domingo, 30 de junho de 2013

alforje

A poesia me ensina
a fazer o mingau
e a comer
sozinho.

Há um limite a ser respeitado
entre mim e o outro -
sou eu quem marca
a fronteira.

Um passo além do risco
é guerra.

Enquanto com a poesia
são abolidas estacas
e cruzes.

E não há nenhuma regra,
técnica e testemunho
de que sairei vivo.

Mas lhe confio minha alma.
Não confio ao outro.

O outro embora ouça meus segredos
e me pareça confiável há tensão:
uma morte esperada.

A poesia, ao contrário,
evolui comigo sem que esteja
propriamente seguindo meus passos.

Dela é o assombro.
O assombro que me fortalece.

E me ensina a fazer o mingau sozinho
e a comer sem medo e sem dúvidas.

bigorna

Creio que o ferreiro
a um certo tempo

de tanta intimidade
com o fogo passa
a chamá-lo
amor

e esquece o medo
das queimaduras.


erudição das traças

Nunca passou por minha cabeça
que as traças fariam o meu serviço.

De uns tempos pra cá são elas
o crânio, a inteligência acesa,
o devorador de livros.

Enquanto eu, eterno pedinte,
prostro-me enlouquecido
a escrever.

A encher-lhes
o saco.


espiritual

As moedas que não eram minhas
devolvi-as, portanto sumam
da minha vista.

O anjo agora é outra entidade
que sabe muito bem usar
as asas como punhais.

A inocência vocês me roubaram
quando ainda era eu um tolo.

Depois de ter visitado o céu
e deixado minha bota
no inferno

minha alma voltou
para sua casa
de origem.

Sem fúria e sem contentamento
apenas vislumbro meus passos.

A absoluta verdade
existe e queima
as artérias.

Daí o meu sangue
hoje ser sagrado.


ilha de semideuses

Não é nenhuma vergonha
devolver o poema à gaveta,

fechá-la e jogar a chave
dentro do aquário.

O risco é o peixinho dourado
engolir a chave e roubar
nossos segredos.


janela aberta

Não existe dádiva mais emocionante
do que chegar ao sofá e encontrar
uma folhinha verde de oiticica:

presente da árvore
de minha calçada.

Esses nossos idílios
ainda nos trarão filhos.


regresso

A passarada passa,
a cobra troca de pele,
as cigarras fogem da praça,
os vira-latas esquecem os postes da infância.

E quando você voltar
com aquele mesmo tremelique
nos cílios antes de derramar as primeiras lágrimas

estarei no mesmo canto,
na mesma cadeira de plástico,
diante das paredes ao lado da estante de ferro.

Não mudará dentro do meu peito o som.
Será o mesmo tambor ansioso e delirante.

As minhas mãos, só as minhas mãos
mudaram um pouco: estão mais firmes
e sonhadoras. Ah, também o meu lençol.
Agora ele transpira o perfume de outras donzelas.

porcelana

A minha xícara atual
não nasceu para servir café
a um solitário e louco poeta.

Não consegue entender meus lábios
e sempre desce uma lágrima de cafeína
por sua face branca e lisa. Que saudades
da minha antiga xícara que conhecia bem
a textura, tremores e vacilos da minha boca.


secura

Nas manhãs de domingo
meu bermudão exausto

por toda a semana
preso ao corpo

pergunta-me
quando sairemos
do quarto, da infame alcova

e passearemos pelas praças,
canteiros, shoppings,
praia.

Respondo-lhe convicto
que tão somente
no dia

em que a galinha
criar dentes

(de aparelhinho
transparente)

e eu me apaixone
de novo.

Meu medo que o bermudão
não me entenda tal infortúnio
e suicide-se pulando da varanda.

oração da madrugada

Cada poema escrito
é um pedido de socorro
para que o fim não se aproxime.

A vela sem pavio é um estorvo.
Esconde-se dentro dela a treva.

Suplico então que o dia amanheça.
Que a noite não tarde na sua escuridão.


realidade síntese

Se o mal te toca,
o mal existe.

Mas se tudo em tua volta
é sinal de vida, o mal é ilusório.

Às folhas secas
volta o viço.

E o céu se reflete
tão claramente

no olho risonho
de uma criança.


sábado, 29 de junho de 2013

lei natural

Um urso que hiberna
tranquilo em sua toca

perde gordura para
depois ficar esperto.

Os salmões
que se cuidem
ao subirem o rio.


plasma

Um dia,
e quanto mais tempo passar melhor,
os poemas que escrevo serão donos de si.

Irão ao banheiro sem ajuda
das minhas pernas e lavarão
os pés sem que eu me curve.

Um dia meu corpo não estará presente
diante do patético ato de pensar
antes do poema.

O poema será todo e completo
na voz de quem o lê.


comoção trivial

Claro que tu podes viver sozinho.
Mas não aconselho destratar
aquele amor que te visita.

Quem sou (penso com as botas)
para oferecer meu ponto de vista
sobre o afago de mãos entre cabelos.

