quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sete segundos

Com a mão posta sobre o lado direito
Acima das minhas costelas entendo
O meu destino de jardineiro.

Só bate assim o coração
Daquele que bebeu o chá

Dos botões 
De girassóis.

(Agora é o trovador meio Sátiro e meio noviço).


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Fim da procura

As moças podem fazer à vontade seus cachos
Arrumando os cabelos, como ajeitam
As gueixas o penteado (tímidas,
Fatais) a desvendar a nuca.

O poeta anda cego.
Só vê a um palmo
Do nariz

O pescoço
da sua pequena.


domingo, 27 de julho de 2014

Bilhetinho colado na porta da geladeira

Junto pedacinhos dos meus sabonetes
No cantinho da janela do banheiro
Pra depois esculpir teu busto
Da minha pele.


Das hastes das rosas vermelhas


Por tê-la
Que me vejo
Um olhar tenro
Antes dos sonhos.

Amá-la é um dom dos gigantes
Que sobem ao pé de feijão encantado
E não temem pular do alto (graciosos).

Debaixo das pálpebras dos amados
Só há doçura, minha querida.

E coragem.


sábado, 26 de julho de 2014

Envolvimento

A tartaruga ama
Do seu jeito
Lento.

Mas doce.

Ou há dúvida
Nas juras amorosas
Do seu olhar taciturno?


Camponesa dos olhos de âmbar

Eia, eia!

O general apaixonado
Atravessa o campo
De batalha!

E há em seu olhar
Um riso de poeta.

Eia, eia!

Saiam da frente
Andorinhas!

O general apaixonado
Tem pressa que chegue
O mês do seu aniversário.

A sua camponesa já faz fogo mágico
Dos seios fartos que a acompanham.

E o general sonha.
Nunca deixou de sonhar.

(Daí a sua vitória no campo de batalha.
Sem baixas e sem arrependimentos).


quarta-feira, 23 de julho de 2014

A felicidade dos homens efêmeros

Com o que sonham os cãezinhos beagles?
Em conhecer a varanda de D. Quixote.

Fazer pipi nas plantinhas
E morder os braços
Das cadeiras de
Vime.


terça-feira, 22 de julho de 2014

O veludo do silêncio

Não é uma coisa agradável.
Mas o poeta sabe quando
Deve tirar o coração
Da tomada.

Antes que as camponesas
(Entediadas) comam as maçãs.

Com o tempo você perceberá
Que cada um é mesmo único.

O poeta não vive
Se não for de fato a mil graus
Suando nas palmas estendidas.

Dessas febres
Que o faz ler cartas
Jantando e falando sem parar.

Não é uma coisa aprazível.
Mas o jardineiro sabe tirar as mãos
Da terra e deixar o girassóis florirem.


Varal do banheiro

Não demorou muito tempo
As minhas cuecas secaram.

A melhor hora para lavá-as
É quando a brisa das calçadas
Entra pela janela do meu banheiro

E vai lhes beijando a face
(De cada uma) sob o carinho
De amante. Ainda assim, o poeta
Faz bico: melhor teria sido se chovesse.


Cobra-cega

Confio em ti: usa teu garfo
Pra coçar as minhas costas.

E se estiveres com ciúme,
Não temas meu grito:

Espeta-me
O pescoço.


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Discurso da meia-noite

Com as minhas mãos
(E os meus dedos)
Já levei nuvens

Às lágrimas
De felicidade.

Agora é um girassol
Que subo aos céus.


Vapores de brumas

A sorte do poeta é que a poesia
Não dá a mínima pros seus mimos.

Não leva a sério
A sua vaidade.
Gargalha.

Quanto mais ele mudar de pele (e quebrar a cara)
A poesia se aproximará com o rosto da única amiga.

Do único
Amor.


domingo, 20 de julho de 2014

Cachoeira

Enquanto a água pura
Ungir os teus cabelos
E molhar teu corpo,

Tu não sentirás frio.

O batismo da Água, crê,
Também é o batismo
Do Fogo.


Das orações

Diga ao seu filho de doze ou quarenta e oito anos
Que Deus ouve e não ouve pelos ouvidos humanos.

