sábado, 31 de agosto de 2013

balzaquiano

Exausto desta minha beatitude fingida
tiro a máscara de anjo, visto a de demo

e vou ao bordel da outra rua beber uma taça
de vinho barato e fazer uma verdadeira mulher feliz.

Aos meus pés
bastam as formigas inúteis
do meu dia meloso de poeta.

Leve para baixo as plantas da varanda -
esta manhã elas morrerão de sede
se desejarem minhas lágrimas.

E seria um pecado se fossem testemunhas
dessa loucura infantil de quem esqueceu
o remédio e o revólver em casa.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

voyeur

Talvez não saibas,
mas logo farei um transplante:
doarei o meu coração à árvore da tua calçada -

em troca, a velha oiticica
confessará o que os galhos e folhas e passarinhos
espiam da tua janela aberta quando tu vais dormir.


manobras

A um homem triste, meu bem, não importa
se floresta densa ou margem lisa e rosada -

ao atravessar o caminho,
forte e amoroso, o mundo
que era lúgubre escuridão
será total e doce felicidade.


amor de Neandertal

Vou à floresta caçar -
não prometo trazer um mamute nos ombros,
mas deixo pintadas de vermelho pelas paredes da nossa caverna
as marcas das palmas das minhas mãos. Veja quantos sonhos, meu bem.

E suspire
de saudades.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

pastoril

Acordei pensando nos meus dentes de leite da infância.
Quantos enterrei no quintal dos meus avós debaixo
de árvores frutíferas e outros tantos joguei
ao telhado.

Desde pequeno o meu reino
foi a magia, o faz de conta,
os sonhos, a quimera,
as nuvens.

Não é à toa que ando com o dente de leite
da minha primeira namorada embrulhado
em um lenço de seda dentro do bolso.

Aquele sorriso de janelinha
do meu inocente amor
viverá comigo
até a morte.


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

gentilezas

Não é uma simples asinha de barata
dentro da minha gaveta que me levará à loucura
e me fará atear fogo aos meus bermudões, camisetas e jeans.

Gentilmente retiro meus panos,
espano todas as cinzas dos insetos
e de sorriso no canto dos lábios dobro
as peças surradas de algodão e de brim.

Afinal, um rei de poucas vestes
há de dar valor às túnicas
que lhe restam.


outra canção nem tão desesperada

E se os nossos lábios se tocassem uma única vez
nasceriam orquídeas dentro dos nossos corações?

Dizem os bárbaros
que um jardineiro apaixonado
tem o olhar da violeta - lilás e aveludado.


fim de agosto

Se vivo em constante
névoa de arrebatamentos
é ao outro que ofereço a verdade
que em mim próprio eu não imagino.

Esqueça então essa tal dor de fingimento
porque os passarinhos não têm tempo
de coçar as costas, mas as nuvens
com destreza e carinho
não se arrependem
dos beijos.

"todo fogo finda
com a primeira
lágrima.

Ou vira fumaça
escura e mata."

Mas como disse:
os passarinhos não têm tempo
de coçar as costas e agora
é o sol quem lhes dá
dentadas.

Dessas dentadas boas
que ficam as marcas

do batom
no braço.


outrora

Não entendo essa euforia poética
o mundo a pegar fogo e acabar-se
e no momento em que o poema é posto
sobre a escrivaninha o açougueiro gargalha -

já não existe beleza na carne
nem no sangue e todo o doce
das palavras causa-me asco.

O poeta enganado
pelo poema é um sinal óbvio
de que as nossas mãos às vezes
trazem colheita do inútil e da tolice.

Só a tristeza não brinca
e quando diz é hora
das lágrimas -

é bom pegar um lenço
de mandacaru verdejante.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

cena

Um ramalhete de rosas brancas
dentro da lixeira da área de serviço

é uma imagem tão forte quanto as próprias
crescendo no jardim ao lado de duendes.

E dói jogar a água do jarro fora
com aquele perfume de sonhos
apodrecidos.


o bardo

Por acaso acreditas que a minha cabeça
esteve em algum lugar senão nas nuvens?

Da última vez em que bebi
uma cerveja de puro trigo
meio embriagado e feliz

cheguei a uma joalheria
disposto a comprar
uma linda aliança
pros teus dedos
sem um tostão
no bolso -

não é crime
ser um sonhador
a ponto dos pombos
e das outras criaturas
dos céus e da terra e do mar
rirem dos seus passos e dos seus olhos.

