quarta-feira, 29 de abril de 2015

O espirro de uma mulher
É igualzinho ao espirro
De uma abelha

Ao abanar asas
E jogar pólen
Em uma flor.

O da minha vizinha
Sem dúvida que é.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Se as batatas que você plantou
Ainda não deram ar da graça
Não culpe os céus,

A falta de chuva
Ou tempestade.

Se as batatas que você plantou
Ainda não criaram raízes,

Olhe pras suas unhas
E veja se brilham
Sujas de terra.
Amanheci o dia sem forças
Nem pra abrir o pote de açúcar.

Mas quero casar. E ter um cãozinho.
As formigas (enfim) fora de questão.

Chega de vida fácil.
Há poemas que não nos deixam levantar da cama
Com mãos de ferro nos seguram os pés como
Adventistas dos últimos dias e a gente

Acaba se acostumando a escrever
Sem lápis e sem papel a repetir
Mil vezes o mesmo grito

E a ouvir o eco
Da nossa voz
Até a morte.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Não ensinei ao meu filho andar de bicicleta.
Mas o seduzi a que escrevesse um poema.
Coisa que o rapazinho fez aos nove.

Paguei-lhe as cinco moedas prometidas.
E o amiguinho da onça nunca mais poetou.

Enquanto a poesia
Não doa a metade
Do seu olho, vivo
Capenga e cego.
Fizeram-me tanto susto
Quando eu era pequeno.
Deixaram-me tantas vezes
Pra trás em corredor escuro.
Que cresci amigo de fantasmas.


Ensinem a esses homens
Que só conhecem o calor
De uma arma,

Ensinem a passar uma tarde
Jogado no sofá namorando.

(Descobrindo
Sinais secretos
Da tesuda amada)

Ensinem a esses homens
Que só conhecem uivos
E gritos de guerra,

Ensinem a sussurrar malandragens
Aos ouvidos de quem se ama.

Vamos lá, andorinhas,
Visitem o coração
Desses loucos.

Eu já morri.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Se eu tivesse um animal de estimação
seria uma gatinha como companhia
e ela amaria brincar com o novelo
dos meus cílios e arranharia
meu rosto com delícia.

Mas só tenho formigas
e todas muito sérias.


Cabides
Tremem
No varal.

Os cabides são magros
Por tremerem no varal
Ou tremem no varal
Os cabides por
Ser magros?
A primeira vez que meu coração parou de bater
Vi uma menina com o seu bambolê na calçada.

Usava meias polainas.
(Dançava jazz a menina)


Curioso, há passarinhos
Que miam na copa das árvores
E penso que é um gato em apuros.

As oitis da minha calçada
Com seus longos galhos
Riem da minha cabeça.

E sussurram ao meu ouvido:
"Passarinhos apaixonados,
Poeta, cantam como se
Ronronassem..."
Pra conversar com crianças
Não precisamos mudar a voz.

Um adulto com voz de neném
Não faz com que a criança
Confie mais ou menos.

"Não mude a voz, garota."
Quase aconselhei a mulher
Que se aproximou da sobrinha.

Mas não ia fechar o livro.
A leitura estava ótima.
A pracinha tranquila.

Deixei a mulher
Com a voz de neném
Conversando com a sua sobrinha
Que pelo que consegui ouvir era aniversariante.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Sempre que o caminhão de lixo
Passa em frente à minha casa
Fecho as janelas e sinto dó.

Como se todas as noites
Eu apunhalasse o motorista
E os seus rapazes da coleta.

Um dia, convido
Para que subam
E bebam café.
Só vou tomar o meu remédio na hora de dormir.
Ontem, tomei muito cedo, acordei em seguida
E fiquei pela casa qual uma barata tonta sem
A mínima noção. Até um couro de bode fui
Tingir na varanda em companhia
Dos meus antepassados.

Há tempos, meu filho,
Que entreguei minha vida
Nas mãos da poesia. Ela que
Dita meus passos, voos e rosto
Amassado no chão. Por isso, sem essa
De contrição barata ou ódio eterno. A poesia
É uma seta de pelicanos cruzando o céu ao amanhecer.

Também uma meia
Largada sobre o pufe.
Depois de uma xícara de café com leite
(Bem quente) caminho até a janela
Pra ver andorinhas ajeitando-se
Entre os galhos das oitis.

