sexta-feira, 31 de julho de 2015

O amor me desgasta.
Crio correntes pela casa.
E a chuva inesperada me deixa
Meio bolado como se deus me amasse.

Não será uma cidade esperta
(Sob luzes espertas e metrôs espertos
E restaurantes espertos e shows espertos)

Que te fará alguém esperto.

A sedução das palavras
É um negócio bem íntimo.

Man.

Não se apresse, poeta.
Um dia você morre.

E a sua poesia
Não ficará
Órfã.

Pois cada irmão e irmã
Que lerem um poema seu
Você logo dará sinal de vida
Movendo o seu dedo mindinho.

Ainda que
Só ossinho.
Nunca fui bom em paquerar.
Na adolescência, ao tentar
Modificar os olhos pra
Seduzir uma ninfa
Fiquei três dias
Zarolho.

Ou quando ousava
Andar altivo com charme
As meninas gritavam da praça:
"Olha o espantalho sem cabeça!"

Resolvi, então, aos dezessete anos
Fazer alquimia e escrever versos
No sótão de William Blake.

Quem ama
Vive exposto.

Óbvio.

O homem da caverna apaixonado
(Ao caçar) era agredido com
Pedras e paus secos.

Aos românticos de Florença
Chuva de repolhos podres.

Fato histórico.

Portanto, meu filho, não se aborreça
Com os trabalhos feitos na sua calçada.

Pule.

Não diga o meu nome em vão às suas boas amigas.
Nem profira lendas maledicentes sobre minha pessoa.

Podem as suas amigas
Acordar um dia curiosas.

Bater à porta
E pedir uma ajuda
Com a mangueira do gás.

Ou trocar lâmpada
Ou ajeitar o pé
Da mesa.

Você sabe que sou péssimo
Com essas coisas domésticas
De professor de física de férias.

Mas a depender da carência
Das suas amigas pode o santo
De Dom Quixote baixar e festins!

Festins!

Não diga o meu nome em vão às suas boas amigas.
Nem profira lendas maledicentes sobre minha pessoa.

Podem as suas amigas
Acordar um dia curiosas.

Bater à porta
E pedir uma ajuda
Com a mangueira do gás.

Ou trocar lâmpada
Ou ajeitar o pé
Da mesa.

Você sabe que sou péssimo
Com essas coisas domésticas
De professor de física de férias.

Mas a depender da carência
Das suas amigas pode o santo
De Dom Quixote baixar e festins!

Festins!
Ninguém tocará no que guardo silencioso.
Nem a palavra ousa macular minha lágrima.

O teu coração (há séculos e séculos) nasceu florido
Do suspiro de uma estrela cadente a cair no meu rosto.

A imagem contrária (o inverso da trama)
Não nos divide, aliás, sugere a mesma luz.

O encanto real não acorda a luz.
Os bons fantasmas não assustam.
A treva só é clarão aos corvos felizes.

As réstias, os feixes, os raios,
Coincidem a um mesmo canto
Da sala do meu abrigo de cela.

Os meus pés postam-se
Um sobre o outro esquentando
O que adivinham de frio nos teus.

A minha voz muda, treme rouca,
Quase inaudível aos pássaros
Das minhas oitis, ao cantar
O teu nome no banjo.
Uma gaveta emperrada
Pode nos levar à loucura.

O poema não.

Uma queimadura de óleo do ovo estrelado,
O cadarço que se parte na hora do laço,
A garrafa de água vazia na geladeira,
Tudo pode nos levar à loucura.

O poema não.

Nem o mais piromaníaco
Com cheiro de querosene
Em nossas mãos de girassol.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Olha só, baby,
Brinco com a xícara
Segurando-lhe a asinha

Como um senhor de engenho
Rodopia uma moeda na palma da mão.

Não é o máximo?

Banho meu corpo
Com o teu perfume
Pra ver se o coração
Acalma-se dessa febre.

O coração quer é a embriaguez
Dos teus poros (cada furinho
Da haste do pelo arrancado
Com os dentes).

E não negocia.

Esqueleto que se torna
Alma (das providências
Mais lindas da natureza).

Todos os seres vivos
Com que seus olhos
Encantem-se, saiba:

Esqueletos que se tornam
Almas (seu cão, seu gato,
Os seus avós e seu amor).

Livre-se das algemas
E não tenha esse medo
De apagar um ou outro poema.

Apague dois, três,
Quantos você entender
Que não foram sinceros
Com a sua dor e sua fúria.

Maquiar um cadáver
Não assusta quem
Conhece o frio
Do corpo.

Pessoalmente quando converso com alguém
E esqueço uma palavra, uma data, uma lembrança
Da infância que se perde entre os nevoeiros do instante,
Então sorrio no canto dos lábios, acaricio seus cabelos e beijo
A nuca da pessoa a fim de distraí-la para que ela não se assuste
Com um poeta ainda tão jovem senhor já com sinais de Alzheimer.



O poema não prescreve. Não existe uma data específica
A que depois o poema vire carvão e comida de traça
E acabe arquivo morto dentro de um armário cinza.

Escrito ou não, o poema não prescreve.
(Os autos estão sempre postos sobre a mesa)

E haverá o dia em que abrirá a porta
Do quarto, do baú, da gaveta, da tumba.

Baterá com os punhos dos seus dedos
No peito (no nosso peito de fantasma)
Fazendo aquele barulho seco.


Pensa que não estou ciente
De que você só vive comigo
Porque todas as manhãs
Aos primeiros cantos
Dos passarinhos

O poeta chega à cabeceira da sua cama
Com uma bandeja espetacular de suco,
Torradinhas, café, frutas, um buquê
E um poema?

Sei que poderia abrir a porta
Com as minhas pernas dar o fora
O crocodilo do fosso está amarrado
O cachorro feroz dormindo mas é uma fronteira
Perigosa aproximar-se da porta da sala: front de bombas,
Trincheira de gás mostarda e morro de medo do mundo lá fora.

E vou ficando ficando ficando
Debaixo dos seus cabelos
De avelã e seus cílios
De fios de ouro.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O meu coração tem uma passagem
Por onde fogem os meus fantasmas.

A cada vida que flui
Deixam um bilhete
Para quem vier
Em seguida.

Os meus fantasmas
São muito atenciosos
Entre si e não somem
Sem escrever um verso.

Sacou até onde podem te levar as palavras?
E a tudo que elas dizem tu ainda te espantas.

Não é mediunidade,
Furor e doce de leite.

Segue.

A poesia é um barato
Só quando arde o meu coração
E me enlouquece: fora isso, um tédio.

Coisa de quem não tem
Um grande propósito
Na vida.

E vive por viver.
(Todos os segundos)

A entrada da atleta de nado sincronizado
E aquele rápido e encantador ritual antes
De cair na piscina: é o princípio do infarto.

Casaria.

Gosto da cor preta
Desde criancinha
Ao me apaixonar
Perdidamente
Por um corvo.

Que era
Graúna.

Já te disse que ela dançava
Em volta dos meus pés?

Mil vezes.

Escrever é bom ao coração.
(Desajusta as suas batidas)

Posso então andar em paz
Ciente do risco da parada.

Embora a minha cabeça
Confesse-me a real causa
Da minha morte: aneurisma.

Devo correr, e as palavras
Pegam as minhas mãos sem
Trégua e um pingo de piedade.

Procuro tuas digitais
Pelas minhas costas.

Como te condenar
Ao amor eterno
Sem o calor
Das tuas
Unhas?

Se não tivesse largado minha guitarra de lata de óleo pajeú
Nesta noite tocaria um blues debaixo da janela do meu amor.

Mas tive que vender limões
Ainda criancinha, baby.

(Juntar moedas pra revistas em quadrinhos)

Os teus cílios são fios de ouro
Que a aurora dourou um sol
Antes que meus olhos
Acordassem.

Hoje não pego
Em armas.

As minhas rosas após oferecerem
O que tinham para seduzir dizem-me adeus
Curvando a cabeça sem que caiam as pétalas.

Poderia sufocá-las mais um dia
Dentro do jarro de vidro e ouvi-las
Cantando seu blues de rosas vermelhas.

Não sou caçador do tipo
Que mata, decepa e empalha
Como troféu a alma do seu amor.

Durante cinco dias
Essas rosas lembraram-me
O seu batom todas as manhãs

E a cada caminhada até o riacho
Pra banhá-las, mudar a água e conversar
Fui um homem não feliz, mas desejoso de sê-lo.

Quase cheguei lá,
Ao poço do desfiladeiro.

Escrevi três cartas
Para o meu amor.

A primeira se resumia
A dizer em letras garrafais
O quanto morro de saudade.

A segunda um poema de Neruda.
A terceira tinha uma nódoa
De lágrima (e nenhuma
Palavra).

