terça-feira, 31 de março de 2015

Não se engane,
A poesia sabe

Empurrar o manco do penhasco
Só pra vê-lo aprender bater asas.

Mas é perigoso.

O manco pode subir
As paredes do abismo
Cortar a própria garganta.

São riscos que correm
Os filhotes de pássaros.
A minha cabeça é um templo de conflitos:
Cavalos selvagens contra nuvens de arrebóis.

E a alma (que julgamos ser alguma coisa)
Tão silenciosa quanto sandália de monge.

Se não fosse pela poesia,
Que queima o celeiro,
Os grãos seriam
Tediosos.
Não chega
A minha tristeza
Em noite de encanto.

Debaixo da mesa
Dormem garrafas
De um vinho antigo.

Em nenhuma
Guardo saudade

Ou fúria.

Já não chega
A minha tristeza
Em noite de encanto?
Em uma prisão
Um corvo ou
Um rato

São dóceis figuras
(Uma criança triste).

A moeda encantada
Dentro do coração
É outro assunto:

Beijo a lâmina,
Cultivo flores.
Qual a sua ponte com a Verdade?
Óbvio e simples o mundo é claro.
A mágica é apenas a constatação.

Há quem confia em cartas de baralho.
Outros se emocionam diante de aves.

Morder os lábios
Ou beliscar o braço
Não é a fuga do ermitão.

Os pés já vivem atolados
Em terra fértil de brumas.

E a montanha que se vê
Não se alcançará nunca.

domingo, 29 de março de 2015

O flerte é silencioso.
E a poesia entende
O peito ofegante.

[Nascem passarinhos
Em suspiros dentro

De um pote
De açúcar]
Poderia ter alcançado
Aquela florzinha branca.

Mas pensei se não estaria roubando
O alimento delicado de um beija-flor.

Talvez aquela florzinha do jardim alheio
Fosse o último adeus de um poeta maldito.
Menciono tanto o coração.
Mas é a minha mente
Que vive moendo
Versos

Onde não existe
O mínimo cabimento.

Por vezes,
Nem ao coração
É dada a última palavra.
"A alma que escreve,
Agora, filho, orgulha-se
Da outra alma patética."
Dos céus ouviu-se um estrondo
(Era dia e sol a pino) e uma voz
Tomou a terra causando espanto:

"Ó tolo de asas de enxofre!
Chispa da frente do meu sol
E não turves com sombras
A fé dos meus passarinhos!"

E o céu se fez
Como no princípio
Só nuvens de arrebóis.

sábado, 28 de março de 2015

No caixão, as tuas mãos, poeta,
Não darão um pio de sinal de vida.

E as multidões serão até razoáveis
Em dizer pros céus que tu vacilaste.

Que tu tiveste medo.
Que fugiste da lucidez.

Escreve, escreve.
Não contes sempre
Com o suor do rosto.

Nem com as tuas pernas
Em uma noite de sábado
Levando teu corpo à janela.

Debaixo da terra
Ou virado carvão
Não ouvirás nada.

Poesia é mensagem
Para quem está vivo.
Ao cantar o amor e dizer-me apaixonado
Brotaram tantos desafetos no jogo de baralho

Que ando traumatizado: hoje em dia quando escrevo
A palavra amor logo me chega à memória meu coração
Atravessado por um espeto acima do fogaréu de esquina.

E em volta do latão,
Casais bebem
Aguardente
Felizes.
Quem viu uma ariranha comendo um peixe
Um passarinho destrinchando um gafanhoto
Sabe o que é paixão (há de se ter muita paixão
No ato de banquetear-se) As palavras roem minhas unhas.
As unhas que não caíram. (As novas já têm o destino marcado)


O silêncio será um silêncio digno
Se estivermos cansados do ódio.

Ou será só mais
Uma arma triste.

Os arroubos do coração
Ainda são a única estratégia
Aos assuntos de encantamento.

[Canta uma ópera
Pra quem te fascina]
Pra te amar teria que amar
Todas as tuas gerações:
Amar tua mãe, tua avó,
Tua bisavó, tataravó.

Até chegar à luz
Que te gerou.

Embora tu (compreensível)
Aches que é uma desculpa.
Passar por aquela porta, meu filho,
Não significa que já sacou todos
Os mistérios da vida.

Ao contrário,
Agora que você ouvirá
O Angelus das seis horas
Tocar no rádio antigo dos seus avós.

(E você lembrará o cheiro
Do caldo sobre a mesa)
O que tu ofereces ao teu deus?
Eu lanço poemas aos braços
Do meu deus e o meu deus
Queima o meu coração
De poesia.

Uma troca
Justa.
Um passarinho de asas tortas
A ditar poemas pra uma cigarra
Não tem a mesma beleza o blues.

Pelo ponto de vista da cigarra
(Sempre solícita e útil) até que gosta
De trocar um minuto seu tipo de cantoria.

Mudar de casa, de timbre,
Fazer o trabalho cansativo
De colher algodão pela casa.
Ainda que queiramos viver sozinhos
Nem a nós mesmos andamos ligados por muito tempo
(O que a mente pensa e o coração sonha, a morte vem, leva
E a poesia cria uma ponte) O arrebatamento das palavras junto
Às minhas mãos vem de uma longa jornada desde a nossa infância.

Não foi em vão
O silêncio do quintal.

sexta-feira, 27 de março de 2015

A energia que ganhamos
Ao pôr rosas dentro
De um jarro

Nem supomos
O doce gracejo
Dos nossos corações.

(Há corações e corações)

Aquele que treme na base
É quem junta as seis rosas
(Sete rosas) e enfeita o jarro.
Então aéreo, com o coração nas nuvens,
A pescar poesia, se enfartar e morrer
Irei pro céu? Dizem que lá, no céu,
É tudo muito puro e enfadonho.

Pelas tabernas em companhia
Dos velhos safados é que cansei.

As coisas mudam, baby,
Caranguejos voam, elefantes
Perdem o receio de morrer sozinhos.

Até admito filosofar de túnica branca e harpa
Com Epicuro (sem cair na desgraça do ridículo) .

A minha toalha branca recém-lavada
Deleitosa a tremer no varal do banheiro
Troca confidências com a brisa da tarde.

Nem quero ouvir
Tamanho disparate.