O íntimo diálogo do seu filho
(Inviolável) será o bálsamo
Da dor do outro.

E que não espere
A própria voz de volta
Como uma ingênua trapaça.

Quem se liga ao Silêncio sabe
Do amor e da pureza das palavras.

Logo somem todas as sílabas
E o que sobra é uma paz
De febre incontrolável.

Diga ao seu filho que Deus
Não tem faces gravadas
Em dados.

Quem os joga
Tem mãos.

Mas diga de maneira
Que ele descubra
Sozinho.

Dê apenas um toque
Com um sorriso leve
No canto da sua boca.


Das solitudes

Um prego enferrujado sobre o parapeito da janela do banheiro
Reclama das minhas botas mofadas debaixo da escrivaninha
O título do mais taciturno dos solitários.

Nem o prego enferrujado
Nem as minhas botas mofadas
(Ingênuos) não ouviram falar da longa solidão
Do meu par antigo de meias no fundo da gaveta.


Mademoiselle

O meu amor sabe coisas que esqueci
Enquanto sozinho cruzava a ponte
Olhando pro céu aflito.

Nada tão importante.
Já cheguei até ela.

O perfume do seu sabonete
Dá-me bom dia antes dos passarinhos.


sábado, 19 de julho de 2014

Peitoril

Se você pegou em flores hoje,
Não lave as suas mãos, amigo.

Um jardineiro que adoça
O café das visitas com
O dedo da aliança

Tornam-se mais tarde
Todas suas amantes.


Viciados em pólen

Dos meus poemas românticos
Eu preparo papinha de angú
E ofereço às andorinhas
Da minha janela.

Nem todas apreciam.
Algumas preferem
Só martini.

E uma boa noite de cama.


Das memórias quiméricas

O coração diz: Voa, poeta!
O poeta pula da cama
E bate asas.

O coração diz: Emociona-te, ó poeta!
O poeta pega a haste da flor branca
E fura os olhos.

O coração sugere um cafezinho.
E o poeta (de olhos furados)
Tateia os potes sobre
O armário.

Encontra um broche
Que um dia prendeu
O caminho pros teus
Seios. Lembras? Aquele
Vestido seda azul decotado.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Pescador de arroubos

Seu rosto trocando luz
Com o meu coração:

É deste mistério
Que retiro a lucidez.

O poeta ao falar de amor
Não se alimenta dos sonhos.
Pois sonhos não são escritos.

Os poemas amorosos são reais, baby,
Como essas lágrimas que me queimam.


Jovial

Os passarinhos não nasceram para os céus.
Doce engano, meu amor. Os passarinhos
Nasceram para fazer ninhos juntando
Os seus cílios do meu olhar.


Tédio

O longo poema cansa.
Exausto, bocejo, dou
Um chute na porta.

Assusto um cupim
Que chegara da noitada
(Ainda com bafo de madeira).


Na moita

Quero-te por perto
Para celebrar o vazio.

Esquece a minha solidão.
Ela só existe quando
Não escrevo.

Quero-te ao lado
Para puxar teus cílios
(De surpresa) e soprá-los.

Não leves a sério
A minha melancolia.

Ela só existe
Entre mãos
E palavras.

Vem brincar
De camponesas
E Sátiros tesudos
Pela floresta encantada.

No momento em que surgir a tristeza
Manda-te logo dos meus braços
Pois já fugi da tua cama.

E nem deu tempo
De levar teu sabonete.

Lacaio

Perdi a minha luva
Da mão direita.

Descuido constrangedor
A um serviçal de longas datas
Que dorme no palácio e não cobra
Hora extra nem proventos de apaixonado.

Vê, minha senhora,
Se ficou entre os cachos
Dos teus cabelos: ontem demoraste
A dormir e amanheci fazendo-te cafunés.

Agora é hora do teu chá de cerejeira.
E ainda hei de colher os teus girassóis.

O tempo voa com asas de querubins.
Não é mesmo, minha doce senhora?


quinta-feira, 17 de julho de 2014

Aurículas

Se o mal perde a força,
O bem perde a força

E sem forças,
Apático, o poeta
Encontra sua paz.

O que não é justo
Ao seu coração
Febril.


Horário de trabalho

Voltei a apertar parafusos
Durante todo o dia
Na repartição.

Essa é a hora
Em que os incautos
Preparam armadilhas.

O poeta com uma chave de fenda nas mãos
É um Quixote com os bolsos cheios de moinhos.


Jangada em alto mar

Para que não fuja o encanto daquele bermudão andarilho,
Estenda-o sobre o telhado no mês de julho:

A brisa logo o secará com a delicadeza
De quem escova os dentes
Ciente da fragilidade
Das estrelas.

O mundo pra elas são campos de girassóis
À espera de pegar fogo os olhos do noviço.


Aninhar-se

Entender as mulheres
Não é tão aventuroso.

Risco de hospício
Ou jardinagem.

Basta-nos ouvi-las
(Escutá-las)

E abraçá-las
Naquelas noites
Em que as suas marés
E suas luas partem sem elas.

As mulheres até sobrevivem
Sem os seus amados, mas
Das suas luas e marés

Nem em sonhos
Podem viver
Distantes.


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Tribo

Um corvo voando alto
Contra o céu azul

É uma bela
Tatuagem.

Ok, meu chapa,
Pode furar a carne.


Despedida

Certos botões quando caem da camisa
Nunca mais será a mesma rua, meu poeta.

Melhor doar a camisa
Capenga sem dois botões.

O seu peito agora
Viverá nu para sempre.


Elos

Não se diz adeus ao amor.
Se você não tem ninguém ao lado
Já pensou em olhar no quarto da empregada?
Aquele lá nos fundos que agora serve de depósito.

As portas devoradas por cupins
Lembram-me da doçura da vida.


Ímpetos

I

A poesia é uma mãe
Que abraça as palavras,
Enquanto o desejo destas

É fatiar, dividir,
O fogo do paiol.

II

A poesia nasce em cada lugar
Improvável que só um santo,
Um louco, um arguto ladrão,
Saberiam tocá-la.

O poema sempre encontra
O peito da poesia pela mão
Daquele que não se cansa.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Desapego de etéreos

Último conselho,
Meu poeta:

Tu chegaste a um estágio
(Encanto de lucidez)

Que somente
À tua pequena
Cabem os sonhos.


Cicatrizes verdes nos pulsos

Em noites de cafonice
(Hoje é um deleite)

Sinto uma vontade
De vestir minha jaqueta
Calçar os tênis brancos sujos

E adentrar por aquelas ruas
Onde em cada esquina brilha
Um riso de vidro de cores frias.


Consultório

Não te contei, corrigi aquele dente.
Vampiro com o dente da frente quebrado
Não é bem visto entre a comunidade dos corvos.
Nem que seja, meu amor, só uma lasquinha da resina.

A doutora se chamava Aparecida.
Uma santa. Um olhar tão piedoso.

Juro, quase lhe coloquei a mão sobre o ombro
A solidarizar-me com o seu imenso tédio.


Nubente

Roubei aquele ramalhete
Debaixo do travesseiro
Do meu coração.

Tive de esperar meu coração pegar no sono.

Acordado,
Só pensa em ti.

Dormindo,
Não pensa
Em nada não.

Efeito desses analgésicos que os ogros usam
Pra dopar os sonhos deles pelas camponesas.


Entediantes formigas

Das atrações inexplicáveis
Cabe o silêncio, como agora:

As lentes dos meus óculos (sobre a mesa)
Invadidas por beijos e abraços de formigas.

Chegam a trocar a trilha mágica
Dos cristais de açúcar

Pela gordura
Dos meus cílios.

Também estou cansado
Dessa história de formigas.

Não apenas tu.
Mas, meu poeta,
Quanto mais amas
As formigas e as matas
Parecem surgir da tua infância.

Diafaneidade das camponesas

Tu me perguntas o que é um olhar feminino diáfano.
Digo-te, meu poeta, olhar feminino diáfano é aquele
Quando a mulher a te olhar põe teus pés um palmo
Acima da terra.

E tu não levitas,
Tombas.


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Encanto

Namorar gostoso
A gente só namora
Depois que voltamos

Tu, da roda de samba;
Eu, da pescaria.

E nos balançamos
Na rede branca
Rindo

Qual criança
Quando aprende

Que o primeiro beijo
É uma coisa tão valiosa

Quanto o primeiro passo
Pro rumo da calçada molhada.


Despacho de luz

Ainda não virei um fantasma.
Mas escrever poesia apaga
As nossas digitais.


domingo, 13 de julho de 2014

Das efígies

Temos mania de eternidade
Em tudo que pomos as mãos.
Ou ao que olhamos e pensamos.

Sabemos que somos tão fúteis
(Há quem pense divinos) justamente
Pela clareza que nos abate: "Tu morrerás,
Meu poeta, morrerás redondinho e sem falhas."

Beija as coisas mais simples em tua volta.
Abraça tuas botas velhas e mete as mãos
Naquela gaveta suja e mofada.

Tu sempre morreste, meu poeta,
Por imenso medo de ser humano.


Artérias em choque

Comum antes de abrir realmente os olhos
(Lavar o rosto e de escovar os dentes)
Contar o meu sonho a quem
Está por perto.

Só preciso estirar as pernas
Debaixo da querida mesa
E escrever.

Ontem sonhei que era um déspota
E ao roubar o trono dos monarcas
Mandava abolir as leis.

Todas as leis.

Eu era um déspota de fato.
E fazia do meu território
Uma grande orgia
Entre poetas.

Um verso, tolo que fosse,
Mas sincero, o trovador
Recebia sete moedas
De ouro, um eunuco,
Um cavalo de raça
E uma cortesã.

Poeta não trabalhava de graça no meu reino.

Óbvio que não durou por muito tempo a felicidade mundana.
Vieram anjos dos céus e outras mil falanges dos infernos
Pegaram-me pela manga da túnica e me trancafiaram
Na masmorra.

Torturaram-me
Pra não esquecerem
O hábito dos animais.

Lá dos subterrâneos
Em companhia dos ratos
E de dois maravilhosos videntes
(Um francês, e o outro um inglês)

Soube que o velho rei voltou ao trono.
Vive muito doente, cuspindo sangue.

E que a sua filha já toma aulas de etiqueta
De cinismo e de frieza para assumir o trono.

Rezo, medito, faço encantos,
Escrevo (parei de ler) só aguardando
A filha do rei receber o cetro e pisar no trono.

Já fomos amantes
Em vidas passadas.

Logo que eu for solto me mandarei pras montanhas.
Não sonharei mais. Vou plantar batatas e construir
Um moinho ao lado da minha janela.

sábado, 12 de julho de 2014

Das alucinações dos albatrozes

Embora elegante envergadura de saudáveis asas,
Aquele albatroz era um albatroz taciturno.

Não pescava,
Não namorava,
Não tinha amigos.

Vivia a refletir absorto
No alto do campanário

O que haveria além dos céus
Quando a janela fosse aberta.

Que sentido faz em um albatroz
(Ave marinha que adora lulas)
No alto de um campanário?

Primeiro, o albatroz é meu.
E voa para onde eu quiser.

No momento, pousou sobre um triste campanário
De um povoado perdido pelos arredores
Do Atacama.

E não muda o olhar melancólico.

Mestre em cordas

Desenho uma trilha com cristais de açúcar
Da colherinha do açucareiro à poncheira de vidro.

No final da travessia,
Uma a uma (ainda bambas
Do encanto) quebro o pescoço
Das minhas inocentes formiguinhas.


Morbidez

O seu quarto, meu poeta,
Anda tão empoeirado
Que ao abrir
A porta

Uma fila indiana das suas formiguinhas fogem
Espirrando, assoando e limpando as antenas.

Algumas (ríspidas) olham-no com um olhar de reprovação.
E balançam a cabeça condenando-o pela imensa apatia
A consumi-lo.


Caminhada sob chuvinha fina

Não sabia gargalhar.
Nunca entendi aquela
Delicada mecânica entre
As válvulas do coração e a voz.

Você me ensinou.

Você também me explicou
Sobre as cores dos esmaltes.

