quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Das epifanias

Não me lembro do nome do coveiro
Que passava pela minha calçada
Com as botas sujas de terra
E um olhar estranho.

Éramos criança (eu e minha calçada)
E esperávamos o coveiro passar
Com suas botas sujas de terra.

Os vizinhos sorriam para o coveiro
Respeitosos com aquele homem
Que enterrara seus parentes.

O coveiro já bem velhinho,
Encurvado das almas
E dos túmulos,

Respondia sempre com uma boa noite inaudível
E passava sereno com suas botas sujas de terra.

O que nós adorávamos (eu e a minha calçada)
Era o som das suas botas com hastes de flores
Ainda presas no solado. Sabia que além de coveiro
Aquele homem velhinho que enterrara meus parentes
Também cuidava do jardim do cemitério e dos jazigos.

Aquela terra que o coveiro deixava
Pela minha calçada quando criança
Alegrava-me a noite e dormia pensando

Se todos coveiros eram jardineiros e se andavam
Com aquelas botas em que presas as hastes
De flores lançavam um perfume

De terra sagrada
E um barulho
De encanto.

A minha calçada nunca me respondeu.
Ao outro dia era mais importante a chuva.

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