domingo, 8 de novembro de 2015

Cana da Nazaré

Costumava, a séculos atrás, empilhar livros na palma direita e na esquerda. Com os olhos fechados, calculava o peso e a mão que mais pesasse seria escolhida como leitura da semana. Depois que virei pescador, em alto mar, faço o mesmo com um punhado de peixes em cada palma de mão. Certa manhã, chovia bem fininho, abri os olhos e dançava na palma da mão direita um cavalo-marinho. Não pesava coisinha de nada, mas era um cavalo-marinho grávido que trazia no coração sonhos de corais. Uma arraia-manta que pesava na palma da minha outra mão lancei fora. O meu irmão, admirando tal loucura, apenas sorria e sussurrava "irmão louco... meu irmão louco..."  As ondas - obra do corpo cheio de tentáculos de um aterrorizante monstro a debater-se e a mergulhar - afundaram nosso barco. Seríamos náufragos e possíveis comida do monstro, se não nos socorresse o cavalo-marinho. Segurando-lhe a cauda, e puxando meu irmão pelo punho, segui o meu mágico cavalo-marinho que nos conduziu a uma ilha encantada. Casei-me por lá com uma nativa que havia enviado sob feitiço de matrimônio esse cavalo-marinho. O meu irmão retornou pro Ocidente. E canta essa história em mesas de bares de pescador. Depois do terceiro trago, prestam mais atenção e depois de duas garrafas de pinga os pescadores da minha aldeia juram que estavam ao meu lado e que ainda têm na lembrança o meu doce sorriso de felicidade, no altar, segurando a mão da filha do Grã-Sacerdote. Só me falta ter coragem e aprender a surfar. A menina adora ondas gigantes de Nazaré. 

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