A que enviei.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Às vezes, guardo um pedaço de poema
Enrolado pela manga do meu casaco
Como quem um dia viajará pra longe
E precisa de carne vermelha
Ou peixe.

Antigamente a antecâmara da minha poesia
Era a varanda (sentado na cadeira de vime
Bebendo um café) agora peguei gosto em
Lavar as louças do jantar na área
De serviço.

De lá, fogem os guerreiros de Xian
Com as suas túnicas de ouro
E flechas de luz.

Se você me visita
Com esse ar de febre
Descendo pelo seu rímel

Tento adivinhar as canções
Que você ouviu de Chico.

E beijá-la com lábios
De outra mulher.

Quando adoramos uma pessoa
A morrer de simpatia por seu orixá

Tudo que se vê é fabuloso
Tudo que se diz é extasiante
Tudo que se ouve é esplêndido

Tudo que o coração arde
É tão poético.

E não existe
Mentira.

Quando adoramos uma pessoa
Havemos de adorar como os pagãos
Adoram os seus deuses: com desespero.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A minha mão não é leve.
É lisa, mas não é leve.

Se chego a algum ponto de delicadeza no que escrevo,
Preciso antes de muita oração e jejum: e me iludo
Sob o requinte que se ilude um assassino
Bem treinado com a sua arma.

(Já troquei hoje
A água das
Rosas)
"Conquistar-te entre todos aqueles caras foi muito desgastante, querida."
Disse um louva-a-deus à sua amada fêmea que respondeu com um
Cigarro na boca:"Fazer amor contigo não foi nada que sonhei..."
E decepou-lhe a cabeça.

E a cabeçou rolou pelas folhas
Ainda com aquele sorriso
De apaixonado.

(Meio incrédulo
Com seu fim)

sábado, 25 de julho de 2015

O sagrado leva
À loucura ou
À guerra.

A poesia
Não é mais
Aquela outra vida.

Agora é trabalho.
Só um trabalho.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Sabe aquele artesanato
De galinha de arame?

Pois bem, acabei
De rechear duas.

Em cada uma
Meia dúzia
De ovos.

Brancos em uma,
Vermelhos noutra.

Depois, lavei as mãos.
(Sabemos de onde
Vêm esses ovos)
Nunca esqueço do beija-flor
Que cruzou a porta da cozinha
E pousou na poncheira de vidro.

O meu dedo marcando a página do livro.
Os seus pezinhos firmes sobre a poncheira.

Saia de cena
Sem que o anjo
Toque trombeta.

E o demônio suspire
Nos furinhos da gaita.

Lembra dos apetrechos
Do sertanejo atrás da porta?

Leve na sua alma
Só aquela memória.

Tiro o meu cavalo da chuva
E dentro do estábulo trocamos
Uma ideia do tempo em que ele
Era um pégaso e o poeta um Sátiro.

(Foi bom)

Eis que chegou a hora
De plantarmos batatas.

O poeta a sujar as unhas de terra
E o meu cavalinho a puxar o arado.

No Alasca, conheci uma gaivota
Que me ensinou a língua dos peixes.

A lástima era que nunca conseguia hablar
Com os peixes, pois eles vinham sem cabeça.

Afinal, a cabeça
Era o banquete
Da gaivota.

Você não via, mas eu anotava no caderninho
A pausa dos seus suspiros, o fôlego da sua
Respiração, o som da sua clavícula.

No meu sótão, tarde da noite,
Experimentava a alquimia
Da sua alma.

O tempo que você levou a encantar o mortal
O poeta aprimorava-se entre as palavras,
Partituras, xícaras de café e óleos
Aromáticos do mar morto.

O nosso adeus, quando segui o caminho das nuvens
E você pegou aquele trem, não foi uma partida triste.

Em matéria
De saudades
Estamos quites.

E sempre será preciosa
(Soberana) a delicadeza.

Creio que hoje as árvores da minha calçada
Resolveram oferecer-me um banho
De suas folhas.

Troco as fronhas
Dos meus travesseiros
Sorrindo pras amigas oitis.

Deixo
O sofá
Colorido.

A lágrima dentro do meu olho não abre mão da sua intimidade.
Prefere morrer presa e sem escândalos a escorrer pelo rosto.

Entendo essa lágrima
E não pego guardanapo,
Lenço, papel de embrulhar
Pães e de presente de perfume.

Nem a flauta do fauno de sexta-feira
Tira de lá de dentro da saudade
Essa lágrima tão bacana.

A folha que cai,
O passarinho que canta
E se esconde entre os galhos,

Tal mágica não acontece sem
A vontade do silencioso Criador.

Então.

Os poemas que escrevo
Seguem a mesma fé, apenas
Que o Senhor dos passarinhos
E das árvores não pega minha mão.

Mantém um certo respeito
E distância razoável em que
Possa assistir aos meus delírios.

Essas coisas minhas de escrever versos
Assim mesmo, meu filho, não se assuste.

Você não imagina
O que os velhinhos

Arrastando os cilindros
De oxigênio pelos corredores
Do manicômio fazem pra respirar.

Você não imagina o vento frio
Que entra por aquele avental
Aberto na traseira.

Não, você não imagina
Aquele vento frio a queimar
Suas bolinhas tão azuis e lilases.

Os velhinhos dão pulos
De alegria quando
A enfermeira

Com as mãos gordas e gordurosas
Grita pelos corredores do manicômio
Que é hora da massagem nas bolinhas.

Shirley Mclaine. O nome da senhora. Eu bebia feito um gambá sentado no batente do saloon do mexicano. Bebia por meu irmão xerife morto pelos miseráveis assassinos os irmãos Buddy. Bebia pela nevasca que me triturava os ossos. Bebia pela fazenda em ruínas. Bebia pela má sorte da minha alma. Bebia o whisky de comanche do miserável mexicano. Bebia feito um gambá quando a senhora Shirley Mclaine passou por mim. Sorriu com um sorriso de marfim amarelo. Entrou no saloon do miserável mexicano. A nevasca queimava meus rins. Não queria entrar no saloon. Shirley Maclaine entrou. Entrei. A senhora sentada na mesa do Juiz Tonny Law e do reverendo Still sorria escandalosa mostrando como tesouro aqueles dentes de marfim amarelo. Era amor o que sentia. Dei um tiro no Juiz Law e outro no reverendo Still. Puxei a senhora Shirley Mclaine pelo braço. Chutei a porta. Montamos. Nevasca miserável queimava meu rosto. A senhora Shirley Mclaine apertava seu corpo contra o meu. Segurava firme minha cintura. Apertava. O meu cavalo não tem ferraduras. Ainda selvagem. Será uma longa jornada longa. Não matei o juiz Tonny Law nem o reverendo Still. Atirei nas pernas. As nuvens vermelhas caem sobre meus olhos. Estou triste. A senhora Shirley Mclaine não tem nada a ver com esta minha tristeza de gambá bêbado. Joguei longe a garrafa de Whisky de comanche do miserável mexicano Será uma longa jornada longa. A senhora Shirley Mclaine parece que dorme. O seu rosto é quente. Esquenta o meu coração. Diacho!

O jardineiro e o pescador
Quando se encontram
Trocam só duas
Palavras:

Flor,
Peixe.

E caminham seguros
De que o jardim e o mar
São preciosidades de cada um.

Colhi muitas lágrimas na minha vida.
Guardei-as em alforjes, ânforas, xícaras.
Hoje, nesta manhã, levarei minhas lágrimas
Dentro do meu peito, entre as minhas costelas.

Sei que posso fazer fogo
E aquecer o tempo frio
Lá fora.

Então, sigo.
Trêmulos cílios,
Mas sigo, baby.

Sigo.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Meu filho, escrevi cartas:
Segurava firme a caneta
(Embora a mão trêmula)

E as palavras escorriam
Tal como água de chuva
Pelas calçadas de pedra.

O milagre era o envelope
Sonho que se recebia
De volta à espera
De louco quase
Demente.

Cheirava o envelope,
Meu filho, cheirava
Qual um viciado
Antes de abrir
A alma.

Eau de L'arc o perfume
Do meu primeiro amor.
(Minha primeira morte)

O sagrado da poesia
São os dados jogados.

Não há fortuna
Senão os dados.

Jogados.

A grande dor no coração de seu Sebastião
(Um pescador das antigas da minha aldeia)

Não foi perder a mãe aos cinco
Nem o pai sob tempestade
Em alto mar aos quinze.

Mas perder o seu amor "a sua nega"
Pra um capitão de um cargueiro de Chipre.

Seu Sebastião não morreu de alcoolismo.
Nem se escondeu recluso em uma cabana.

Seu sebastião foi escrever cordel
E viver das suas rimas que sempre
Acabavam com dor, tristeza e pinga.

Corre uma lenda
Que seu Sebastião
Era Camões encarnado.