A sutil diferença para as unhas
Das mãos e pras unhas dos pés.

E conversávamos sobre seus cabelos.
De quando cortou e que tipo de lua no céu.

Você me ensinou a não me entediar
Desse mundo de estética feminina
Todos os sábados.

E não passava o tempo.
Como se conversássemos
Dos poemas de Drummond
E de Quintana. Minha linda.

Você me ensinou tantas coisas.
A andar pela casa com o bermudão caindo
Por muito suspirar aéreo sob efeito do seu girassol.

Você me ensinou a conversar com as minhas plantinhas.
Olhando-as e imaginando as orelhas dos seus cachorrinhos.

Você me ensinou da importância de pegar um livro,
Dá um até breve, recolher-se no quarto, ficar quieto.

Você me ensinou a suportar a febre poética
Quando os caballos loucos parecem terríveis.

Você me ensinou coisas pra chuchu.
Ainda assim, não acredita no meu amor.

Não acredite, então, baby.
Mas não pare de me ensinar
A ser o seu poeta apaixonado.


Das maçãs de um azul-escuro

O meu amor não acredita no meu amor.
Qual um passarinho não crê nas nuvens.

Ou a lagartinha-de-fogo supõe invenção seu rubor
Ao encontrar no meio da calçada chuvosa uma flor.

Desculpem-me a rima.
Mas hoje o dia não será tão frio.
Chegada a hora de desfrutar dos vocábulos.

Dos encontros acidentais
Entre os cotovelos dos vocábulos.

Das camponesas de unhas vermelhas

Sabe aquela chuvinha inesperada
Que logo alcança ares de senhora

E molha os passarinhos
E apressa os passos
Das beatas

(E por culpa de quem esqueceu
A janela da varanda aberta
Encharca as cadeiras
De vime)

Então, meu docinho,
Troco-a pelo bocejo
E risinho torto seus.

E nem penso
Em felicidade.


O martírio de um vendilhão

Muitos magoei
E feri de morte.

Alguns me perdoaram.
Outros nunca me acenaram
Um simples adeus como resposta.

Os que me perdoaram
Hoje brindam comigo
Em volta do banquete
Sob minha companhia.

Os que vivem em silêncio
Suas cadeiras vazias ainda
Esperam que batam à porta.


Amor

Se você escrever com os dedos
O seu nome nas costas de quem ama
Você será para sempre o anjo da guarda
Dos caminhos e dos pensamentos desse alguém.

Se até hoje só escreveu nas costas plumosas dos passarinhos
Então não duvide e nem se compadeça dos seus próprios voos.

Quem protege um ser alado
Também faz parte dos céus.


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Santificado

De bermudão é como me adoram
As minhas formiguinhas: sobem
Por minhas pernas e antes
Que entrem nos bolsos,
Advirto-as:

"Só trago flores,
Queridas, só flores."

O limiar do tremor

Que coisa mágica, hein?
A bela adormecida acorda
Na hora em que o doce corvo
Vem à sala escrever último poema.

Só não ouvi os seus passos.
Ou teria jogado a minha camiseta
(Em volta do pescoço neste exato momento)

Aos seus pés pra que a camponesa não sentisse
O frio das cerâmicas de nuvens da casa do poeta.

Adivinho que adora andar
Descalça de madrugada.


Pompas ao bufão da noite

Amor, você já ouviu um gato preto
E um corvo conversando sobre
A morte?

Ambos sorriem
Pra chuchu.

E bebem vinho.

Em algum momento
Silenciam-se e o corvo
Dá seu grasnar e o gato
Se imiscui entre a sombra
Do poste da minha esquina.

Absolutamente sequer imagino
O que se passa em seus corações.

Mas no meu, agora, é de um profundo agradecimento
Por você ter me deixado, se retirado ao quarto e ficar
Quietinha lendo seu livro, relaxando da sua academia.

Desde então não parei de escrever um minuto.
E tal desvario é um belíssimo sinal de lucidez.


A mais encantada das insônias

Escrever poemas é como jogar dados.
Ou equilibrar finas varetas de bambus.

Escrevo poemas como quem joga.
Brinco de doer o coração e olhos.