(Muita paixão
Entre coisas
Encantadas)

Existe uma verdade além
De todas as possibilidades
Do medo humano: Aquela que
Tu podes dividir e não te faltará.

Aos céus não morrem os pássaros.
Nem ao pomar de macieiras a serpente.

As lendas são úteis
Pra elevação poética,

Nem ouses ter a cara de pau
De fugir desta tua claridade
Pra rever as antigas
Sensações

De tuas sombras
No fundo do abismo.

Conheces muito bem os risos
Dos amigos de tragos e a piada
De chegar como rei e voltar mendigo.

Não assassines
O que te floresce.
Óbvio que te direi
Poemas aos ouvidos
Quando te levar às alturas.

[Um Sátiro cria asas
Em forma de passarinho]

E as mãos tão costumadas
Ao  dorso das palavras

Saberão o caminho
Do jardim encantado.

(Dedos trêmulos
Descobrem reinos)
(Uma andorinha falou)

Poesia é uma energia d'outro mundo.
Carece de amparo e cuidados.
Tecer o poema é um ato
De evolução.

(Outra andorinha falou)

Pra quem você abriu a porta da sua casa?
O seu deus não vai além da sua fé.
Cometer um aborto de luz
É trair o coração.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Passei agora uma pomada
Abaixo do ombro esquerdo.

Creio que foi um bicho
Que me mordeu de madrugada
Em casa escrevendo alguma coisa
Ou na pracinha quarta-feira enquanto
Lia bem cedinho Gabriel García Márquez.

Abaixo do ombro
Uma manchinha
Vermelha.

Sabe o que curaria essa ilha alérgica
Pintada na geografia do meu corpo?

Um beijo teu.

Os gnomos de casa
Andam desapontados:
O que escondem,
Acho.

O controle remoto
Debaixo da almofada.

Achei.

E nem adianta roubarem
As lâmpadas dos quartos.

Sempre olho pro alto, baby,
Antes de pôr o dedo
No interruptor.
A felicidade do carpinteiro
Parte dos sonhos (aquela
Cadeira mística dos avós)

E aos talhes nos dedos,
Suor e goles de rum,
Alegra-se pela
Forma.

A felicidade do carpinteiro
(Como a felicidade do pescador)
Dura a eternidade de um poema.

E em alto-mar
Todos os golfinhos
São mágicos e selvagens:
Carpinteiro, pescador, poetas.

As gaivotas adoram
Assistir do alto aos loucos
Surfistas de ondas grandes.

Algumas ganham a vida apostando.
(Muito comum as apostas entre elas)

Chegam a esquecer
De mergulhar e pegar
Os seus peixes do dia.

[Como jogadores de baralho
Negligenciam até a própria alma]

O negócio delas
É aposta nesses
Malucos surfistas
De ondas grandes.

E bebem seus uísques
Dos orvalhos das nuvens.

Eu não separo a minha xícara das xícaras dos meus amores.
Já o fiz (confesso) mas ridículo. Hoje em dia, divido a tosse,
A gripe, o herpes, a lepra com quem amo. Se doentes
E condenados, morreremos todos sobre
O mesmo leito de folhas de laranjeira.

Virgens.
Ultimamente não tenho ido à sua casa,
Portanto não tenho noção se mudou
Os móveis da sala, os quadros
Das paredes, a posição dos
Seus perfumes e cremes
Sobre a cômoda.

Mas consigo imaginar o seu olhar triste
Ao pentear os cabelos (distante)
Antes de dormir.
Saudades sinto, de fato,
Dos meus óculos antigos.

A cada livro que eu leio
Os meus olhos ardem
Lágrimas queimam
O meu rosto.

E não posso mentir
Que são ciscos.
Perguntaram-me onde aprendi a beijar
E como estou beijando bem agora

Respondi-lhe que a minha
Xícara branca
De café

É uma professora
Dedicada.

(E não tem
Ciúmes)
Não precisa confiar nas pessoas.
Acredite apenas ao que se propõe.

E siga escrevendo (muitos não entendem
Que poesia não é desabafo) houve uma história antes
Haverá outra depois e a cada palavra oculta e suspensa

Uma delirante
Percepção.
O mundo é muito grande
E há muitas almas perdidas.
Uma delas amará a sua cicatriz.

(Não vai parar
De morder-lhe
O peito despido)

Se tivesse timidez
Em  escrever poemas
Seria um homem triste.
Vivia dizendo que a minha poesia era um livro aberto.
Usava dessa lógica para me defender das minhas próprias mentiras.
Deus meu, como era incauto. Veja só que despropósito, meu bom deus.

A questão é como se comunica
O pássaro no alto do poste
Com outros nas árvores.

Só isto.
Não houve sadismo,
Mas de certa forma
Ao contemplar

A barata
Afogando-se

Mordi os lábios
E joguei mais água.

Pensei em todo o mal que eu próprio
Arquitetara contra o meu coração.

Antes de dormir (ontem)
Pensava em um poema

Que ao acordar nesta manhã
Já o tivesse pronto e bastasse
Tirá-lo da mente e caixa torácica.

Sei lá cargas d'água
Pra onde foi o poema.

Oxalá empurrar a roda do moinho.
(O tempo anda vagaroso e deslumbrante)

Poemas não gostam de ver serenos os moços
Que escrevem e dedicam-se ao fim da loucura.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Às vezes, só uma dor de dente
(Ou início de gripe) que nos leva
A perder a fé, abandonar o barco,
Deixar secas as plantas da varanda.

Nessas horas de arrogância (e desatenção)
Que esquecemos a própria vida e pecamos.

[A outra face do pecado
Engana de forma ingênua]
Já tentei escrever
Nas folhas das árvores
De minha calçada: não dá.
As folhas são elípticas, medem
Entre cinco e seis centímetros e
As minhas digitais não pegam (talvez
Pelo frio da noite ou insegurança do coração)
O que me traz à realidade
Não é um trem que descarrila
E bate na porta da minha casa.

Mas dar a volta em torno
De uma mesinha de vidro.

(Sempre que vou fechar
A janela da varanda)

Por várias ocasiões,
A quina gelada do vidro
Beijou-me a artéria do joelho.
Um colchão de asas
De andorinhas, poeta?