Claro que não comprei as alianças.
Mas a convite da simpática gerente
experimentei de um ótimo espumante.


amor

Sabe o que é amor,
meu bem?

É ver uma folha seca de oiticica sobre o sofá
e chorar de emoção pela árvore da calçada -

imaginando quanta chuva
e quanto sol fizeram-na
crescer.

Para que em uma tarde como esta
venha a sua alma ao meu encontro.

Isso é amor,
meu bem.


dose cavalar de vazio

Patético bermudão
despenca do varal
ágil e soberbo
não consigo
segurá-lo.

Houve um tempo não muito distante,
querida, que brincava com o sabonete
sem deixá-lo cair ao chão sob piruetas.

Não é velhice -
mas exaustão de viver.


coadjuvante do tédio

A pior ressaca
é aquela em que
se acorda furioso
e cansado da lucidez
que trazemos debaixo
das pálpebras cinzentas.

E há tortura tão inocente
quanto a chuva que bate no telhado
e descemos a escada louco para um banho

chega-se à calçada
e a chuva acaba
de repente?


insônia é uma adaga de prata

Deito sobre o meu coração uma rocha
de mil quilos de mina abandonada
e acendo o pavio.

Não acredito que sairá vivo
algum poeta apaixonado.

Ok, benditas minhocas
da minha cabeça
e má menina
da minha
alma -

vocês venceram a batalha
e chega de andar exausto
de madrugada pela casa.

A esperança agora
só será um bichinho verde
em que possa pisar-lhe o abdome.


bons sonhos

Na próxima vida
quero ser um cogumelo
de chapéu branco encostado
ao musgo de uma árvore centenária.

Cansei-me de acordar
todos os dias com o sol
dentro das minhas botas.

E nunca saber ao certo
se sou a parte sombria
do lado de dentro
ou a mentira
que brilha

no lado
de fora.

Sendo um cogumelo
terei certeza que musgo
é musgo e árvore é árvore -

e não haverá sapo que me convença do contrário
mesmo que mastigue as pontas do meu chapéu
branco alucinógeno.


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

canaviais

Cada ser humano nessa vida
tem o seu prazer íntimo
e cruel,

o meu de bicho solto
é ao fazer a barba
cortar o rosto.

Passo a lâmina do barbeador
da orelha ao queixo

como quem rasga
com uma navalha
fazendo zigue-
zague

um poema
no peito.


rodopios de uma fadinha

Só hoje vi
sobre o parapeito
da sua janela jarrozinhos
recém-pintados - azul, verde, vinho.

Faltam as flores,
pois de longe
não vingam
os sonhos.


um coração dançarino

Juro que havia um poema
onde tudo agora é naufrágio.

E esses versos reticentes
pego-lhes as mãos,
subo ao moinho

e penso quantos sonhos
dividem-se na pele
de um poema
inacabado.


à beira

Não é atravessando os meus olhos
que conseguirás ver minha alma,
a janela é o meu silêncio -

e silencioso colo escamas de veludo
em cada ruga do meu rosto
até aquele sorriso
de golfinho.

Preciso mergulhar puro
em águas profundas,
meu bem.

A poesia não é um elo perdido
entre céus e infernos - a poesia
é justa e completa em nossa dor.


domingo, 25 de agosto de 2013

uma asa partida

Deixarei a porta do meu quarto entreaberta
e a luz acesa - chegará até sua calçada
o clarão de duas mãos estendidas.

Se tiver pesadelos olha pela janela
o reflexo das minhas mãos
e toca-lhes as palmas
com os olhos.

Sentirá o calor da minha alma.
E não estará sozinha.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

tá joia

Acordei como há muito eu não o fizera -
espreguicei-me feito um bom cristão
(quase santo), arrumei a cama,

fiz losangos e quadrados perfeitos a dobrar os lençóis,
fui à janela da varanda e perguntei aos beija- flores:
"deixo a barba crescer, criaturinhas?"

Em coro,
responderam:

"não, poeta, tua barba é rala,
vulgar, indecente, desprezível,
mixuruca, patética, ridícula,
crime hediondo,
tola e tosca."

"Ok, entendi."

Esses meus beija-flores
tão puros e inocentes
não sabem mentir.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

amor pelo dorso dos cílios

O meu coração quando finge
uma boa noite tranquilo tranquilão
dentro da caixa torácica é preocupante -

não é da sua natureza
o silêncio.