Nunca gostei de jogo de baralho.
O meu avô perdeu armazéns de rapadura
E a minha vó a conviver com aquele silêncio.

Fazia o fogo, mascava fumo,
Reflexiva que me dava dó.

Enquanto o meu avô
Na cadeira de balanço
Ainda vivia em um trono.

O reino da memória
É intocável (pro bem
Ou desgraça própria).

O amor é livre,
Até deixar
De sê-lo
Espanto.

João Cabral de Melo Neto
Nunca teve um bom ouvido.
(Comungo da sua dor de cabeça)

Voltaire tinha poucos dentes,
Mas uma peruca fabulosa.

E esta minha vontade
Nessa tarde de atear
Fogo aos meus livros
Já é um caso antigo.

Só que
Não.

Meus livros deixaram de existir um dia
Quando me viciei e troquei os Malditos,
Toda a Poesia e os Clássicos por baques.

Limpo, fiquei com a estante
De ferro, orgulhosa, fria.

Imagino a minha poesia quando perder o encanto sobre o teu coração
Nossas mãos não terão mais forças para catar o arroz e o feijão juntas.

Por isso, medroso que sou,
Todos os dias lanço-me
Às covas e mato
Um leão.

Quando ouvi seus passos subindo a escada, corri à despensa
Pra constatar se tudo ok os condimentos que você adora,
Mudei as roupas de cama e não me esqueci
De enfileirar os seus discos na frente.

Atendi à porta,
Beijei-lhe o rosto.

Em três minutos, tomei banho (não passei óleo nas pernas
Porque você detesta) vesti aquele vestido sem nada por dentro.

Após a segunda taça de vinho,
Os seus olhos armaram o sensual efeito
Que sempre deixa meu coração bambo e o corpo mole.

Você sorriu e sussurrou "Ah, querida..."
Com a mão no meu joelho. Pronto,
Já estava perdida.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

E se faltasse luz em sua casa, hein?
Onde se meteriam seus amigos fantasmas?

Não esqueça de quem pode estar perto agora.
Com quem possa conversar de fato sentindo
Cheiro, olhando olhos de verdade.

Trocar de lugar na mesa,
Acender uma vela
E fitar o outro
É lindo.

A poesia cansa
De ser escrita.


Tu me ofereceste outra vida,
Sangue novo e sexo febril.

Os teus problemas,
Apertos de coração
E todo tipo de loucura,
Meus desde criancinha.

O meu nariz, baby, não nasceu apenas
Pra cheirar flores, mas também
Aos ferrões das abelhas.

E olha só
Que narigão.

Percebes agora
Que sou nuvens?

Palpável em mim
Apenas as lágrimas.

(Em noites de cão
Fumaças e sexo)

Há tempos
Que não subo
Ao telhado de casa.

Sabe aquelas gatas prenhas?
Agora seus amores tocam banjo.

Um pirata amigo meu comparsa de nevoeiros e pilhagem
Sabedor da minha habilidade em descascar batatas
Convidou-me a fazer parte da sua nova tripulação
Sob anseios de loucos mares e tesouros.

Alertei-o que até poderia seguir em sua companhia,
Desde que me elevasse agora a um novo posto:
Aprendiz de chefe de cozinha.

Estou um craque
Em fazer feijão
E lavar louça.

Durante toda a minha vida fui um observador de passarinhos:
Atravessei estepes, escalei desfiladeiros, arrastei-me
Por matas exóticas. Cheguei a virar pinguim
Em noites no alto de geleiras.

No dia em que te vi sorrindo
Desisti de minhas andanças.

Passei a não sair de casa e da varanda (minha fronteira com o mundo)
Sentado na cadeira de vime vivo a observar encantado tua intimidade
Em tocar violino com o bico, bater asas e dar pulinhos com a chuva.

Tu és um passarinho
Muito raro e não sei
O nome da espécie
Que me batizou
O coração.

Decerto, nunca saberei
Da tua mágica natureza.

O maravilhoso espanto de um céu azul de brigadeiro sobre o deserto,
Os temores de um desfiladeiro, o jazz do banjo de um anjo, os botões
De girassóis levados pelo vento do oitavo mês, as esculturas de musgo:

O criador é um poeta, baby
E eu sou o seu filho caolho
E manco lépido pela estrada.

Você indicou-me o meu Orixá
Desde o primeiro olhar e só
Os búzios sabiam desse
Segredo.

Por esses dias, oxalá o meu filho pinte com seu riso e a sua loucura.
O skate encostado à porta da cozinha sempre que vou beber café
Olha-me meio ressentido com se o meu rapazinho tivesse
Dos últimos tombos se assustado e fugido.

O meu filho nunca fugiria
De um mágico pacto.

Arranhões, cortes e hematomas
São pra o Vinicius o que as nuvens
De chumbo são para o seu pai poeta.

Quanto mais temido o voo
(De skate ou de palavras)
Mais delicioso o risco.

terça-feira, 21 de julho de 2015

"Um a um poema que tu escreves
Ligas o teu coração a outros
Corações e ao criador..."

Disse-me o ermitão
E seguiu o seu caminho
Ouvindo um blues das antigas.

Voltar ao poema
E tratá-lo em silêncio
Tentando ouvir o esquecido
Durante a avidez das palavras
Não é falta de elegância e tirania.

O poema, por vezes,
Precisa retornar à mesa
De cirurgia (não à força).

E belo é o salto
Das suas pernas
Quando recupera
O sangue das veias.

Não entendo,
Em nome do sagrado
Como conhecer o mundano?

Se deus explora os corações humanos,
Então sabe como é bom e sensual
A dúvida, o risco, a melancolia.

Ou não tem a mínima noção
Da vida cativante do corpo.

A rosa com seus espinhos quando picam
Ainda assim não é adorada a flor?

Fui picado várias vezes
E não deixei de amá-las.

Embora caminhasse com o vaso de vidro
Para mudar a água e jogar ao lixo
As hastes e pétalas murchas.

Incrível olhar-me no espelho
E vê-la sorrindo a tirar
O vestido.

Pego a xícara de café
E você levita acima
Do açúcar.

Enxáguo os meus bermudões
Seus cílios voam com as espumas.

Loucura boa
Esse ópio,
Anjo.

Não sou dono da palavra,
Mas faço com ela
O que imagino.

Tratando-se de escrever versos
Perco total a timidez e o equilíbrio.

Rodopio bêbado ao redor da fogueira com uma cigana.
Danço música lenta de tertúlia com o primeiro amor.

Todas as noites antes de dormir
Faço uma oração de amor eterno
Para ti e peço que os anjos líricos

Cuidem do teu coração do jeito que as sacerdotisas
Acenderam em meu peito a paixão por teu corpo.

E te cultuo em palavras
Com a volúpia dos deuses.

Os meus segredos
Nem mesmo a poesia
Tem força para revelar.

Digamos que seja discreta
Nessas ocasiões de silêncio.

Nunca vi coisa mais discreta
Do que a poesia nessas horas.

Força a poesia tem
Até pra fulminar
O coração.

Quem pagou o pato foi a mocinha do marketing
Que me ligou em uma hora de extrema sensibilidade.

Ouviu os meus lamentos, murmúrios,
Decadência de um solitário maldito,
Toda a melancolia de um poeta.

Ouviu-me até o último soluço,
Por fim: "Você mora em Fortaleza,
Amado? Olha que providência, amado!
Você conhece a Igreja Deus é Fogo? Amado, frequento.
Ah, amado, que bom se você frequentasse a minha Igreja..."
"A partir de agora, sou o mais devotado fiel da Igreja Deus é Fogo..."

Espero que a mocinha do marketing realize os devaneios
Que a sua voz de ninfa proporcionou a este poeta
Em uma tarde de fervorosa solidão.

Em nome da Igreja Deus é Fogo,
Amém.

Quando levanto com as pontas das unhas o bico do detergente
E faz aquele barulhinho lembro-me do falecido plástico bolha.

Eram parentes.

Cada poema que escrevo, baby
É uma forma sutil de marcar
Um encontro contigo.

Tu com aquele vestido azul de bolinhas
(Acima do joelho) da década de 60.

Sessão das seis.

Chego como estou agora
De bermudão marrom,
Camiseta preta
E tênis.

A propósito,
A menina da pipoca
É só minha prima. (Ufa)

O jardineiro quando entristece
Não grita com suas flores
Nem as tortura

Arrancando-lhes
Pétalas, botões.

O jardineiro em silêncio de tempestades
Tira suas botas, lança-as a um canto
E caminha em direção ao mar.

O jardineiro é um pescador de ouriços
Nessas horas de desgosto, tolice e dor.