Pode ser que o vento frio
Bata no meu rosto e torça
Meu riso pro lado esquerdo.


Se não chegou aí
O presente que enviei
(Duas alianças de prata
Presas aos pés de um pombo)
Então, ele se enganou de casa.

Esses pombos.
Que cheiro de borracha queimada.
Já pegou fogo a minha cabeça?

(Pelo menos uma pira de pensamentos ridículos
Tive o deleite de riscar o primeiro fósforo e atear)

Nunca fui bom dos nervos.
Na infância, tremia desenhando
Casas, montanhas, sol nascendo.

Hoje em dia, jovem senhor,
Tremo escrevendo versos.

Que inveja dos hunos
Com seus arcos e flechas.
As minhas úlceras
Morrem enlouquecidas
Dos intermináveis poemas.

(Nem chegam
A me atacar)

Não lhes ofereço tempo
Que descubram que
Tenho um corpo.
Lembrar-se onde guardou o azeite
É uma vitória incalculável ao poeta
Com Alzheimer perdido na cozinha.

(Agora
É o sal)
Os olhos de quem escreve
Criam uma ponte com as palavras.
Antes que a alma leia, os olhos ardem.

O cansaço é nítido
No princípio do poema.
Ou um fulgor que arrebata.
Você expande seu olhar
Até a montanha, mas
Dentro de você

Que segue a correnteza
Apontando pra nascente.

O olhar que você estira
Até a montanha é só pra
Você ficar quieto em casa.
Os sonhos são tambores
Que ruflam as batidas
Do coração.

[Várias caixinhas de presente
Que guardam nossos suspiros]

E às vezes, a surpresa é
De uma alegria indescritível.
E sequer uma vírgula sonhada
Foi igual (há quem chame de magia)

Uma flor não cai sobre a cabeça
De quem sonha sem que ela
Não a mereça.
Éramos felizes,
Lembras?

A casa morria
De inveja.

E quando passeava
De rosto liso e jovem
O mundo explodia e secava
De infernal e tresloucado ciúme.

Confesso que te amava ainda mais,
Bem mais, muito mais quando tu
Tiravas sangue do canto dos
Meus lábios.

Sei que tu entravas em transe
Ao lamber tua lâmina e sorrir.

Mas eis que é hora da viagem.
Serei monge e a barba crescerá
Até bater no chão e varrer a calçada.

Adeus, meu barbeador.
Cuida-te e vê se não
Te enferrujas à toa
Por aí.

domingo, 19 de abril de 2015

Os meus dentes
Ainda não caíram
Da boca de tantos
Espantos, mas levo
No bolso uma dentadura.

Sabe-se lá o dia
Da Revelação em
Que não precisarei
Mais escrever versos.
Adoro cheiro
De esterco.

(Ao anoitecer
Vendo a lua)

Nietzsche chorou
Ao abraçar um cavalo.

Eu morreria sob prantos
Se abraçasse uma vaca.
A poesia vem antes das coisas.
Convive entre todas as coisas.
Dentro de todas as coisas.

Não faço mais do que o meu ofício
Acalmar minha pressão arterial e concluir
O poema (muitas vezes o poema me aguarda).

Como de um filho
O pai aguarda
Que diminua
O tremor.
A vida é tão boa,
Apesar da bronca
Dos deuses sisudos.

Mas não esquento.
Sou mesmo iconoclasta.
Caso perdido de adorações.

Vemos graças
Se libertos.

As tartarugas em terra firme
Ou no fundo do mar não mudam
Aquele olhar distante - indiferente
Ao tempo e à metafísica das coisas.

As tartarugas foram os primeiros filósofos
Que sacaram que melancolia não é tristeza.

E para viver mais de cem anos
Basta não enlouquecer o passado
Comer folhas, moluscos, plânctons.

"A pressa é mãe
Do incêndio."

Brincam
Entre elas.

Desde quando amo as tartarugas?
Desde Galápagos, creio, só agora
Derrama-se esse amor encantado.

Poeta, pega tua pena
E corta as nuvens
Em fatias

Junta-as em balaios
Ao pé da tua mesa

Que chegou a hora
De fazer origamis
Dobrar tsurus.