Se o mundo que me alegra
são cascas de laranja
sobre a mesinha
e a xícara
triste.


efêmera pungência

"Para relaxar o corpo uma sauna."
Assim pensam meus óculos quando
levanto a tampa do macarrão
e o vapor embaça
as lentes.

Os objetos íntimos
vivem falando conosco.


tufões pelo varal

Sobre terreno movediço
não adianta erguer castelos.

Indicado é andar de botas
e logo esquecê-las

no fundo
do pântano.

Belo papel da poesia:
queimar neurônios
e dar nós em vísceras.


túnicas lilases

Conheci a loucura.
Os seus cabelos gordurosos
a sua pele escamosa e o seu olhar distante.

Por um longo tempo fui seu escravo
e seduzi príncipes.

Era uma loucura tola.
Não plantava árvores.
Mas vivi sob a sua sombra.

Quem, pergunto-me sorrindo,
esteve ao meu lado naquele tempo?

Ao meu lado ninguém
humano ou sobrenatural
poderia sem o meu consentimento.

E eu um louco frívolo
não abria a porta
da minha casa.

Conheço a morte de perto.
Há muitas e nenhuma é igual.

Quando cai a túnica
após tantos passos
percebemos

que o princípio
não se começa.

O que há dentro da gente
é uma explosão de lucidez.

E é essa lucidez
a mais perfeita forma
de loucura terna e simples.


dia de são pedro

A chuva é a culpada,
meu bem, por esta
voracidade poética.

Não me canso de olhar a vidraça.
E ela diz às calçadas que sou insuportável.

Que faço?

A única dona desse frio
é a chuva que não para.


céu chuvoso e brilhante

Deixo de lado o ópio
e os livros chatos:

resguardo esta entidade
que hoje debaixo de chuva
escolheu meu peito para se abrigar.


frenesi sob o pomar

Imagino ter alcançado
uma simplicidade poética
o sabor da morte de almas múltiplas.

Doçura humana
que aceita o fim.

Como também aceita a eternidade
das tantas almas diversas
que me habitam.

Porque almas quando morrem
visitam novamente suas casas.


adornos para olhos castanhos

Meu bem, nunca coloques rodinhas
nos pés da tua cama. É tão patético
muitas vezes acordar na cozinha
empurrado por baratas
insones.

Faz como eu:
amarra a cama
ao teto e as estrelas
em noites escuras hão
de te fazer companhia.


dádivas e transcendências

Não se preocupe com o poema
que você escreve: parta do princípio
da poesia que o move. As mães amorosas
não medem o amor que sentem por seus filhos.

Assim também é a poesia
com os seus rebentos.


iguaria de ermitão

O banquete dos reis
não me impressiona.

O frango assado que me espera na mesa
é o mesmo frango que alimentei
no quintal da minha avó
dizendo-lhe ao ouvido
meus versos.

Agora irei comê-lo
satisfeito por saber
que nas suas asas
há delírios meus.


generosidade

A tampinha do desodorante
quando não se encaixa
e eu fico tentando,
tentando,

e não se encaixa mesmo,
então deixo o desodorante
aberto a refrescar as axilas
de algum inseto que porventura
caminhe sobre a pequena cômoda.


gêmeo

Em tempos de solidão
ter um hóspede em casa
é um presente - levo-lhe
o café da manhã à sua cama
e fico à cabeceira observando
o seu sono. Parece comigo esse
hóspede: quase não se mexe nem ronca
e os travesseiros no chão é sinal de que à noite
houve batalhas infernais. Os cabelos são brancos
e uma leve ereção indica que ainda não morreu o hóspede.

Deixarei um livro ao seu alcance.
É provável que ele encontre entre as páginas
um poema metafísico que escrevi em sua homenagem.

Meu deus, mas como parece comigo
esse hóspede de pernas compridas
e olhos tristes mesmo fechados.


inesperadamente

Acabei de trazer chuva.
Os meus inimigos desconhecem
o meu poder de trazer chuva e de poupar
uma bundinha de tanajura a óleo da frigideira.



sexta-feira, 28 de junho de 2013

espectro de pijama

Pergunta a um rinoceronte
se ele dorme ou a um vaga-lume.

Dormir, meu bem,
é ver o nariz crescendo
sem dizer sequer uma mentira.

Como não durmo
(nem ao dia nem à noite)

faço companhia aos rinocerontes
e aos vaga-lumes em volta da fogueira.

E eles me contam cada história
sobre as zebras, os leões e as girafas.

Eu não sabia que testículo
de zebra é afrodisíaco

nem que os leões
quando estão sozinhos
fazem tranças na juba

tampouco que as girafas
ficam bêbadas em lua cheia.

Cada um com os seus segredos.
Os meus tu sabes: frascos,
algodões e um caldeirão
destampado.


dor de cotovelo platônica

Semancol é para beber?
Se eu tivesse semancol em casa
tomaria um porre e não ligaria pro seu celular,
não escreveria poemas pra você, não desenharia
o seu rosto na palma da minha mão com um pedaço de sabonete.