Chegaram. Os irmãos Buddy são os melhores dos piores assassinos do meio- oeste. Do Missouri a Minnesota. Do Lowa a Ohio. Carregam nas costas o odor putrefato de centenas de cadáveres. Mataram homens maus os irmãos Buddy. Também mataram homens inocentes. A família Spencer foi destroçada. Queimaram a fazenda. Enforcaram os coitados e deixaram os corpos suspensos em cordas nas pistaches. Os corvos do demônio não paravam de bicar os corpos. Arrancaram os olhos da família Spencer. Família correta a família Spencer. O reverendo Still abençoou os corpos e fez um enterro decente. O que pôde ser feito. Os irmãos Buddy chegaram com as primeiras nuvens vermelhas do amanhecer. Estão no Saloon do mexicano. Aquele desgraçado que vende Whisky de comanche. Miserável aquele mexicano. Com certeza ofereceu o melhor Whisky pros irmãos Buddy. Não é besta o mexicano. Os irmãos Buddy já estão bêbados feito gambás. O xerife é louco. O xerife é meu irmão. Não vou socorrer o meu irmão xerife. Não sou louco. Os tiros são muitos. Os tiros foram muitos no corpo do meu irmão xerife e louco. Jogaram o corpo no lamaçal. Chove no meio-oeste. Os irmãos Buddy. Esses demônios. Subiram com as francesas. Tenho que tirar do lamaçal o corpo do meu irmão. Meu pobre irmão. Xerife morto. Muitas balas de colt 44. Os irmãos Buddy subiram para o quarto com as francesas. Tenho que ter certeza. Podem me ver próximo do corpo do meu pobre irmão. Atiram bem os irmão Buddy. Do meio do lamaçal sou um alvo fácil. Malditos. Malditos. Malditos irmãos Buddy. Os melhores dos piores assassinos do meio-oeste. Carregam agora mais um odor putrefato nas costas. Do meu irmão xerife. Malditos. Malditos irmãos Buddy. E esse Whisky horrivel!!!

Baby, não consigo
Ser mais o homem e poeta
Que antes viviam apartados.

Pois se caminho
Ou se viajo,

Você me indica
Com o pensamento
Minha direção em alto mar.

Nunca duvide
De que meu
Naufrágio

Será sempre justo
À medida do meu amor.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Não faltavam às crianças antes de dormirem
Um pãozinho seco e um café ralo com leite.

Comiam apressados, correndo com a boca,
Pois sabiam que depois do banquete haveria
Na sala de mesinha de centro e três cadeiras
Uma atmosfera de magia e sonhos delirantes.

O pai e a mãe sentavam-se
Enquanto os três pequenos
Cruzavam as pernas no chão.

As bocas abertas,
Pescoços às nuvens.

Começavam, então, a mãe e o pai a se revezar
Com um livro de capa e páginas amarelas
Contando fábulas deslumbrantes.

O fim era sempre a cama
Entre lágrimas e sorrisos.

"Precisamos inventar mais histórias
Os meninos já percebem algo estranho
Nas páginas que folheamos... são espertos..."

A mãe (sorrindo) guardou o livro
Em cuja capa era visível o título:

"Compêndio de Homeopatia"
Há mulheres de lábios tão bem feitos,
Tão bem feitos, tão bem feitos, que
Até o batom gela de encanto.

Em uma taça de cristal
E mão de luva branca
Paira um desenlace
De almas,

Como se o chão
Clamasse a queda
E o céu o desespero.

Murmuro pela cozinha
E só a minha xícara
Ouve meu café.

O que você quer comigo, Rebeca.
Diga o que você deseja com este poeta.
Nós nos conhecemos desde nossa infância
Quando calçava eu meu kichute e você seu conga
E apostávamos corrida na pracinha da rua do cemitério.

Você jogava bola com os meninos e jogava bem, Rebeca.
Mas somente em minha companhia sentava no patamar
Da Catedral e nos grudávamos de algodão-doce
Admirando os jatos de águas coloridas
Da fonte.

Você passou uma eternidade fora de casa, Rebeca.
Tão distante dos meus braços que eles perderam
A força contumaz de antigamente.

Então, de uma hora pra outra, dá-lhe a doida e você retorna
Sem um telefonema, inbox, email, bilhete preso na pata de pombo.

Não posso, Rebeca
O que direi às andorinhas das oitis
E às formigas domésticas do açucareiro?

sinto.
Graças, Pai Mei, graças.
Ainda bem que a Rebeca
Retornou para vossa casa.

Aprenderá sob vosso ensinamento o Toque da Morte.
(O golpe dos cinco pontos fatais que explode o coração).

Rebeca tentou uma vez
Uma noite bebendo vinho

E o meu coração
Não bate mais
Como antes.

Beber um copo d'água, baby.
Pois hoje baixaram todos os santos
E sentaram-se ao meu lado para presenciar
Minhas mãos fazendo fogo com gravetos de palavras.

Não os culpo
Por me amarem.
Nunca digo quem sou
Ou quando partirei de verdade.

O que me atrai em um gênio fracassado
É a macumba que fazem pra que corte
Os pulsos, estoure miolos, sufoque-se
Com um saco plástico.

O gênio fracassado
Não sabe falar outra língua
Senão a sua materna e pródiga.

Às vezes, russo e mandarim
Sob o seu delirium tremens.

Não imaginem que anjos ou passarinhos
Conversam com ele (é tudo sedução,
Baby).

O gênio fracassado
Hoje em dia é um luxo.
O mundo é narciso e feliz.

Nas antigas
Sabia bater figurinhas:
Passava saliva na palma da mão
(Sem que percebessem os ingênuos)

E virava três
De uma só
Vez.

Como esquecer as primeiras
Extorsões da minha infância.

Não me tornei nenhum gângster,
Embora o meu filho não acredite
E pense que todo poeta é fingidor.

(Culpa do português
De Lisboa)

Não acredite no meu olhar fora do jogo.
Arde a verdade quando escrevo versos.

Ao levantar-me da mesa de baralho
A minha vida é patética e enfadonha.

Um saco de batatas
Sobre a cabeça frágil.

E se tropeço
O coração
Explode.

Daí a minha avidez
Em andar trôpego.

Outrora fui um masoquista de marca maior.
Oferecia feito um miserável o meu coração.
E admirava sob o silêncio de um psicopata
O coração em tiras expostas e todo sangue.

A ciência do amante do próprio sofrer
Compara-se ao amor pela tragédia do outro.

Seguindo o ritual da entrega e da indiferença
Extraía lágrimas dos meus olhos furando
Os olhos alheios.

E sorria no fundo do poço
A mentir que colhia
Orquídeas.


O exercício poético é pra fortalecer o punho
Durante a travessia do desfiladeiro segurar
A corda por horas a fio suspenso e incrédulo.

(Nenhuma margem
É digna da minha
Morte)

domingo, 19 de julho de 2015

Em masmorras, meu filho,
Aprendemos a conversar
Com ratos.

Mas, acredite, pintam dias claros
Em que surgem das fendas do esgoto
Esperanças (aqueles bichinhos verdes).

Tão indefesos a nos trazer
Uma alegria de morte.

Nessas ocasiões, meu filho, guardo
Uma colherinha de doce de leite
Pra recompensá-las.

Por todos os poemas que já escrevi
Não há outra alternativa pro meu coração
Senão uma vida própria após a minha morte.

Coração venturoso
Vermelho flamboyant.

Não existe graça
Em poeta preso
A sessões

De filantropia
E boa índole.

Se a palavra
Não me libertasse
Seria eu um El Chapo.

Pois saibam,
Faço maldades
Com gafanhotos,
Cigarras e formigas.

E de lambuja (penso)
Ainda sou o queridinho
Dos seus muitos deuses.

Ou vocês não sabiam
Que todo solitário
É um sedutor?

Não aparto brigas.
Aprendi desde criança.

Posso dizer um poema
Em voz alta e distante.

Talvez comova os facínoras.
Os brigões. Os covardes.

Mas não me meterei em desavença.
Não sou santo, herói, um bom moço.

Como disse, posso passar uma vida
Dizendo poesias em voz alta ao mundo.

Mas afastado.
Sem oferecer
A minha pele.

O meu corpo
Só pra fazer
Amor.

Meu filho, falta-lhe coragem?
Então não ouse meter-se
Com essas espadas
De samurai.

Somente em olhar a lâmina
Corta-se do supercílio
Ao lábio.

O meu enforcamento será penoso aos carrascos.
O pescoço do poeta só cede a massagens de musas.

A minha forca quem dá o nó na corda serei eu o dia em que
Todo o povo da aldeia estiver morrendo de medo em suas casas
Ouvindo as bestas de Hades em suas carruagens de fogo e enxofre.

Correrão ao meu encontro
E suplicarão a minha ternura.

Mas pra fazer.algazarra
Cantarei um blues e zap!

Certa noite bebi três garrafas de vinho
E viajei por aí distribuindo cartas de amor.

