Cansado de lenga-lenga
em vez de esmurrar paredes
beijo cada dedo da minha mão.
Beijo com tanto fervor
que os outros dedos
da mão esquerda
fogem pela casa.
Será uma loucura
encontrá-los debaixo
da geladeira e dos jarros
das plantinhas da varanda.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
louvores ao vazio
Se pensar muito
vai congelar aí
em cima -
ao abismo é natural
o voo e o precipício.
Só peço que caia atento
e se possível leve ao poço
ao fundo do poço orquídeas.
Dizem os monstros do subterrâneo
que as orquídeas do abismo
são as mais belas
do mundo.
Do meu mundo, e não do seu -
você morreu quando não pulou.
vai congelar aí
em cima -
ao abismo é natural
o voo e o precipício.
Só peço que caia atento
e se possível leve ao poço
ao fundo do poço orquídeas.
Dizem os monstros do subterrâneo
que as orquídeas do abismo
são as mais belas
do mundo.
Do meu mundo, e não do seu -
você morreu quando não pulou.
noviço
Depois do poema,
caminho pensando
como será nosso
próximo filho -
se terá asa de xícara
ou toalha florida
de mesa.
Aprendi a girar a aliança,
conforme meus sonhos -
um dia o dedo cai
e eu troco de noiva.
a fábula do abismo
Um bichano deitado na poltrona
observava pequenos besouros
de encontro à lâmpada.
Chocavam-se os besouros contra
a fluorescente e tombavam
ao seu alcance.
O bichano pegava-os pela língua
e experimentava aquela iguaria
de besouros eletrocutados.
Um besouro ainda vivo
olhou bem nos olhos
do bichano -
"Não lhe basta
nossa agonia
e morte?"
O bichano se pôs de quatro patas.
Investigou o besouro moribundo.
"Isso que não entendo -
por que vocês são
suicidas?"
O besouro antes de dar o último suspiro
e ser devorado pelo bichano sorriu
cínico.
"Da nossa paixão pela luz,
meu caro, tu nunca saberás..."
O bichano abocanhou o besouro -
mastigava-o calmamente
enquanto refletia.
"Paixão pela luz?,
esses besouros
são loucos..."
E voltou a deitar-se na poltrona
esperando que caíssem mais perto.
observava pequenos besouros
de encontro à lâmpada.
Chocavam-se os besouros contra
a fluorescente e tombavam
ao seu alcance.
O bichano pegava-os pela língua
e experimentava aquela iguaria
de besouros eletrocutados.
Um besouro ainda vivo
olhou bem nos olhos
do bichano -
"Não lhe basta
nossa agonia
e morte?"
O bichano se pôs de quatro patas.
Investigou o besouro moribundo.
"Isso que não entendo -
por que vocês são
suicidas?"
O besouro antes de dar o último suspiro
e ser devorado pelo bichano sorriu
cínico.
"Da nossa paixão pela luz,
meu caro, tu nunca saberás..."
O bichano abocanhou o besouro -
mastigava-o calmamente
enquanto refletia.
"Paixão pela luz?,
esses besouros
são loucos..."
E voltou a deitar-se na poltrona
esperando que caíssem mais perto.
transgressões
Que raios de loucura
é essa que não foge
das minhas mãos?
Conversei com os meus objetos
e expliquei-lhes que não é normal
tanto amor explodindo o meu peito.
A xícara branca de leite
com a colherinha dentro
permanece irônica e feliz.
O que eu posso dizer
da felicidade dela
senão amá-la?
As botas vivem exaustas do vazio
e da poeira debaixo da escrivaninha.
"Um dia retornaremos às calçadas",
tento persuadi-las às novas aventuras.
Mas elas sabem [e eu também]
que o tempo outrora não volta.
A estante de ferro
o que mais faz
de saudável
é segurar meu guarda-chuva
com um ar altivo e esnobe.
Do quarto apenas suponho
que a cafeteira desligada
sonha com o açucareiro.
Esse idílio
é eterno.
é essa que não foge
das minhas mãos?
Conversei com os meus objetos
e expliquei-lhes que não é normal
tanto amor explodindo o meu peito.
A xícara branca de leite
com a colherinha dentro
permanece irônica e feliz.
O que eu posso dizer
da felicidade dela
senão amá-la?
As botas vivem exaustas do vazio
e da poeira debaixo da escrivaninha.
