domingo, 31 de março de 2013

cônjuges pela eternidade

Poesia como solidão
é para poetas, deuses
e semideuses - portanto,
acostume-se a ela
porque ela

é o osso do seu cotovelo
é o lóbulo da sua orelha.

Mesmo que você quebre um e corte outra
sinuosamente ela invade seu sangue.

E sangue depois de contaminado
é uma dor a separação.


carta marcada

Às vezes procurando um poema
encontramos um abismo.

E nem era do abismo
que queríamos falar.

Era só pra dizer
que doem as costelas.

Mas eis o abismo na nossa frente
altivo e pegajoso nos chupando
para fora de nós.


mãos

Peço-lhe um favor,
quando vier novamente
traga-me suas mãos dentro
da sua bolsa e deixe-as sobre
a minha escrivaninha - é que sinto
muita falta delas alisando meu rosto
fresco de sabonete após a barba feita.

O resto do seu corpo -
bunda, seios e pescoço -

pode levar em paz, mas
as suas mãos, clemência,
deixe-as sobre a escrivaninha.


domingo de páscoa

O que aquele bichinho esperança
fazia na varanda e o que refletia
nesse domingo de páscoa
não sei mesmo,

mas seus olhos estavam tristes
e o seu silêncio era bem maior
do que o de costume.

Talvez pelo fato de minha irmã
ter em punho uma vassoura
daquelas que investiga
até os mais recônditos
cantos debaixo
da poltrona.

Eu agachei-me e notei nele
um pensamento distante.

Deixei-o em paz
na ponta do batente.

Espero que minha irmã
também o tenha visto
como eu o vi
silencioso
e triste.

E tenha lhe poupado a vida.


orgasmo

Equilíbrio não é manter contato com o chão.
Equilíbrio é manter contato com as nuvens.

Elas mudam de faces,
você muda de pensamentos.

Mas o céu azul ou cinzento
permanece acima de sua cabeça.

Não percamos um minuto
com o que amarga
lembrança.

Se o nosso amor for forte
será levado pela corrente.


sábado, 30 de março de 2013

blefe

Há dias em que as maravilhas da solidão
alcançam-me de tal forma a alma
que não me resta outra saída

senão perdoar a mim mesmo
da ínfima humanidade
e ser eterno.

Para isso tenho duas mãos
e um papel em branco
que meu sangue
não tinge.


pecado do bom moço

Sim, eu sinto inveja
desses cavaleiros loucos
tatuados até a alma com
suas donzelas também loucas
tatuadas na nuca um dragão e uma flor.

Sim, eu sinto uma inveja terrível
que chego a limpar meu revólver
e troco as balas comuns pelas de prata.


todos os encontros dos céus

Se eu abraçá-la por muito tempo
se eu abraçá-la por muito tempo
tenho medo de que você leve
para seu quarto não apenas
o meu perfume mas
a minha solidão.

E não seria agradável
ao nosso primeiro encontro
você passar toda a tarde paradona
deitada só olhando o teto e seus insetos.

Do teto podem cair aranhas.
Do teto podem cair aranhas.

Esqueça estrelas,
do teto só caem aranhas.

Algumas tão sutis
descem por finas teias
que mais parece missão impossível.


páscoa

Não paro de tomar meus remédios
e deixarei meus cabelos crescerem.

Andarei pisando neles
brancos e fininhos.

Os passarinhos hão de pegar carona
nos cachos ainda úmidos do banho
como se fosse uma orquídea
minha cabeleira.

Vai demorar um ano,
dois, sabe-se até um século.

Mas não paro de tomar meus remédios
e deixarei os meus cabelos crescerem.

Quando morrer estarei belo
com os cabelos grandes
tomando minha testa
a minha grandiosa
e larga testa.

Poderei enfim suspirar para cima
e ver uma madeixa levantar-se
feito braço de bailarina
ao vento.


o rei

Cansei de pedir esmolas
agora sou um sábio
a oferecer sua barriga

pra que vocês passem a mão
alisem de mansinho e agradeçam
por todos os seus sonhos realizados.