Porém, sou um homem lúcido:
detesto ficar sozinho e não bebo
remédios sem prescrição médica.


plumagens

Se a minha cabeça anda confusa
é sinal que um bando
de passarinhos

voa entre neurônios
e batatinhas fritas.

Joguei a toalha,
tirei a carapuça,
estiquei as pernas
sobre o mármore frio.

Agora, meu bom pai,
é contigo minha vida racional
atroz e pérfida que me tortura.

Cuida das minhas contas
que cuido das tuas criaturinhas.

Onde houver um inocente bem-te-vi
sobre o fio de alta tensão lhe darei
um par de botas.

E ao beija-flor um tinteiro
e uma resma de papel
em branco.


sina

Feliz eu gargalho do leite derramado
na cozinha ao bater a porta
da geladeira.

Eram minhas ou suas
as mãos trêmulas?

É bom limpar o piso.

Sabe deus quem nos visita
de madrugada e senta
à nossa mesa.


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Contrata-se babá para cuidar de poeta
que sofre de comoção exagerada
todas as noites

e durante o dia vive passeando
pela casa à procura de fantasmas.

Diga-se em nota de esclarecimento
que o poeta em questão é tímido,
louco e carnal.

Sugere-se à babá
que tenha coxas roliças,
cílios naturais e lábios quentes.

E sobretudo que durma no trabalho.
Que durma abraçada ao poeta.

Em noites frias abrace mais forte
e prenda o corpo do poeta
entre laço sensual
de pernas.

As pernas da babá
podem ser curtas
ou longas -

não importa,
desde que tranquem
a alma do sujeito no último gozo.

Paga-se bem:
moeda corrente,
versos e ouro.


"a noite do meu bem"

Seria esta a minha morte
escolhida: engasgado
com um suspiro.

E no meu enterro
presente apenas

um séquito
de andorinhas.


susto

A minha alma abriu um buraco no colchão
para admirar os insetos de madrugada
debaixo da cama.

Explica-se, então, aquele frio
atravessando-me as costelas.


sátiro apaixonado

Por que você esconde o rosto
na hora em que mais serei feliz?

Não sujarei os seus cabelos
com as minhas lágrimas
de solitário.

Só pingarei dentro dos seus olhos
e dentro da sua boca

como pacto
da nossa paixão.


quinta-feira, 27 de junho de 2013

diabetes de um lunático

Tive de escovar os dentes
antes de escrever este poema
de tão doce que estava minha boca.

Nós sabemos que poemas
com tanto açúcar engordam
as loucas formiguinhas do quarto.

Há uma enorme diferença
entre as formiguinhas da cozinha
que morrem de amor pelo açucareiro

e as do quarto que dormem
dentro das minhas botas
esperando o sol.

Escovei bem os dentes
e lavei a minha boca.

Agora posso descansar em paz
e ir pra guerra dos meus sonhos.

mimos

Meu travesseiro é seu
para que o encaixe
entre as pernas

nos dias
de profunda cólica.

E ao levantar-se
os meus chinelos
são seus

para que os calce
e caminhe pela casa

de madrugada
em um tempo frio.


algo não se molha no coração

Os teus segredos guarda-os
no baú antigo ou na caixa
de sapato e põe diante
dos meus olhos

e mesmo assim
nunca, nunca,
meu amor

tocarei meus dedos
na tua intimidade.

Essa confiança
será nosso álibi

quando após a morte
desejarmos nos reencontrar.



signo

Narra a fábula
que o escorpião
matou o bom sapo
seguindo sua natureza
nem que para tal também
morresse afogado abraçado
àquele que lhe veio ao auxílio.

Digo eu que o escorpião
apenas injetou o veneno
na alma do indefeso sapo
para que este tivesse coragem
e chegasse à outra margem vitorioso.


cítaras e realejos

Os passarinhos vivem alucinados
porque o ato contínuo deles
é voar: chego lá
pois já vejo

o céu mudando de cor
sem interferência
dos cílios.

A lágrima é apenas um sorriso
que foge da boca nesta manhã.


cigana

O que seria a alma
senão uma parceira.

Escondo na sua manga
as cartas que assustam.

Sem ela ao meu lado
(nunca está dentro)
seria um engano
a morte.


quarta-feira, 26 de junho de 2013

outro cântico

Se conseguir tirar o capuz do inimigo
verá que o verdugo tem a sua cara.

O seu andado e o seu jeito
de levar a xícara aos lábios.

Mas não se preocupe
o inimigo só vive
na sua mente.

Que é foda.

enfermeiras aladas

Quando não consigo
abrir o pacote de café

nem com as mãos
nem com os dentes

chamo as minhas
andorinhas.

Elas têm o bico cortante
se não passam batom.

melancolia tesuda

Não escrevo versos
por questão de vida
ou morte.

Escrevo versos
por puro tesão.

E nesse processo contínuo de escrita
meus testículos pulsam:

sou um jogador
ansioso e delirante.


o desvalido

Para que você
para que somente você
saiba do meu amor levanto-me agora
e vou à varanda aguar as plantinhas chorosas.

Ontem, acredite, pensei em jogá-las
ao lixo, um monturo aqui próximo
onde urubus passam o tempo
jogando baralho
e escarrando.


papel de embrulhar pães

Logo que escrevo
um poema que veio do intestino
com aquele frio típico e lúcido torpor

saio do quarto tangendo gado
com as narinas dilatadas
se rasgando de tanto
perfume.

É verão em algum ponto do mapa
mas é no meu peito que abelhas
morrem.


princípio da meada

Depois que tirei a barbicha,
cavanhaque de louco,

até as paredes me olham
com respeito.

Na entrada do labirinto não é minha amada
que segura a esperança do meu retorno:

são meus dentes cravados
na ponta do novelo.


terça-feira, 25 de junho de 2013

anedotas de sátiro

O macaco disse pro beija-flor:
precisas ser macho
na cama.

O beija-flor sorriu:
não sou animal
igual a ti.

A partir desse dia
o macaco passou
a comer macacas
oferecendo flores.



clausura

Terceiro dia o mesmo coador de papel.
A cafeteira já me olha irritada.

E o café ralo
sequer segura-se
nas paredes da xícara.


entre gravetos e pedregulhos

Por um instante
a serpente mira o céu
e deseja que a águia
venha ao seu auxílio.

Trocar de pele
não é tão prazeroso.


espasmos

Sou mais carne
do que imagina.

A poesia quando parte
é o melhor momento.

O corpo geme, contrai-se,
assume sua identidade.

Antes, um velório
inglória busca
em torno
do nada.


segunda-feira, 24 de junho de 2013

cristais empoeirados

Até que ponto meus olhos
corrompem minha alma
é um mistério.

O rosto é corrupto
diante do espelho.

Seria a alma uma rata
diante da poesia?

Por escrever versos
tento descobrir caminhos
outras faces por minhas mãos.

O fato precioso
é que muitas vezes
as minhas mãos tomam
de arroubo outro rosto
outras almas além de mim.

E só depois,
segundos ou uma vida,
percebo que pessoas as mais distantes
aquelas que nunca me viram nem leram minha poesia
falam com a minha voz e escutam com os meus ouvidos.

Verdade é que esse lúcido transtorno
ajuda para que a poesia não me falte.

Os olhos perdem a importância
diante do mistério e a alma
recolhe-se no absurdo.

No meu absurdo.
No meu recôndito absurdo.


folguedos

Hora de brincarmos:
encosto minha barbicha
no seu pescoço e você morde
o meu braço até ficar com marcas
dos seus caninos. Depois você corre
pela casa e pego-a debaixo da mesa.

Onde, decerto, ainda descansam formigas
furadas pela manhã quando usei à toa
a faca de cortar pão.

Não lhe falei
dessa carnificina?



perdido nas nuvens

Se poesia trouxesse meninas
teria eu um balaio cheio
de camponesas.

O que de fato não me falta:
olhares doces, sorrisos meigos.

A uma distância
terrível.


chuva de jasmim

O médium sabe
que o tremor
dos dedos

não é parkinson
nem delírio:

são as entidades
que se manifestam.

Quase todas minhas amigas.
As que não são me amam
sem saber.


bolinhas de gude

Não me canso de realizar sonhos.
Todos os dias realizo um ou dois
ou três. Até mais.

Os poetas não descansam,
realizam sonhos.

E assim meu cavanhaque
vai ficando branco.


moedas de Judas

I

Os mortos-vivos existem.
A minha poesia é a alma deles.
Creiam, é um barato levantar-se da cova.

II

Não preciso de papel higiênico perfumado.
Pois na lixeira do banheiro que jogo
muitos dos meus poemas.


carnificina

Meu negócio nesta manhã:
furar formigas com a faca  de corta pão.

Às vezes erro e acerto os dedos.
Mas vale a pena.

Pra que tantos dedos
se não tenho anéis?


mundão de inocentes

Morte é acordar
ter de acordar
todos os dias.

Andar vagaroso até o banheiro
escovar os dentes, lavar o rosto

e brincar com algumas aranhas
que na hora estejam de bobeira
passeando ou comendo
algum inseto.

As aranhas brincam comigo.

Correm com seus insetos na boca.
Depois voltam com eles nas mãos
jogando pro alto cada pedacinho
do que ainda restou das vítimas.

Morte é ter de sorrir.

Patéticas aranhas,
patético poeta,
patética vida.


domingo, 23 de junho de 2013

A Visita

A força do meu mijo
dentro do vaso:

somente desse som
sentirei saudades.


traças de óculos

As traças nada serão
nem humanos nem insetos

se acordarem longe dos dedos
(da gordura dos dedos)
marcando o meio
do livro.