"Um dia retornaremos às calçadas",
tento persuadi-las às novas aventuras.
Mas elas sabem [e eu também]
que o tempo outrora não volta.
A estante de ferro
o que mais faz
de saudável
é segurar meu guarda-chuva
com um ar altivo e esnobe.
Do quarto apenas suponho
que a cafeteira desligada
sonha com o açucareiro.
Esse idílio
é eterno.
das magias
São oito os jarrozinhos de cactos
sobre o parapeito da janela
da vizinha.
Ela não sabe, mas já faz um tempinho
que os seus cactos são meus amigos
e confidentes -
vivem me entregando o jogo
do seu coração e pensamentos.
sobre o parapeito da janela
da vizinha.
Ela não sabe, mas já faz um tempinho
que os seus cactos são meus amigos
e confidentes -
vivem me entregando o jogo
do seu coração e pensamentos.
pecados de um samurai
Juro a mim mesmo
que nunca mais comerei
coraçõezinhos de galinha.
De madrugada pesadelos
com os senhores galos
enciumados
e tristes.
E não me ouvem
dizer que só era
divertimento
de um rei
solitário.
que nunca mais comerei
coraçõezinhos de galinha.
De madrugada pesadelos
com os senhores galos
enciumados
e tristes.
E não me ouvem
dizer que só era
divertimento
de um rei
solitário.
meditação
Pegue a tesoura de jardineiro
e o regador e vá tratar
do seu jardim,
pois já me amedrontam
tantas pragas e ervas
daninhas.
Compreenda o que os seus olhos falam
não olhando para o espelho, mas
com eles fechados
em profundo
silêncio -
a força que move as suas pernas
não é sua e nem deste mundo,
assim como não é deste reino
a canção que se ouve
do seu peito.
e o regador e vá tratar
do seu jardim,
pois já me amedrontam
tantas pragas e ervas
daninhas.
Compreenda o que os seus olhos falam
não olhando para o espelho, mas
com eles fechados
em profundo
silêncio -
a força que move as suas pernas
não é sua e nem deste mundo,
assim como não é deste reino
a canção que se ouve
do seu peito.
liberdade
O amor não tem um alvo.
O amor adormece de olhos bem abertos
vendo tudo que se passa próximo e distante.
E se o amor gosta do que vê -
então se levanta, vai até o coração
e a voz suave ordena que se faça luz.
E a vida brilha como agora brilham
as folhas verdes da oiticica
de minha calçada.
O amor adormece de olhos bem abertos
vendo tudo que se passa próximo e distante.
E se o amor gosta do que vê -
então se levanta, vai até o coração
e a voz suave ordena que se faça luz.
E a vida brilha como agora brilham
as folhas verdes da oiticica
de minha calçada.
caolho e manco
Se você acredita no meu amor,
deixe-me antes beber meu café.
Não acredite, senhora,
sou um canalha e o idílio
é a minha natural postura.
Dos sonhos tão singelos
tenho apenas uma ambição:
escrever poemas
até que a mão
caia de lepra.
Quem sabe então
um sujeito comum
sem mãos de poeta
eu acredite no encanto.
Mas por enquanto,
minha senhora,
sou patife
e o meu flerte descarado
é apenas um truque
de amar o fardo
da vida.
deixe-me antes beber meu café.
Não acredite, senhora,
sou um canalha e o idílio
é a minha natural postura.
Dos sonhos tão singelos
tenho apenas uma ambição:
escrever poemas
até que a mão
caia de lepra.
Quem sabe então
um sujeito comum
sem mãos de poeta
eu acredite no encanto.
Mas por enquanto,
minha senhora,
sou patife
e o meu flerte descarado
é apenas um truque
de amar o fardo
da vida.
razões para ter bons sonhos
Se apagarem a luz
do teu quarto,
dorme debaixo
da cama -
estarei lá te esperando
com uma lanterna
na mão
pra gente ler poemas
de Quintana e Rimbaud.
do teu quarto,
dorme debaixo
da cama -
estarei lá te esperando
com uma lanterna
na mão
pra gente ler poemas
de Quintana e Rimbaud.
a sincera ilusão dos cegos
O sonho, o encanto e o amor
são três atributos inventados
pelos lunáticos trovadores
que não tinham espada
para rasgar o ventre.
Como eu tenho uma adaga antiga
agora mesmo me ajoelho
e passo a lâmina
dividindo o coração
em dois poemas.
Um haicai para os loucos.
Uma elegia para os santos.
são três atributos inventados
pelos lunáticos trovadores
que não tinham espada
para rasgar o ventre.
Como eu tenho uma adaga antiga
agora mesmo me ajoelho
e passo a lâmina
dividindo o coração
em dois poemas.
Um haicai para os loucos.
Uma elegia para os santos.
domingo, 15 de setembro de 2013
ratoeiras
Há neste mundo
de ratos e homens
dois tipos de armadilhas.
A primeira o rato é pego
com a boca ao alcance
do queijo.
A segunda o homem
que é preso pelo perfume
da mulher que sai do banho.
Entre ratos e homens o mesmo destino -
o rato morto pela gula e o homem
pela paixão.
de ratos e homens
dois tipos de armadilhas.
A primeira o rato é pego
com a boca ao alcance
do queijo.
A segunda o homem
que é preso pelo perfume
da mulher que sai do banho.
Entre ratos e homens o mesmo destino -
o rato morto pela gula e o homem
pela paixão.
abismo florido
De tanto idílio com as cerâmicas da cozinha
a minha xícara pulou da mesa
e espatifou-se
feliz da vida escondendo os cacos
de porcelana pelos cantos da casa.
E eu que presumia
amor eterno.
Os poetas, meu bem,
nada sabem do que se passa
nas asas das suas silenciosas xícaras.
a minha xícara pulou da mesa
e espatifou-se
feliz da vida escondendo os cacos
de porcelana pelos cantos da casa.
E eu que presumia
amor eterno.
Os poetas, meu bem,
nada sabem do que se passa
nas asas das suas silenciosas xícaras.
dos encantos
Ao descer a escada
pensativo e bobo
com os sacos
de lixo
desperta-se no meu coração
um singular instante
em que ele
olha bem os meus olhos
e sabe o que acontece
dentro da alma.
E dentro da minha alma
a única verdade que imagino
é que o sol não queima as orquídeas.
pensativo e bobo
com os sacos
de lixo
desperta-se no meu coração
um singular instante
em que ele
olha bem os meus olhos
e sabe o que acontece
dentro da alma.
E dentro da minha alma
a única verdade que imagino
é que o sol não queima as orquídeas.
bicos e dentes
Deve ser a construção ao lado
que afugentou os pássaros
da minha janela.
Deles sinto falta
como nunca antes
senti de alguma coisa -
exceto da perda
dos primeiros dentes.
E caíram todos no sonho.
Eram apenas dois
da frente.
A fada dos dentes
é uma sádica.
Que raios de dentes!
Não são importantes.
Mas os pássaros
que sumiram da minha janela -
sim, o motivo da minha desgraça.
E se hoje não os vejo
lembro-me apenas
dos seus bicos
batendo contra os galhos da oiticica
para em seguida martelar a grade
do muro do vizinho.
Se tivesse bico
não seria poeta
seria passarinho.
Mas tenho dentes
borrados de café.
que afugentou os pássaros
da minha janela.
Deles sinto falta
como nunca antes
senti de alguma coisa -
exceto da perda
dos primeiros dentes.
E caíram todos no sonho.
Eram apenas dois
da frente.
A fada dos dentes
é uma sádica.
Que raios de dentes!
Não são importantes.
Mas os pássaros
que sumiram da minha janela -
sim, o motivo da minha desgraça.
E se hoje não os vejo
lembro-me apenas
dos seus bicos
batendo contra os galhos da oiticica
para em seguida martelar a grade
do muro do vizinho.
Se tivesse bico
não seria poeta
seria passarinho.
Mas tenho dentes
borrados de café.
sábado, 14 de setembro de 2013
lonjuras
Escrever cartas de amor
é um exercício de encanto,
mesmo que não exista uma amada
encostada ao portão do jardim.
Mesmo que não exista rua
e árvores nas calçadas.
Mesmo que o carteiro
tenha morrido de infarto.
Mesmo que a sua mão
já não se lembre
das sombras dos dedos
iludindo a palidez
do papel.
é um exercício de encanto,
mesmo que não exista uma amada
encostada ao portão do jardim.
Mesmo que não exista rua
e árvores nas calçadas.