Cansei de pedir esmolas
agora sou um samurai
que parte ao meio
um poema

e depois costura
cada palavra
com os dentes.

Eia, eia!
Um novo poeta
escapa de sua caixa de sapato
levando junto os seus amuletos -

sementes de mucunã
e um punhado de sal grosso.


terça-feira, 26 de março de 2013

frivolidades

Falo sozinho, sabia, meu bem?
Às vezes até discuto seriamente.

As paredes não se metem.
Quedam-se no lugar delas.

Os livros estão cansados demais
para dizer alguma coisa a favor
ou contra.

E eu falo sozinho que é uma beleza.
Esmurro meu próprio peito

e não entendo por que
meu coração é uma mocinha.

As discussões podem chegar a várias noites.
E no final do surto estou morto e desvalido.

As minhas botas riem cinicamente
dessa minha falta de juízo,
mas no outro dia

lá estão elas solícitas
oferecendo-me o calor
do seu útero para que eu
meta-lhes meus pezinhos de anjo.

As minhas botas são as únicas meninas
dessa minha vida insignificante
que me entendem.

E eu meto-lhes meus pezinhos de anjo
com tesão e delicadeza de um flamingo.


segunda-feira, 25 de março de 2013

oração pro meu filho e os amigos dele

Oro pra vocês, meninos
que pelo menos uma vez na vida
quebrem o nariz dos seus algozes
mas não se acostumem com a violência.

Oro pra vocês, meninos
que namorem bastante
e só leiam o essencial
pra que o corpo
reconheça
a alma.

Oro pra vocês, meninos
que enfrentem seus medos

e não se acomodem
às paredes do quarto.

Oro pra vocês, meninos
que façam algum esporte
mas que prefiram escaladas.

Subam montanhas, meninos.
Segurem-se bem - em algumas
nuvens não se pode mesmo confiar.

Oro pra vocês, meninos
que fujam do demônio
que tem uma face
brilhante de ouro

e a outra face
fuligem de crack.

Oro pra vocês, meninos
que não caminhem com os maus
tampouco sonhem em salvar os cínicos.

Oro pra vocês, meninos
que tenham fé em seus corações
quando eles falarem sobre o amor.

Oro pra vocês, meninos
que tratem com elegância
as meninas e nunca confundam
o sorriso delas com o que elas pensam.

Oro pra vocês, meninos
que não pensem em se matar
quando as meninas fugirem com outros
e voltarem das férias mais belas e felizes.

Oro pra vocês, meninos
se forem pais cedo

que aprendam
com seus filhos.

Que brinquem com seus filhos.
Que não assustem seus filhos
com assombrações
de falsos deuses.

Oro pra vocês, meninos
que plantem uma flor
e escrevam um verso.

Um só, meninos
e fujam dos poemas.

Eles podem levá-los à loucura
e de loucos já bastam os poetas que existem.


festim

Passarinhos felizes são uns palhaços exibidos.
Se chove então é festa, bacanal,
folia sem fim.

Agora, por exemplo, alguns jogaram
pela janela do banheiro gravetos
e ramos dos seus ninhos
só pra me chamar
atenção.

Outros abrem o bico
e mostram suas cordas vocais.

Mas nada se compara a um em especial
que dança frevo usando uma sainha colorida.

Palhaços,
exibidos.


alianças trocadas

A minha presença é pesada
mas com outras pessoas
fico leve, paspalho.

Chego a sorrir -
acredite, eu sorrio.

E imagino que será assim sempre.
Mas retorna a minha presença
quando chego ao quarto.

Sai de trás da porta a senhora poesia
uma mulher sangrando
e me pede apenas
que eu seja
delicado.

Beijo-lhe o ventre,
a virilha, e troco
sua roupa.


domingo, 24 de março de 2013

brasão de pó

Não tenho filha para ler os meus poemas
quando eu morrer: o que faço
então com a minha fé?