Dizem que as cartas
servem para distraí-las.

Até mesmo que os lenços
ajudam em tempo frio.

Contudo o que as traças adoram
(e morrem por isso) é viver

na gordura dos dedos
marcando a próxima página.




blues

Pensava eu que espinho de rosa
fosse apenas letra de samba
fábula de jardineiro
desolado.

Mas eis que vejo na falange
do meu dedo indicador
um ponto vermelho,
inflamado.

Não me lembro
por qual roseira
eu me apaixonei.

O que importa.
Bem sei agora
que o espinho
é verdadeiro.


celibato

Uma cueca nova
até pode mudar
a vida de um rei.

Mas prefiro a nudez em osso.
Aquele ventinho que adentra
e mordisca os filhos órfãos.


sábado, 22 de junho de 2013

dilatador de vasos

Entre o frêmito
e a sonolência
o entendimento
de que o poema
é um caso perdido.

Agora só namoro
os instantes em que
a escrita some do mapa.


dentes de marfim

Logo que o dia amanhece
meu coração escapa
da caixa torácica

e sentado na varanda
ou no fundo do quarto

passa horas,
às vezes manhãs inteiras,

imaginando o que vai tirar
das mangas: se um poema
terno cheio de margaridas
ou se um poema maluco
com o nariz inchado
de tantas abelhas.

Uma coisa é imprescindível:
sua xícara de café sobre
a escrivaninha.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

asas escamosas

Escrever poemas
em certos momentos
é como cruzar as mãos

e orar ao Pai
pela miséria.

Só mesmo sujo,
pedinte, solitário

para que caia sobre
as nossas cabeças
o poema puro.

Dessas cicatrizes
que trazemos conosco
desde criança no joelho.


fruta de sol

O movimento mais belo do samurai
não é aquele instante em que se põe
o corpo à espada do inimigo
a preservar a vida
do imperador.

Mas aquele outro instante
em que acaricia a mão
na terra

e planta uma árvore
sagrada.


o fim da escova dental

Imagino a dor da separação
quando eu jogar fora
a escova puída

tão cansada
dos meus
dentes.

Foi um longo tempo
de atração mútua,
carinho, zelo.

Mas havemos de viver
com outras obturações,
esmalte, novos canais
e tratamento a laser.

No jardim do prédio
escavarei um cantinho
e sepultarei a doce escova.

Pedirei às flores
um minuto de silêncio.
E um adeus emocionado.


uma fadinha no front

para lara amaral

Disseram-me (e foi uma fonte confiável)
que havia entre fumaças e spray de pimenta
uma fadinha altiva, olhos vermelhos e rouca
punhos erguidos ameaçando os ratos de rotina.

Os cavalos de quatro patas
e outros de duas
ouviam-na

e deixavam que ela,
fadinha enraivecida,
seguisse o rumo
do Palácio.

Ah, deus, é preciso
ser muito poeta
e humano

para ser uma fadinha
(de piercing) entre
trincheiras.

clorofila no café

Só arrumo a minha cama
lençóis e travesseiros

depois que bebo
meu café na varanda
paquerando minha plantinha.

Vejo que ela mudou
a tintura dos cabelos.
Agora bem mais verdes.

Espero que seja
por minha causa.

Ou seria pros pombos
que vêm à janela?


epifania de um ermitão

Sei que em algum buraco da calçada
uma lagarta-de-fogo espera
da chuva uma trégua

caminhar então despreocupada
feliz por sentir no abdome

o friozinho gostoso
de um novo dia.

Que a lagarta-de-fogo
não erre o caminho

e adentre
nas minhas botas.


quinta-feira, 20 de junho de 2013

um sonho perpétuo

Antes de dormir
dou um beijo
de boa noite
nos meus
óculos

e levo pra cama
o suor dos meus cílios.

Uma forma bacana
de dizer que levo
pra cama

as minhas
lágrimas.


céticos e cínicos

O sinal é claro.
Agora faça sua parte.

Mude seus atos,
seus hábitos,
sua alma.

Pois o fogo lá fora
um dia acaba.

E o que será do seu coração
inválido, úmido, quase
cinzas?

As estrelas que caem
não cairão para sempre.

Mude seu andado,
sua lógica, seu sonho.

Porque as multidões
uma hora dispersam

e você estará
como antes
sozinho.


amor nas conchas das mãos

A minha alma tem mania de remar,
remar, remar, até que não haja
mais golfinhos

para
salvá-la.

E o que seria dos golfinhos
sem pescadores suicidas.


ventania

Não passe a vida inteira
desejando descobrir
o que ponho dentro
do meu cachimbo.

Digo-lhe que são somente
ervas aromáticas de Katmandu.

Pergunte àquela formiguinha
seguindo o caminho contrário
das suas irmãs.

Embora pareça solitária
ela leva nas costas
todas as flores
do jardim.


benzedeira

Enquanto a morte não vem
não saio de casa. Sou-lhe
sincero.

Só a morte me interessa.
Deixe-me em paz.

Não bata à porta.
Não me ligue.

Não mande
mensagens.

Só a morte me interessa.

A terra e as minhocas
saindo dos olhos
e ouvidos.

Amanhã se eu estiver forte
seja tarde, então sorria,
irônica, meu bem.


flores marítimas

Amanheci com uma costela quebrada
por culpa de um suspiro atravessado.

A saudade também nos fere
de outra forma pungente
além dos versos.


quarta-feira, 19 de junho de 2013

órgão poético

O meu coração tem um ótimo olfato.
Basta soprar do varal do banheiro
o cheiro de roupa limpa
enxugando-se

para que ele
emocione-se

e me faça um sujeito
contente, muito
contente.

Outro fato interessante do meu coração
é que ele tem duas mulheres:
as suas doces aurículas.

Só não entendo como pode
o meu coração amar
usando meu peito
de solitário.

O meu coração tem seus segredos.
E bebe meu sangue como bebo o dele.


o peregrino do nada

Ainda tenho muita poesia nos cascos
para caminhar longas distâncias
sozinho,

portanto não se assuste
com as minhas asas

fazendo sombra
nas botas.



voando de braços abertos

Sonhei com poemas, meu amor.
E seria um sacrilégio escrevê-los.

Retirá-los da porção mágica
para meus olhos de pagão.

Deixo-os lá,
naquele mundo
especial de sonhos.

Te confesso somente
que ainda não acordei.

Sinto as mãos de cada poema
apertando os meus dedos.


terça-feira, 18 de junho de 2013

filho gentil

Descansa, meu filho,
enquanto te preparo
um ensopado de coelho.

Sei que o teu dia
foi incrível,
fabuloso.

E deixa tuas botas sujas pela sala.
Tua camisa manchada de suor,
tinta, batom, spray de pimenta.

Hoje não te farei sermões.
Deita-te e descansa.

Este ensopado de coelho
será o mais saboroso
de tua vida.

Tu o mereces.


gângster

Não se esqueça que alguém
tem de fazer o trabalho sujo
no quarto entre paredes
escrevendo versos.

Por isso, meu docinho,
a lágrima que desliza
pelo rosto às vezes
tem gosto de
macarrão.

E em vão caem os punhais
sobre meus pés de inseto.


a lesma fazendo bolo

Estala-me os dedos,
querida, já que não tenho
histórias pra contar pros meus netinhos.

A única guerra que travo
é contra o meu umbigo.

Não estarei em casa
quando o herói voltar
da batalha com sua língua
de víbora e ideias de facínora.


o mórbido

Se eu sair agora da alcova
não será para acender
uma tocha

tampouco
beijar a namorada -

se eu sair agora da minha alcova
será para tomar meu comprimido.

Espalhar do meu sangue essa euforia.

Cansado de ter minha alma
no topo da montanha
onde somente
as gaivotas
riem

da loucura
e é tão natural
acordar sozinho

em volta
de alucinados
que não conheço.

Contra todos
não saio do meu quarto
nem para tocar fogo em ramalhetes
nem me esperem sofrendo por amores alheios.



alienação

Queimem as tochas multidões
enquanto faço as preces
dentro do meu quarto.

Amanhã recolho os sapatos
e os relógios perdidos.

Minha trupe,
um bando de fantasmas,
no dia seguinte à minha morte
esconde-se com medo das loucuras
que cometi em nome da bravata poesia.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

front

Para escrever um poema
ajeito meus óculos
como se fosse
pra guerra.

É preciso ver bem
atrás das paredes
o inimigo oculto.

Cada poema escrito
é um inimigo morto.

São tantos inimigos
que me salvam
do tédio,
amor.


melancolia tem nome

Desta dor não me livro nunca.
Mas que sereno eu compartilhe
comigo e com os outros
toda a ausência.

Vá a alma em paz
e me deixe aberta
a janela dos olhos.

A minha lágrima é pura
e não cobro um tostão
pelo sal.



quarta-feira, 12 de junho de 2013

promessa

Ok, já fiz minha toilet íntima.
Agora é só esperar a noite
e convidar as formiguinhas
pro jantar à luz de velas.

Elas vão se amarrar no vinho
que comprei e no presente
delicioso de cada uma.

Chocolates
pra todas.


pilão

Mudei de café.
Se antes era forte,
agora é mais torrado e moído.

Ao primeiro gole
meu coração salta
da poltrona confortável.

E as minhas mãos trêmulas
alisam minha barbicha
crendo na morte
imediata.

É muito bom mesmo esse café.
Morto escrevo tranquilo
na paz do meu quarto.

Pergunto-me o que lhe interessa
se mudei de café e se morto
escrevo tranquilo -

quanta coragem,
meu deus, temos
nós poetas em abrir
nossas almas pras coisas
mais tolas e insignificantes.