Mesmo que o carteiro
tenha morrido de infarto.
Mesmo que a sua mão
já não se lembre
das sombras dos dedos
iludindo a palidez
do papel.
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
língua bifurcada
A serpente cínica que louva
o seu inútil veneno parece
não entender que sangue
de poetas
é um sangue
em que borbulham
só os venenos dos versos.
Quem morre
é quem não entende
que a poesia não tem princípios
senão o de rodopios dentro da gente.
A escolha foi minha
ser paralítico
e viver
rastejando pela casa
a lamber as pegadas
das minhas formigas.
Não me interessa a morte
sem a ilusão e o peso
da poesia.
o seu inútil veneno parece
não entender que sangue
de poetas
é um sangue
em que borbulham
só os venenos dos versos.
Quem morre
é quem não entende
que a poesia não tem princípios
senão o de rodopios dentro da gente.
A escolha foi minha
ser paralítico
e viver
rastejando pela casa
a lamber as pegadas
das minhas formigas.
Não me interessa a morte
sem a ilusão e o peso
da poesia.
os primeiros românticos
O poeta está fadado
a ouvir até a morte
o coração
da amada -
as costelas do poeta
sempre foram encaixe
dos mistérios da mulher.
a ouvir até a morte
o coração
da amada -
as costelas do poeta
sempre foram encaixe
dos mistérios da mulher.
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
nuvens
Se quisesse encanto,
eu beberia teu vinho -
queima primeiro a tua alma
com a melancolia do poeta.
Só depois que me tragas teus pés
que eu pinto de lilás as tuas unhas.
eu beberia teu vinho -
queima primeiro a tua alma
com a melancolia do poeta.
Só depois que me tragas teus pés
que eu pinto de lilás as tuas unhas.
os arrebóis de Gogh
O que tu fazes,
meu amor, quando
o peito arde e os cílios caem?
No meu caso
escrevo um poema
e bebo uma xícara de café.
E tu, meu amor,
cantas um blues?
meu amor, quando
o peito arde e os cílios caem?
No meu caso
escrevo um poema
e bebo uma xícara de café.
E tu, meu amor,
cantas um blues?
fortuna
Quando aprendemos a andar trôpegos
quem nos vê do alto (os pássaros)
imaginam que somos deuses
e nos seguem o caminho
sob o inconfundível
zigue-zague
daquele que leva
na palma da mão
um coração louco.
quem nos vê do alto (os pássaros)
imaginam que somos deuses
e nos seguem o caminho
sob o inconfundível
zigue-zague
daquele que leva
na palma da mão
um coração louco.
além da sobrevivência
O grande amor
de uma baratinha francesa
é um escorpião que escreve versos.
E passeiam eles de bicicleta
pelas cerâmicas da cozinha.
de uma baratinha francesa
é um escorpião que escreve versos.
E passeiam eles de bicicleta
pelas cerâmicas da cozinha.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
cúmplice de fadinhas
Creio que há poemas
que seguem o caminho
do coração de alguém
sem que o poeta diga.
Este poema com minhas botas
caminha na direção da sua casa.
Sei que é tarde da noite
você cansada
dorme.
Mas não é o poeta -
é o poema e ele vai
com a minha alma.
que seguem o caminho
do coração de alguém
sem que o poeta diga.
Este poema com minhas botas
caminha na direção da sua casa.
Sei que é tarde da noite
você cansada
dorme.
Mas não é o poeta -
é o poema e ele vai
com a minha alma.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
troca de dádivas
Ao encher o copo de água
duas sementes de maçã,
ao acaso, do fundo
boiaram -
pensei comigo
e sorri:
"é uma bela resposta de Deus
ao meu delirante amor pela vida."
duas sementes de maçã,
ao acaso, do fundo
boiaram -
pensei comigo
e sorri:
"é uma bela resposta de Deus
ao meu delirante amor pela vida."
a sabedoria de um bambu
O único objetivo do demônio
é iludi-lo a pensar derrotado.
Se isso acontecer,
seja mais esperto -
não se mexa,
não ligue as vozes,
não pule do abismo,
não corte seus pulsos,
não envenene seus filhos.
Permaneça inútil
e detestável até o fim.
O demônio entenderá a sua força -
rangendo os dentes o deixará sozinho.
E sozinho você saberá enxugar as lágrimas
é iludi-lo a pensar derrotado.