Mil tsurus.
Quem já pisou seixos
De um rio abandonado
Nunca perderá a esperança
Das lavadeiras cantando blues.

O mesmo aperto do coração
Quando o céu escurecia

E as nuvens olhavam
Pras roupas secas
Em pequenos
Pingos.
Não tenho mais sangue
Pras muriçocas, agora
Quem bebe das minhas
Artérias são os albatrozes.
O poeta que sou tem as suas necessidades.
Escrever é a única que conheço. As outras
São tomar café e amar as mínimas coisas.
Peter Pan, enfim, desposou Sininho
Cujo padrinho, o capitão Gancho,
Presenteou a noiva com uma
Bolsa de couro de crocodilo.

Capitão Gancho
Agora é um pirata livre

sábado, 18 de abril de 2015

Nasceu um novo sinal
Na minha têmpora,
E eu só descobri

Quando tosei
A ovelha.

É um sinal de coragem desses
Que nos acompanham até a morte.

Não temos obrigação de passar
O dia todo olhando nossos olhos,
Mas temos a chance de não perder
De vista o caminho do nosso coração.
De onde veio essa sua moeda de ouro?
Se caiu do céu ou por um caminho fácil,
Então o que você edificar será um reino
De mentiras. Mas, se plantar um sonho
E vender no mercado os botões de lírios
Terá na mão uma moeda de ouro valiosa.

O monstro conviverá conosco
Até o último dia e último suspiro.

Você nunca se cansou da poesia,
A poesia nunca lhe deu as costas.

A relação de vocês sempre foi olho no olho,
Lâmina no pulso, risos cínicos de puro desespero.

Vocês se merecem por uma vida longa e festiva.
E a morte não separa o que os deuses cobiçam.
À medida que escrevo,
Corto o mal de mim.

Não há asas
Mas houve
Um corpo.

Corto o mal,
Corto o bem.

Fica o humano
Sem máculas
E estigmas.

Apenas o coração
Aponta o caminho.
Não fui mais feliz
Cantando versos
Pra uma mulher

Do que sou cantando
Para as minhas coisas.

Pra uma mulher
Havia a loucura
Do ciúme.

Pras minhas coisas
Só há o silêncio
Dos objetos.

Que coisa mais meiga
A minha xícara branca
Dentro a colherinha inox.

Um casal perfeito
Que o açucareiro
Teima em separar.

E não mede esforços
Em lançar da mesa
Seus flertes

Pra menina xícara
De tez enrubescida.
Não é mistério
Que por vezes
Deus esquece
A janela aberta
E nos convida
À sua intimidade.

Não foi outra força
Que me trouxe nem
Que me toca as mãos.

Quase lá,
Todos têm
Ainda medo.
Criança nasceu
Para envelhecer
E voltar pra casa.

Como nasceram os passarinhos
Que morrem velhinhos (os ossos
Somem entre nuvens as nuvens
Escurecem e chove penas).

O que chega à minha janela
Deve ter uns mil anos e ainda
Não virou chuva na minha calçada.
Conheça como caminha o seu coração pelo seu corpo.
Quais as sensações que o fazem queimar de coragem.
Se forem sensações rasteiras de crápula não conceda.
O crescimento humano do poeta é seguir seu coração.
Saber distinguir sua canalhice como membro do reino
Do seu caráter poético assustador que o leva ao vazio.
Não há salvação em minhas mãos na hora da escrita.
Mas reconheço que em outro mundo palavras vivem.
Vivem como palavras, embora não gostem do nome.
As palavras (entre elas) são pessoas de carne e ossos.
Enquanto em uma mesa de baralho
Todas as armas brilham sobre a mesa,
Na feitura do poema os punhais se afiam
Só depois muito tempo depois do fim do jogo.
Quando um facho de fogo
Cair das suas mãos, não
Pegue, só afaste os pés
Pra não se queimar.

O impulso de sobrevivência
É patético para quem observa
Do alto sem delicadeza alguma.

O meu deus ao gargalhar
Dá-me vontade de prender-lhe
A barba dentro de um garrafão de vinho.

E lançar em alto mar
O meu poema de náufrago.
A moça não disse uma palavra
Sobre a sua idade e nem
Onde aprendeu a ser
Uma mulher.

