quinta-feira, 10 de outubro de 2013

blasé

Escreva o seu discurso na hora da sua morte.
Em que todos estiverem em volta do buraco.
Tome a palavra do padre, seja breve, elegante.
Peça para que os aldeões retornem aos vilarejos.
Andem descalços pela casa, descasquem laranjas.
Leiam pros seus filhos fábulas, filosofia, ensinem
matemática e não esqueçam poesia e jardinagem.
Que namorem mais do que sonham e sejam leais.
Se o filho quer ser médico explique-lhe o que raios
é amigdalato e se o sal em excesso é um veneno
também o açúcar é uma péssima companhia desmedido.
Se a filha deseja ser sacerdotisa caminhe com ela pelas
matas e acampe três dias e três noites em volta de um rio.
Se o mais novo sonha em ser lutador profissional não gargalhe.
Mas não escreva o seu discurso antes da sua morte que traz má sorte.
Diga todas essas bobagens a quem estiver presente só na hora em que
a corda ranger as argolas de bronze do seu caixão de janelinha embaçada.
Devolva a palavra ao padre, conforte-se, embora seja cedo e nunca anoiteça.


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