Se isso acontecer,
seja mais esperto -
não se mexa,
não ligue as vozes,
não pule do abismo,
não corte seus pulsos,
não envenene seus filhos.
Permaneça inútil
e detestável até o fim.
O demônio entenderá a sua força -
rangendo os dentes o deixará sozinho.
E sozinho você saberá enxugar as lágrimas
boneco de pano espetado por alfinetes
Tenho plena consciência
de que o meu santo
não é de todo
amigo
de outros
santos.
O meu santo além de psicótico
é boçal, possessivo, romântico.
Se eu fosse outros santos
e logo cedo batesse de cara
com esse meu ar presunçoso
também tentaria afogar-me
na minha xícara
de café.
de que o meu santo
não é de todo
amigo
de outros
santos.
O meu santo além de psicótico
é boçal, possessivo, romântico.
Se eu fosse outros santos
e logo cedo batesse de cara
com esse meu ar presunçoso
também tentaria afogar-me
na minha xícara
de café.
sinais de epifania
Esqueceram de molho
na pia da área de serviço
pequenas estatuetas de cerâmica.
Encontra-se de tudo:
miniaturas de jogos de cozinha,
gueixas, uma arca de noé com duas girafinhas.
Mas o que me chamou atenção,
seduziu-me de fato, foi uma camponesa
com um cestinho de flores. Pareceu-me tão real
que pisquei para ela e juro que recebi um sorriso de volta.
na pia da área de serviço
pequenas estatuetas de cerâmica.
Encontra-se de tudo:
miniaturas de jogos de cozinha,
gueixas, uma arca de noé com duas girafinhas.
Mas o que me chamou atenção,
seduziu-me de fato, foi uma camponesa
com um cestinho de flores. Pareceu-me tão real
que pisquei para ela e juro que recebi um sorriso de volta.
domingo, 8 de setembro de 2013
o doce delírio dos pagãos
O único fim proveitoso
quando escrevo versos
é esperar no dia seguinte
mais coragem do coração.
quando escrevo versos
é esperar no dia seguinte
mais coragem do coração.
a velocidade dos insetos
Embora eu não fugisse,
a cada tom de sílaba
um osso do dedo
se fragmentava -
o poema era muito longo
para quem só se esforçava
em pôr de pé a alma
orgulhosa da solidão.
a cada tom de sílaba
um osso do dedo
se fragmentava -
o poema era muito longo
para quem só se esforçava
em pôr de pé a alma
orgulhosa da solidão.
escultor de sopros
Cortarei o mármore do nosso túmulo
com as minhas próprias unhas
e esculpirei um lindo anjo
de asas descomunais
fincado na entrada
como espantalho
de corvos.
com as minhas próprias unhas
e esculpirei um lindo anjo
de asas descomunais
fincado na entrada
como espantalho
de corvos.
códigos
A poesia desestabiliza -
pense bem em que terreno
você deseja subir a sua casa.
Todos os dias
os seus cílios
darão nós
em seus
olhos.
pense bem em que terreno
você deseja subir a sua casa.
Todos os dias
os seus cílios
darão nós
em seus
olhos.
cerejeira
A sua inocência purifica
a minha loucura
e de mãos
dadas
passeamos entre
girassóis e serpentes.
Não se acanhe da sua dor
mas não seja tão cruel
com a esperança.
a minha loucura
e de mãos
dadas
passeamos entre
girassóis e serpentes.
Não se acanhe da sua dor
mas não seja tão cruel
com a esperança.
idílio entre o asceta e a camponesa
Tu me perguntas
para que serventia
os meus braços longos.
Querida, são pontes
para borboletas
e beija-flores
atravessarem o quintal
da tua casa ao meu quarto.
para que serventia
os meus braços longos.
Querida, são pontes
para borboletas
e beija-flores
atravessarem o quintal
da tua casa ao meu quarto.
cupins
A tragédia dos ferozes cupins
não é o que causaram
à estante -
inútil agora
aquela altivez
de jacarandá.
A loucura dos cupins
é o breve tempo
que precisam
para devorar
além da estante
todos os livros
antigos.
E vejo a estante em estado de choque.
Enquanto os mercenários cupins
ainda festejam com seus fuzis
dando tiros pro alto
embriagados
de querosene.
não é o que causaram
à estante -
inútil agora
aquela altivez
de jacarandá.
