segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Banjos & Gaitas

Dia 23 de setembro



Se Deus abriu uma porta, erga uma ponte. Afaste da sua mão a bebida e jogue fora o cigarro. Não perca tempo com distrações. Os cadáveres do passado, deixe-os no caminho. A luz é um ótimo jardineiro e sob ares de primavera enterrará os seus mortos além da sua alma. Desfrute-se da graça e aproveite a fé. Afaste da sua mão o cachimbo de crack e jogue ao mar o saquinho de cocaína. Não perca tempo com o inferno. Há uma íntima ligação de lucidez, ternura e fogo entre você e o seu Deus. Amem-se. Permita o milagre. Deus conversa com você e não é loucura o passarinho no galho de oiti cantando para o seu deleite. Você ofereceu a sua poesia em nome desse amor. Amem-se. Saiba que seu corpo andará trôpego sem a energia divina e o divino não terá tanta graça sem o sangue quente do seu coração. Você e o seu Deus merecem-se. E esse amor que floresce sempre existiu. Acredite, meu filho, desde o seu nascimento o seu Deus nascera e esperou por esse encontro.


Dia 24

O seu inferno é particular, mas as pessoas que o amam sofrem. Imagine, então, a dor sobre-humana do seu Deus. Esse Deus que conhece o seu caminho, as curvas e os abismos em que você se meteu. Impossível, meu filho, haver milagre se o pedinte não oferecer o coração. E você nessas tolices de prazer e altivez distanciou-se cínico da lucidez. Inevitável o seu inferno íntimo. As lágrimas. O vazio. O desejo de matar-se. Agora que a porta foi aberta, não se esqueça da ponte que somente você poderá erguer. Alegre-se com a felicidade dos felizes e não se sujeite ao trono da ridícula perspicácia de quem supõe inteligência e age como um incauto caçador diante da floresta escura. Arme-se de amor por todo o seu corpo. Arme-se de ternura em seus olhos e veja com sabedoria as marcas do seu rosto. Nasce um novo ser e a sua alma é a mesma. Apenas retorna à essência. E a sua essência é de luz, meu filho.


Dia 25

O seu inimigo com barba de anjo pode apertar a sua mão, abraçá-lo e até mesmo comover-se às lágrimas, insinuando-se um companheiro fiel de trincheiras. Atente-se, meu filho. Não se esqueça da prisão. Dos cães. Dos ratos. Da morte sobre os seus ombros. Lembre-se dos pequenos e grandes milagres (como se houvesse distinção). Ontem, você sonhou com um prato predileto que há muito não se deliciava. E veja só, alguém próximo fez a sua comida atendendo a um desejo que apenas você sonhou. Quem mais se rejubila são os seus guias de luz. Os filhos da lucidez. Os netos da ternura. O seu coração não apenas lhe pertence. O seu coração agora, meu filho, também pulsa por todos os homens e mulheres de boa graça. O seu coração é uma fogueira de Deus.


Dia 26

Cínico é o diabo que se maldiz do inferno. Tolo o homem de brando coração que retorna à casa do mal. Meu filho, que você perca todos os seus dentes, mas não volte a experimentar o manjar dos loucos. Aqueles festejos palacianos são armadilhas. Em seguida, ainda cambaleante de prazer, você trilhará o caminho da prisão. E lá, esperam-no os ratos e os cães. Atente-se, meu filho. A salvação não é um fim. Mas o passo a cada dia. O passo firme e lúdico. Não se dê ao trabalho de jogar fardos aos seus ombros. Não queira que as suas costas doam até o seu último suspiro. A insensatez é uma senhora que não dorme e vaga pela casa em trajes sensuais. Você é uma criança e haverá riscos em suas brincadeiras. Brinque. Festeje. Dance. Enlouqueça de amor e candura. Nunca seja amante da insensatez. As crianças são sábias - algumas. Outras são arrebatadas e não pesam os abismos a que se lançam. Assim, aos olhos do seu Deus, você é uma criança. Uma criança que floresce com as cicatrizes de quem conheceu de perto o inferno. O desejo de guerras e de ódio. Troque a água do jarro de rosas e aprecie da sua janela o sol batendo contra as calçadas. Os passarinhos não vieram hoje. Mas esta manhã de sábado brilha. Encante-se, meu filho. Desfrute-se da graça e que os passarinhos voem pelos céus que imaginarem. Você também tem o seu próprio céu. E não lhe faltam imaginação e doçura e coragem.


Dia 28

A esperança é a imortalidade do coração das almas corajosas. Seguir (não buscar) seguir o caminho da Verdade também pode levar à loucura, abismo e morte. Não há contos de fadas quando se trata do Bom Combate. E não há promessas de virtude, gratidão e tranquilidade. Todos os dias serão dias de lucidez ou não se dará um passo firme e divertido no caminho da Verdade. Lucidez não é aspereza. Não é um coração apático. Lucidez é festa. Deleite. Um sorriso farto no rosto. Um olhar cintilante. Uma voz doce e um perfume de almíscar nas mãos. Seguir (não buscar) seguir o caminho da Verdade é um ato contínuo de descobertas e festejos. Nunca mais será uma alma tola aquela que segue a esperança. E não haverá morte em um coração corajoso. Deslumbre-se, meu filho.