No outro dia, uma multidão
Com tochas e estacas nas mãos
Bateram-me à porta acusando-me
De galinha e pusilânime cachorrão.

Não conseguia ouvi-los.
A minha cabeça explodia.

Mas no fim da fila
Pude vislumbrar
Uma aldeã

Com um sorriso lindo
De dentinho quebrado.

No fim da jornada
A poesia revela
O que somos.

Mas nunca chega
O último baque.

Névoas seguindo marés.

A preguiça faz bem ao escorpião encantado
Sempre a desconfiar do céu azul que hoje
Quebrou a janela e bateu-lhe no peito
Como aviso de novas invasões líricas.

Mas se do abismo
Nunca se deve fugir
Que quebre meus ossos
Esse vapor azul do paraíso.

Passou rápido, lépido e saltitante
O passarinho pela janela cruzando
Os galhos das oitis da minha calçada.

Mas gostei de ouvi-lo
Com a sua gaita.

Na chuva
É violino.

Havemos de seguir atentos
Com o encanto em nossas
Almas: o monstro não vive
Longe em cavernas frias,
Mas dentro de nós

Espreitando-nos
Com os olhos
Do ciúme

E o vício, baby,
Da desconfiança.

Cabe ao encanto do nosso encontro
Afiar a lâmina com a verdade das juras
E cortar fumaças do joguinho de baralho.

Você bate à porta. Escondo a pistola.
Mas você já conhece a brincadeira,
Joga-me ao sofá, senta no meu colo,
Tira a pistola do meu bolso, aperta.
Esguicham pétalas, pétalas, pétalas.

Mudei-me de casa da infância à juventude
Em torno de oito vezes. A cada casa nova
Tinha de fazer uma ponte entre fantasmas

Da casa anterior que levava comigo e os da nova
Que já estavam lá morando há muito muito tempo.

Pessoas que nascem e morrem em uma única casa
Dever ser estranho criar elos apenas com fantasmas
Conhecidos pelos cantos tão comuns e sem surpresas.

A cada casa nova paira aquele medo
De que realmente não se deem bem
Os nossos fantasmas e os antigos.

Sempre fui um diplomata
Em contemporizar disputas
E ciúmes entre os fantasmas.

(Mamãe passou açúcar
Em meu coração pra
Coisas de encantamento)

O esmero em escrever
Não consiste no tempo
Em que dedicamos
Às palavras.

Mas em ter as palavras
Um perfume específico.

As minhas têm
O teu cheiro.

sábado, 18 de julho de 2015

Os tambores vinham do outro lado da rua. Diziam os antigos que tambores quando tocam assim é o demônio convidando os menos avisados das coisas do demônio pra festejos. Os tambores vinham do outro lado do rio e os pescadores mais antigos diziam que tambores assim era de um perigo afogar-se em alto mar ainda com os pés na praia. Como eu ainda era jovem, ingênuo e gostava de arriscar os meus pulsos perto de lâmina enferrujada, fui, atravessei a rua e atravessei o rio, deparei com mulheres seminuas dançando. Os vestidos de renda, transparentes, alvos que me cegavam. Cego dos olhos, mas vendo outro mundo com o coração pegando fogo, dancei, dancei com aquelas mulheres loiras, negras, caboclas e não parei mais de dançar. A rua fica do outro lado e do outro lado o rio. Hoje durmo por lá exausto com o cheiro forte de amor e carne.

A relação do poeta consigo mesmo não se desgasta.
A cada poema escrito é uma boda de pena, e as coisas
Tendem a piorar (que é felicidade) nessa união promíscua.

O homem que desativa bombas
Sabe que o seu fim está próximo.

O poeta também.
Só que o poeta arma
A sua própria todos os dias.

Cara, você deseja entrar pra história.
Aquela mosca do almoço também queria.
Mas sou muito rápido com um copo de vidro.

Se você erguer os seus braços pro céu
E explodirem do seu pescoço aquelas
Artérias de um colhedor de algodão
Acreditarei então no seu blues.

Não busque uma ponte para o encanto.
Acontece e não se iluda com sobressaltos.

No meu caso, ultimamente
Meu coração perdeu os braços
E postas foram-se as minhas mãos.

Agora quem escreve por mim
É o coração (o outro) do encanto.

Há pouco, troquei as correias
Das sandálias antigas da minha irmã.
Depois que eu percebi como é simbólico
Trocar as correias das sandálias antigas da irmã.

Em uma vida passada (porque são muitas) trabalhei em curtumes.
Desde matar o animal e estender ao sol a pele dos caprinos
Até cortar e modelar as formas do couro.

Ficaram marcas
Nos meus dedos.

E não posso assegurar se do processo
Sobrenatural da outra vida ou desta
Na feitura de poemas.

Leitão assado com aquela maçã
Ou laranja na boca: Ó Pai Mei,
Afastai da minha mente
Tal imagem.

Para um porco chauvinista de outrora,
Presenciar sobre a mesa um antigo
Companheiro ainda moço
Nessa situação
É triste.

Pode ser meiguice,
Mas não consigo
Aproximar-me.

Só em pensar,
Meu coração
Dá um nó.

Garçom, por obséquio,
O meu pirão de peixe.
Como sentir falta do perfume de uma mulher
Se dela tenho uma borboleta que lhe enviei
Para pousar em sua perna.

Não quis assustá-la,
Confesso que até sorri

Sabendo que após o susto
Minha baby conseguiria
Dormir leve.

A borboleta cumpriu seu papel
E trouxe para o meu corpo
O cheiro de lavanda
Da minha amada.

Cinturinha de pilão.
Se tivesses cinturinha
De harpa, tudo bem, baby.

Mas tens cinturinha de pilão.
Por favor, sem falsa modéstia.

Cinturinha de pilão.
Cinturinha de pilão.

A poesia ofereceu-me um capuz de atirador de elite.
Não pra esconder o meu rosto cínico. Diria,
Para que não vejam o meu riso lírico
Quando acerto o corpo
E tomba.

Que o palhaço
Em minha alma
Seja sempre triste.

Amém.
Não deveria ter comprado aqueles cavalos do velho John Petry.
Cavalos de cascos podres e ancas cansadas. Cavalos malhados.
Seis dólares por cada pescoço. Dez pescoços. Uma fortuna.
A minha ruína. Miséria da minha alma. O bando do Billy Caolho
Por essas noites beira por aí. O que dirá o Billy Caolho com esse gasto.
O dinheiro não era meu. Miséria da minha alma. Não conheço caballos.
Como assaltaremos a diligência com esses pangarés. Vou levar um
Tiro na perna. Outro no braço. Vão cortar meu rosto e me enforcar e
Queimar minha casa com meu pobre filho Teddy, a menina Cily
E a desventurada da mãe deles a minha querida Sra. Maffield.
Miséria da minha alma. Deveria ter confiado a missão ao Bobby Maneta.
Miséria da minha alma. Miséria de cavalos. E esse whisky horrível!!!

sexta-feira, 17 de julho de 2015

O encantamento que a ponta da língua causa
Ao corpo febril e sanguíneo do coração
Explode nos amantes o sonho.

E já não sabem
Com que coração
Dedicam-se um ao outro.

Voltarei a dar sermões no alto da montanha.
Não mudarei o meu estilo nem a minha túnica.

Conservarei a mesma cor lilás
E o cordão azul em volta da cintura.

Abrirei os braços com a envergadura de um poeta crucificado.
Chamarei aos meus pés os desconsolados, os febris, os pagãos.

Aliviarei a dor dos angustiados
Por terem roubado doces na infância
E dos anciãos tristonhos pela covardia
Da mocidade em fugirem do primeiro amor.

Sangrarei os meus pés com a subida.
Não calçarei as sandália do ermitão.

Não pouparei minhas lágrimas.
Não deixarei pra depois a salvação.
Farei fogo com os meus cílios e queimarei
Os corações de quem se propor ao desconhecido.

Serei o pai do filho órfão.
Serei a mãe da filha grávida.

Indicarei com a minha voz
O caminho da coragem
E da boa morte.

Voltarei pra minha caverna cansado.
Exausto e feliz do meu encantamento.

Dobrarei a minha túnica lilás
E com o cordão azul apertarei
O meu santo sudário da poesia.

Dormirei despido,
Trêmulo, entre rochas.
Não há santinhos na mesa de baralho.
Nem a freira que guarda entre os seios
Uma carta pra última rodada de champanhe.

Minha curiosidade como diacho
A doce freira escondeu aquela carta.

Nem o prefeito desconfiou
Que é um gambá velho
Em truques.

Muito menos o forasteiro
Que chegou cedo de El Paso
E me parecia pelo silêncio um matador.

Em todo caso,
Creio que é aconselhável
Permanecer detrás do balcão.

