quinta-feira, 15 de maio de 2014

os últimos poemas

21 de abril de 2014

Qual a irmã do suspiro
Senão a esperança?

A desolação
É um equívoco.

Quem suspira guarda
Um caminho secreto.



22 de abril de 2014

Voltei a beber café, querida,
E você não está por perto.

Não vê com que sofreguidão
Eu beijo a xícara branca.

Estiro as pernas
Contraio e estalo
Os dedos dos pés.

Diria até mais feliz
De quando águo
As plantinhas
Da varanda.



22 de abril de 2014

Uma taça de pêssegos
Antes de escrever um poema
Torna as palavras tão delicadas.

Aquela tua camiseta amarela
Com um coração de lantejoulas.



23 de abril de 2014

Ensinarei a você andar no escuro,
É o meu hobby.

Ponha a mão
No meu ombro.

Não tenha medo de abrir a janela
Ao canto de um pássaro fúnebre.



23 de abril de 2014

O poeta julga os sentidos pela emoção.
E mesmo quando escreve frio e categórico
As lágrimas dele queimam as minhas faces.

O poeta me tem feito
Tantas vítimas.

Natural que o meu peito guarde
Outro coração para cada morte.



24 de abril de 2014

Querida, cravar uma tesoura
Nas costas de quem se ama
É patético.

Aprenda com as feiticeiras
A espetar com alfinetes
Corações de pano.

E a cada furo
Cante um blues.



24 de abril de 2014

Acaricie o meu rosto
Guie os seus dedos
Pelos sulcos onde
A lágrima rolou:

Existe aí um fértil deserto
Para uma nova saudade.



24 de abril de 2014

O mágico da poesia
Não é o poema
Que o leitor
Presta-se
A ler.

Mas os segundos
Que antecedem
A leitura:

Pegar o livro, olhá-lo silencioso,
Indeciso entre oferecer ou não a alma.


 24 de abril de 2014

O teu rímel de ternura
É o que abre janelas
Pros passarinhos.

De nada adianta
O cântico mais terno
Se teus olhos estão cansados.

Não percas tempo
Em guardar os sonhos.

A maravilha da quimera
É a distância: o toque
Impenetrável.


24 de abril de 2014

Já várias vezes
As minhas unhas
Têm ferido minhas mãos.

Estranho as nossas próprias unhas
Ferirem as nossas próprias mãos.

Como se não houvesse
Mais espaço nas pontas dos dedos
E elas, as benditas unhas, quisessem voar.



24 de abril de 2014

Contemplo os cabelos de uma mulher
Com a particular sensibilidade
Que admiro as asas
Dos passarinhos.

Ultimamente os que vêm à minha janela
Encantam-me com suas plumagens
De tons castanhos.

Parecem me querer lembrar
Do âmbar dos olhos
Dos elefantes. 


24 de abril de 2014

Trabalha, poeta
Esforça-te pra engravidar
As árvores da tua calçada.

Até hoje só idílios
Entre os teus olhos
E os galhos das oiticicas

Que batem à tua vidraça
Em noites de vento e lua.


25 de abril de 2014

O coração após a minha morte
Não se dará por vencido:
Em silêncio iludirá
O resto do corpo.

Os dedos vão virar palitos.
As costelas gravetos secos.

O coração, entretanto,
À primeira batida de pá de terra
Será resgatado por minhas andorinhas.


25 de abril de 2014

A sua loucura
Sem o meu consentimento
Mostra-se vil e ridícula tragédia.

Enquanto você planeja cultivar a matéria
Corto minhas unhas e me espanto
Com a força que elas batem
Contra as paredes.

Beije a mão do poeta,
E não desdenhe a solidão.



26 de abril de 2014

Graças aos céus o meu filho
Não se parece comigo.

Nem o branco do olho.
Nem com a língua de fora.

O meu filho em comum
Tem apenas meu suor

E o amor
Pela mentira.


27 de abril de 2014

Querida, abra o olho
Que pingo dentro
Minha lágrima.

É um belo colírio
Para enxergar
A saudade.

Depois confesse às suas amigas
Que você viu de perto
Meu tormento.


27 de abril de 2014

Todo poema escrito é um pai
Que leva o filho à montanha

Admira o pôr do sol
E corta a garganta
Do pequeno.

Voltem ao mundo,
Crianças.

Anunciem que o pastor de macieiras
É uma péssima companhia pros deuses,
Ídolos e qualquer outra forma de aberração.



27 de abril de 2014

Que seja um truque,
Mas antes que a bomba exploda
Abraço o travesseiro e choro comovido.

Lembro-me da minha infância,
Das formigas e das estrelas.

Nessas horas o meu coração se alegra.
Funciona outra vez o meu ardil de covarde.


27 de abril de 2014

Nem morto paro de escrever poemas.
Escreverei com as suas mãos, querida,
Enquanto você estiver triste dormindo.

Falaremos sobre aquele tempo
Em que você perdeu um seio
E eu enlouqueci.

Certos poemas têm a força
De uma bala contra o travesseiro:

Sempre lhe disse
Que não era um bom lugar
Para esconder cartas antigas.


28 de abril de 2014

Moço, tu acreditas mesmo que o amor
Simplesmente bateu à tua porta
Para em seguida fugir?

As criaturas que regem outras vidas
São muito criteriosas em assuntos
Que tratam da eternidade.

Teu coração foi posto à prova
Naquela noite em que tu
Tiveste um derrame.

E escolheste amar
O desconhecido.



28 de abril de 2014

Cuido das plantinhas
Da minha varanda
Com doçura.

Dói-me o coração quando arranco
Alguns fios dos seus cabelos.

Sou vaidoso das minhas meninas:
Quero-as todas verdes e viçosas
Pros pombos que chegam
À janela.



28 de abril de 2014

No dia em que você aprender
A falar a língua do caracol
E das estrelas marinhas

Entenderá a melancolia
Da sua alma.

As palavras são seres sociáveis.
Mas o poema é solitário.


30 de abril de 2014

Em algumas manhãs o meu canto
É tristonho das tripas de uma rabeca.

Outros dias ainda mais triste das vísceras
Dos passarinhos, e diante de tanta tristeza
Noites de floresta escura meus vagalumes
Têm medo de sair dos potinhos de vidro
Ficam lá dentro envelhecendo
Até perder o brilho.

O que se vê do alto das falésias é um mar
Ensanguentado das cabeças cortadas
De cavalos marinhos.



30 de abril de 2014

Se você uma manhã acordar
Imaginando-se a última
Mulher do mundo:

Deixe que eu junto as folhas da sua calçada,
Faço-lhe as unhas, compro-lhe um batom
E um livro de Poesia.

Sou ótimo em ouvir uma mulher
De boca carnuda e depressiva.


15 de maio 2014

Fim de jornada,
Agora o poeta
Plantará
Batatas.


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