O meu coração nasceu sedento
comendo terra de jardim -

arando com a língua
as mais doces flores.

E comeu tantas pétalas
úmidas de orvalho
que é doente

psicótico,
sonhador.

Não é normal
esse seu ar
sereno,

como se a solidão
não lhe fizesse agrado
e as palavras não importassem.


toda dor tem nome

Conspiro com a minha xícara
como iludir a saudade
e morrer silencioso -

miserável quem sonha
com o beijo da amada

em cada osso
das costelas.

E não adianta ópio, salmos,
Voltaire e Machado
de Assis -

os suspiros quando
partem costelas
é um inferno.




plantação de girassóis

A cada xícara de café bebido
na hora em que o sol se põe
uma alma morre, outra
bebe comigo.

E assim passa todo o arrebol
suas carruagens de nuvens
pegando fogo dentro
do meu olhar.


ânfora

A solidão tem um nome bonito
e o pesar nos olhos vívidos
de formiga -

se piso alguma,
retorno ao ponto
da tragédia e recolho

os restos das folhas,
migalhas e açúcares comidos.


petúnias

O tolo que arde
sabendo que pisa
brasas no caminho
o que espera da vida?

Sou tão idiota que trago
nas plantas dos pés sonhos
das cinzas com que brinquei.



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

acima das estrelas

A criança quando vê a lua cheia,
enorme de cheia, alaranjada, subindo -
apenas pergunta à mãe se a lua está grávida.

Prefiro perguntar ao poema
se ele está grávido

a questionar-lhe
os sentidos.


exaltação do amor

Se o morto pesa sobre os ombros,
o morto pesa muito mais dentro
do coração -

quem amamos
de verdade
não pesa

e nunca
morre.


filho da luz

Invisto contra o ar
a lâmina da minha adaga
e caem quatro tiras de papel -

"não... sou...
teu... escravo..."

Diz o poema.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

cândido

Estranho esse sorriso colado
no meu rosto desde cedo,

quem não me conhece
pensa que mastiguei
uma bandinha
de ácido.

Será que alcancei a Iluminação?
Contei até sete passos,
o oitavo talvez seja
esse sorriso
puro.

Tão puro que assusta minha alma
e encanta as minhas botas:
correm as meninas
pro abraço.


halo

O amor é infinito
porque não se sabe
o princípio da outra alma
que encantada se eterniza.

Se há guerras e intrigas pelo caminho,
vejo então apenas migalhas

de fantasmas
enlouquecidos.

O amor não acaba
é novo a cada
silêncio -

aquele que é cego
vive a confundir

as dobras das pálpebras
com a luz do olhar.

E toda loucura a mais são outros mares de perdição -
multidões de zumbis perdidos em uma plantação
de girassóis.


praça da sé

Em uma manhã chuvosa
vi um beija-flor triste
de bico encurvado
pelo qual descia
uma lágrima.

Perguntei-lhe por que tanta dor -
pois converso com beija-flores -

o beija-flor morto de tão tristonho
olhou-me fundo nos olhos
e respondeu-me -

"és por acaso uma rosa?
então não me enchas
a paciência, poeta."

Entendi o recado
e desde então respeito
a solidão dos apaixonados.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

antes da embriaguez

A senha para entrar no meu coração
é simples até uma criança sabe
quando olha pras nuvens -

aliás, só mesmo uma criança
olhando para as nuvens
saberá adentrar
minha alma.

Não adianta a sua força de pensamento,
cartas, macumba, quimeras, sacrifícios.

O meu coração tem um portal mágico
aberto apenas pela palavra mágica
que só as crianças que olham
para o céu com nuvens
sabem.

Diga-me, meu bem, há maior deleite na vida
do que uma criança olhando para o alto
imaginação solta sem tempo certo
de acabar o sonho?


hora do café

Não encontrei até hoje
o nome da minha alegria

pois em tudo que eu pego ou olho
vira cinzas, névoas, crepúsculo
e foge -

fotografia na mesa de um bar,
uma canção tarde da noite
e a saudade sem rosto.


dentes caninos

Não demore para me matar -
já preparei o altar,
a toalha branca
e as velas.