Encostou-me contra
A mesa redonda
De vidro

Ajoelhou-se
Diante do zíper
Do meu bermudão

E fez sinal com o dedo
(Encostado aos lábios)
Que eu fizesse silêncio.

Havia prendido
Os cabelos
No fecho
Ecler.
Uma nuvem pesada
Quando paira sobre
Os ombros largos
De um passarinho

A criaturinha só voa pra
Não Parecer arrogante
Com a tempestade.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Pela milésima vez,
Subo ao penhasco

E com um pé
Na ponta do abismo
Peço ao bom deus que
Não me poupe dos anjos.

Mas que me envie anjos
Autênticos e inteligentes.

Com menos sede
De inúteis batalhas.

Papiloscopista

Consertar um poema
Alegra-nos tanto que
Tirei a noite pra dar
Pilha aos objetos
De casa.

Vou pôr o relógio de parede
Sobre a mesa redonda de vidro.

Examinarei em minúcias
As pequenas peças
Que hipnotizam
Moscas.

Depois farei um poema
Comovido pelo vazio da sala.
Esquecer a porta da geladeira aberta
Três vezes ao dia não é um lapso,
Simples distração doméstica,
Uma cabeça avoante:

Exemplo de devaneio clássico
De um poeta atirado de paixão.


tirando todos os alfinetes dos bolsos
tirando todos os espinhos das luvas
tirando todas as pedras das botas:

espero que a porta não trave
quando eu der o primeiro passo.
Cautela, moço
Em criar elos
Com a luz.

Nunca ouviste
Quem muito vê
Cega-se de desgosto?

A ilusão também
Move moinhos.
Quando digo que passarinhos
Soltos que não se deixam iludir
Chegam à minha janela, acredite.

Ontem, na varanda, um assustou
A minha testemunha com seu
"Boa tarde, poeta!"

E até demorou mais do que de costume
Esperando que registrassem sua presença.

E a testemunha
Supôs aquela onda
Efeito do meu café.
Para merecer os pés
Tive de venerar os calos.

Eduquei a minha alma
Escrevendo, rasgando
E queimando poemas.

E não é nada mágico
O lápis e a folha de papel
Debaixo da cama quando durmo.

Um truque simples
Se o meu coração
Parar.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Ao tocar na palavra
A poesia passa antes
Pelo dedão do meu pé
E pelo fio dos meus cabelos.

O recurso que disponho
É o meu corpo e não
Conheço célula
Mais orgânica
Que a alma.
tão íntimo teu batom
e por total paradoxo
tão à vista de todos

que me senti
um intruso

quase um vândalo
sobre o meu sonho.
Não é pecado uma mulher
Guardar o lenço na bolsa
E imaginar onde borrar
O seu batom.

Nem em cigarros.
Nem circunferência
De copo ou taça de bebida.

Só digo
Que não
É pecado.
Naquela noite enlouqueci.
Puseram alguma coisa
Dentro da minha taça:

Cheguei a ver um coração
De mulher dissolvendo-se.

Aí, vistas escureceram
E eu não me lembro
De mais nada.
Não quero ninguém para mim.
Por que haveria de querer alguém para mim?
Que loucura é essa de querer uma pessoa para mim?
Que a pessoa seja dela própria e a ela somente pertença.

Posso ser um parceiro atuante em seus múltiplos orgasmos,
Um convidado espirituoso aos saraus de sábado, um gentleman
Aos passeios bucólicos de domingo com o sol no rosto e por toda
A semana um ótimo, atento e risonho aluno às aulas da sua lógica abstrata.

Até que um dia
Ela se canse da minha companhia
Diga chega e fuja feliz levando meu mundo.

Aliás, nem precisa fugir.
Basta perguntar se a chave
Ainda está na fechadura da porta.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O meu filho quando me pega
Falando sozinho no banho
Ou lavando as louças

Sabe que não se trata
De uma loucura desprezível
E que em minha volta há uma plêiade
De anciãos com alma de meninos a-do-ran-do.

[Criar versos
Causa espantos]
poema de vingança amorosa
só de lupicínio rodrigues
naquela voz dolorida
que no fim é uma
Lágrima doce.
Enquanto o mundo estiver cansado das suas vidas
Estarei fazendo fogo com os gravetos bifurcados
Das linhas das palmas das minhas mãos.

Não há cansaço
Em iluminar o abismo
Acima do carvão da terra.

