domingo, 28 de abril de 2013

trombose

Se uma parte do meu corpo morrer
a boca torta e os braços
sem movimentos

ditarei poemas
em silêncio
no olhar

e os passarinhos sobretudo
os de papo amarelo
máscara preta

hão de escrever os poemas nas asas
e levarão aos céus meu espanto.

Nunca soube o nome desses passarinhos
de papo amarelo e máscara preta
no rosto.

Mas conto com eles.



adorável oiticica

A árvore da minha calçada
vive piscando para mim
com suas folhas verdes
presas aos galhos

e outras secas
que entram pela janela
caem no meu sofá.

É uma grande atriz
a árvore da minha calçada.

Ilude-me direitinho
e me faz acreditar
em seu amor.


sábado, 27 de abril de 2013

alta velocidade

De que adianta o canto dos pássaros
se ainda é noite
e treva?

O negócio na hora da morte
é morrer atento
sem medo,

enquanto recolhem outros
do meio do caminho
as nossas vísceras.

E será tolice esperar acordado o amanhecer.


sexta-feira, 26 de abril de 2013

bruxas de coxas roliças

Só espero que não me mates
nessas crises divinas
por que passas.

Rezo para que não me prendas na tua gaiola
e me ponhas a engordar até o dia
de minha morte.

Depois de enfraquecido em tua cama
já seria eu outro a te ver feliz
comendo cada pedacinho
do meu corpo:

mindinho,
costela,
nariz.


sexta-feira, 19 de abril de 2013

pétalas brancas

Choveu -
há uma calçada molhada
dentro da minha barriga.

Tudo isso, querida,
só pra lhe dizer
que faz frio
no quarto.

E os seus sapatos
eu os comi de saudade.

Agora fazem companhia
à calçada molhada
nessa noite
fria.


um velhinho solitário

Você desligou o telefone na minha cara
e nem se excitou com meus sussurros.

Cadê aquela moleca febril
debruçada sobre o parapeito da janela?

Sejamos carne um dia
antes da certeza morte.

Atenda o telefone
e vamos pra cama.

Saiba que a minha voz hoje
acordou um pouco rouca

qual a voz de sátiro
caçando andorinhas.



quarta-feira, 17 de abril de 2013

a placidez de um raio

É muito bom saber, garoto,
que você enfim percebe
que nem todas aves
gostam de voar.

Muitas preferem passear
pela varanda com seu amor.

É maravilhoso saber, garoto,
que você enfim desvenda
os segredos de filósofos
escondidos no olhar
difuso e repentino.

Serradeiras lá fora
fazem o trabalho
de gente forte.

Precisa-se de mãos calosas e firmes
para segurar aquelas máquinas, garoto.

E os filósofos com suas almas graves
sequer dão um passo, logo sentem dor.

Estou tão contente, garoto,
por saber que você não dormiu.

Mas as palavras
têm suas regras.

A primeira delas, garoto,
é que não existe eternidade
nem no que se escreve tampouco
naquilo em que lemos embevecidos.

Vista sua luva de muay thai
e vá treinar, meu filho.

Lá fora as serradeiras
comungam do meu silêncio.


sondando o dedão do pé

O poema aos meus olhos depois de escrito
e por mais leituras que sejam feitas
é um corpo etéreo

que não me leva
a lugar algum.

Se parto antes dele para algum ponto
é a partir da reflexão dos seus versos.
Ou melhor, do princípio da escrita.

Embora nem todos poemas tenham
entrelaçados em sua malha meditações.

Há muitos que caem em minhas mãos
como lágrima que leva o rímel
de uma dama traída.

Deveria ser um lenhador.
Mas os lenhadores refletem
sobre seus gravetos mais fracos.

Deveria ser um aviador.
Mas os aviadores refletem
sobre as suas nuvens mais densas.