Mas é bom mesmo esse café.


terça-feira, 11 de junho de 2013

ocasiões de colibris

Anoitece e ainda não me chegou à janela
aquela andorinha com roupa de ginástica.

Logo que ela apontar na calçada
eu jogarei sobre a sua cabeça
minha plantinha favorita.


licor de adrenalina

Hoje só paro de escrever versos
se o meu bermudão levantar-se
do cesto de roupas sujas
caminhar até a varanda
e pular da janela.

Ou se minhas botas
baterem nos meus pés
com o solado sujo
de folhas secas
e chicletes.

Pelo silêncio e imobilidade de ambos
creio que não haverá fim o devaneio.



sonhos

Escolhi a minha epígrafe:
"sejam bem-vindos,
passarinhos,
ao jazigo

não façam sujeira na lápide
mas divirtam-se."


o mapa das aurículas

Antigamente
fui um jovem forte e feliz

em um tempo
que não bebia café
nem escrevia versos.

Agora, veja bem,
sou apenas uma alma
de cavanhaque.


o vampiro de dentes amarelos

Eu beberia o teu sangue
sem incômodo algum.

Renasceria um novo homem
a cada final de mês.

Não, meu bem,
isso não é prova de amor:

é loucura
mesmo.


bela surpresa

Quando eu completar cinquenta anos
plantarei um pé de limão
na minha varanda.

E lá os canários e as andorinhas
hão de se apaixonar ardentemente.

Imagina, meu bem,
a cara dos filhotes.


friozinho

Se passaste todo esse tempo ao meu lado
esperando o dia de minha salvação
hoje é o dia certo.

Abraça-me sem dó
e não me deixes
fugir.

Espera só um minutinho -
tu viste meus óculos?

Preciso deles ou tropeço
nos teus chinelos.

Embora os teus chinelos
eu já os tenha comido
de saudades.


atos remotos

O que vem de fora me atinge:
uma chuva lenta na calçada,
o suspiro da cafeteira,
o caminhão de lixo
na rua.

A fisiologia é tão cúmplice da escrita
quanto esse silêncio desconhecido
antes da palavra.

Meu fígado sabe do que falo.



o primeiro café do dia

Aos ouvidos de um sapo
os pingos da torneira quebrada
a encher a pia é uma doce sinfonia.

Quedo-me satisfeito, alegre
com os meus ouvidos de sapo.

Cedo ou tarde
uma formiga se afoga
e eu com a língua elástica
de sapo tagarela salvá-la-ei.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

reações

A plenitude que me abala
é simples e momentânea:

basta que caia sobre
a cadeira a tampa
do açucareiro.

Já me preparava
para jogar-me

debaixo
da mesa.

Mas apenas rodopiou sobre a cadeira
a tampa do açucareiro exausta do poeta
e do seu pressentimento
de epifania.


pântano

Egoísta e vaidoso
sei como destratar

a minha alma
sensível
e tola.

Faço-a rastejar por onde caminho.
Lamber meu barro e os chicletes.

A minha alma pede clemência
e eu jogo fora as cartas
de amor.

Não pega bem pra um canibal solitário
viver apaixonado por sua alma
tão sensível e tola.

Mando-a embora do meu quarto.
Lanço-lhe na cara os últimos versos.

Aproxima-se a hora da morte.
E eu preciso acordar sem laços.

Sem braços em volta,
sem lábios no rosto.


sábado, 8 de junho de 2013

octógono

Trouxeram-me notícia
daquele pombo

que chutei
na pracinha -

encontra-se bem
e furioso.

Diz pra todo mundo
sobretudo aos velhinhos
que lhe dão migalhas e farelos

que vai me acertar
uma manhã qualquer
com seu míssil pastoso

sobre minha cabeça
e minha camiseta branca.

Não acredito em ameaças de pombos,
todavia só cruzarei aqueles canteiros
munido do meu velho
guarda-chuva.



peças íntimas pela casa

As fadas nem boas nem más -
são criaturas que adoram
brincar comigo.

Roubam do meu dedo o anel
escondem no banheiro
enquanto eu vocifero
na sala

estourando cristais e assustando
as plantinhas da varanda.

Às vezes quando pego uma de jeito
puxo-lhe os cabelos até a cama
e mato-a de cócegas.

Eis o perigo -
as fadas têm um remelexo de quadris...



escalpo

Hoje o dia amanheceu-me tão triste:
cortaram a cabeleira da árvore
de minha calçada.

Agora os cachos da oiticica
já não batem na minha janela.

Que me importa o céu azul
a despontar entre os vãos
dos galhos.

Belas eram as sombras
dos ninhos de andorinhas

por onde meus olhos
procuravam o assobio.


sexta-feira, 7 de junho de 2013

música pra velhinho solitário

Meu coração quase parou por sua culpa -
você quando passa seu batom
olhando-me silenciosa
volto a sentir um novo
ataque.

Corro à minha gaveta
pra lhe mostrar as suas cartas
daquele tempo em que você beijava o envelope.