Das estrelas pode ser o encanto
Uma ilusão de ótica espacial
Mas não de espírito.

Quem morre
Não brilha

Tanto
Assim.

Um dia, a minha tosse
E os parafusos soltos
Da minha cabeça

Hão de perder o sagrado
E só haverá sentido
O fogo do carvão
Da terra.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Tive medo não da porta aberta
Depois que adormeci tive medo
Das palavras dentro do coração.

Não é lugar
Pras palavras.
Depois, leio
Os teus poemas
Com calma, garota.

Agora tenho
Hora marcada
Com o psiquiatra.

Os poemas, apesar de loucos
(Cavalos de sangue selvagem)
Merecem da nossa parte lucidez.
Às vezes, penso
No poema não escrito
A partir da palavra esquecida.

Pois, o outro
Que se desenvolve
Nunca será o mesmo.

Mistério sagrado
O fim do corpo
Do poema

Que por uma palavra
(Esquecida logo no princípio)
Ofereceu vida a uma segunda alma.
A última vez em que me vi gordo,
Bochechas rosadas e olhos brilhantes
Tomava pílulas pros nervos, minha querida.

Não me queira
Ver assim.

Fico mais patético
Do que de costume.
Ainda não cuspo sangue,
Mas o coração está ferido.

(Não seja tão dramático, poeta.
Sinta o cheiro das calçadas molhadas,
Olhe pro alto das árvores e descubra algum
Passarinho oculto entre as folhas de oiti. Dou
Um doce se encontrar um só que não esteja de
Varizes trêmulas e beiços roxos e asas dobradas)
Você vem à minha casa,
Bebe do meu café, come
Dos meus morangos, dorme

Na minha cama, brinca nos meus sonhos,
Lava os cabelos com meu shampoo, usa do meu perfume,
Calça meus chinelos com os pés molhados e ainda se recusa
A levar contigo o meu coração?

Maldade.

domingo, 12 de abril de 2015

O nariz de uma pequena sujo
De bola gigante de chiclete
Comove meu coração.

Desde ontem que não paro de chorar.
(Próximo dos cinquenta o poeta é frágil)
Outra tortura bárbara, baby
É aquela em que o sujeito
Com calafrios a morrer
De febre

Passa pela área de serviço
E a toalha molhada
Bate nas costas
Por capricho
Do vento.


Apagar um poema ruim
Ensina ao criador caráter.

Há poemas que só merecem
A eternidade do vale de sombras.

Sou perito em apagar os meus horríveis
Sem um pingo de piedade ou remorso.

Caráter poético
O poeta aprende.

Por vezes, aproveito
Uma clavícula do morto.

Ou um cílio.
Muitos são os processos criativos
Que nos estimulam a escrever poemas.

No meu caso,
Descascar uma laranja
Em longa tira sob forma de serpentina
É especial e requer toda a atenção do poeta.

Quase sempre
Não consigo.

O homem romântico adora
Jogar pôquer com uma mulher
Valendo a alma e sem revanche.

O riso cínico
No canto da boca
Do trovador é só desespero.
Assim é tortura:
O corpo desvalido (febril)
E uma chuvinha fina na calçada.

Quem disse que deus
Não sabe das técnicas
De um sádico torturador?

Até parece que cresceu
Vendo os senhores frios
Nos porões das ditaduras.

E eu fujo das cobertas,
Tomo banho e bebo café.
Creio que descerei até o jardim do prédio
Só pra ver como se comportam as flores
Sentindo as minhas mãos quentes e frias.

Amor é quando as flores do jardim
Correm ao encontro do enfermo
Sem comentários sobre
Ontem à noite.

Ninguém precisa saber dos pesadelos de madrugada.
Os cavalos-marinhos acenando com a cabeça adeus aos filhotes.
Nessas horas, o cadavérico bardo
Ofereceria seu coração por um colo.

Não há panaceia mais eficaz
Em diminuir a febre do que
Um colo de mulher.

De vestido.

Não é segredo pra nenhum filho de deus
Que o corpo quando prostrado na cama
Sob sua frágil plena qualidade de corpo

Provoca uma atenção especial
E o sujeito questiona-se como

Cargas d'água o caramujo
Chegou até aqui trazendo
Nas costa um templo.

E não me refiro ao templo sagrado da alma.
Andamos cansados de saber que alma é só
Um pensamento poético [alguma coisa que
Dentro não se molha quando tomamos banho].

sábado, 11 de abril de 2015

Na minha infância,
Passava dias de cama
Com febre e feliz gripado.

[Bebendo guaraná
Ouvindo o barulho
Da cream cracker]

A alma muda, baby.
E o corpo acompanha.

Hoje, ando descalço
Pelo quarto tentando lembrar
Onde guardei a lâmina de barbear.

Não se morre
Com 39 graus.
A poesia não perde a importância.
(Ó bardo) e pode desabar o teto
E pode o mar pegar fogo.

A propósito, adoro sardinhas
Queimadas e lagostas
Aos gritos.


Quando eu ainda meninote
Era comum na minha cidade
Ouvir de um estranho (ao ser
Questionado onde trabalhava)
"Viajante, sou viajante." E os
Inquiridores faziam uma cara
De aprovação e assombros,

Como se o estranho pudesse
Ter em seu alforje uma pepita
Ou uma carta do rei de cinco
Estrelas recém-empossado.

Debaixo da mesa, suspirava:
"Um dia, um dia, serei viajante."
As minhas coisas
São simples demais.
E o reino é este vazio.

Sem essa de iluminação.
Sou um animal muito indelicado
Ao dedicar-me a assuntos terrenos.

As minhas coisas são simples
Por vê-las também despojadas
Do meu corpo e dos meus olhos.

Um dia desses posso voltar a tomar um trago.

Há um tempinho que vago pela casa
(Sete dias?) com o mesmo bermudão.

E nem se trata do meu bermudão-mor de delicadezas
Onde dentro dos bolsos guardo flores secas, búzios
E uma moeda de mil reis encantada.

Emagreci,
Daí o cinto.

Não posso desfilar pela casa
Qual um velhinho risonho
Segurando o cós.

Uma mão tem de estar livre.
Ou pra dar tchau às andorinhas.
Ou pra escrever um ou dois poemas.
Antes de dormir escovo demoradamente os dentes.
Ao passar pela cômoda branca pego o desodorante.

Perfumo minhas axilas,
Afinal a fada dos dentes
Adora dormir com o rosto
Colado ao meu peito gostoso.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Ao aproximar dos cinquenta anos
Posso cuspir dentro dos meus sapatos.

E não sentir um pingo de dor.
Não sentir uma nuvem
De desdém.

[Sob a possibilidade plausível
De não chegar aos cinquenta]
O cúmulo da tolice
É a poesia gerar
Inimigos.

Logo a poesia
Que oferece
O que some.

Que sequer dá tempo
Pra que o rei engorde.

Eu queimei poemas.
Conheço desse tipo
De fumaça que sangra.

E não posso dizer
Que é a mesma fumaça
De que se queima os ossos.
Sempre serei a favor
Da queda da Bastilha,
Do rompimento do hímen,
Da espinha na ponta do nariz.

Dentro do meu coração
Nunca caberá o mundo.

A minha alma não queiram.
Pende pro que causa horror.
Vive a um passo do espanto.

Sempre serei a favor
Do Curinga e do lado
Oculto do milagre.

E por curiosa que é a vida,
(Vejam) os passarinhos ainda
Conhecem o caminho de casa.
Desde cedo
Uma folha de oiti
Dorme sobre meu sofá.

Ainda não tive coragem de tocá-la.
A folha de oiti traz pelo seu corpo
As primeiras brisas da aurora.

Sei disso por que fez frio e bateu vento forte
Dois minutos antes que as nuvens corassem.

Durmo de janela aberta
Por dois motivos, meu bem:

Para ver as nuvens corando
E convidar as folhas de oitis
Ao sono imperturbável de órfãs.
Poesia é o voto de silêncio do coração.
O meu suor é uma forma singela
Do meu corpo lembrar que é hora
De escrever versos ou fazer amor.

O primeiro sinal não é o batimento cardíaco.
Mas o suor das mãos, meu peito e pescoço.


Não conheço outra força
Que aperte os grilhões
Aos meus tornozelos

Empurre-me
Do abismo

E alguma luz se faça
Entre os vãos das costelas.

O tombo é seco.