Então me bastam os poemas
os que me fazem pensar

e os que me colam
às unhas feito esmalte
ainda fresco de uma dama feliz.


terça-feira, 16 de abril de 2013

los terribles

Há algum tempo observo
os cupins ao pé da porta
passeando indiferentes.

Pensam que sou bobo
e não sei que a qualquer instante
afiam suas garras, navalhas e dentes

e recomeça-se aquela comilança cruel
pela madeira podre que restou.

Não me sai da cabeça
que eles têm os olhinhos de chineses
e são ferozes quando querem alguma coisa.

Olho pra porta,
suspiro.


arte plástica

O que faço com a minúscula aranha
pendurada no pano de prato?

Ela não dorme nem se enforcou.
Só me disse "olá, cadê seus óculos?"

Imóvel zomba do poeta
pois sabe do meu coração de manteiga.


os olhos de nina

Dormir com um livro de poesias
é como fazer amor com duas mulheres:

uma santa
e a outra gente.

Sei que hoje o poema não foge,
mesmo assim há o risco dele se perder
dentro de mim se eu não contar algum segredo.

Revelo, então, que o poema
é meio castanho
meio verde.


um louco amoroso

Como pode um poeta
que saiu espalhando arroz pela casa
saber onde se escondeu o último grão?

Permitam ao poeta
após o seu doce regresso
toda a sua santidade e esquecimento.

Há jovens senhores encantadores de serpentes,
eu encanto anjos - por isso tenho dez
anjos da guarda nas duas mãos.



terça-feira, 9 de abril de 2013

o bom sonho

As lágrimas saem dos meus olhos quando desejam:
os cílios para elas são cadarços de crianças
que podem puxar, torcer, fazer nós
e laços.

E olhos sem cílios
são sacerdotes
sem guardiães.

Ou crianças
descalças.


sedução

Lutar contra o corpo
é nadar com um só braço
em mar revolto e ao chegar à praia
não haver coqueiros tampouco peixes na brasa.

O corpo tem as suas artimanhas
e de onde surgem tais peripécias
senão da psique que é mestra
em abrir mariscos.

O pescador quando envelhece
já não acredita tanto em sereias
mas continua ouvindo os seus cantos.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

poema guardado pra depois

É muito fácil apaixonar-me por ti,
pois teus olhos são de Deus

e Ele me disse que posso
cuidar de cada uma
de tua pérola.

Vejo então da janela aberta tua alma.
Mas é preciso atenção com os pombos.

Não respeitam os casais apaixonados -
podem cagar no teu vestido azul
e na minha camiseta branca.


o fujão

Fujão, prazer.
E se levitar é quase morrer
ontem quase morri várias vezes.

Perdão meu prato por não lavá-lo tão bem.
Perdão lâmpada do quarto que por preguiça
ainda vive lá queimada singela e desamparada.

Fujão é meu nome, prazer.
E se ter relâmpagos dentro da mente
é quase morrer ontem de madrugada
quase morri e disse a mim mesmo que
eu era do bem e se houvesse outra vida
gostaria imensamente de não existir dor.

Perdão cuecas minhas amontoadas.
Perdão banheiro que penso quando hei de ter coragem e deixá-lo brilhando.
Perdão plantinhas da varanda pelo tempo relapso e perdão minha xícara
por tê-la deixado cair e hoje ter outra no seu lugar, perdão, perdão.

Fujão é meu nome, prazer.
E se ajoelhar-se é quase morrer
se houver outra noite assim será para sempre.

Prazer, meu nome é sr. fujão.


domingo, 7 de abril de 2013

um prolongado suspiro

O meu coração não vai parar.
Tenho absoluta certeza disso.

Que os olhos se fechem.
Que a boca se cale.
Que as pernas
caiam.

O meu coração não vai parar.

As coisas dele, os segredos dele,
são tão fortes e suaves que tenho
absoluta certeza que o meu coração
por morte alguma meu coração vai parar.

Você já viu uma flor morrer?
As flores apenas nos iludem
quando se ressecam e se fingem.