O rifle Winchester 44
Ao alcance dos olhos.

Deste um tiro no pé quando atiraste pro céu
Tentando acertar uma lata de leite moça
Em parábola descendente.

Não limpes com as costas dos pulsos
Repetidas vezes o beijo roubado.

Não faças essa cara de espanto,
Indignação e constrangimento.

Um dia,
Os lábios gelados
Dormindo na sepultura
Hão de chorar pelos beijos
Que lhes faltaram coragem e loucura.

Descuidou-se do encanto
E os corvos que eram
Seus criados

De plumagem sedosa
E sensual fugiram
Dos seus olhos.

Vivem hoje em dia
Pelos campos de girassóis
Bicando os espantalhos infelizes.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Baby, nunca mais peguei em um livro de física.
Calcularei agora a velocidade do meu cílio
Até a palma da tua mão assoprado
Por meu pensamento.

Que faço com essa chuva
Súbita e manhosa sobre
Meu corpo dormente...

Nessas horas sou bichano
Brincando com novelos
Em cima da cama
De colcha nova.

Baby, nunca mais peguei em um livro de física.
Calcularei agora a velocidade do meu cílio
Até a palma da tua mão assoprado
Por meu pensamento.

A minha professora de respiração
Aconselhou-me a escrever menos.

Ou perderia a voz
Para sempre.

Bateu a porta
E roubou-me
Os poemas.

(Entre as partituras
De cítara para criança)

Baforadas reflexivas
A fumaça do cachimbo
Minha avó lançava pro alto.

Menino pálido barrigudo
Sentado no batente da cozinha
Pensava: "minha vó é índia, minha
Vó é bruxa, a minha vó é uma santa..."

O cabo do cachimbo pendia-lhe no canto dos lábios
Quando sorrindo minha avó ouvia meus pensamentos.

Se tu encontrares no meio do caminho
Um escorpião encantado com a cauda
Levantada pro céu atraindo toda sorte
De astros, aproxima-te não temas dele

O afeto,
A liberdade.

O veneno do escorpião
Com esses arroubos
Renasce mortos.

Pensou o pescador
Se não está na hora
De voltar do mar aberto

E esquecer as estrelas
Que lhe queimaram o rosto.

Já brilha tanta luz em seu coração
Que pode o pescador perder
O caminho pra casa.

Não é bom muitos peixes
Em um banquete solitário.

Meu primeiro kichute e relógio casio
Tornaram-me uma alma tão materialista.

E eu era um menino feliz.
Ainda não conhecia as formigas
Pelo jardim, as flores e o sol batendo
Nas calçadas depois de uma chuvinha fina.

Quando notei essas maravilhas,
O kichute virou poeira e o relógio casio
Troquei por umas revistas em quadrinhos.

O garrafão de água tá quase vazio.
Levantar o segundo e pô-lo sobre
A pia penso se um dia partirá
A minha coluna em duas.

Até quando, meu bem,
Ainda terei forças para erguer
Um garrafão de água mineral?

Escrever sei que as minhas mãos trêmulas
De velhinho só os ossos de pijama pela casa
Darão um charme especial aos últimos poemas.

Sempre que corto minhas unhas
Aperta-me o peito de saudades
Do tempo em que lixava
Os cascos dourados
Do meu pégaso

Que batia as asas,
Balançava o pescoço
E olhava para os céus
Adivinhando-me os sonhos.

Naquela ocasião
Vivíamos cruzando
Auroras e arrebóis.

Seguia nosso rastro
(Em forma de seta)
Um bando de pelicanos.

Por quantas pessoas
Passamos nessa vida
E só algumas poucas
Reconhecem nosso
Silêncio apavorante.

E entregam-se
Ao que sequer
Sabemos de nós.

Esse mergulho ao coração do poeta
É uma prova de amor no escuro.
Um pacto assinado em brancas
Nuvens que podem escurecer.

Os salmos foram escritos não por passarinhos,
Mas pelos caramujos com as suas casas
Sobre as costas em caminhos
De sol e de chuva.

Ou de raposas
Casando-se.

Desde que perdi o medo de fazer orações,
Escrevo um poema antes de dormir.

E mesmo que eu não consiga fechar os olhos
O poema será escrito pra alguém que dorme feliz.

O tocador de banjo
É um anjo, baby.

Esqueça a cítara,
Harpas e trombetas.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Imaginemos que ao morrer
Um ser supremo envolto
Em névoas (e caneta
No bolso)

Perguntasse-me se desejaria
Nascer novamente em pele
De poeta.

Diria: "Não, Pai Mei,  basta uma vida
Pra esse tipo de coração e não me
Arranques um olho."

Ufa.


Alerto a você
Que esqueci
Por completo
Os livros que
Já li um dia.

Por favor, cite-me os livros
Que você já leu. Mas conte
Por alto e não me pergunte
Se conheço ou não tal autor.

Envolva-me, seduza-me, com
As imagens, ideias, sentimentos
Que lhe fizeram tremer as páginas.

Lance-me no jogo e não se envergonhe
Do brilho dos seus olhos e da voz presa.

Precisamos certo talento
Pra contar uma história
Fulminante dos outros.

Às vezes, tão idiota
Comungo da estupidez
Em dizer títulos de obras
Cuja lembrança é incerta.

Mas sou criança
E adoro suspense.

Conte-me.

O fêmur de Edgar Allan Poe
Retirado da terra após um tempo
Não brilhava mais que o bico de um corvo.

O teu desmanchara-se
Nas luvas brancas
Do perito.

Muitas vezes ajudei velhinhos a atravessar a rua,
Já tirei do meio da pista um gatinho morto,
Plantei uma árvore na escola

E quando sobram moedas
Distribuo entre os aleijados.

Não quero, mestre Pai Mei, morrer por esses dias
Sem antes sentir o calor do corpo da amada
Em um sono tranquilo.

Resolve essa parada,
Vê aí a minha ficha
E não arranques
Meu olho.

A minha garota adora pescar peixes de água doce.
Ontem, chegou berrando feliz da porta com uma
Belezura na mão.

Confessou-me, ofegante,
Que usou na isca mel
De abelha uruçu.

E piscou
Os olhos.

As formigas domésticas
Que vivem circulando
O açucareiro sabem
Fazer vodu mais
Que místico
Haitiano.

Alfinetaram-me
E as minhas mãos
Trêmulas deixaram cair
Uma colherinha de açúcar.

Dançaram sobre o armário
Em volta das xícaras e bule
Louvando as suas entidades.

Depois, banquetearam-se
Em profundo silêncio sacro.

Penso naqueles senhores taciturnos
Que escreviam em suas alcovas
À luz de velas

E trancafiavam seus escritos em baús
Ocultando a curiosidade alheia
Da natureza de suas almas.

Decerto bem mais sincera
A companhia dos seus fantasmas
Diante dos meus que acreditam piamente
Que só escrevo ávido pelo coração de quem me escuta.

Não há injustiça em ser fraco e tolo,
Pois sorrio um lampejo de vitória
A pressentir durante meu enterro
Que meus ossos seguirão um
Caminho à parte.

A única mudança de trajetória
Ainda ocorrerá sem que eu saiba.
Poeta, a poesia conversa contigo
Na feitura do poema ou, diáspora,
Some com a presença das palavras?

Os melhores poemas são aqueles
Em que perdemos as unhas
Cavando nosso buraco.

Se para terra
Caminha o corpo,
Havemos então de
Deixar alguma nuvem
No meio da estrada, Caeiro.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Juro que as próximas rosas
Guardo dentro da gaveta
E deixo o jarro de vidro
Morto de ciúme.

As minhas camisas sonham
Com esse ato de ternura.

O quarto dos fundos anda uma bagunça.
Os cupins foram embora há tempos.
(Levaram duas portas nas costas)

Encontrei hoje suspenso
Em uma teia de aranha
Um filhote de escorpião
Rígido, sem vida e feliz.

Muitas roupas sujas pela cômoda.
Além da estante de ferro altiva
Segurando de mau humor
Livros velhinhos.

Bagunça o quarto dos fundos.
Mas quando entro as paredes
Curvam-se e dão palmadinhas
Nos meus ombros "Apaixonado,
Hein?" As paredes sempre joviais.

Boa parte dos poemas
Escrevo sonhando.
Digo, dormindo
Mesmo.

Tão real o poema
Que me vejo fora
Do sonho.

Mordo os lábios,
Belisco meu braço,
Tento mudar palavras
De acordo com o espanto.

Mas poemas assim
Escritos sob outros
Terrenos

Parecem seguir
Um destino traçado.

E como há alívio
Após abrir os olhos.

Não acreditava em milagre.
Você limpou meu coração.
Agora sou um anjo batendo
Pelas paredes doido de amor
A espocar as lâmpadas de casa.