A loucura dos cupins
é o breve tempo
que precisam
para devorar
além da estante
todos os livros
antigos.
E vejo a estante em estado de choque.
Enquanto os mercenários cupins
ainda festejam com seus fuzis
dando tiros pro alto
embriagados
de querosene.
sábado, 7 de setembro de 2013
anacoreta
Vivemos por conjecturas.
Nem a morte é certa -
pois sua natureza
é ambígua.
Se queres saber uma verdade -
vê, meu bem, o amarelo
dos meus dentes
de muito beber
café.
Nem a morte é certa -
pois sua natureza
é ambígua.
Se queres saber uma verdade -
vê, meu bem, o amarelo
dos meus dentes
de muito beber
café.
tempo de lápis
Não apenas ganhei uma vida
escrevendo versos - suportei
outras tantas em meus dedos.
Vi mil sombras de falanges
criando destinos sobre
papéis que hoje
penso -
"onde vivem aquelas palavras
de antigamente escritas
no embrulho de pães?"
escrevendo versos - suportei
outras tantas em meus dedos.
Vi mil sombras de falanges
criando destinos sobre
papéis que hoje
penso -
"onde vivem aquelas palavras
de antigamente escritas
no embrulho de pães?"
corpo
Tu terás o meu corpo
porque da minha alma
creio que estás cansada.
E pelo meu corpo
descobrirás sinais,
cicatrizes, marcas
de vacina, músculos
adormecidos, artérias.
A cada descoberta, peço-te
que dês um beijinho
no local -
a batizar o território
com teu batom
e saliva.
Serás a senhora
deste velho corpo
em que a febre
é eterna.
porque da minha alma
creio que estás cansada.
E pelo meu corpo
descobrirás sinais,
cicatrizes, marcas
de vacina, músculos
adormecidos, artérias.
A cada descoberta, peço-te
que dês um beijinho
no local -
a batizar o território
com teu batom
e saliva.
Serás a senhora
deste velho corpo
em que a febre
é eterna.
adaga que corta névoa
Anterior ao poema
há uma atmosfera
por muitas vezes
personificada -
perfume, objeto,
um inseto pela casa.
Agora foi uma pequena lagartixa -
dessas domésticas que vivem
fugindo entre as paredes
da cozinha
com ar de surpresa
e medo.
há uma atmosfera
por muitas vezes
personificada -
perfume, objeto,
um inseto pela casa.
Agora foi uma pequena lagartixa -
dessas domésticas que vivem
fugindo entre as paredes
da cozinha
com ar de surpresa
e medo.
criação
Para fazer uma menina linda
basta Deus amanhecer feliz
mas para fazer uma mulher
Deus tem de estar em transe
e Deus te fez tendo um troço
que os cardiologistas chamam
de infarto - teve o infarto Deus
e te fez entre os sonhos e morte.
basta Deus amanhecer feliz
mas para fazer uma mulher
Deus tem de estar em transe
e Deus te fez tendo um troço
que os cardiologistas chamam
de infarto - teve o infarto Deus
e te fez entre os sonhos e morte.
lírios
Os erros do passado
são ridículos a quem perdeu
um olho e o outro brilha cego.
Não há caminho a seguir
senão permanecer silencioso
rasgando os antigos poemas
com flores brotando da nuca.
A mente é um demônio cansado
que só espera do seu dono lucidez.
são ridículos a quem perdeu
um olho e o outro brilha cego.
Não há caminho a seguir
senão permanecer silencioso
rasgando os antigos poemas
com flores brotando da nuca.
A mente é um demônio cansado
que só espera do seu dono lucidez.
sabatina
Enfim caiu-me dos céus
coragem para lavar o banheiro -
diante dos meus olhos o escovão sorri
e o sabão em pó me diz que a vida é bela.
Mas se tal primeiro
bebesse um café
e lesse Rimbaud?
coragem para lavar o banheiro -
diante dos meus olhos o escovão sorri
e o sabão em pó me diz que a vida é bela.
Mas se tal primeiro
bebesse um café
e lesse Rimbaud?
monge
Exausto da beleza
que enlouquece
a alma
descanso
sobre
meu túmulo
acompanhado
dos teus suspiros -
tu que és saudade
da eterna euforia.
que enlouquece
a alma
descanso
sobre
meu túmulo
acompanhado
dos teus suspiros -
tu que és saudade
da eterna euforia.