As flores não morrem, meu caro,
porque as flores são doces e loucas.

Quantos amantes já não choraram
com uma porção delas nas mãos
e quantas amadas já não as jogaram
ao lixo com ódio do mundo e dos homens?

Mas esses instantes de arroubos e de incrível verdade
também é só uma óbvia declaração de que as flores
e o meu coração não morrem.

E ao fecharem-se meus olhos
e ao calar-se minha boca
e ao caírem as pernas

creio piamente
que lá estará
meu coração.

Doce, firme e suave
como uma flor.


dei as contas do meu psiquiatra

Procure-me melhor,
se eu não estiver debaixo da cama
certamente estarei em cima do guarda-roupa.

Debaixo da cama tenho as formigas
para conversar sobre o meu estado.

Em cima do guarda-roupa
fico mais próximo dos céus
e pulo com minha capa mágica.

Segure a barra,
não faça tolices,
ria dos seus vacilos.

Hoje de manhã no banho
enquanto pensava em bela
como é a solidão tranquila

dois passarinhos um de papo amarelo
e o outro de papo branco abraçavam-se.

E nem sabia o nome desses passarinhos
(se João ou se José) e raios por que 
foram parar sobre a grade de ferro 
do prédio vizinho.

Só sei que se abraçavam
como velhos amigos
de longa estrada.

Pensei: não vale a pena 
meter uma bala na cabeça.


a natureza dos atos

O meu barco virou em alto mar.
Só não me afoguei porque
uma tartaruga grande e velha
jogou-me sobre seu casco
e levou-me à praia.

Depois de fazer respiração boca-a-boca
e tirar dos meus pulmões toda a água
salgada do mar,

pediu-me apenas que eu cuidasse
com muito zelo e atenção
dos seus ovinhos
que ela havia
posto

ali perto,
em um lugar secreto.

A grande e velha tartaruga com seu casco riscado do tempo
deu-me as costas e foi-se vagarosamente.

E eu fiquei sentado dias após noites
vigiando atento os seus ovinhos.

Em uma bela manhã
rompeu-se do abrigo
um monte de filhotes
cada um mais afoito
do que o outro.

Corriam em direção ao mar
atropelando-se, atolando-se,
aqueles que pareciam perdidos
eu dava um empurrãozinho
com a ponta do dedo.

Salvaram-se todos -
graças a Deus e à ponta do meu dedo.

Voltei para casa
mas algo dentro do bolso
mexia-se e ao meter a mão o que vi?
Uma tartaruguinha a cara da mãe que me dizia:
"pa... pai, pa... pai..."

Ora, eu não tenho cara de tartaruga.
Ou tenho?


quinta-feira, 4 de abril de 2013

na hora da morte de uma galinha

A galinha antes que lhe torçam o pescoço
e sangrem passa um filminho
na cabeça dela -

do tempo em que ela punha
seus ovinhos sentindo
aquela dorzinha
prazerosa

bem aquecida,
e lá fora aquela chuvinha.

Depois ia ela ciscar a terra molhada
e degustar apetitosas minhocas
e outros besourinhos.

Também lhe vem à cabeça
aquele chato do seu marido
um galo todo metido que
sempre ao amanhecer
acordava-a com aquele
canto estridente.

Somente por tal lembrança
a galinha não se importa
que lhe torçam o pescoço
e sangrem.

Diz ela pra si mesma:
"morro mas estou livre daquele galo inútil
gritando aos meus ouvidos
durante meus melhores
sonhos."

E é morta a galinha
e tu comes feliz
o ensopado.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

batatas

Hoje plantei batatas
tanto que as costas
estão a me matar.

Mas é bom plantar batatas
chegar o fim da tarde
com aquele cansaço
de quem plantou
batatas.

E eu planto batatas
alucinadamente
não perco
tempo.

Sei que na alma de alguém
essas minhas batatas matam a fome.

Por isso, sem pestanejar, todo santo dia
eu planto batatas e mais batatas
feito um louco.