Dos esconderijos de criança
Debaixo da cama e dentro do guarda-roupa
Eram os cantos que mais me encantavam: debaixo
Da cama brincava com formigas e dentro do guarda-roupa
Acendia uma vela e lia quadrinhos. Um dia descobri as sombras
Dos dedos e passei a dedicar-me a cinema com caixa de sapatos.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Nunca entendi por que um narcisista
Sangra o rosto e vela-se moribundo.

Escolhe a poesia
Ao luxo da corte.

A gorda delirante
À esposa fiel.

Não entra na minha cabeça
A falta de juízo de um narcisista
Que segue a sombra sob lua cheia.

E retorna correndo à floresta sombria
Pra conversar com os corvos do amanhecer.

Um louco pode
A qualquer momento
Cortar a ponta do dedo.

Também pode jogar alpiste
Pra passarinhos imaginários.

Ouvir cânticos das paredes
E aprender a tocar violino
Com um lindo sorriso
No rosto.

Em questão de segundos,
Baby, em questão de segundos
Um louco pode tomar seu xarope
Lendo um russo ou um poeta haicai
Sem franzir o cenho e morder a língua.
Então cantarei o amor
Para atrair teu pensamento.

Faço de conta
Que um flamingo
Pousou na varanda.

E não bebo café.
Nem tomo ópio.

As mães Salomé e Jurema
Não precisam ler minha mão.

As ranhuras pelas linhas
São marcas dos teus cílios.

Já joguei tantos poemas no lixo
Que os rapazes da limpeza
Passam com o caminhão
Tocando um blues.

Não fecho mais
A janela do quarto.

Posso morrer na cama
Confabulando segredos.

Não poupe o jovem senhor
De um infarto fulminante
Na terceira rodada.

Depois de mortos
Que os corvos voam
Além do arrebol e loucos.

Tentei algumas vezes me enforcar.
Mas sempre se rompem as asas
Do beija-flor em volta
Do meu pescoço.

Suas asas não nasceram pra tal finalidade.
Talvez eu experimente um colar de búzios.

E deixe sangrar a artéria
À memória dos peixes.

É preciso muito cuidado
Em operar um coração
Ainda firme entre
Costelas.

Os lábios cantando em voz baixa um blues
Ajuda a dar os pontos e trazer de volta o risco.

O penhasco é uma bela vista
Pra quem sabe que lá no abismo
Existem ninhos de pássaros raros.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Não beberei um copo de água com açúcar.
Conheça de perto os meus soluços, baby.

São eles que me dão força
Para esticar a linha do telefone
De caixas de fósforos e falar contigo.

Tem assassino de filme
Que chupa e beija a bala
Antes de encaixá-la no tambor
E apertar o gatilho na direção certa.

Às vezes, chupo e beijo
Mais de uma palavra
E aperto o gatilho.

A direção segue
O meu peito.

Vivo de favor na casa da poesia.
Ela me dá o de comer e o de beber.
E eu dou em troca toda a minha alma.

Se não existe alma,
Ofereço o coração.

Mas se o coração só um músculo sanguíneo,
Então a minha vida é completamente em vão.

Um dia Quintana cansou
E mandou ver a mão
Nos seus sapatos
Da janela

Que caíram
Na calçada
Sobre um
Pombo.

Quintana nunca soube
Que matou um pombo.


Amanhã planto uma rosa.
Hoje, bebo um espinho.
Sem perder elegância.

Se não gosta de um poeta
Quebre o nariz do cara
E ofereça o seu.

Um coração inteiro
Com toda a sua loucura
É mais generoso que partido
Em laços de ternura e cinismo.

Ousar dividir a névoa do chumbo
Com uma lâmina de espátula pra bolo
Causa-me vergonha a vergonha dos outros.

O meu tornozelo suporta
Veneno de cobra, escorpiões
E flechas de semideuses pagãos.

Manda.

Já escrevi em quase todo tipo de papel:
De embrulhar pães, de caixa de sapatos,
Caixa de cervejas, caixa de geladeira nova,
Em papel de presente, guardanapo e contracapa
De livrinho de sétimo dia. Pra cada textura uma letra
Específica, como um pingo de chuva nas costas de elefante,
Um pingo de chuva na areia e um pingo de chuva na vidraça.
Se pegar na arma para escrever
Tenha estômago e encare
A primeira palavra
Como vício.

Não terá fim.
Recebi um cartãozinho de Mãe Salomé
(Cartas, tarô, búzios). Não rasguei
E joguei na rua, tenho educação.

Tiro agora do bolso e penso em ligar pra saber
Se os meus oráculos batem com o mesmo destino
Que a Mãe Salomé prevê pra este poeta apaixonado.

Confesso, antes eu pensava
Que era uma nota de cinquenta.

A poesia me revela
Cada ruga, o corte
Do queixo, sinal
Da boca.

O paspalho que sou
E o samurai que dança
Com sapatilhas douradas.

Se não for poesia que grita
Arrancando-lhe o coração
Aquiete-se, homem.

O seu signo já foi velado.
E a fantasia humana arrasta
Sobre os ombros o seu sepulcro.

Retorne pra sua caverna
E faça seu fogo sozinho.

Sagrado é o silêncio
Pela clareza do silêncio.

Mas eu quero
É barulho!


Uma mulher sempre guarda
Um sinal e raladura de infância
Para o seu novo e querido bem.

Basta que este se entregue
Com as pontas dos dedos
Pelo corpo da amada
Em carinhos
E febre.

Só depois, muito tempo depois,
Adentre e visite-lhe o coração.

O meu filho tem o cheiro forte igual ao pai.
Embora não goste de poesia, ao passar
Pelas árvores da calçada

Os passarinhos inspiram profundamente
E suspiram virando os olhinhos e asas.

O meu filho largadão na cama.
Virou a noite papeando.
Tá mortinho.

O poeta não conhecia felicidade
Passou então a conhecê-la durante
Os cinco dias em sua lépida companhia.

A propósito, eu te falei do mais delicioso suco
Que já bebi em toda a minha vida? Abacaxi
Com hortelã preparado por suas mãos
De treze anos.

Mas o rapazinho tem de acordar.
Ou não comprarei os jogos do Xbox.
(A sua mãe depositou a grana desde ontem)

Não tenho noção.
Sei que preciso pegar
Alguma coisa com febre.

E minhas mãos correm pela casa
Tateando lembranças da minha infância.

A madeira do baú antigo da minha vó
Por muito tempo a minha segunda pele.

Cortei os dedos na dobradiça
Naquele dia de espantos.

E pingou sangue
Dentro do tesouro:
Crucifixos, orações,
Lenços, xícaras, moedas.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Você me vê na rua jogado
Saco de batatas podre
E me chuta.

E me chuta, me chuta, me chuta,
Até que meus olhos sorriem.

Não gosto quando meus olhos
Sorriem pro céu, imagino
Nessas horas da noite
Que cairá um anjo.

Um ancestral louco
Que um dia me amou.

Caso a minha poesia não a enlouqueça,
Não haverá graça. Mas agora é pessoal:
Farei de você a mulher mais louca e feliz.

Você colherá as maçãs do condado
De tiara, nua, tocando flauta e doida.

Recitando o burguês de Florença
Pros ratos dos caixotes de viagem.

Em noites de grande vazio
O melhor abraço é o que sangra.

Fiz a minha escolha
E não beberei chá
De cianeto.

Seria muita desgraça
Não cumprir o último
Pedido das palavras.

Sem pio,
Sem ruído.
Se não fosse a poesia
Viveria esfaqueando
Os travesseiros.

Ora, mas você esfaqueia.
Ou você pensa que esses rasgões
Brincadeira de criança sozinha em casa?

Panaca, disse-me o monstro do peito.
E eu passei o dia pensando por que
Não lhe meti bala. Lembrei que ele
Adora me tirar do sério.

Entrei no saloon,
Pedi um uísque
E o velho John
Trouxe-me

Uma dançarina
Francesa.

Subi a escada de madeira em espiral.
E antes de chegar à porta uma bala
Rasgou o papel parede belle époque.

Quando a solidão bate, olho para minha xícara branca
Com ares de romance e bebo o café em goles tórridos.

Não dou chance
Que os lábios
Sequem.

Cruzaste as pernas de propósito
Sabendo que da minha casa
Posso tocá-la.

E os meus cílios voaram
Para entre as tuas coxas.

Fiz experiências com brotinhos de feijão na infância.
E nunca mais esqueci minha professora de Ciências.

Aqueles olhos de mel e o batom de cereja
Incentivaram-me a ser um aluno sonhador.

Dom Quixote nasceu
De uma aula de Ciências.

Vai saber o que se passa
No coração de  um monge
Enquanto caminha pela trilha
E só vê joaninhas e passarinhos.