Venha com a sua adaga
e sem me olhar os olhos

penetre no meu olhar
a lâmina da sua alegria.


ramo de rosas

Por um dia
ao anoitecer

o pântano não ouviu a canção do corvo
e o silêncio se fez mais sombrio -

a minha dor terá outro nome
no poema.


entre mares e arrebóis

Sei por intuição
quando pões o travesseiro
entre tuas pernas tu sofres da dor
do corpo e da alma - a que mais dói.

Saibas que o mesmo faço
quando o meu corpo se faz presente
forte e imperturbável diante da alma que foge.

Eu chamo a essa dor
o fim de alguma coisa -

do doce no olhar,
da lágrima no olho.


um rei desvalido

As marcas das minhas botas
o último passarinho que me acompanhava
pulou dos meus ombros, assoprou-as e fez ventania.

Agora o meu caminho
são os reflexos das nuvens -
todo o reino de céus e solidão.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

salvação

A cada alma que damos a mão
e puxamos do abismo

são reinos
e mais reinos
de mil perdões
do louco passado
se um dia tivemos.

Ando lânguido com tentáculos
de monstro das profundezas
oferecendo as mãos
a quem encontro,

pois meu passado é sombrio
e a memória vive acesa
com cruel brilho.


objeto


A tesourinha
está diferente
com as unhas
dos meus pés  -

fria, cega
e distante.

Mas o seu sonho
continua o mesmo -

cegar-me o olho
com uma lasca
de unha.

Ainda bem que as unhas
dos dedos das minhas mãos

são os versos
que aparam.


todo adeus é trágico

Aquele par de chinelos
que usei tantas vezes
hoje rompeu-se
a correia.

Naturalmente peguei-os
com as mãos trêmulas,
abri o saquinho
da lixeira

e lancei
fora

todas as marcas
antigas do suor
dos meus dedos.

Simples assim,
mas com o coração
apertado de saudades.


a doce luxúria da mansidão

Só agora, meu bem,
arrumei a cama.

Sempre permito ao meu lençol
e ao colchão mais tempo
com a minha energia.

A maioria das vezes
nem um nem outro
vivem meus sonhos.

Necessário então oferecer-lhes
a sobra da insônia de ontem
e das imagens bagunçadas
da minha cabeça.

Meu lençol e o colchão
melhor aproveitam da minha pele
e da minha alma a tepidez que deixo

ao dia
que nasce.


íntima sinfonia

Será que os vizinhos desconfiam
que os seus passos, tosses, falas,
suspiros, palavrões, seus objetos
fazendo barulho, até seus sonhos
são música para os meus ouvidos?

Na dúvida, colho a vida deles
com o silêncio de poeta
e faço canções.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

vívido

A metade da vida
até o presente
instante

caminhei com as minhas pernas
a outra metade foi Deus

quem calçou
minhas botas.

E tu me perguntas que aparência
tem o Criador, eu te revelo
que em tudo que respira
e não respira, move-se
e não se move,
tem as faces
de Deus.

E se tu insistes,
adianto-te que até
na presença sombria
a luz de Deus é muito forte.

E se tu me sorris cínico,
eu também te sorrio
de volta e te digo

que não existe algo tão patético
quanto um sorriso vago
como se negasse

a própria imagem
diante do espelho.

Repito, a metade da vida
até o presente instante

caminhei com as minhas pernas
a outra metade foi Deus
quem calçou minhas
botas.


dica de um cupido míope

Os lábios não gostam de frio -
se perdem a chama,
o beijo é triste
e vil.

Tente durante o beijo
respirar o oxigênio
de quem se ama -

verá que é puro fogo
o ar dos apaixonados.


na sua

Poesia, querida, é o voo da muriçoca
com aquele som de violino quebrado.

Não me odeie por minha vida ser uma ilusão,
deixe-me apenas sozinho na varanda
que estarei bem -

mascando chiclete,
fazendo origamis,
coçando dedão.

Aprenda com a vizinha do andar de cima
a ser feliz cantando mpb no banho

com o cítrico sabonete
a me matar de sonhos.


talco e óleo johnson

A inocência retorna -
sinto nascendo dentes
de leite no céu da boca.

Falta agora perder a coluna ereta
e sair pelo jardim engatinhando
atrás de borboletas.

Voltar a ser criança
depois de adulto louco

é uma graça que só acontece
uma vez antes que nos sorria a morte.

Sou senhor nesse instante
dos mistérios dentro das paredes
e de todo o tesouro pirata debaixo da cama.