sábado, 31 de agosto de 2013

balzaquiano

Exausto desta minha beatitude fingida
tiro a máscara de anjo, visto a de demo

e vou ao bordel da outra rua beber uma taça
de vinho barato e fazer uma verdadeira mulher feliz.

Aos meus pés
bastam as formigas inúteis
do meu dia meloso de poeta.

Leve para baixo as plantas da varanda -
esta manhã elas morrerão de sede
se desejarem minhas lágrimas.

E seria um pecado se fossem testemunhas
dessa loucura infantil de quem esqueceu
o remédio e o revólver em casa.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

voyeur

Talvez não saibas,
mas logo farei um transplante:
doarei o meu coração à árvore da tua calçada -

em troca, a velha oiticica
confessará o que os galhos e folhas e passarinhos
espiam da tua janela aberta quando tu vais dormir.


manobras

A um homem triste, meu bem, não importa
se floresta densa ou margem lisa e rosada -

ao atravessar o caminho,
forte e amoroso, o mundo
que era lúgubre escuridão
será total e doce felicidade.


amor de Neandertal

Vou à floresta caçar -
não prometo trazer um mamute nos ombros,
mas deixo pintadas de vermelho pelas paredes da nossa caverna
as marcas das palmas das minhas mãos. Veja quantos sonhos, meu bem.

E suspire
de saudades.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

pastoril

Acordei pensando nos meus dentes de leite da infância.
Quantos enterrei no quintal dos meus avós debaixo
de árvores frutíferas e outros tantos joguei
ao telhado.

Desde pequeno o meu reino
foi a magia, o faz de conta,
os sonhos, a quimera,
as nuvens.

Não é à toa que ando com o dente de leite
da minha primeira namorada embrulhado
em um lenço de seda dentro do bolso.

Aquele sorriso de janelinha
do meu inocente amor
viverá comigo
até a morte.


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

gentilezas

Não é uma simples asinha de barata
dentro da minha gaveta que me levará à loucura
e me fará atear fogo aos meus bermudões, camisetas e jeans.

Gentilmente retiro meus panos,
espano todas as cinzas dos insetos
e de sorriso no canto dos lábios dobro
as peças surradas de algodão e de brim.

Afinal, um rei de poucas vestes
há de dar valor às túnicas
que lhe restam.


outra canção nem tão desesperada

E se os nossos lábios se tocassem uma única vez
nasceriam orquídeas dentro dos nossos corações?

Dizem os bárbaros
que um jardineiro apaixonado
tem o olhar da violeta - lilás e aveludado.


fim de agosto

Se vivo em constante
névoa de arrebatamentos
é ao outro que ofereço a verdade
que em mim próprio eu não imagino.

Esqueça então essa tal dor de fingimento
porque os passarinhos não têm tempo
de coçar as costas, mas as nuvens
com destreza e carinho
não se arrependem
dos beijos.

"todo fogo finda
com a primeira
lágrima.

Ou vira fumaça
escura e mata."

Mas como disse:
os passarinhos não têm tempo
de coçar as costas e agora
é o sol quem lhes dá
dentadas.

Dessas dentadas boas
que ficam as marcas

do batom
no braço.


outrora

Não entendo essa euforia poética
o mundo a pegar fogo e acabar-se
e no momento em que o poema é posto
sobre a escrivaninha o açougueiro gargalha -

já não existe beleza na carne
nem no sangue e todo o doce
das palavras causa-me asco.

O poeta enganado
pelo poema é um sinal óbvio
de que as nossas mãos às vezes
trazem colheita do inútil e da tolice.

Só a tristeza não brinca
e quando diz é hora
das lágrimas -

é bom pegar um lenço
de mandacaru verdejante.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

cena

Um ramalhete de rosas brancas
dentro da lixeira da área de serviço

é uma imagem tão forte quanto as próprias
crescendo no jardim ao lado de duendes.

E dói jogar a água do jarro fora
com aquele perfume de sonhos
apodrecidos.


o bardo

Por acaso acreditas que a minha cabeça
esteve em algum lugar senão nas nuvens?

Da última vez em que bebi
uma cerveja de puro trigo
meio embriagado e feliz

cheguei a uma joalheria
disposto a comprar
uma linda aliança
pros teus dedos
sem um tostão
no bolso -

não é crime
ser um sonhador
a ponto dos pombos
e das outras criaturas
dos céus e da terra e do mar
rirem dos seus passos e dos seus olhos.

Claro que não comprei as alianças.
Mas a convite da simpática gerente
experimentei de um ótimo espumante.


amor

Sabe o que é amor,
meu bem?

É ver uma folha seca de oiticica sobre o sofá
e chorar de emoção pela árvore da calçada -

imaginando quanta chuva
e quanto sol fizeram-na
crescer.

Para que em uma tarde como esta
venha a sua alma ao meu encontro.

Isso é amor,
meu bem.


dose cavalar de vazio

Patético bermudão
despenca do varal
ágil e soberbo
não consigo
segurá-lo.