Mas eu não duvido do coração
Do poeta de bermudão a cortar
As unhas dos pés e vendo subir

A construção do esqueleto
Do prédio em frente ao meu.

Aqueles operários podem pular dos andaimes.
Já assisti em um filme almas desejando o chão.

E o bardo miserável de contos de fábula
Junta as moedas encantadas da parede.

(Às vezes, os meus fantasmas exageram
Em esconder as moedas entre as rachaduras)

Natural que eu sonhe em tê-la velhinha
Arrastando chinelos e eu com as mãos
Trêmulas ainda bebendo o meu café.

Natural que eu a veja encurvada sobre
O parapeito da varanda tentando pegar
Uma folha ou um plástico trazidos pelo
Vento atrapalhando a nossa tenra horta.

Natural que a poesia tenha esse poder
De adoçar as nossas vistas em torno
Das íris com necroses e calcificação.

Natural que eu sorria e os meus dentes
Caiam dentro do bolso do teu robe de cetim.

Acordei cedinho com as galinhas
Só pra dar bom dia ao meu amor.

Que não é galinha
Nem passarinhos.

É uma mulher
Que adora vestidos
E que eu adoro tirá-los.

(Com os dentes)

quarta-feira, 8 de julho de 2015

O poema definitivo não existe.
O que faço é tricotar e desmanchar o bordado
Da colcha (pelas mãos de uma mulher olhando o mar).

Não dá pra distinguir
Os cristais de açúcar
Do vidro do armário
Que foi triturado
Com a queda.

Benzo o açucareiro
E adoço o meu café.
A sorte está lançada.

Conheci uma menininha
Que lia o que lhe caísse
Nas mãos.

Até parecia com aquela outra niña
Que roubava livros dos alemães.
Tinha as mesmas tranças.

Um dia uma folha de oiti trazida pelo vento
Pousou sobre o seu colo e a menininha
Tomou um susto: um verso
De Neruda.

Menininha olhou encantada pra janela
E lá estava uma gaivota de Isla Negra
Com o bico sujo de guache e de peixe.

Conheço os meus suspiros
Como conhecem seus pés
Os pombos sobre os fios
De alta tensão.

O choque não mata
Ainda que parta
Costelas.

Estive pensando, baby,
Nesse acidente doméstico
De há pouco: se o vidro do armário
Tivesse inclinado coisa de poucos milímetros
Cortaria meu braço e sabe-se lá quantas artérias.

Sequer chegaria ao portão do prédio com vida.
E amanhã estaria dentro de um caixão bacana.

Quem escreveria os poemas
Que ainda me queimam a alma?

Um dia pensei que mesmo morto
Escreveria com mãos solícitas
De alguns bons espíritos.

Mas, neste momento, só penso
Que o fim existe e não levo
Dor nem fúria.

Às vezes, em manhãs de chuva e sol,
Dou uma de alquimista e elaboro
Algumas fragrâncias.

Experimentei há pouco
(Também sou cobaia)
Um sabonete asas
De passarinho.

O perfume é muito especial.
Coisa de minutos, meu coração mudou
E já vou pra varanda ver como se comportam
As andorinhas das árvores de oiti da minha calçada.

O meu tio Pedim
Tinha na sala de estudos
Uma infinidade de gaiolas
Com mil passarinhos presos.

Era difícil me concentrar
No ditado e nas contas
Ouvindo aquela alegria.

E viajava refletindo sobre
A felicidade dos passarinhos
Trancafiados em jaulas de arame.

Não fui eu quem envenenou com coca-cola a graúna.
Mas a partir da sua morte, meu tio Pedim perdeu as forças.
E em uma bela tarde de sexta-feira soltou todos os mil passarinhos.

A sala de estudos passou a me causar calafrios
Com a infinidade de gaiolas vazias e tristes.

Andei, então, a refletir
Sobre a solidão eterna
Do meu peito de criança.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Não leio poesia,
Guardo-a dentro
Dos travesseiros.

E é uma briga ferrenha
Entre os meus cabelos brancos,
Penas de passarinhos e as folhas de oiti.

Com aleijados e drogados de esquina
Que troco de figurinhas e jogo baralho.

Nunca ouvi um uirapuru cantando
Mas se dizem que o seu canto é sagrado
Quem sou eu e que força têm os meus ouvidos
Para negar o encanto de quem acorda com sorte.

A porta que hoje derrubo
Amanhã posso consertá-la
Enfiando algodões
Dentro da fechadura.

Baby, não há mal em dar voltas
Em torno da fogueira apagada.

A chuva caiu mais cedo
E novas flores cumpriram
O último pacto do jardineiro.

O senhor de chapéu mordido nas pontas
Não irá pra forca faminto e sem esperança.

Sou daquelas viúvas
Que vivem na janela.

Olhando a rua com saudades.
Não do amor, mas da infância.

Pra viúvas dessa melancolia
O que acalma é a tempestade.

O frio, a gripe, 
As cobertas.

Enquanto a carruagem conduzida por caballos selvagens
O barulho dos cascos faiscando nas pedras-sabão
Só me lembra as sibilas.

O poeta que sou
Amante delas.

Meu corpo demorará horas a fio
Sobre o teu corpo e o teu uma
Eternidade a galopes sobre
O meu.

Será bom pros nossos corações
Esse cheiro de especiarias.

Sou péssimo com coisas terrenas,
Até trocar lâmpadas já não consigo.

As mariposas que fazem
Esse servicinho doméstico.

Voam em círculos afrouxando
A lâmpada queimada do bocal.

E eu a esperar (apático)
Que caia em minhas mãos.

Pra capturar uma sereia em alto mar
Com o fogo da lua clareando o rosto
Canto um blues usando uma concha.

E peço aos golfinhos das redondezas
Que me ajudem com as suas lágrimas.


Dos amores que cultivo
O teu sorriso nasceu
Pra me acalmar
As mãos

Todas as manhãs
Trêmulas por palavras.

Meu gesto mais simples
Será tocar teus ombros
Escrever alguns versos

Deslizando-se
Por tua nuca.

(Deixar minhas mãos
Seguirem em paz
A tua viagem)

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Se não bebo uma xícara de café  
O meu santo se queixa. 

O meu santo é um filósofo
Que adquiriu o hábito
De beber café 

Em minha casa
(Que não é a sua)

Ele só baixa
Ao entardecer.

Bebe uma xícara de café
Caminha até a janela 
Olha a rua 

Recebe uma brisa no rosto
Entorta a boca e parte.

Todos os dias
Um pai de família
Com seu paletó de linho
E chapéu preto passava pela padaria
E comprava os pães, na leiteria o seu leite
E na farmácia os comprimidos pra dor de cabeça.

No fim da rua,
Em casarão antigo
Caindo aos pedaços

O pai de família
Pegava poesia
O tanto que
Sonhasse.

Encontrou uma tabuleta:
"Hoje não há versos."

O pai de família olhou pra suas mãos
E viu que dentro da sacola ainda estavam lá
Os pães, o leite e os comprimidos pra sua dor de cabeça.

"Tudo bem, então,
Está tudo bem."

(Mas por que aquele
Buraco no seu peito?)

domingo, 5 de julho de 2015

Havia um coração dentro do relógio de bolso do meu avô.
E sempre que o outro coração batia mais forte
Meu avô olhava as horas e sabe-se lá
O seu pensamento.

Desconfiava meu avô
Que morreria dormindo?

Como seria fácil ser feliz e andar de skate
Se eu fosse o meu filho. Mas sou duro
E pesado.

O vento só serve
Pra enxugar-me
Os cílios.

Pegue o seu alforje,
Guarde os últimos versos,
Caia fora do quarto dos fundos.

Olhe pra suas botas
Com o amor das calçadas.

Enlouqueça
Dançando sobre
As poças de chuva.


Aquelas rosas já foram pro lixo.
Mas fiz o meu papel: troquei
De água, cheirei pétalas,
Até procurei espinhos.

Agora, o jarro de vidro
Sobre a mesinha da sala
Atrai os besouros de chuva.

(Não muda
O encanto)

Chove em nossa cidade
E o poeta aproveita

As ondas do meio-fio
A enviar-lhe poemas e  poemas
Em forma de barquinhos de papel.

Quanto aos soldadinhos de chumbo
Fugiram todos apavorados com a possibilidade
Do horror da escuridão dentro da barriga do peixe.

Covardes,
Eu topo.

sábado, 4 de julho de 2015

Há quanto tempo, poeta, tu guardas
Neste teu coração florido de orquídeas
O amor que se chama efêmero deslumbre.

E tu cultivas
Crias em torno de ti
Uma aura de espantos.

A cada palavra que sangra tuas mãos
Outro sentimento se refaz do silêncio.

Isso, poeta,
Não poderás
Confessar nunca.

Nós que somos tuas outras mulheres
Não compreendemos esse outro silêncio.