O poeta que sou salva
As palavras do tédio.

Palavras sem círculos
(Labirintos circulares)
São miseravelmente
Tristes e apáticas.

Então passo a noite jogando dados.
E equilibro finas varetas de bambus
Nas pontas dos meus trêmulos cílios.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

O amor é eterno

A forma mais linda do amor
É quando dois pombinhos
Confabulam no parapeito
Da minha janela:

"Amor, corre para pracinha
Que vou roubar dos bolsos
Daquele velhinho migalhas
De pães e bolachas."

"Se ele te pegar pelas asas,
Meu amor da minha vida?"

"Ora, tu procuras o Zé."
"Qual Zé, meu amor?"
"Aquele que me deve
Dois tostões do disco
Que vendi do Noel Rosa"
"O que faço com a grana?"
"Ô, paga meu funeral, amor!"


Confúcio

O que acaba com o encanto?
Aquele simples instante em
Que um corre pra pegar lírio
E o outro já dorme inocente.

Aquele que chega do jardim com o lírio na mão
Não entende o porquê do cansaço se há amor.

O descontente mastiga
O lírio e bebe do ópio.

Enquanto quem dorme
Sonha com seu amado.


Surdo e coxo

Se eu tivesse o ouvido bom
Aprenderia um blues só com a brisa
Beijando as flores dos campos de algodão.

Ou seria encantado
Ao cântico da sereia

Em tenebroso
Alto mar.

Em ambos os casos
Não escreveria poemas
A esta hora da noite, amor.


Leitura

Poeta, você já viu um casal de maritacas?
Conversa tanto e todas as noites que às vezes
A fêmea (não o macho) pede trégua, um tempinho
E se retira sozinha ao ninho pra ler um pouco (feliz).

Poeta, você deve aprender com o macho maritaca
Que simplesmente sobe ao telhado e vai contar
Com quantas estrelas se faz um olhar choroso.


Crepúsculo

Não sou um tonto varrido, meu amor.
Até sei a fórmula do discriminante delta.
Nunca esqueci aquela dorzinha de cabeça.

Mas sou um desajustado (confesso)
Em preparar um simples nescafé.
Nunca acerto as colherinhas.

Ora forte,
Ora lânguido.

E assim (senhor das equações e fútil solitário)
Caminho ao entardecer pela casa pensando
Em como ocupar dois corações
Ao mesmo tempo.

Sem que você se assuste
Com as batidas do meu.


Dos arroubos por girassóis

O esquimó caminha até a cozinha,
Dá dois pulinhos, fura o gelo,
Pesca um peixe.

E eu fico matutando daqui:
"Se eu for até o quarto,
Der dois pulinhos,

A vizinha do andar de cima me ouvirá?
Porque não é de peixe que tenho fome."


A volúpia de um monge

Os beija-flores selvagens
Preferem os riscos dos jardins
Das perigosas montanhas inacessíveis

A mimados
Com colherinhas
De água e açúcar

Em varandas
De donzelas.

Não à toa
Seus bicos
Tão curvos.


Dos risinhos tortos dos querubins

O meu amor é secreto
E ainda que secreto
Escapa o gás

Por baixo
Da porta
Do quarto.

E toma toda a casa.

A visita que põe o pé
No tapete da sala
Já sente no ar

Aquele gás suave do amor
Que ressuscita os Lázaros.


Sonho optimum

Esse meu hábito de roubar maçãs
Das camponesas (enquanto elas
Descansam seminuas)

É um idílio
Que enlouquece
O meu doce coração.

Pois sempre as camponesas acordam,
Sorriem um risinho torto e me pedem
Pra não fugir assim qual um coelho
Assustado.

E por não fugir,
E por não arredar os pés,
As camponesas escolhem
Onde me acertar primeiro:

Se entre as costelas
Ou se bem no meio
Dos olhos apaixonados.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Um homem mau

Dos grandes duelos de faroeste
Nunca foram os caubóis
E seus revólveres

Nem os chapéus pretos
Nem as suas cartucheiras
O que me causava encanto.

Mas aquele arbusto seco
Que cruzava entre
As suas botas.

E o vento arrastava
Até depois do saloon.