quinta-feira, 8 de setembro de 2011

cotidiano

Tenho algumas coisas sagradas comigo.
Alguns trejeitos, olhares, nuances.

Quando pego minha xícara
já ao entardecer e ponho açúcar
minhas faces mudam, há um certo júbilo.

Sinto que meu olho direito treme.
Mas treme de modo singular,
dando voltas em torno
da própria órbita.

Outro instante delicado
é quando faço a cama.

Estendo os lençóis, bato os travesseiros,
puxo a colcha aqui e acolá
e pareço sorrir.

Já ao fazer a cama quando acordo
muitas vezes não a faço.

Deixo os lençóis cansados da longa noite
espremidos entre as dobras
e os travesseiros loucos por não terem
conseguido dormir.

Se durmo bem,
meus travesseiros não dormem.

É natural,
se durmo bem
estou sempre enforcando
um ou outro em forma de abraço.

A minha vida é recheada de intervalos mágicos.
Beber café sob o crepúsculo e fazer a cama
são epifanias próprias de um solitário.

Existe, entretanto, um ato em si mesmo
mais elevado, existencial, que carrego
desde a mais tenra infância:
limpar os ouvidos.

Com o dedo mindinho.
Com o dedo indicador.

E ao cheirá-los
nunca muda o cheiro.

É um cheiro forte,
um cheiro de parto.

4 comentários:

  1. Domingos, meu querido amigo, grande poeta!
    Este seu cotidiano, povoado de poesia, é festa pra mim...
    Nunca me canso de vir aqui: antes, pelo contrário, se não venho logo, algo vital está me faltando!
    Abraço bem apertado da
    Zélia

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  2. Ler-te é um ritual que não abro mão...

    Beijo, bruxo benigno!

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  3. Nem mesmo o mais trivial ato diário é mecânico para um poeta de tamanha sensibilidade como tu, meu querido.
    As noites em que teus travesseiros passam acordados devem ser de festa por estarem com tantos sonhos abraçados...

    Beijinhos...

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  4. Bela construção fizestes aqui...


    bjs meus

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