segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Anjo da guarda de jazigos

Não corri para abraçar tuas pernas e impedir a tua partida. Os meus irmãos mais velhos, aos prantos, tentavam te arrastar de volta pra casa. Da janela, não movi um músculo. Duas lágrimas queimaram meu rosto. Tenho poucas lembranças de ti. As que sobraram, minhas mãos gastaram todas a fantasiar e embelezar sobre tua cabeça e teu espírito o heroísmo de D. Quixote. A verdade que tu construías túmulos com um pano em volta da cabeça e depois do trabalho bebias uma pinga no boteco da esquina da rua do cemitério. Sabemos que é perigoso mexer em cicatrizes mortas. A criança, depois de atingir um delicado nível de sofrimento, prefere o silêncio. Estamos quites e não devemos [nem a nós próprios nem ao outro] algum tipo de perdão. Somos muito parecidos. Temos os mesmos cabelos brancos. Os mesmos cabelos brancos, pai.

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