Houve um tempo não muito distante,
querida, que brincava com o sabonete
sem deixá-lo cair ao chão sob piruetas.

Não é velhice -
mas exaustão de viver.


coadjuvante do tédio

A pior ressaca
é aquela em que
se acorda furioso
e cansado da lucidez
que trazemos debaixo
das pálpebras cinzentas.

E há tortura tão inocente
quanto a chuva que bate no telhado
e descemos a escada louco para um banho

chega-se à calçada
e a chuva acaba
de repente?


insônia é uma adaga de prata

Deito sobre o meu coração uma rocha
de mil quilos de mina abandonada
e acendo o pavio.

Não acredito que sairá vivo
algum poeta apaixonado.

Ok, benditas minhocas
da minha cabeça
e má menina
da minha
alma -

vocês venceram a batalha
e chega de andar exausto
de madrugada pela casa.

A esperança agora
só será um bichinho verde
em que possa pisar-lhe o abdome.


bons sonhos

Na próxima vida
quero ser um cogumelo
de chapéu branco encostado
ao musgo de uma árvore centenária.

Cansei-me de acordar
todos os dias com o sol
dentro das minhas botas.

E nunca saber ao certo
se sou a parte sombria
do lado de dentro
ou a mentira
que brilha

no lado
de fora.

Sendo um cogumelo
terei certeza que musgo
é musgo e árvore é árvore -

e não haverá sapo que me convença do contrário
mesmo que mastigue as pontas do meu chapéu
branco alucinógeno.


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

canaviais

Cada ser humano nessa vida
tem o seu prazer íntimo
e cruel,

o meu de bicho solto
é ao fazer a barba
cortar o rosto.

Passo a lâmina do barbeador
da orelha ao queixo

como quem rasga
com uma navalha
fazendo zigue-
zague

um poema
no peito.


rodopios de uma fadinha

Só hoje vi
sobre o parapeito
da sua janela jarrozinhos
recém-pintados - azul, verde, vinho.

Faltam as flores,
pois de longe
não vingam
os sonhos.


um coração dançarino

Juro que havia um poema
onde tudo agora é naufrágio.

E esses versos reticentes
pego-lhes as mãos,
subo ao moinho

e penso quantos sonhos
dividem-se na pele
de um poema
inacabado.


à beira

Não é atravessando os meus olhos
que conseguirás ver minha alma,
a janela é o meu silêncio -

e silencioso colo escamas de veludo
em cada ruga do meu rosto
até aquele sorriso
de golfinho.

Preciso mergulhar puro
em águas profundas,
meu bem.

A poesia não é um elo perdido
entre céus e infernos - a poesia
é justa e completa em nossa dor.


domingo, 25 de agosto de 2013

uma asa partida

Deixarei a porta do meu quarto entreaberta
e a luz acesa - chegará até sua calçada
o clarão de duas mãos estendidas.

Se tiver pesadelos olha pela janela
o reflexo das minhas mãos
e toca-lhes as palmas
com os olhos.

Sentirá o calor da minha alma.
E não estará sozinha.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

tá joia

Acordei como há muito eu não o fizera -
espreguicei-me feito um bom cristão
(quase santo), arrumei a cama,

fiz losangos e quadrados perfeitos a dobrar os lençóis,
fui à janela da varanda e perguntei aos beija- flores:
"deixo a barba crescer, criaturinhas?"

Em coro,
responderam:

"não, poeta, tua barba é rala,
vulgar, indecente, desprezível,
mixuruca, patética, ridícula,
crime hediondo,
tola e tosca."

"Ok, entendi."

Esses meus beija-flores
tão puros e inocentes
não sabem mentir.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

amor pelo dorso dos cílios

O meu coração quando finge
uma boa noite tranquilo tranquilão
dentro da caixa torácica é preocupante -

não é da sua natureza
o silêncio.

O meu coração nasceu sedento
comendo terra de jardim -

arando com a língua
as mais doces flores.

E comeu tantas pétalas
úmidas de orvalho
que é doente

psicótico,
sonhador.

Não é normal
esse seu ar
sereno,

como se a solidão
não lhe fizesse agrado
e as palavras não importassem.


toda dor tem nome

Conspiro com a minha xícara
como iludir a saudade
e morrer silencioso -

miserável quem sonha
com o beijo da amada

em cada osso
das costelas.

E não adianta ópio, salmos,
Voltaire e Machado
de Assis -

os suspiros quando
partem costelas
é um inferno.




plantação de girassóis

A cada xícara de café bebido
na hora em que o sol se põe
uma alma morre, outra
bebe comigo.

E assim passa todo o arrebol
suas carruagens de nuvens
pegando fogo dentro
do meu olhar.


ânfora

A solidão tem um nome bonito
e o pesar nos olhos vívidos
de formiga -

se piso alguma,
retorno ao ponto
da tragédia e recolho

os restos das folhas,
migalhas e açúcares comidos.


petúnias

O tolo que arde
sabendo que pisa
brasas no caminho
o que espera da vida?

Sou tão idiota que trago
nas plantas dos pés sonhos
das cinzas com que brinquei.



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

acima das estrelas

A criança quando vê a lua cheia,
enorme de cheia, alaranjada, subindo -
apenas pergunta à mãe se a lua está grávida.

Prefiro perguntar ao poema
se ele está grávido

a questionar-lhe
os sentidos.


exaltação do amor

Se o morto pesa sobre os ombros,
o morto pesa muito mais dentro
do coração -

quem amamos
de verdade
não pesa

e nunca
morre.


filho da luz

Invisto contra o ar
a lâmina da minha adaga
e caem quatro tiras de papel -

"não... sou...
teu... escravo..."

Diz o poema.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

cândido

Estranho esse sorriso colado
no meu rosto desde cedo,

quem não me conhece
pensa que mastiguei
uma bandinha
de ácido.

Será que alcancei a Iluminação?
Contei até sete passos,
o oitavo talvez seja
esse sorriso
puro.

Tão puro que assusta minha alma
e encanta as minhas botas:
correm as meninas
pro abraço.


halo

O amor é infinito
porque não se sabe
o princípio da outra alma
que encantada se eterniza.

Se há guerras e intrigas pelo caminho,
vejo então apenas migalhas

de fantasmas
enlouquecidos.

O amor não acaba
é novo a cada
silêncio -

aquele que é cego
vive a confundir

as dobras das pálpebras
com a luz do olhar.

E toda loucura a mais são outros mares de perdição -
multidões de zumbis perdidos em uma plantação
de girassóis.


praça da sé

Em uma manhã chuvosa
vi um beija-flor triste
de bico encurvado
pelo qual descia
uma lágrima.

Perguntei-lhe por que tanta dor -
pois converso com beija-flores -

o beija-flor morto de tão tristonho
olhou-me fundo nos olhos
e respondeu-me -

"és por acaso uma rosa?
então não me enchas
a paciência, poeta."

Entendi o recado
e desde então respeito
a solidão dos apaixonados.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

antes da embriaguez

A senha para entrar no meu coração
é simples até uma criança sabe
quando olha pras nuvens -

aliás, só mesmo uma criança
olhando para as nuvens
saberá adentrar
minha alma.

Não adianta a sua força de pensamento,
cartas, macumba, quimeras, sacrifícios.

O meu coração tem um portal mágico
aberto apenas pela palavra mágica
que só as crianças que olham
para o céu com nuvens
sabem.

Diga-me, meu bem, há maior deleite na vida
do que uma criança olhando para o alto
imaginação solta sem tempo certo
de acabar o sonho?


hora do café

Não encontrei até hoje
o nome da minha alegria

pois em tudo que eu pego ou olho
vira cinzas, névoas, crepúsculo
e foge -

fotografia na mesa de um bar,
uma canção tarde da noite
e a saudade sem rosto.


dentes caninos

Não demore para me matar -
já preparei o altar,
a toalha branca
e as velas.

Venha com a sua adaga
e sem me olhar os olhos

penetre no meu olhar
a lâmina da sua alegria.


ramo de rosas

Por um dia
ao anoitecer

o pântano não ouviu a canção do corvo
e o silêncio se fez mais sombrio -

a minha dor terá outro nome
no poema.


entre mares e arrebóis

Sei por intuição
quando pões o travesseiro
entre tuas pernas tu sofres da dor
do corpo e da alma - a que mais dói.

Saibas que o mesmo faço
quando o meu corpo se faz presente
forte e imperturbável diante da alma que foge.

Eu chamo a essa dor
o fim de alguma coisa -

do doce no olhar,
da lágrima no olho.


um rei desvalido

As marcas das minhas botas
o último passarinho que me acompanhava
pulou dos meus ombros, assoprou-as e fez ventania.

Agora o meu caminho
são os reflexos das nuvens -
todo o reino de céus e solidão.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

salvação

A cada alma que damos a mão
e puxamos do abismo

são reinos
e mais reinos
de mil perdões
do louco passado
se um dia tivemos.

Ando lânguido com tentáculos
de monstro das profundezas
oferecendo as mãos
a quem encontro,

pois meu passado é sombrio
e a memória vive acesa
com cruel brilho.


objeto


A tesourinha
está diferente
com as unhas
dos meus pés  -

fria, cega
e distante.

Mas o seu sonho
continua o mesmo -

cegar-me o olho
com uma lasca
de unha.

Ainda bem que as unhas
dos dedos das minhas mãos

são os versos
que aparam.


todo adeus é trágico

Aquele par de chinelos
que usei tantas vezes
hoje rompeu-se
a correia.

Naturalmente peguei-os
com as mãos trêmulas,
abri o saquinho
da lixeira

e lancei
fora

todas as marcas
antigas do suor
dos meus dedos.

Simples assim,
mas com o coração
apertado de saudades.


a doce luxúria da mansidão

Só agora, meu bem,
arrumei a cama.

Sempre permito ao meu lençol
e ao colchão mais tempo
com a minha energia.

A maioria das vezes
nem um nem outro
vivem meus sonhos.

Necessário então oferecer-lhes
a sobra da insônia de ontem
e das imagens bagunçadas
da minha cabeça.