Muito delírio,
Meu rapaz.

Sei que seu colchão
Bem puído, velhinho até.

Mas imaginar um colchão
De asas de andorinhas, opa.

Acalme-se, chore
Um pouco. Olhe
Os seus cílios.

Andam tão secos
Longe de lágrimas.

Pare de escrever
Poemas fantásticos
E procure um sofrimento.

Pôr a mão
Dentro do forno
Não vale (patético).

No outono,

As flores resolvem
Espirrar seus polens
Por meu peito aberto.

É uma conspiração
De almas solitárias.

(Primeiro passo
Pra felicidade)
"Engasgar-se com o próprio suspiro
É sinal de encantamento?" (perguntou-me
Um poeta debaixo de uma árvore de tamarindo)

Ora, deixe de bobagem.
E tire esse risinho do rosto.
O meu bermudão tem vida própria.
Até penso em trocar, mas ele me olha sério:
(Telepaticamente) "Não sejas louco, meu filho..."

O meu bermudão
Anda em uma onda
De encantos que guarda
Nos bolsos meus suspiros.

E isso
É bom.
Ao voltar da pracinha
Não me saía da cabeça

A imagem das duas lagartixas
Que se banhavam sob raios de sol.

Seria possível elas as mesmas
Que acompanhavam a mim
E meu filho

Oito anos
Atrás?

(Vinicius tinha cinco anos
E corria atrás delas com vigor)

Aprendi com o tempo
Que se perguntarmos

Pra uma criança amada
O que é felicidade ela não
Entenderá bem a pergunta.

Criança amada
Não conhece
Outro mundo.

(Nem lagartixas
Banhando-se
De sol)
Tudo que realizamos em nossas vidas
(Sobretudo as coisas mais simples do cotidiano)
Abre-se diante dos olhos cortina de ritual mágico.

Aloprados, desatentos e rudes
Não percebemos os perfumes,
As cores, os sons.

Só em saber que agora
Há duas esponjas específicas
Pra cada uma um trabalho especial,

O meu coração acelera como se fosse
Um segredo divino a esponja verde
Lavar apenas talheres e xícaras
E a amarela o mundo inteiro
De panelas e gordura.

Dos prazeres (sem igual)
À minha alma é abrir
Um pacote de café
A vácuo.

A tesoura no pé
Da orelha
E zap!

Uma nuvem
De lembranças
Benze meu rosto.

(É muita metafísica
Pra minha alma,
Meu bem)
Não deixe pro leito de morte
A sensação gostosa da brisa
De uma tarde de outono pelas
Pernas, braços, rosto, cabelos.

Abra o olho.
Sair de casa e voltar para casa
Sem temores distante de ciladas.

(Um reino de delícias
Ao monge que vivia
Seduzido pela
Insensatez)

Nada mais justo.

Afinal, são os monges
Que revelam ao mundo
Os mais cintilantes pagãos.
O meu sonho amoroso
(Desde noviço) foi dividir

Com uma mulher para sempre
Este meu lado tonto de escrever.

Pode até haver luz.
Mas é um ofício de perdas.

E como é urgente
Conversar sobre
As revelações.
Não há como não andar como um rei
Quando a delicadeza da luz não é mais
Nem menos que o simples ato de caminhar:

Pé ante pé,
Os ombros soltos,
E a ponta de um riso
No canto da minha boca.



Vou até a pracinha caminhar dois minutos
E reler "crônica de uma morte anunciada".

Decerto, encontrarei no caminho
Alguns pombos, raios de sol
E quem sabe uma nota
De cem.

Jamais fiz um barquinho de papel
Com uma nota de cem (a textura
Deve ser ótima pra descer
Pela enxurrada
Do meio-fio)
Os lábios trêmulos esquecem
A circunferência lisa
Da xícara.

A lágrima de café
Escorre pelo peito

(Até sumir dentro
Do umbigo)
Mais gentil e doce
Um poeta galinha
Do que um louco
Armado de fuzil.

E sigo buscando
Entre a torcida
Do Flamengo
O meu par.

Correção,
Do Botafogo.

Por vezes, o poema não quer dizer outra coisa
Senão o que está escrito (sem metáforas, sugestões,
Pontes) apenas o que está escrito sob a óbvia clareza.

Não precisamos seguir sempre
O mesmo ritual de tosar um bisão
Pra ver o quão fascinante a musculatura.
Não corras atrás
Do pote de mel.

Planta uma roseira
Na sacada da varanda.
E abre tua janela, rapaz.

Tu não és alérgico
A abelhas.
Compraram o coador de papel apropriado.
O tamanho certo (102). A cafeteira não gosta
De vestir uma túnica longa em seu corpinho enxuto.

E eu tinha que cortar o excesso
Para caber em sua cintura
O espartilho.

Uma maçada.
A poesia beija a sétima vértebra
E desmonta, se desfaz, despenca
O esqueleto aos nossos pés ossos
Sobre ossos: renasce do total acúmulo
De humanidade um pássaro (ou poderia ser
Uma girafa com o seu longo pescoço de espião)

terça-feira, 24 de março de 2015

Se você cheirasse
As minhas mãos
Teria um susto
Da minh'alma.

Foram tantos poemas hoje
Que não quero sair de casa.
"Como você se sente (perguntou
Um gafanhoto a uma borboleta)
Como você se sente com
Esses desenhos e cores
Fascinantes a encantar
A natureza?"

"Só vivo
Um dia"

(Respondeu
A borboleta)

"Lenda, há espécies
Que chegam a nove
Meses de encanto"

(Retrucou o gafanhoto
E afastou-se áspero
Pela folha de goiaba)
As espinhas
Das minhas costas
Entenderam a solidão:

As vermelhas que antes
Eram botões de girassóis
Hoje são singelos cravos.

(Não há pólen
Em saudade
Não sonhada)

Nunca vi passarinhos
Confabulando contra
Os céus (chuvoso
Ou colorido)

O olhar de quem
Triste vê o mal
Pode trazer
O inferno.

Hoje à tarde, um pombo
Deu rasante pela janela
Só pra me mostrar sua
Coroa no pescoço
De lilás, azul,
Vermelho.

A ação desse pombo
Parece um pouco
Como que é
O amor.
Na juventude,
Andava de bar
Em bar perguntando
Quem gostava de poesia.