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
cânones do vazio
A poesia não escolhe os seus poetas -
se alguém escreve versos e morre
[e renasce] por cada palavra
quem haverá de dizer
que não é real a sua dor?
Siga o seu caminho
e não esqueça
de olhar
para o céu
e para depois
das suas nuvens.
Quem o segue, logo some -
assim é o vento e o chumbo.
se alguém escreve versos e morre
[e renasce] por cada palavra
quem haverá de dizer
que não é real a sua dor?
Siga o seu caminho
e não esqueça
de olhar
para o céu
e para depois
das suas nuvens.
Quem o segue, logo some -
assim é o vento e o chumbo.
quase dengue e dengo
Há um deleite na virose:
deixa o meu corpo humilde.
Sobretudo
os ossos.
Antes da maldita
o esqueleto anda altivo
sem destino e senhor de si.
Basta a virose fincar a sua bandeira
sobre meus músculos e sangue
os ossos afugentam-se
ao que a alma vê.
E correm pras cartas amorosas
e aos lenços do passado.
Incrível o que uma madrugada chuvosa
e livros antigos não fazem com o poeta.
deixa o meu corpo humilde.
Sobretudo
os ossos.
Antes da maldita
o esqueleto anda altivo
sem destino e senhor de si.
Basta a virose fincar a sua bandeira
sobre meus músculos e sangue
os ossos afugentam-se
ao que a alma vê.
E correm pras cartas amorosas
e aos lenços do passado.
Incrível o que uma madrugada chuvosa
e livros antigos não fazem com o poeta.
por tabela
Já tive um olhar mais triste
e três almas desesperadas.
E ando sorrindo por dentro
das viagens do meu coração.
Pergunta-me sempre
como vão as lágrimas.
"como hão de estar -
aflitas e dóceis."
Respondo
e volto a viver.
e três almas desesperadas.
E ando sorrindo por dentro
das viagens do meu coração.
Pergunta-me sempre
como vão as lágrimas.
"como hão de estar -
aflitas e dóceis."
Respondo
e volto a viver.
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
ciganas
As quiromantes não conseguem ler minha mão.
Confessam-me: "as linhas da palma
o vento levou, agora o seu navio
vive à revelia..."
Que raios isso significa
não entendo mesmo.
A última que saiu do meu quarto
foi-me mais convincente apenas
beijando-me os dedos,
um a um, silenciosa
e de olhos febris.
Com esta posso contar
para um jantar romântico.
Confessam-me: "as linhas da palma
o vento levou, agora o seu navio
vive à revelia..."
Que raios isso significa
não entendo mesmo.
A última que saiu do meu quarto
foi-me mais convincente apenas
beijando-me os dedos,
um a um, silenciosa
e de olhos febris.
Com esta posso contar
para um jantar romântico.
baque e rumores
Quando os poemas se escondem
caminho até a cozinha e faço um café.
No trajeto sempre há uma sombra
de algum objeto contra a parede,
um som de inseto,
uma conversa
de vizinho.
Não é difícil ver a poesia dando sopa
com sua saia rodada de bicos floridos.
caminho até a cozinha e faço um café.
No trajeto sempre há uma sombra
de algum objeto contra a parede,
um som de inseto,
uma conversa
de vizinho.
Não é difícil ver a poesia dando sopa
com sua saia rodada de bicos floridos.
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
efígie
Naturalmente, sem esforço e perdas
o pássaro cansou-se das nuvens
e decidiu andar entre pessoas -
entendeu que o amor
é bem mais belo
sentindo o perfume
de quem se ama
perto,
e lançou fora
as asas.
o pássaro cansou-se das nuvens
e decidiu andar entre pessoas -
entendeu que o amor
é bem mais belo
sentindo o perfume
de quem se ama
perto,
e lançou fora
as asas.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
ponte sob névoas
Confesse ao mundo
que o seu coração
não pertence
a esta terra
e lá estarei -
no outro lado
da margem -
esperando
seus sonhos,
pois é no invisível
que se colhe a saudade
e não morremos em paz.
que o seu coração
não pertence
a esta terra
e lá estarei -
no outro lado
da margem -
esperando
seus sonhos,
pois é no invisível
que se colhe a saudade
e não morremos em paz.
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