Meu lençol e o colchão
melhor aproveitam da minha pele
e da minha alma a tepidez que deixo

ao dia
que nasce.


íntima sinfonia

Será que os vizinhos desconfiam
que os seus passos, tosses, falas,
suspiros, palavrões, seus objetos
fazendo barulho, até seus sonhos
são música para os meus ouvidos?

Na dúvida, colho a vida deles
com o silêncio de poeta
e faço canções.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

vívido

A metade da vida
até o presente
instante

caminhei com as minhas pernas
a outra metade foi Deus

quem calçou
minhas botas.

E tu me perguntas que aparência
tem o Criador, eu te revelo
que em tudo que respira
e não respira, move-se
e não se move,
tem as faces
de Deus.

E se tu insistes,
adianto-te que até
na presença sombria
a luz de Deus é muito forte.

E se tu me sorris cínico,
eu também te sorrio
de volta e te digo

que não existe algo tão patético
quanto um sorriso vago
como se negasse

a própria imagem
diante do espelho.

Repito, a metade da vida
até o presente instante

caminhei com as minhas pernas
a outra metade foi Deus
quem calçou minhas
botas.


dica de um cupido míope

Os lábios não gostam de frio -
se perdem a chama,
o beijo é triste
e vil.

Tente durante o beijo
respirar o oxigênio
de quem se ama -

verá que é puro fogo
o ar dos apaixonados.


na sua

Poesia, querida, é o voo da muriçoca
com aquele som de violino quebrado.

Não me odeie por minha vida ser uma ilusão,
deixe-me apenas sozinho na varanda
que estarei bem -

mascando chiclete,
fazendo origamis,
coçando dedão.

Aprenda com a vizinha do andar de cima
a ser feliz cantando mpb no banho

com o cítrico sabonete
a me matar de sonhos.


talco e óleo johnson

A inocência retorna -
sinto nascendo dentes
de leite no céu da boca.

Falta agora perder a coluna ereta
e sair pelo jardim engatinhando
atrás de borboletas.

Voltar a ser criança
depois de adulto louco

é uma graça que só acontece
uma vez antes que nos sorria a morte.

Sou senhor nesse instante
dos mistérios dentro das paredes
e de todo o tesouro pirata debaixo da cama.


dádivas

Aproveitem, formigas minhas,
de tão generoso hoje deixarei
na taça uma montanha de pudim.

E farei de conta que eu não as vejo
debaixo do açucareiro tramando
emboscadas contra vosso rei.

Mas hoje estou piedoso -
eis a taça de pudim ainda
com gosto da minha saliva.


pé ante pé

As marcas dos meus dedos
nas minhas sandálias
sorriem -

ou pensavas, querida,
que a dor seria
infinita?

Antes de calçar as botas
imaginando insetos da noite

terei a grata surpresa dentro delas
o belo e agradável sol da manhã.


sossego

Sabe aqueles ventos da nossa infância
verdadeiros uivos sobrenaturais

que batiam portas,
derrubavam vasos,
arrastavam cadeiras?

Todos no meu quarto agora
passando as páginas dos livros
com uma velocidade estonteante.

E eu cruzo as mãos
segurando a nuca

e digo ao mundo
que sou feliz
nessa hora.


curador de sonhos

Quantas almas se salvarão
não sei te dizer ao certo

quando me vier coragem
e feliz eu lave o banheiro.

Para um apreciador de arte
é muito triste passar o escovão
nos ladrilhos apagando as figuras
loucas e abstratas - desenhos criados
pelo acúmulo ao acaso do encardido lodo.

Certa vez apaguei obras magníficas
e tive um dia péssimo morto
de arrependimento.

Pensas que é desculpa,
mas vem chega ao meu banheiro
olha com atenção os ladrilhos e diz-me -
de fato não são criações de Salvador Dalí?


ao corpo a devida chama

Cada mulher tem um olhar próprio, especial,
de entrar na alma do homem quando felizes
amazonas montam o coração do amado.

Há mulheres que dizem coisas terríveis,
loucas juras, na hora do gozo e desmaiam.

Outras, ao contrário, olham firmes,
não piscam, sorriem incólumes e rígidas.

E há aquelas quase monjas
que tentam converter o camarada
a deixar o corpo e levitar na cama.

Particularmente adoro as que
de forma simples chegam
ao orgasmo sem esperar
pelo burro velho
atrasado.

E terminam,
e se vestem,
e jogam um bilhete
na penteadeira dizendo
que essa foi a última vez.


indulgências

Natural que os roedores
de sangue frio, fêmeas
e machos,

quando o sol nasce
corram pra debaixo
das suas asas

a esquentar-lhes
o coração.

O sol, o bom amigo
e velho sol, ampara
os filhos roedores
como se fosse
uma doce
galinha.

E só vai embora
ao início da noite

admirando seus pintinhos
crescidos com ar de gente grande.

É a vez então das estrelas
e da lua cuidarem da outra espécie
de roedores - noturnos, sacanas e tímidos.


nosferatu

Ao escovar os dentes tarde da noite
percebo que a minha escova
é um vampiro -

tenta morder e tirar sangue
do pescoço das minhas gengivas.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

a verdade dos pré-socráticos

Se você deseja franqueza
e me pergunta se é normal
essa vida de palavras e silêncio -

digo que a lucidez
é um pequeno besouro

que há poucos minutos pousou
na tela do computador e olhou-me
meio triste, meio sacana, meio inseto.


serões

Para algumas pessoas pode ser difícil
lembrar a primeira vez em que se viu
a lua - eu lembro perfeitamente:

estava na bacia de alumínio
tomando banho quando
ao meu lado, dentro,
vi uma banda
de luz.

Só depois de crescido
soube que era minguante
aquela lua mordida nas pontas.

E eu tinha entre
cinco e nove anos
quando também vi
uma hóstia ao meio.

Disseram que o padre
o responsável pela dentada.

E iam juntando-se
missas e hóstias
e noites e luas.


apatia

Dai-me, Senhor, coragem
pra levantar-me da escrivaninha
e fazer a barba com aquela lâmina
cínica e amolada do meu barbeador.

São poucos passos
mas há na frente
estante, pufes,
botas ao léu
pra eu dizer -

"olá, meus
queridos
objetos,
tudo
bem?"


ouvindo bob dylan

Moço, ela telefona pra você,
manda mensagens, lembra
dos seus óculos quando
vê um livro velho,
usado, comido
por traças?

Então sorva o seu café em paz
e depois vá cuidar das suas plantinhas
na varanda - elas precisam beber alguma coisa.


caleidoscópio

Quantas cores têm os seixos
debaixo de um rio transparente.

Os olhos hoje se assombram,
amanhã outros tipos de desmaios.

Que bom carregar no rosto
olhos míopes, velozes,
quase hiperativos.

Não há quietude
no meu olhar:

este o maior
deslumbre.


humildade

A serena luminária diz ao poeta -
"antes de tentar acender-me
veja se há uma lâmpada
dentro, senão será
inútil seu esforço..."

Assim, vagando pela casa,
aprendo com os objetos.


armadura de nuvens

De forma mansa e suave
te digo que não convido
serpentes à minha casa.

Já me vejo fazendo
um esforço indescritível
a retirar aquelas que habitam
meu peito em noites de solidão.

Portanto, procurem outros ninhos
onde só existam tolice e riqueza.


doces frutos

De quem amamos toda palavra é genial
e quando anda na rua não importa
o vestido: seda,
lã ou retalhos
de brim.

De quem amamos na hora do lanche
as mãos que embolam brigadeiros
mal feitas e de vulgar perfume
são mãos puras
infantis.

O amor, além de cego,
é um poeta delirante.


lábios ressecados

Talvez um dia eu colha uma rosa
ao mesmo tempo em que chova
e você baile debaixo
dos pingos.

Redundância, meu bem,
dizer que seríamos felizes
enquanto a rosa se vingasse
dos espinhos e a chuva amasse
mais o jardim do que o jardineiro.


tosse de outros pulmões

Minha energia está tão esquisita
como quem acabara de tocar
os ombros de um assassino.

As palavras têm asas, mas o poeta que chora
é carrancudo e os cascos bem presos à terra.


o vazio de um tépida tarde

E se as pessoas perdessem a emoção -
não mais lessem poesia, não ouvissem música,
não assistissem a filmes e espetáculos, não visitassem
museus, não parassem maravilhadas diante de um quadro?

E se as pessoas chegassem simplesmente do trabalho
estirassem as pernas em um pufe e dormissem?

O que os poetas fariam da vida
se o mundo fosse apenas pedra

e não se sorvesse dela
o orvalho da manhã?

E se o dia fosse escuro
e a noite cansada demais
para abrir os olhos do nosso amor?

Sim, minha querida, eu devo estar com febre
e a minha cabeça já não anda boa faz tempo.



olhos de âmbar

Eu levaria à sua cabeceira
mil comprimidos de buscopan,
bolsa de água quente e fecharia a porta do quarto
deixando-a abraçada à sua cachorrinha em silêncio.

No dia seguinte iria com você a uma nova ginecologista
ver com maiores cuidados essa dor tão furiosa
que lhe ataca o ventre todo final de mês.

Eu estaria presente, e não estaria ao mesmo tempo,
contando apenas algumas histórias da minha infância.


tropeçando no cadarço do tênis sujo

Não gosto de caminhar em terreno minado -
ou cavo um buraco ou eu levito.

A maneira que encontro
de enfrentar as bombas do passado,
antigas, sensíveis, a ponto de explodirem.

E as bombas explodem -
vejo rasgos no meu peito
estilhaços de lembranças por aí.



tardia dor

Depois do banho,
não precisa enxugar seus cabelos,

pegue suas coisas não esqueça nem um biscoito
debaixo da cama e saia por aquela porta a qual
o meu dedo indicador magro e trêmulo aponta.

Por favor, sem charme,
firulas, não há por que abaixar-se,
rodopiar, entrar mil vezes de volta
ao banheiro - os cosméticos já guardei-os
na sua bolsinha de plástico junto com os esmaltes.

A primeira vez foi o poeta
quem lhe deixou um reino
suspenso sobre nuvens.

Agora eu pago a minha dívida
bebendo todo o sal da chuva
pelos olhos.


interior do bem

é natural eu tomar choques
repentinas descargas elétricas
quando sonho contigo em nossa infância -

estou sempre no topo do poste
entre os fios de alta tensão
tentando recuperar
minha pipa,

e tu sentada na calçada
brincando com tua boneca
de pano e cabelos de milho.

Éramos felizes
e sabíamos -

daí o motivo
dos meus risos
quando tomo choques
sonhando contigo em nossa infância.


domingo, 11 de agosto de 2013

clavícula é o bumerangue da alma

Não fiques triste,
amor, pela minha tristeza -

o defunto não pode sair do caixão
e ensinar às outras mulheres como segurar
a alça com uma mão e a esquerda enxugar lágrimas.

Deixa-me triste até depois da morte
quando um litro de um bom vinho
já me espera debaixo
do túmulo.


no ponto do mel

A minha loucura,
a minha abissal
loucura, foi ter
amado uma
esgrimista.

Para quem é exímia em acertar o coração,
apenas dois passos para trás e na volta
a espada me atravessava as costelas
com mais precisão e doçura.

Sempre naquele jogo
de recuar e regressar
mais linda e diabólica.

A partir de amanhã
praticarei esgrima
com a mesma
disciplina

que escrevo
versos.


comunhão

Se tu não podes tosquiar
o lobo que devora
teu coração -

ao menos deixa-o
a um canto claro
onde tu possas
observá-lo

ranger os dentes
e mostrar as garras.


sábado, 10 de agosto de 2013

fim de comédia

Logo mais será a minha ausência
o seu cansaço e você não verá
nem o preto dos meus olhos
dentro do seu copo
de leite.

A minha mão é pegajosa
na porta da geladeira?

Sentirá o calor dela
quando eu não estiver presente.


canções

Ainda bem que sou um jovem senhor precavido
e guardei um pedacinho de sabonete
para um momento trágico
como agora.

O perfume que se exala
não é o mesmo de outrora -
é muito mais raro e precioso.

E banho-me contente com sorriso
de filhote de elefante na bacia
do rio congo.


bicos de passarinhos não envelhecem

Se você deixou de se maravilhar
com um sonrisal  no fundo do copo
queimando a própria bundinha até sumir -
sinto, mas você está ficando velho e rabugento.

Volte a ser criança, por favor,
urgentemente e se espante

com aquela coisinha branca
no fundo do copo chiando,
criando bolinhas, evaporando-se
diante dos seus olhos como feitiço.

E beba tudo -
e se faça um mágico
do seu próprio encanto.


"porque hoje é sábado"

A verdade é que não sofro tanto de solidão -
sempre há algumas formigas aos meus pés.

Agora mesmo recolho três
dentro de uma caixinha
de fósforos

e com elas no bolso
do meu bermudão
passeio pela casa.


retiro de anjos

Sabe quem encontrei na garagem do prédio
todo senhor de si, até bem contemplativo,
com um casaco de pontinhos
lilases?

O pombo -
sim, aquele
que um dia
sujou seus cabelos.

Creio que deva ter me reconhecido -
pôs as asas no bico como se ocultasse
um riso cínico e juro que me disse algo.

Do tipo, "ah, o poeta -
o sujeito mais tolo
do mundo..."

Não se preocupe,
não o feri com minhas botas.

Afinal, o dia de hoje amanheceu
vestindo um maravilhoso vestido branco
com um coração nas costas vazado pelo sol.

Agradeça o pombo
ao seu bom gosto
e beleza.

Você sabe que não tenho escrúpulos
em pisar e machucar os seus inimigos.

Agora, deixe-me subir ao quarto
desde a madrugada uma boa alma

sussurra-me aos ouvidos
um poema luminoso
sem perfume
nas mãos.

Nem marcas
de outros dedos.


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

resquícios do jantar

Eis largados sobre a escrivaninha -
prato, garfo, colherinha, xícara,
taça de sorvete.

Cada um deles tem uma história particular
com a minha língua, lábios, boca.

A taça de sorvete além da última lambida
recebe de bom grado o meu dedo
ávido pela calda de chocolate.

Enquanto o prato
sempre acaba solitário
com algum vestígio de arroz
ou de feijão ou das espinhas de peixe.

A xícara permanece com aquela lágrima
preta do café borrando sua face branca de leite.

O garfo é garboso,
a colherinha humilde.

Às vezes tenho plena consciência
de que o meu amor pelos objetos domésticos
é superior ao que sinto pelas mulheres dos meus sonhos.

E ei-los largados sobre a escrivaninha
cada um esperando logo mais
a esponja e o detergente -
cruéis vassalos
do rei.


velhinhos e amantes

De todas as artes amar é a mais delicada -
como levar nas costas um barril de pólvora

para o interior de uma mina
com o pavio aceso entre os dentes.

Pois não se iludam,
meus filhos, amar
é o bom estopim
da loucura.

E aquele que não souber
ser singelo e andar leve
sobre a margem

sofrerá e será guia do sofrimento
de outros ainda chamuscados
da explosão.


sátiro é um bom rapaz

Enquanto o poeta
estiver escrevendo
versos de madrugada

e levando-os à sua cabeceira
juntamente com um lindo arranjo de rosas -

não há com o que se preocupar, loucura
será quando o poeta começar a olhá-la dormindo
seu corpo quase nu, os lençóis caindo da sua cama.


casório

Confia - haverá o tempo do descuido
quando as palavras por força
do encanto irão até tua casa
uma a uma, em fila indiana,
te pedir em casamento.

E a ti somente será reservado o direito
de verter algumas lágrimas
e sorrir como louca.

Só depois, bem atrasado,
chegarei à igreja com um pombo
dormindo no meu ombro esquerdo.

Tu me perguntarás que diacho é isso
e te direi apenas que passei a noite
na praça beijando, amando,
matando a saudade
das últimas flores.


era do gelo

Não me lembro se te falei um dia
quantas espinhas nascem nas minhas costas

longe das tuas mãos durante a noite
sob um tempo frio como esse.

Sei que são centenas de aflitas -
todas loucas virando sinais.

Algumas mais trágicas
ateiam fogo na própria pele
cantando um blues de dolores duran.


perninhas safadas

Se há um bichinho que representa a natureza é a aranha
sobretudo em sua plena forma de construir teias
e subir e descer com as vítimas nos braços.

Alguém precisa revelar às aranhas
do meu banheiro que as amo
profundamente

a não me caber
em lágrimas.


luvas de esqueleto

Tarde da noite me serve
a manada de papel higiênico
que trago durante o dia no bolso.

Limpo as lentes dos óculos
finalizando o ritual da morte.

Pois a cada vez que passo a língua
nos meus lábios e dou polimento
de papel higiênico
nas lentes

finda-se um poema
e nasce outro filho.


ventania de agosto

Se esse vento que bate
nas minhas pernas
não for convite
pra rua -

será então
uma prisão.

Estiro as pernas
e que me prendam
os ventos da madrugada
com seus grilhões de praia.

Sinto cheiro de velas,
de peixes e de tesouros

antes que a maré escave
e enterre para sempre o sabor.


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

patético à beira da lágrima

A morte, meu amor, não tarda
mas tu que és a minha amiga
diz a ela que ainda é breve.

Não anseio por mais tempo
para lucrar com pecados,
só desejo uma hora

decifrar confuso a cor dos teus olhos -
se castanhos ou verdes ou da matiz
dos meus sonhos.


marimbondos

Se nódulos nascem nas tuas axilas
e parecem pérolas redondinhas -
alegra-te, paspalho, a morte
ousa sorrir-te.

Escreve teus últimos poemas
tal como um pescador frita
o seu último peixe e o colono
saboreia debaixo da macieira
a sua última maçã vermelha.

Vê que as espinhas do peixe
o gato sem dono espia
e a maçã vermelha
os bichos da terra
já festejam.


panela de pressão

O homem depois que descobre
ter sido um monstro com uma flor
sofre plantando jardins por onde anda.

O poeta ainda tenta
uma morte plausível
através dos poemas.

Os meus dedos longos e amarelos
e as minhas unhas brancas de doer

fazem um bom trabalho segurando
o lápis entre a dúvida dos versos
ou enfiar a ponta no peito.


vagões de nuvens

Uma miniatura de ralador de legumes
dentro da gaveta do armário lembrou
uma casa de boneca e pensei comigo
que raios de miniatura de ralador de
legumes é esse que faz na gaveta do
armário? Caso moro em casa de bo-
neca? Ou quem sabe são as formigas
que já planejam me despejar do teto?

A cara delas essa tal miniatura de ralador de legumes,
afinal não faltam no piso da cozinha cascas de batata.


um lânguido passo

O sol que anda adiante
deixa rastros de luz
pras minhas botas -

é uma pena que as minhas botas
nunca ouviram falar de felicidade.

Acomodam-se elas segurando os meus pés
e mostrando-lhes apenas o caminho
de calçadas frias e escuras.

Contentam-se com tão pouco contentamento
quando encontram um chiclete ou folha seca.


quando sátiro rouba a flauta de pã

O coração do poeta
é um bosque perdido -

embora se tenha
a imagem do seu encanto,
lá dentro há mais silêncio que alegria.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

donzela e o ratão

é um milagre apesar de todos os meus desvios mentais
encontrar uma semente de girassol na palma da mão
e plantar um jarrinho sobre o parapeito da janela
toda a esperança de um miserável:

às vezes escrever poemas
é uma maneira nobre
de esfaquear
o peito -

na maioria das vezes
é só a ilusão da dor
e do sangue.

Mas que mata
e coagula o tempo.


a máscara do trovador

Não é no poema que minto -
o meu fingimento é ao lado
das pessoas, no dia a dia,
ouvindo-as e conversando.

