiados em jaulas de arame.

Não fui eu quem envenenou com coca-cola a graúna.
Mas a partir da sua morte, meu tio Pedim perdeu as forças.
E em uma bela tarde de sexta-feira soltou todos os mil passarinhos.

A sala de estudos passou a me causar calafrios
Com a infinidade de gaiolas vazias e tristes.

Andei, então, a refletir
Sobre a solidão eterna
Do meu peito de criança.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Não leio poesia,
Guardo-a dentro
Dos travesseiros.

E é uma briga ferrenha
Entre os meus cabelos brancos,
Penas de passarinhos e as folhas de oiti.

Com aleijados e drogados de esquina
Que troco de figurinhas e jogo baralho.

Nunca ouvi um uirapuru cantando
Mas se dizem que o seu canto é sagrado
Quem sou eu e que força têm os meus ouvidos
Para negar o encanto de quem acorda com sorte.

A porta que hoje derrubo
Amanhã posso consertá-la
Enfiando algodões
Dentro da fechadura.

Baby, não há mal em dar voltas
Em torno da fogueira apagada.

A chuva caiu mais cedo
E novas flores cumpriram
O último pacto do jardineiro.

O senhor de chapéu mordido nas pontas
Não irá pra forca faminto e sem esperança.

Sou daquelas viúvas
Que vivem na janela.

Olhando a rua com saudades.
Não do amor, mas da infância.

Pra viúvas dessa melancolia
O que acalma é a tempestade.

O frio, a gripe, 
As cobertas.

Enquanto a carruagem conduzida por caballos selvagens
O barulho dos cascos faiscando nas pedras-sabão
Só me lembra as sibilas.

O poeta que sou
Amante delas.

Meu corpo demorará horas a fio
Sobre o teu corpo e o teu uma
Eternidade a galopes sobre
O meu.

Será bom pros nossos corações
Esse cheiro de especiarias.

Sou péssimo com coisas terrenas,
Até trocar lâmpadas já não consigo.

As mariposas que fazem
Esse servicinho doméstico.

Voam em círculos afrouxando
A lâmpada queimada do bocal.

E eu a esperar (apático)
Que caia em minhas mãos.

Pra capturar uma sereia em alto mar
Com o fogo da lua clareando o rosto
Canto um blues usando uma concha.

E peço aos golfinhos das redondezas
Que me ajudem com as suas lágrimas.


Dos amores que cultivo
O teu sorriso nasceu
Pra me acalmar
As mãos

Todas as manhãs
Trêmulas por palavras.

Meu gesto mais simples
Será tocar teus ombros
Escrever alguns versos

Deslizando-se
Por tua nuca.

(Deixar minhas mãos
Seguirem em paz
A tua viagem)

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Se não bebo uma xícara de café  
O meu santo se queixa. 

O meu santo é um filósofo
Que adquiriu o hábito
De beber café 

Em minha casa
(Que não é a sua)

Ele só baixa
Ao entardecer.

Bebe uma xícara de café
Caminha até a janela 
Olha a rua 

Recebe uma brisa no rosto
Entorta a boca e parte.

Todos os dias
Um pai de família
Com seu paletó de linho
E chapéu preto passava pela padaria
E comprava os pães, na leiteria o seu leite
E na farmácia os comprimidos pra dor de cabeça.

No fim da rua,
Em casarão antigo
Caindo aos pedaços

O pai de família
Pegava poesia
O tanto que
Sonhasse.

Encontrou uma tabuleta:
"Hoje não há versos."

O pai de família olhou pra suas mãos
E viu que dentro da sacola ainda estavam lá
Os pães, o leite e os comprimidos pra sua dor de cabeça.

"Tudo bem, então,
Está tudo bem."

(Mas por que aquele
Buraco no seu peito?)

domingo, 5 de julho de 2015

Havia um coração dentro do relógio de bolso do meu avô.
E sempre que o outro coração batia mais forte
Meu avô olhava as horas e sabe-se lá
O seu pensamento.

Desconfiava meu avô
Que morreria dormindo?

Como seria fácil ser feliz e andar de skate
Se eu fosse o meu filho. Mas sou duro
E pesado.

O vento só serve
Pra enxugar-me
Os cílios.

Pegue o seu alforje,
Guarde os últimos versos,
Caia fora do quarto dos fundos.

Olhe pra suas botas
Com o amor das calçadas.

Enlouqueça
Dançando sobre
As poças de chuva.


Aquelas rosas já foram pro lixo.
Mas fiz o meu papel: troquei
De água, cheirei pétalas,
Até procurei espinhos.

Agora, o jarro de vidro
Sobre a mesinha da sala
Atrai os besouros de chuva.

(Não muda
O encanto)

Chove em nossa cidade
E o poeta aproveita

As ondas do meio-fio
A enviar-lhe poemas e  poemas
Em forma de barquinhos de papel.

Quanto aos soldadinhos de chumbo
Fugiram todos apavorados com a possibilidade
Do horror da escuridão dentro da barriga do peixe.

Covardes,
Eu topo.

sábado, 4 de julho de 2015

Há quanto tempo, poeta, tu guardas
Neste teu coração florido de orquídeas
O amor que se chama efêmero deslumbre.

E tu cultivas
Crias em torno de ti
Uma aura de espantos.

A cada palavra que sangra tuas mãos
Outro sentimento se refaz do silêncio.

Isso, poeta,
Não poderás
Confessar nunca.

Nós que somos tuas outras mulheres
Não compreendemos esse outro silêncio.