Não. Detesto. Deus me livre. Fora.
Até que vi uma menina em uma mesa
Distante da banda que tocava Scorpions.

Fui até à mocinha, Perguntei "Você gosta de poesia?"
Sorriu-me a pequena com um riso de mestiça
E respondeu-me "Poetas são loucos que
Adoram falar sozinhos... Eu amo..."

Não tivemos um filho.
Mas eu enlouqueci
E ela perdeu
Um seio.

Triste o fim.
(O tempo juntos
Tão maravilhoso)
Poema não é filho.
(Esclareçamos) Portanto,
Você pode apagá-lo se sentir-lhe
Fragilidade nas asas e pouco interesse.

Usar catapulta para lançar
Um poema aos céus
É mediocridade.

Na maioria das vezes,
O poema bate em alguma coisa
No ar e cai como uma bola de fogo.

Um desastre.

Há poema, entretanto, que rasteja
E se sobressai senhor das sombras:

O sol quando desce
Pelo muro do quintal
Ou as patas de uma
Lagarta-de-fogo
Pelo jarro.
Muita gente supõe-me um canalha.
Até pensa que barulho faria uma faca
Entre minhas costelas. Ainda bem que tenho
Como suporte os corvos da minha floresta sombria.

Serão eles os artífices
De quem me quiser o mal.

E digo mais,
Os meus corvos
Da floresta sombria
Fizeram parte da trupe
Da águia - e como se deliciaram
Do fígado de Prometeus (o ingênuo).
O poeta (quando leve guarda
Atrás da porta as escamas
Das asas e as falanges
Das nadadeiras)

Não procura outro encanto
Senão aproveitar o fogo
Que o consome.

Depois de morto
Serei um alívio,
Sei.

Mas ainda caminho
Pela casa de bermudão.
Você se lembra da moeda da sua infância?
Aquela que você passeava pela quermesse
Apertada na mão (de tão fechada a mão
Os dedos vermelhos e suados)

Você nunca confiou em guardá-la
Dentro do bolso e dava tchau
De punho cerrado.

Descanse.
Não era encantada.

(A poesia é uma grande língua de fora)

Nunca estaremos completos.
A língua é enorme e os sapinhos
Copulam entre si feito loucos férteis.

Os poetas dizem a mesma coisa
Ainda que distantes e em porões.
(A poesia é aliada de almas pares)

Desatado do laço
Só em companhia
De si mesmo.
(Sempre)
(Você queimará, destruirá, eliminará
Do coração o amor e dos olhos a luz?)

O temor já não faz sentido
(Nem a fúria e desalento
Do passado) Tampouco
Espere arroubos pra
Amanhã.

Olhe as linhas das suas mãos.
Suspire. Aqueles navios perdidos
Em alto mar retornam para sua casa
E atracam em seu ventre trazendo soltos
Nos mastros gaivotas, albatrozes, flamingos.


Sinto pesar, mas aos olhos de passarinho,
Um casal que nunca caiu em atração
Pelo desconhecido sob a brisa
De uma manhã de outono,
Não é um casal eleito.
Mas aprisionado.

Pois é natural
Ao homem e à mulher
O arrepio febril por outra pessoa.

Nem que seja
Por um segundo

Enquanto os botões
Das flores de cerejeiras
Caem sobre o gramado do mosteiro.
Até que chegue a noite
Não mexo na minha cama

E o meu lençol dorme
Com as formas do seu corpo.
À medida que a desilusão bate à minha porta,
Oferece-me pano pra manga pra escrever versos.

Eis o grande barato
De caminhar na trilha
De um rio abandonado
Sob ameaça de tempestade.
Como dizem, se o funeral é para os vivos
E nunca pros mortos, deixem passar em paz
O meu cortejo e não façam coro dos meus infortúnios.

Nem atrapalhem
A banda de jazz.

É logo ali, vejam, vejam, vejam
Fazendo a curva na pracinha
O cemitério do vilarejo.
Todas as manhãs
Tenho um compromisso
Inadiável e muito delicado:

Limpar a lágrima de rímel
Do rosto da minha xícara.

(Por ser tão branquinha
A lâmina de café é cruel)
Mais uma vez, desarrumo as minhas coisas.
Jogar o mundo de lirismo fora do meu coração.
E eu que sempre estive pronto aos sonhos, luto
Contra sombras (é desigual) lutar contra sombras.

A sua manhã pode ser mágica:
Bata palmas pra brisa que entra
Pela janela do banheiro e pega-lhe
Desprevenido o tórax e as costelas.

Antes do banho,
O seu sorriso.
Imagino a terra sem flores,
Sem passarinhos e sem varandas.
Mas não consigo imaginar sem saudade.

O primeiro amor (nunca mais)
É aquele que enlouquece poetas
E roubam das suas amadas um seio.
Não ponho uma gota de álcool em minha boca.
(A partir daí, menos de um passo pra felicidade)

O monstro, o lado horripilante da minha alma,
Anda trancafiado e a chave está comigo
Em volta do meu pescoço (acima
Do coração).

São quase duas da madrugada
E se eu não escrevesse poemas
Seria um cavalo-marinho tristonho

Escolha bem os seus inimigos.
Não vá querer amá-los depois
De costurar os nomes em
Bocas de sapos.

Os meus inimigos
Viraram purpurina.

Ainda podemos ver algum
Vaga-lume fora da floresta.


segunda-feira, 23 de março de 2015

E a tosse da minha mãe
Que a cada noite me aflige?

Costumava (quando criança)
Ouvir a da vizinha. Agora,
A sete passos da sala.

Envelhecemos.
As mulheres, enfim, sacaram o jogo.
Não creem mais nem um cílio do poeta.
Nem a moça triste debruçada sobre a janela?
Então. Só se for um poema de Florbela Espanca.


Tudo que quis
Foi plantar um jardim
Com as pontas das unhas.

Acabei me enterrando
Até o pescoço.
O passarinho quando cria fama
Entre as árvores das calçadas
É visto como réu das nuvens.

São só poemas.
Não morras por eles.

Mas pela poesia que gera
Tua energia em pecar
Todos os dias.

Peca,
Meu filho.
Sabe aqueles enfeites com ímã
Que se colam em porta
De geladeira?

(Comentei
Um dia)

Quando caíam no piso de cerâmica
Pensava em você na sua cozinha.

Há três minutos,
A porta se abriu,

Deslizou lentamente, bateu
Na mesa e caiu um dentro
Da poncheira de vidro.

Fez um som maravilhoso.
E já não havia você pra lembrar.
Curioso,
Do machucado
Da gaveta da cômoda
No meu pulso esquerdo
Ficou uma marca de batom.

(Ando pelas ruas de braço erguido pro céu
Mostrando ao mundo meu pulso esquerdo)
Meu rapaz, se você não entender
Da mecânica quântica do segredo
Do sutiã, não perca tempo valioso
Em querer abri-lo: Beije a nuca da
Sua pequena que assim seu amor
(Trêmula) ao contrair os ombros
E costelas´

O sutiã
Cai.
A tosse da minha mãe,
Um passarinho entre
Os galhos de oiti...

(O meu coração divide-se
E pesa os sons)
Os passarinhos
Quando reencontram
O caminho de volta pra casa
Imaginam que a vida será feliz.

Não entendem uma coisa:
A felicidade das nuvens
Também é enganosa.

Só a elas (às nuvens) cabem
As figuram de monstros marinhos
E navios distantes nas linhas das mãos.
Tanta chuva ontem que até as árvores
Da minha calçada correram para minha
Cama e sinceramente nunca desconfiei
Do temor das árvores da minha calçada
Por raios e trovões e choros de crianças.
Como te dizer, minha querida,
Que a gaveta da minha cômoda
Soltou-se do trilho e deixou marcas
No meu pulso esquerdo como se uma
Lâmina enferrujada de Baudelaire tivesse
Realizado um péssimo trabalho de amador.

Não sabia que tinha
Tantos pares de meias.

Agora só falta
Pôr em ordem
Os meus pés.

(O caminho é com os passarinhos)
O poema (inevitável) acordou o pescador,
Levou-o a romper as ondas quebradeiras
Sob tempestade e a morrer em alto mar.

O corpo pesado (no fundo)
E uma ponta de estrela
Saindo da boca.

No bar de Pedim, outros pescadores
Bebiam cachaça e mulheres do morto
Rezavam em suas casas diante de fotografias.

domingo, 22 de março de 2015

Só em descer a escada pra deixar o lixo,
Atravessar a garagem, olhar pro céu
E três gotas de chuva caírem
Dentro dos meus olhos
(Colírio das nuvens)

Basta-me pra
Uma tarde feliz.
Arte é o que as mulheres fazem
Com os dedos: desfazendo
E construindo cachos
No ônibus.

(Até o gran finale
Do último suspiro da nuca
Com liga, grampo ou palito)
A pipa no céu
Pertence ao vento.

(Basta que solte
A linha dos dedos)

Coragem não é enfrentar
Os monstros reais, mas
As figuras intocáveis
Das nuvens.

[Minha mãe apoia o rosto
Contra a grade da janela e olhando a rua
E pensando na sua vida de setenta e nove anos
A minha alma que sente no seu coração a saudade]
Não se trata de hipérbole poética
O passarinho que chega à janela
E traz um grão de nuvem no bico.

Não deveria haver motivo
Pra alegria das suas asas.
Mas nós sabemos por que

Os seus olhos brilham
E nossos cílios ardem.
Parece até que o mundo
Amanheceu com jarrinhos
De cactos e orquídeas sobre
Os parapeitos das janelas abertas.

Não era assim.
Ou estava cego.

Das balas que fujo
As que se alojaram
Nas minhas costas

Não chegam
Ao coração.

sábado, 21 de março de 2015

Não lembro a noite
Em que lavei a louça
Do jantar tão amoroso

Recitando salmos do tempo
Em que cuidava dos filhotes
De andorinhas que caíam dos
Fios de alta tensão. (Só lembro
De que as lavadeiras dos riachos
Da minha infância cantavam blues)
Quando o homem descobre
Que também tem um útero
E que lá que arde a poesia
Passa a amar as mulheres
Tal como monges e pagãos.

(Escrever versos
É só um detalhe
Pra se aproximar
Da alma feminina)
O poema não salva.
O único antídoto
É prolongar
A morte.

O trovão
Sempre será
Mais assustador

Que os sinos
Do campanário.

Não mudou aquele cheiro de fumaça
Do fogão a lenha da minha infância.

Tampouco o cheiro do fumo
Do cachimbo de minha avó.

São cheiros tiranos
Que me invadem
A alma e por
Delicadeza

Arrebatam-me
E avivam o reino
Da minha memória.
Acredito que ao mudar de casa
As árvores da calçada seguirão
Os meus passos e quando girar
O pescoço voltar minha cabeça
As árvores vão parar, coçar as
Costas, assobiar, como se não
Soubessem do mútuo encanto.

Entrar pela janela do quarto
Ultimamente a elas já é comum.
(Estiram os galhos e me beijam).
O ofício de escrever poemas
Meu bem, não é um ato egoísta.

(Embora a vaidade
Queime os meus olhos
No fundo do abismo colhendo
Aquelas orquídeas de que falei um dia)

Não é cantando a própria alma
Que o universo treme?
O tímido arqueiro
(Uma vez na vida)
Há de lançar a flecha

E esta (sinuosa) dar meia volta.
Por trás, atingir o próprio coração.

Parece uma morte estúpida.
Mas é digna de um trovador.

Agradeço muitíssimo aos cantos dos pássaros
(Ainda que trancafiados na varanda do vizinho)
Somente assim as mulheres de vestido
Que passeiam por minha calçada
Olham pro céu e assustam-se
Com o meu olhar de Sátiro.


Solta-se do alto da copa
Uma folha de oiti e faz firulas,
Levita aos gracejos diante dos meus olhos,
Antes de cair leve e seca sobre a cabeça de uma formiga.

(Agora já chove)
O vaso da mesinha de centro
(Vazio) me dá ideia ao que
Hoje roubarei do jardim
Do prédio.

Azaleias.

E farei de conta (minha especialidade)
Que você estará comigo a escolher
As mais vermelhas e amarelas.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Sexta à noite,
Caçadores vão
À caça de mamutes

Outros ficam dentro da caverna
Pintando as paredes com as mãos

E há as crianças que se encantam
Com aranhas cruzando abismos
Entre livros da estante.

(Estou
Entre elas)
Perdoa-me, se por vezes
Sou tão pateticamente
Galante -

É muito
Enfadonho
E triste

Ter as palavras nas mãos
(Em adornos de ramalhete)
E não oferecê-las às damas.

Seria canalhice das cerejeiras
Não encantassem os meus olhos.
Você me lembra uma freira.
O olhar cândido sob brasa
De uma freira em êxtase
Arrumando a capela.

A sua oração aproxima o pecador
(Graças a meu deus, também
Corre em sua direção
Uma criança)
Há mulheres que nunca meus olhos veem.
O coração chega antes e do alto da colina
Puxa pelos cílios essas mulheres mágicas.

(Eis que se perdem
Os encantados, ai
Dos seu corações)

Tu tens alguma coisa que eu quero.
Sei muito muito bem o que eu quero.

Usa tua intuição de flor,
Adivinha.

(Os jardineiros não se cansam
De falar sozinhos e o jardim
É um grande hospício
Amoroso)
A minha avó
Conheceu
O amor.

De tanto amar
Perdeu a cabeça
Com a morte do amado

E vivia juntando as suas coisas
(Guarda-roupa e baú antigo)
Pra morar com seu velho
Em outra casa.


Até ontem imaginávamos
Que inspiração fosse uma coisa
E carpintaria o oposto do santo que desce.

Diante dos meus olhos
Um pescador começou
A esculpir, moldar, uma
Figura marinha mitológica
Em pedra-sabão e a cada
Corte nos dedos e sorrisos
Compreendi o total deslumbre.
Nunca vi um albatroz. Mas dizem que a envergadura das suas asas
É maior que os extremos dos braços abertos de um estivador etíope.

Em compensação,
Não me canso de lembrar
A graúna da minha infância

Que dançava em volta dos meus pés
E um dia envenenaram-na com coca-cola.
Às vezes, o poema nasce
E não damos conta da sua vida.

Só dizemos que é poema por que
Não é outra coisa que nos emociona.

Quero mais
Um filho.
Um dia você acorda e percebe
Que já se encontrou (daí o motivo
Por viver distribuindo pedaços seus)
A minha irmã é uma santa.
Estarrecida das figuras abstratas
E monstros encardidos pelas cerâmicas
(Há séculos) resolveu ela própria dá um jeito
Em minha apatia: Ao pisar no tapete do banheiro
Tenho a sensação de entrar em um paraíso de nuvens brancas.

(Agora, sim,
Um ambiente sadio
Pro Sátiro tomar banho
Com as suas fadinhas)

O primeiro poema do dia.
E não abri a janela da varanda.

A cafeteira (aos sussurros) acabou
De avisar-me que o seu desígnio se cumpriu
Por mais uma manhã. E que só espera a tarde.

Até lá (ao entardecer) já tenho escrito outros poemas.
Aberto a janela da varanda e bebido cinco
Ou seis xícaras de café.

quinta-feira, 19 de março de 2015

A poesia em constante
Movimento e desafio
Impede que alguém
Toque fundo
A ferida.

A poesia não é sagrada
Por refúgio de ermitões.

Apenas por que é tolice
Imaginar que se abala
A bruma do pavio.

Além das duas faces
A poesia tem outra
Oculta e inesperada.
Para quem tu deixarás os teus inimigos
No último dia de batalha quando tua mente
Não tiver mais força pra erguer uma bandeira
E empunhar uma espada? Não contes com o coração.
O teu coração nunca fez parte desse jogo de veneno e falácia.

Nem contes com o poeta.
Naquele tempo ébrio, as flores
Traziam ao dia seguinte uma nuvem escura.

Não
Mais.
O porquê
Da lucidez:

Acompanhar
Os raios do sol
Batendo no muro
Do quintal, se o dia
Estiver lindo e claro.

Ou os barquinhos de papel
Pela correnteza do meio-fio,
Se descer aquela tempestade.

E à noite (se conseguir dormir)
Ainda ouvirá um poema trêmulo.
A magia da lâmpada mágica
Não era o sádico altruísmo
Dos três pedidos,

Mas o livre-arbítrio
A qualquer miserável
Em escolher aprisionar
Para sempre o demônio.

As geladeiras antigas mantinham códigos secretos
Com nossas almas. Nunca estávamos sozinhos:
Os murmúrios do motor (tarde da noite)
Eram sinais paternos de vigilância.

E quando chovia,
Fazia gosto andarmos
Descalços até a cozinha.
Quantas vezes você trocou
Os chinelos debaixo da mesa.

O pé direito tentando encaixar-se
No chinelo do outro pé (e vice
Versa).

Viver é isto,
Meu filho:

Trocar os chinelos
Debaixo da mesa
Ao levantar-se.
Antes de escrever poemas
Já vivia obcecado pela luz.

Natural então este
Arrebatamento
De andarilho.

Sobretudo nos últimos dias
Em que a poesia resolveu
Roubar-me o coração.

E segundo ela (a poesia)
Não há dia marcado pra morte.
Espichei o olho
À janela da vizinha.

(Enquanto a doçura
De fones lustrava a vidraça)

Mas como me fazem falta
Os meus óculos antigos.

Fico meio Mr. Magoo
Diante de uma orquídea.
Retirei da varanda
As cadeiras de vime.

Foi rápido o trote da nuvem.
Passou, sorriu, jogou um lençol
Molhado na calçada por cinco minutos.

O bastante pra formar uma lagoa
Onde os peixinhos são folhas de oiti.
Tu não és louco
De mexer na luz.

Das correntezas
Aproveita o embalo
Do barquinho de papel.

Tu és forte, forte, forte.
Mas não precisas mostrar
Teus ombros aos passarinhos.

A leveza da tua alma a florir
É um caso íntimo e particular.

(Nem às andorinhas e graúnas
Há de ser revelado esse amor)
Imagina só,
Dia de São José,
Chuvinha fina na calçada

E o poeta de bermudão (sem camisa)
Passeando pela casa com um sorriso no rosto
Do tamanho de um elefante feliz à beça pra chuchu.

E não me lembro
De haver enterrado um tesouro
Ou escondido na manga um último poema.
Depende do seu olhar
A febril estética do poema.
Não há dias de guerra? Pois.

(Aos últimos dias
Devo a serenidade)

quarta-feira, 18 de março de 2015

Receba essa boa alma
Que hoje é sua parceira
De escrita e não se larga
Das suas mãos um minuto.

Ofereça o seu coração
Como casa a essa
Boa alma

Que antes vagava
E hoje é sua cúmplice
Em química e carpintaria.

Construam juntos
Um barquinho
De brumas.
"Percebeu
Que estou
Mais leve?"

Perguntou
Uma bolinha de sabão
Ao vento que (silencioso)

Abriu
A janela.
Parece-me que o exercício poético
(A cada poema trabalhado e escrito)

Aproxima os pares dispersos que ora
Somos, ora não somos. É muito difícil
Imaginar figuras em um céu sem nuvens.

Mas é possível
À palavra.
A minha tíbia é frágil:
Qualquer encontrão
Com a quina da
Cama,

Parte-se
Ao meio.

Mas também,
Tão romântica:

Beija os travesseiros
E perdoa a bagunça
Do quarto.
Abrir a geladeira
E um delicioso
Perfume

De abóbora
(Ou jerimum)
Invadir a alma

Há um preço:
Um poema
Pra São
José.

Amanhã tem refogado.
Ultimamente a poesia está tão em casa
Que até o que não é do sangue é bem-vindo.

E o coração floresce
Cheio dos rubores.
Estalo os dedos repetidas vezes,
Esfrego os olhos, mordo os lábios.

Não é fissura por heroína.
Mas por palavras.

(Estou livre de matar
Alguém por uma papoula)

E se um dia o anjo caído cansar-se
Do abismo e benzer as escamas
Das asas de fogo?

Em cabo de guerra
A oratória é um alívio.

Nunca tive pudor
Com a poesia.

Nem depois
Que cresceram
As minhas mãos.

E aprendi
Que o punho cerrado
Erguido pro céu é loucura.
O dia venturoso
O dia especial
Da sua vida
É hoje:

Já acordou,
Fez e bebeu
Café, escreveu
Dois ou três poemas.

E da sua varanda viu alguns pombos
Com seus pezinhos jogando bola
De miolo de pão na calçada.

Não precisa de grande expectativa.
O amor são os detalhes desta manhã.

Aquela formiga que joguei pela janela
Conseguiu escalar a varanda, as grades,
As plantas, subiu por minha perna (enquanto
Eu cortava as unhas) beijou meu joelho e na
Ponta do meu nariz, olhou fundo meus olhos,
Pra que minha alma ouvisse, foi taxativa: "Cínico."

"Espirituoso, diria."
Acudiu-me um pombo,
Comendo alguma coisa.

terça-feira, 17 de março de 2015

Esquecer o nome
Da cachorrinha
Do seu amor

É uma falta grave.
Desvio de caráter.

Só um facínora
Muito insensível.

Mas como se chama mesmo
A cachorrinha do seu amor?

Cocadinha?
Biruta?

Não,
Não.
Você mastigava
As casquinhas
De tangerina.

Fazia um rosto
De depravação
E guerras.

Eu ria.

(Louco pra ser
Os seus dentes)

Depois de muito tempo,
Quando não éramos
Mais crianças,

Soube das suas mordidas
Nos meus braços.
Aos ouvidos de uma formiga
A gema do ovo caindo
Na frigideira

É um cataclismo
Ensurdecedor.

Por isso, (gentil)
Ponho um blues,

Enquanto
Preparo
Nosso
Rango.
A última vez
Em que escrevi
Um poema na cama
Engravidei uma mulher.

Hoje em dia,
Esse poema
Tem treze anos.

(Forte e feliz)

segunda-feira, 16 de março de 2015

A poesia
Dá-nos uma força
Que tu nem imaginas.

Lavava a louça da janta
(Matutando em voz baixa
Um poema) quando de súbito
Parti o cabo da concha de feijão.

Voltei a me alimentar.
(A insônia é natural)

Se você
Olhar bem,
Os olhos brilham.

Apaixonado? Sim, de novo
Por outra formiguinha
Do açucareiro.

(Agora ela voa)

Avisei-lhe que tenho
A mania de jogar pela janela
Quem me encanta e me faz feliz.

Não acreditou.
Agora ela voa.
O perfume da primeira namorada
É a minha segunda alma que
Jamais se apartará
Da metafísica.

Às vezes, de bobeira
Lendo um livro ou
Contemplando
O teto

Alguém passa na calçada
Perfumada da minha saudade.
Costumo olhar os anjos com um pé atrás.
Sabe-se lá o que pode escapar das asas.

Clamam que são flores,
Mas podem ser espadas.

(Já dos monstros
Conheço o beijo)
O clímax da poesia
É quando o que pensa
O poeta imagina o leitor.

(Em breve contato
Sem perdas mútuas)

Saem fortes e leves
As mesmas mãos.
"Estás com a cara ótima..." Elogiou-me o espelho
E caminhou de volta ao canto da sala balançando
Ao mesmo tempo os ombros e os pés de madeira.
Deu-me vontade de falar do meu pâncreas e baço.
Desde criança que só me refiro ao coração e escrevo.
Pois nesta tarde faço as honras ao meu pâncreas e baço.

Se tivesse mais um filho seria seu nome Baço.
E se uma filha o seu nome senhorita Pâncreas.

Um casal de filhos
(Pâncreas e Baço)
Lindos, não?

Chega de só falar e escrever do coração.
Claro que o coração tem um lance misterioso
Entre nossa psique, memória e sonhos românticos.

O pâncreas e o baço
Vivem ocultos e felizes
À revelia da alma do poeta.

E hoje são os meus filhos.
Como anda a sua garganta?
Que bom que ler poemas
Não interfere na voz.

Mesmo Camões.

Creio que antes dos olhos
Pousarem sobre os versos

É a voz do coração
Que assume o papel.

E sequer sentimos
A garganta inflamada.
Toda a minha energia
Vive canalizada pra
Carpintaria poética.

Admiro quem sabe
Fritar um ovo ou
Quem anda de
Bicicleta sem
As mãos no
Guidom.

A minha vó era uma índia
Que adorava passar o entardecer
No quintal fumando seu cachimbo.