E elas não percebem a minha morte -
e eu sinto mais gosto em morrer.


frondosas oiticicas

Deixarei os meus cabelos crescerem
crescerem tanto a ponto de retirar
dentro deles poemas já escritos
em papel de embrulhar pães.

E se houver alguma lacuna
entre as trincheiras do poema
trarei junto o tinteiro e uma pena.


nuvens em mãos calosas

Os outros o que são os outros
senão os meus olhos míopes?

Ninguém saberá mais do abismo
que aquela orquídea no fundo
do poço.

Que me caiba a tolice
somente a dos versos.

As suas vestes
não me dizem
respeito nem
entram por
meu corpo.


realeza de um reino vago

Sinto que estou
em todos os cantos
só não sei bem onde.

Antes de abrir a porta
peço ao trinco que se curve
pois as minhas mãos são sagradas.

E a casa por inteira
não suporta a emoção
do meu perfume e desaba.


andanças pela casa

A poesia por ser apenas poesia
sabe trucidar meu corpo
e levantar os olhos
da alma -

como anda cega,
só no instinto,

a minha alma
acaba batendo
na quina do sofá.


delirante

O cansaço revigora a alma.
Armo minhas teias pela casa.

Entre o quarto dos fundos e a varanda
além dos insetos capturo os olhares
das coisas.

Minto se disser que nunca vi a bota sorrir
ou a xícara me pedir para eu calar a boca.


calçadas

O dia está lindo lá fora:
a vida perfeita dos passarinhos,
oiticicas, o vendedor de bolo e café
na esquina, os poodles das madames.

E eu os encaro imaginando
como seria se lhes roubasse

todo esse contentamento e guardasse
o encanto dentro desse meu peito triste.

Morreria, certamente -
antes que chegasse
dez da manhã.


terça-feira, 6 de agosto de 2013

alianças

Depois que conversei contigo
no alto do campanário
convenci-me de que
sou um ser etéreo

e devo viver
entre nuvens.

Um ato que seja corpóreo
[a tua voz, a tua silhueta]

o coração dispara, rompe as costelas,
foge ao mar, esconde-se no porão
de um navio pirata.

Se outras mulheres me causassem tal frenesi
não seria eu um sonhador, esse passarinho
com olhos de Neruda.


batalha campal

Só me digam onde elas estavam
de que raios de esconderijo
espreitavam o poeta:

em questão de minutos
o tempo de ir à varanda
beijar as minhas plantinhas

e ao retornar à cozinha -
eis que centenas de bárbaras
formiguinhas pretas invadiram
a minha xícara usando infantaria pesada
sob auxílio de catapultas com bolas de fogo.

Como é triste uma xícara a olhar pro seu dono
cobrindo com as mãos as partes íntimas violadas.


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

banzo

Os meus ouvidos apurados
deram pra ouvir a sua voz
que vem das estrelas.

Voz de quem feliz graceja
com os gatos de rua
e os pombos
da praça.

Por livre e espontânea vontade
do meu corpo a alma aparta-se

e alguma coisa além da imaginação
ouve a sua voz que vem das estrelas.

No último quarto da casa
aquele dos fundos
fico parado

a ouvir sua voz
que vem das estrelas
e ver os meus sonhos
que saem do meu peito.

Entre a loucura da felicidade
e a sensatez da solidão,

digo-lhe que é natural
a arte de morrer.


folhas secas

Estou virando uma página da minha vida,
e como pesa - passarei o final da tarde
estirado na cama descansando
do passado que esqueci.

E que logo adiante
eu não tenha de queimar
o livro todo das minhas paixões.


fugitivo da lucidez

Depois que me apaixonei pelas nuvens
vivem passarinhos à minha janela
vendendo planos funerários.

Se me apaixonei por nuvens
sob conhecimento próprio
sei do abismo que caí.

E quanto mais despedida
e quanto mais solidão
belo o azul do céu.

Os passarinhos riem da minha cara
e cospem na vidraça - "moço
ridículo..."


domingo, 4 de agosto de 2013

jubileu

Só haverá amanhã
se você acordar primeiro -

enquanto você não abrir os lindos olhos
para mim não existirá vida, nem meus sonhos.

A minha xícara e as plantinhas da varanda
são os meus amores resumidos ao silêncio.

O que retiro delas
é o reino que escrevo
para sua delicada alma.


sábado, 3 de agosto de 2013

o último suspiro do jardineiro

Eu que tinha até ontem um par de chinelos
da mulher amada para cheirar de saudades -

agora só tenho entre as costelas
a alma do meu amor que anda distante.

E anda descalça pisando nuvens.
Desrespeitando os avisos do paraíso:
"não pise o coração do seu jardineiro."


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

pudico

Há dúvidas
se um besouro
ou uma mosca

afogado no poço
transparente
do vaso.

Mosca ou besouro,
o inseto que for -

rejubile-se por morrer
bebendo a minha urina.

Os últimos dias tão limpa:
sem ópio, sem lúpulo,
sem vinho.