sexta-feira, 19 de outubro de 2012

epitáfio difuso

Te escrevo logo cedo estas linhas
porque não quero compromisso
depois que estiver fora
de circulação.

Não me perguntes onde amarrarei meu cavalo.
De qual montanha soltarei minha pipa.
Em qual cemitério de vilarejo
esconderei o tesouro.

Importante que tu saibas que cumpri com minhas obrigações
do dia de ontem - cuecas, meias, bermudão e camisetas lavadas.
Os livros da estante não organizei, pois só hoje vejo que tenho poucos.
A maioria vendi para comprar meu ópio ou para sair e jantar com mulheres.

Não tenho a mínima ideia do que será feito do meu corpo
sem a água que eu bebia das conchas de tuas mãos
nem da minha alma distante dos teus suspiros.

De maneira que pode me assolar um vento frio
e queimar meus ossos ou cair sobre a cabeça
uma estrela infeliz já gasta pelo tempo.

Não te apavores, eu te escrevo logo cedo estas linhas
apenas para que com o meu sumiço não me venhas
procurar em delegacias, hospícios e necrotérios.

Lembra-te que os poetas quando fogem de casa
não existe outro destino que não seja
a mendicância a portas de igrejas
ou de bares.

Tem uma igreja barroca no fim da rua
e logo em frente um botequim
de fachada clássica.

Estarei por lá,
acredito eu.

Um comentário:

  1. Leio-te logo cedo para que o dia não seja prosaico, para sonhar com poetas na porta da igreja, para poder ficar imaginando esse seu universo poético, interior, que é sempre surpreendente. E surpreender é um verbo quase em desuso.
    Beijos de bom dia! :-)

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