domingo, 25 de outubro de 2015

Mística

Já joguei búzios, acredita? Antes de fechar os olhos, e abrir as portas do sobrenatural, mastigava uma flor de cacto do Atacama. Trouxe amados sumidos às suas apaixonadas mulheres saudosas e solitárias. Indiquei caminhos de luz. Quebrei encantos do mal. Cobrava o preço justo. Após cada consulta, ouvia um blues e fumava um charuto. Charuto bom, afinal só pedia aos meus clientes, como honorários dos orixás, charutos e uísques dos bons. Escrevia cartas também. Cobrava mais caro por esse tipo de transe. Muita força e emoção ouvir entes queridos em outro plano. Fiz minha aposentadoria aos 47 anos, acredita? Tenho umas terras no interior de Minas. Uns gados. Não tenho automóveis. Nunca aprendi a dirigir. Não, nunca mais joguei búzios. A intimidade com seres de outras dimensões tem o seu tempo certo de acabar. Uma noite, avisaram-me: ao jogar os búzios, estrelas do mar caíram no tapete vermelho e explodiram. Subiu uma fumaça, sabe. Nunca mais joguei búzios. Agora sou jornalista, ou melhor, consultor de gastronomia. Tenho receitas ótimas de comida africana e asiática. Vem, preparo pra você. Não me peça pra ler sua mão. Não acredito que as linhas das mãos mostrem o destino ou o passado. As linhas das mãos, no meu inocente julgamento, são apenas marcas do tempo em que éramos crianças na lavoura ou na boa vida de burguês. As minhas linhas não me confessam coisa alguma da minha solidão. Vem, preparo um prato especial da culinária africana ou asiática. Você escolhe. A propósito, gosto de vinhos e você vai adorar uma garrafa holandesa do século XVII. Presente que ganhei de uma alma antiga que precisou dos meus serviços. Não me peça pra ler suas mãos, por favor. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário