quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Detenta

Normalmente o homem não visita a companheira na prisão.
Fogem, somem do mapa. Uns canalhas. Mas não foi pra mim
Nenhum sacrifício vê-la todos os dias marcados com a sacola
Recheada das suas coisinhas: frutas frescas, seu doce caseiro,
Seus cigarros, suas roupinhas que eu mesmo engomava e tingia.

Deve ser triste jogada em um buraco
Sem notícias de quem se quer bem,
Solitária, a mente em parafusos.

Vontade de matar
O próprio deus, né?

E todos os dias marcados,
Lá estava seu poeta na fila.

A sacola na mão
E ultimamente até
Poemas de Neruda
Decorados pra você.

Imagine o aperto
Do meu coração
Quando vi tatuado
No seu antebraço
O nome "D'arcão".

Quem é D'arcão,
Meu amorzinho?

Hábitos

Meu amor, acredita que só hoje
Descobri que é o terceiro botão
Do interruptor a lâmpada da sala?

Antes, ficava aéreo
Entre o primeiro
E o último
Botão.

Coisa simples, sei, amor,
Mas quando estou sob
Processo de criação

Só em levantar-me
Quebra-se o encanto.

Das epifanias

Não me lembro do nome do coveiro
Que passava pela minha calçada
Com as botas sujas de terra
E um olhar estranho.

Éramos criança (eu e minha calçada)
E esperávamos o coveiro passar
Com suas botas sujas de terra.

Os vizinhos sorriam para o coveiro
Respeitosos com aquele homem
Que enterrara seus parentes.

O coveiro já bem velhinho,
Encurvado das almas
E dos túmulos,

Respondia sempre com uma boa noite inaudível
E passava sereno com suas botas sujas de terra.

O que nós adorávamos (eu e a minha calçada)
Era o som das suas botas com hastes de flores
Ainda presas no solado. Sabia que além de coveiro
Aquele homem velhinho que enterrara meus parentes
Também cuidava do jardim do cemitério e dos jazigos.

Aquela terra que o coveiro deixava
Pela minha calçada quando criança
Alegrava-me a noite e dormia pensando

Se todos coveiros eram jardineiros e se andavam
Com aquelas botas em que presas as hastes
De flores lançavam um perfume

De terra sagrada
E um barulho
De encanto.

A minha calçada nunca me respondeu.
Ao outro dia era mais importante a chuva.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Tarde de sexta e suas minúcias

As mulheres felizes da aldeia
São simpáticas, mas as loucas
Que seduzem o pescador de ostras.

(Que canalha, ainda limpa a barba rala
No pano de prato - antes de ir pro mar)

Alinhos

O poeta cercado
De si por todos
Os cantos

Ainda pensa
Que não é sua
A voz que ouve.

E trabalha com os poemas
(Única forma de não barbárie)
A extrair da cabeça os coágulos.

E flores
Amarelas.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Reviravolta e meia

é só um poema,
mas mata.

então trate
de achar

aquela abotoadura
do seu terno cinza

(o mesmo do
casamento)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Teoria do coração

Atenta-te
Aos batuques
Do teu coração:

Ora raios,
Ora orvalho.

Ainda duvidas
Da vida à parte
Que parte árvores
E umedece pétalas?


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Jornada

Pare de viajar, moço poeta,
Vista-se com aquele seu terno de casamento,
Chapéu panamá do seu avô e dirija-se à pracinha.

Pendure sobre o banco
(Do seu primeiro beijo)
A sua alma.

E chega de anseios, suspiros,
Costelas quebradas todos os dias.

Vista-se com aquele seu bermudão
De caçar borboletas e lagartixas
(Pulando túmulos) e escreva
Uma carta de ais e uis.

Escreva a carta umedecendo o bico da pena
Dentro do frasquinho do seu licor de tamarindo.

E não beba.
(Só depois
Da carta)


Altar

Acontece dos meus passos
Antecederem os meus olhos.
Avisto as calçadas de longe,
Enquanto já caminho distante.

Não sei, seu Pedro ou seu João.
Mas a morte tem um caminhado
Meio trôpego e íngreme (de lado)

Quando vou morrer?
No dia de seu Nunca.

Escrevi muitos versos
(Bons e ruins) a morte
Perdeu contato.


A solidão da casa

Atrás de um quadro
Havia um reino
De cupins.

(Nem silêncio dos corpos)

Só caminhos de fuligem
Das pegadas de outrora.

sábado, 17 de janeiro de 2015

O senhor coração e seus sobressaltos

O coração de um pescador em alto mar
É tão delicado e cheio de surpresas,
Baby

Que em um dia de sol ou chuva
Pode acordar com um buquê
De rosas brancas
Pra Yemanjá

E mergulhar com a oferenda
Entre os dentes, depositar
Dentro de uma concha

(Onde adormecem
Teus olhos de jabuticabas)

Prendendo a respiração
Até ouvir os cantos
(Secretos) do seu
Amor.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Música

Há manhãs em que o pescador
Olha o mar, espreguiça-se,
Sorri de canto de boca,
Volta pra casa.

De dentro do bolso
Do seu bermudão

Vê-se a ponta
De uma carta

Bordada
A lírios.

(O pescador escreverá poemas
Remendando a rede de pesca)

domingo, 11 de janeiro de 2015

Bipolar Afetivo

Um raio de luz
Atravessou-me
O coração:

Vi de perto
O amor.

E já morria o sol da tarde
Pelas grades da minha varanda.

sábado, 10 de janeiro de 2015

escreva um poema e volte pra cama

Meu coração tem um olhar de serial killer
De afugentar meio mundo que gosta de mim
Quando acorda sozinho e caminha até a janela.

E por lá fica olhando a rua
(Horas a fio olhando o fim
Da rua) que leva
À sua casa.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

tristão

Dizem que um pássaro a chorar
Voa mais alto que os outros
Felizes.

Conheci um corvo
(Quando criança)
Que dançava

Em volta
Dos meus pés.

Nunca chorou
Esse corvo.

Um dia amanheceu morto
Com a janela da gaiola aberta.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Ronin

O meu coração
É um samurai
Honrado.

Quando peca
(Desonra o amor)

Ajoelha-se e corta
Ao meio o ventre.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Tardes

A poesia repete-se
Todos os meus dias.

Buscar gravetos em floresta escura.
Fazer fogo com as linhas das mãos.

Essas coisas,
Meu amor.

(Nunca cansativas)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Boas Novas

A mais sincera lembrança da minha existência
Não serão meus ais, meus suspiros e espantos.

Nenhum poema.
Nenhum amor.

A mais legítima lembrança da minha existência
É o fio de cabelo do meu púbis desenhado
Em forma de coração no meu sabonete.