[E só me lembro da folha
No ar a fazer firulas antes
De cair na minha calçada]
Óbvio que viveria sem pão, sem circo e sem fé.
A ausência da poesia é que seria uma dose letal.

Como enganaria os pombos
Que chegam à minha janela?

Além de dar-lhes atenção
E farelos de bolachas
Tenho de ser tão
Cínico quanto
Eles:

Olhar o céu chuvoso
Dizer que são orvalhos
De nuvens ontem floridas.
Sai deste corpo
Que este coração
Nunca te pertenceu.

[Um belo timbre de blues
Para esta manhã chuvosa]

E fizera-se uma fila indiana
Das mulheres que o poeta se iludiu.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O boticário vê coisas
Tarde da noite no sótão
Manipulando fragrâncias.

Escapam dos frascos transparentes
Fantasmas de damas francesas
Com seus chapéus de renda
E broches de flores
Secas.

O boticário morre e mata
Por um perfume especial.

Mas neste momento
Uma lagartixa albina
(Dessas pequeninas
Que comem insetos)

Passeando pelo tapete
Debaixo da mesinha
De centro

Oferece-lhe
Mais encanto.

E o boticário alegra-se
Por sentir arrepios
No seu braço.
Parece-me um assombro.
Mas a poesia não é pessoal.

Ainda que fique a cicatriz na palavra.
[Também fica no olhar e no silêncio]

Mas não é pessoal.

Não daria conta
De tantas vidas.
De tanto admirar
Uma formiguinha

Que dava voltas
E voltas em torno
Do açucareiro azul

Desci meio grogue
A escada do prédio

Pra te devolver o livro emprestado
E você já pensava que era absinto.


Você viu a minha foto?
Cafona. Sou um poeta cafona.
E aquela mão no ombro? Ainda dói.
A bala alojou-se entre ossos das asas.

Lanço ao solo sementes de mostarda
Com as palmas das mãos e unhas sujas.

E ao fim do dia
Ainda colho
O paraíso.

Explica-me como uma alma torta
(Sob nevoeiros) encontra debaixo da cama
Uma pena de andorinha dentro do teu chinelo de dormir.
Mudei de lugar
Meu coração
Pra você.

Agora o meu coração
Bate no cotovelo direito.

Aquele com o qual
Empurro a porta
Da geladeira.

Há tanto tempo
Que não vasculho
A sua bolsa vermelha.

Na última vez
(Que eu me lembre)
Encontrei minhas mãos.

O poema você
Já tinha queimado.
Não sei em vossa janela,
Mas na minha existem dias

Em que pousam passarinhos
De bicos encurvados e olhar de abandono.

Os céus já não lhes dizem respeito.
E as nuvens não atraem seus corações.

Daí, pensamos
Que somos nós,
Ou eles, cínicos.

Enquanto julgaríamos
Que fosse o poema.
Quantas vezes te falei, minha flor,
Que não vale a pena (um tostão furado)
Odiar um poeta sem rumo e sem muletas.

Aonde caminhar
Trará nos ombros
Nuvens de girassóis.

O veneno irreparável
Não são os feitiços alheios
Mas o coração do poeta em tiras.

Em cada tira, coroa de sétimo dia,
Um poema esmaecido que já morreu.
Quem tiver de quebrar o meu nariz
Ainda será pela minha inocência
Dos arroubos poéticos.

E se um dia eu iludi-la,
Terá de vir ao meu mundo.

Não consigo dar um passo
Com os dedos dos pés
Presos às sandálias.

Nessas horas, imagino-me em alto mar
O que eu faria com esses músculos rígidos.
"Desceria até o fundo, se afogaria, seu patife."
Segurança é saber
Que nenhuma garota
Pensa em você com bons olhos
Nem te escreve um poema ridículo.

Que por séculos e séculos e séculos
Será somente você e a sua paranoia.

A que tu chamas
De poesia.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Não faça laços com o prisioneiro
A oito passos da forca e um minuto
Do fim. O corvo é triste. [O namoro dos corvos
Ao entardecer é uma farsa] A propósito, já lhe disse
Que o muro do quintal do casarão dos meus avós era colado
Ao cemitério da província? À noite, era o meu lugar favorito onde
Passava um bom tempo admirando as sombras dos jazigos, cruzes, anjos.

Não era a lua
Que me encantava.