Veja, o batom o mesmo de cereja
e o desenho dos lábios,

como agora,
tenro de menina.

O tempo não existe
pras anjinhas
que matam
poetas.


quinta-feira, 6 de junho de 2013

rodopios

O poema que passa
é a certeza da imortalidade.
Tudo em nossa volta é valsa.

Meto-me por debaixo de sua saia
e escapo entre os seus seios
sorrindo.

desenhos sagrados

Não haverá perigo
se nós guardarmos
as nossas almas dentro
do vaso antigo de cerâmica.

O velho índio que me vendeu o objeto
jurou com a testa tocando meus pés
que o vaso é sagrado

e lá estarão seguras
as almas de quem se ama.

Guardemos então nossos sonhos
(todas as arraias gigantes e sardinhas)
dentro desse vaso antigo de cerâmica.

Amanhã, se acordarmos juntinhos,
veremos com que cor nossas almas
pintaram os braços, o peito e as faces.


autópsia

Quando eu morrer de causa natural
confesso agora que causa
será essa -

ansiedade
terna.

Não há coração que suporte
tanto sangue doce e frívolo
em demasia.

Nem mesmo as muriçocas de outrora.


crepúsculo

Bondoso é aquele poema
que sai nu, sem túnica,
e não sente frio.

Enquanto outros versos
morrem entre
nuvens.

De qualquer jeito
dá-se ao trabalho
o poeta de amá-los.

As crianças riem
criam coisas
mais belas.

E como sofrem
com o mesmo amor.




magia

Cada mulher
tem o seu cheiro.
Quem uma amou,
amou apenas aquela.

A outra a ser amada
é outro conjunto de símbolos -

novos planos, requintes,
sonhos e transes.

O sorriso de uma,
a angústia e o sangue da outra
não coincidem no mesmo trajeto.

O tapete voador
leva os segredos
ao alto dos céus
mas por nada
revela-os.

Quem amou uma mulher
amou apenas aquela -

e há mais frio
na barriga,
vertigem,
loucura.




boa digestão

Nenhum vestígio de bálsamo no meu sangue,
entretanto os olhos brilham feito bundinha
de vaga-lume.

Não existe promessa para amanhã -
dia de sol, surpresa amorosa,

contudo minha mente voa
qual a plumagem de gaivota
em voo rasante pela montanha.

Meus dedos estão no lugar,
mas vejo neles escamas
de um peixe misterioso.

Ah, essa minha alma de pajé,
de xamã, homem de chapéu preto
passeando pelos becos de Portugal...




língua

Adoro carne
sobretudo língua
de menina jovial.

Essas línguas com seus rios de sangue
e polpa de desejos deixam-me lânguido
a voar com o livro aberto sobre o bermudão.

Amo essas línguas que estalam dentro da minha boca
quando as beijo sôfrego, desenfreado, bárbaro
de olhos febris.

Há quem deseje apenas o abraço,
um aperto de mão, um tímido beijo na face.

Eu ao contrário dos bons e dos puros
ofereço minha alma  - e tantas vezes o fiz -
por uma língua vermelha, saudável, úmida
da mais refrescante menta pastilha de  hortelã.

Por isso, certamente, não tenho barriga
e ainda bate firme o meu coração
de velhinho solitário.



quarta-feira, 5 de junho de 2013

antes do café das seis

Como diria o pássaro ao entardecer
"esse céu triste é uma alegria infinita".

E a morte um agasalho
para um jovem senhor
de cabelos brancos.

Venham, meus filhos,
agasalhem-se dentro
do meu peito.

Ninguém morre
enquanto se canta
no fundo do poço.

Quase virei um monstro
com a sua partida -

usei meu velho guarda-chuva
contra os olhos dos pombos.

A cada passo um susto
e um riso tolo nos lábios.

Descobri que os pombos
têm os olhos de âmbar
e porcelana.

Não ficam cegos nunca,
nunca, minha flor.

a plantinha da varanda

Pergunto-me onde a minha gentileza
diante do novo cabelo da plantinha
da varanda.

É tão natural essa constante mudança
de cores e penteados em suas tranças.

Mas eu - idólatra do pensamento -
olho pro lado e disperso-me
a admirar aquele inseto

sombra na parede
que parece sorrir
alongar as pernas
presas ao chiclete.

A plantinha igual a toda mulher
que embelezou os cabelos
(corte e luzes) magoa-se
com a minha distância.

O vento frio lhe bate na nuca
e ela sucumbe, triste, solitária.

Fecho a janela da varanda -
cruel não entendo
um novo amor.

terça-feira, 4 de junho de 2013

o rosnar dos objetos

Que o deslumbramento não me encante -
mas que eu permaneça encantado
tal qual a cafeteira ligada,
quente, que sussurra
quando me aproximo.


um só olho

Há algum tempo falava sozinho
e escrevia versos - agora
ainda converso sozinho

mas a poesia
enfim palpável
apenas me diz

que preciso
aparar as pontas
do meu cavanhaque.