E o meu avô um senhor
Corpulento, calvo, português

Que gritava da cozinha:
"Cadê o meu caldo,
Minha velha!"

(E eu fugia pulando
O muro do cemitério)
Conheci a felicidade aos nove anos
Ao sentar-me no batente de casa
E assistir aos raios do sol

Saquearem as folhas das formigas
Em cada calçada até beijar
Os meus joelhos.
Nem todas as almas
Pertencem ao Reino.

Aquelas que fogem do Paraíso
Correm o risco de encontrar
A revelação.

O Reino digno do poeta
Há de ser humano e falho
Onde os pecados sobrevoam.

E ainda que morto
A esperança não seja
Uma moeda de troca.

domingo, 15 de março de 2015

Só há uma intenção divina quando o céu escurece,
O tempo fecha, os postes das esquinas apagam-se
E não chove: sensibilizar o poeta pra tirá-lo de casa.

Na rua escura,
Escreve-se poema
Com coragem e clareza.

(Ah, e esse perfume de bananeira
Em minha alma infantil...)
Quando faltava luz
E todos corriam atrás
De fósforos, velas e lampiões:

Eu corria pro meu quarto
Com um pote de pirilampos.

Inventava histórias
De crime e castigo.

(E nem conhecia
Dostoiévski)
Escureceu sobre a minha rua.
(Creio que vem uma tempestade)

Por enquanto, tiro a barba rala
E brilha uma lâmina de sangue.

Penso em você
Nos seus dias
De solidão.
Minha maior alienação
Será sempre a escrita.

Venham à minha casa
Outra tarde e saberão
Ao que me refiro.

Também posso te ensinar uma receita de bolo
Maravilhosa em que só depois do terceiro
Pedaço se notará o cianureto.

E a espuma da boca
Não é um lindo sorriso.
Uma mulher de olheiras
Com aquele olhar sensual
De longa jornada de solidão

Sabe da sua força
Em jogar vôlei
Ou plantar
Um lírio.

Que belo dia
Pra escrever
Um poema.

Cadáveres pelos campos de batalhas
Permitem à poesia outro tipo de silêncio.

Debaixo da cama
Limpo o terreno minado
Dos pés das minhas formigas.
Parece-me que há um poema ainda não escrito.
Outras mãos para beijar e queimar o meu rosto.

Um grito de paz
Dentro d'água.

sábado, 14 de março de 2015

Os poemas de amor
Não guardo mais dentro
Do antigo baú da minha vó.

Estão todos agora
No cofre da parede.

(Atrás do quadro falso)

Tu sabes o caminho.
E também sabes
Como te desviar
Das ratoeiras.
Até que enfim
Encontrei a mulher
Da minha vida: prendia
Os cabelos com um lenço florido
E tinha o sorriso mais doce que cocada
(Aquela vendida na rua da minha infância)

Só estranhei o seu nome: "Solidão
De Nascença das Flores de Cerejeiras".

quarta-feira, 11 de março de 2015

O vigor do último poema
Vem da cama de gato
Que o próximo
Prepara:

Máquina de moer
Que planta cílios.
Um dia vou criar uma tartaruguinha
Só pra vê-la triste e dividir comigo
Toda a sua melancolia.

Nunca vi (meu deus)
Animal mais destemido.

Não me lembro ao certo
Quantos anos tinha
Ao morrer pela
Primeira
Vez.

Sei que a primeira palavra
Levou-me ao túmulo
E o primeiro verso
À embriaguez.



Pode parecer arrogância
A quem escreve poemas
Dando nome à descrença.
Mas é somente ofício.
Como salgar peixes
Ou afiar lâminas.
O desespero que leva
Aos poemas escritos
Assemelha-se à luz

A vagar
Em retinas
De estrelas.

A cada sonho que morre no céu
Nasce um pontinho branco
Na capa da minha unha.
Nada substituirá
A xícara de café
Às 18h.

(Senão outra
Ao teu lado)

Como não passaste de quimera
Fico então com a xícara de café.
Vejo que não existe luta
Entre deus e o demônio.

A origem da energia
Que move minhas mãos
Parte de um mesmo vazio.

Outra vida? já me cansa esta.
E eu adoro-a [do meu jeito]
Beijando os pés do louco
Que suponho também
O sensato.

terça-feira, 10 de março de 2015

Prestou atenção
Que há poemas
A nos queimar
O intestino?

A poesia faz com que
As coisas explodam

E peguem fogo
Dentro da gente.

Aliás, se o poema
não nos queima
o intestino
não vale:

O poema é como o ciúme.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Tive tempo de anjos.
De bons e doces anjos.

Nunca de amigos.
(Aquela espera feliz)

Em tal tragédia
Há um certo glamour:
Posso me ferir em paz.

(Os anjos
São menos
Que amigos)
Uma mulher de vestido
Caminhando por minha calçada
Deixa-me de juízo lasso e vacilante.

E eu grito da varanda: "Não pisa!
Olha a lagartinha-de-fogo!"

Uma calçada chuvosa.
Uma mulher de vestido.
Uma lagartinha-de-fogo.
Concluo que não se pode mudar a natureza escrevendo versos.
Se meu coração é falho e medíocre, cabem-me a fúria e solidão.
Enterrar de vez os passarinhos que viviam entre minhas costelas.

Só em pensar
Em levantar-me
Pra trocar a água
Da plantinha da sala:

Quão custoso e quão enfadonho.
(Morre um braço, morre uma perna)
Os versos tortos
Não por falta
De fé.

Tenho fé e clareza
Ao abismo que sigo.

As lágrimas borram os meus pulsos.
(E são lágrimas sujas que não se alvejam)
A chuva abre em meu peito
Uma ferida de loucura e dor.

(Das cartas que dobrei
E viraram barquinhos
Em correntezas
De meio-fio)

A poesia já não é desculpa
Pra uma boa morte.

terça-feira, 3 de março de 2015

(Não tenho defesas.
O meu coração é um corpo aberto.)

Quando nascemos uma voz é ungida em nosso coração.
Com o tempo, e ausência de sonhos, essa voz sobe.
E agarra-se à mente.

Passa a mente a ouvir
Tantas outras vozes.

É chegado então o momento
De escrever poemas, seu moço.