Dia 29

Muitas vezes o cansaço da noite de sombras entristece o caçador. E toda aquela energia de permanecer lúcido e feliz perde-se ao acordar. Já não existe uma atmosfera agradável de orgulho sereno. O que se passa quando você dorme, meu filho? Quantos mortos ainda carrega sobre os ombros? Os sonhos tramados pela mente sempre são os mesmos sonhos de perdição. Caminhar firme e doce não será um caminho verdadeiro se você usar métodos ilusórios.  Não, meu filho. Tudo isso é truque. O seu Deus não é um fantasma. Ao acordar, meu filho, não se dê por vencido nem se glorifique como um seguidor do próprio vazio. Viver sob um orgulho sereno é entender que dar voltas em torno de si mesmo também cansa o coração. Não há regras e livros sagrados em seu caminho. O tempo em que você consumiu suas drogas não findará. Enquanto você dorme a sua mente trama novos encontros com o abismo. Na verdade, são os encontros do passado. E você acorda fraco, apático, desiludido. Não há por que viver gargalhando e abraçando árvores e animais e crianças pelo caminho. Lucidez, sobretudo, é silêncio. Contemplação. Não espere de você um Deus mágico. Nem se atordoe enfraquecido de batalhas nas quais você nunca esteve presente. Acorde - e as lembranças dos mortos do passado esqueça no caminho. Beba o seu café. Troque a água das rosas. A felicidade é quase um escombro de um palácio. Silhueta antiga da infância em dias de luz e paz. E todas as manhãs você acordará entre dúvida e fé. A fé é mais justa ao louco que você foi um tempo atrás. Siga o seu caminho, meu filho. Festeje ausente da angústia. 


Dia 30

A mentira infernal é negar a própria natureza. Antes da fuga haverá de conhecer a sua natureza. A serpente não enxerga o mundo com os olhos de pássaro. O que rasteja e o que voa são verdadeiros em suas percepções. Triste e enfadonho é o bêbado sem rumo. Aquele que festeja arrebatado e no dia seguinte esmorece com peso de morte dentro do peito. O abismo é infinito a quem não ousa ouvir a Verdade. Existem facínoras felizes. Aqueles que escolheram lúcidos e ferozes o inferno e dançam sobre brasas alegrando-se da escolha. Angustiante é ver alguém que não se decide. Que prefere o caminho da dúvida. Atira e faz curativo no próprio pé. O caminho da dúvida é arriscado e lá convivem-se os hipócritas. Aquele que percebe a sua natureza e não segue é um demônio sofredor. Os outros demônios que tocam trombetas apenas convidam os incautos à morte eterna. Santo é o ser atento. Jovial. Aquele que encara os riscos da vida. Pássaro ou serpente, meu filho, qual a sua natureza? A natureza de quem beija os tornozelos dos anjos ou de quem se investe das asas e voa cruzando os seus próprios céus?


Dia 01 de outubro

O milagre é palpável. O perfume arrebata o coração. Muda-se o andado e mudam as calçadas e aos trejeitos mais simples do cotidiano paira um frescor silencioso. Angustiante é apreciar o invisível, embora o corpo sinta os novos ares de luz e mansidão. O que lhe falta, meu filho? O milagre da lucidez não o tornará um ser especial a que os animais da terra, dos céus e dos mares se curvarão. Você não terá folga nem trégua. O deleite de perceber a Luz não é para todos. Qual a sua natureza, meu filho? Cansou de atirar no pé e passar bálsamo? Cansou de dar voltas em torno do corpo cambaleante e da mente falastrona? Então, entregue-se a si mesmo e às maravilhas do seu Deus. Não há princípio nem fim. Você não chegará a um porto com navios de velas adornadas a fios de ouro. Os mares navegarão dentro de você em ondas eternas. Rejubilar-se e cair em uma desolação esmagadora não é sinal de esquizofrenia. Apenas perceba os mares. Você se pescará todos os dias. Em todas as horas. Aprecie as ondas e não tema o afogamento. As graças não afogam o coração eleito e febril. Nem se espante com as dádivas. A conspiração divina a favor dos seus sonhos parte do seu Deus que se eleva sobre o seu corpo e alma.


                                                     A resposta do filho:


Dia 5

Serenidade seria não te ouvir. E seguir humano pelo caminho. O meio diabólico de atingir um doente é tentando lançá-lo ao conhecimento de si mesmo. O livro dos mortos talvez cante o caminho da tua Luz. O meu caminho é insignificante, Pai. Descansa de mim a tua salvação.

2 comentários:

  1. Um convite à vida.
    É tempo de acordar.

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  2. Bom ver você de volta aos posts! Sua poesia traz cor à vida! grande abraço!

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