Por enquanto engano a morte
trocando de xícara e chorando
pela outra antiga despedaçada.


pedintes de moedas de ouro

Você ainda não sentiu o ar de um suspiro
arrebentando com as costelas.

Nessas horas, seu moço,
a única saída é ficar quieto
tentar estabilizar a respiração
e arrancar as loucas mãos do corpo.

E virá novamente com outro suspiro o fogo
um ar quente que estraçalha
costelas.

Mas já não temos as loucas mãos,
seu moço, para aliviar as palavras.


sopro dominical

Regozija-me saber que a minha rebeldia
não envelhecerá nunca e quanto mais
cabelos brancos e teias de aranha
debaixo das minhas axilas
estarei atento e folgado.

Não há guerreiros mais revoltados
que os habitantes do meu coração.

E todos os dias rezo por eles
para que tenham uma boa morte.

A minha eu já escolhi e marquei hora
e aguardo-a sentado no sofá

também esperando uma folha de oiticica
que o vento traz pela janela aberta.


sábado, 23 de março de 2013

escamas e penas

Queria lhe falar da minha tristeza -
um bicho-de-pé que floresce
orquídeas.

E eu cuido de cada uma delas
com um agasalho de veludo
sobre meus ombros.

Uma é para você
quando visitar
meu quarto.

Outra para seu anjo da guarda
que a proteja desse infortúnio.


cândido

Não posso beber
mas posso impedir

com o meu cuspe
que uma formiguinha
folha verde no ombro
chegue ao seu destino.

Não posso beber mas posso
tirar a pele dos meus calos

e jogar pela janela pra que algum pombo
experimente o gosto das minhas botas.

É insuportável essa clareza
essa cabeça sã e esse espírito
que anda pela casa e não move

uma palha pelas plantinhas da varanda
muitas delas que acabaram de morrer.


sarro

Sei o que você fez debaixo
da minha janela ontem
de madrugada.

Mas sou um deus bonzinho
e não contarei pra sua mãe.

Só não entendi depois de tanta loucura
vocês jogarem cartas ingênuos
o cara lhe ensinando
e você com um ar
de freira.

Não percam mais tempo.
Da próxima vez mudem de posições.
E esqueçam essa desculpa tola de jogar cartas.

Carne é carne
e pela idade de vocês
ainda há muita sofreguidão

em suas bocas
e dedos.


sexta-feira, 22 de março de 2013

o rato

As meninas do andar de cima estão enlouquecidas:
encontraram um rato. E pelos gritos dever ser
um ratão.

Sou cavalheiro, mas não me atrevo
acuar um rato estressado na cozinha.

Se elas assim desejarem
posso oferecer-lhes
a minha cama.

Para que elas descansem
quando voltarem da noitada.

Sim, porque com esse perfume
certamente não vão passear
com o rato no playground
e depois ler um livro
no sofá.


amor de minha vida

Se querias um motivo para brigar:
usei teu sabonete e deixei
três cabelinhos do púbis
como lembrança.


quinta-feira, 21 de março de 2013

atrás dos montes

Vou parar de escrever poemas.
O negócio está ficando sério.

As mãos não se compreendem mais.
As pernas esqueceram de caminhar.

Só querem agora carona
nas asas de gaivotas.

E eu digo pra elas que as gaivotas
já têm muito peso sobre suas penas.

É bom eu parar de escrever poemas
e viver do que foi escrito - qual
o coveiro que vive de ossos
alheios.

É melhor eu ficar do lado de fora.
Sem pretensão de cortar com os dentes
uma folha de papel que voa e passa na minha frente.

As gaivotas me perguntam que história é essa
de muito peso sobre suas penas.

Eu consigo pegar uma com os dentes.
Parto-lhe o coração ao meio.

Penso que sou um espadachim.
Um samurai. E as minhas mãos
enlouquecidas aplaudem
meu último ato poético.


solidão

Marteladas de um pedreiro lá fora
e pingos caindo de uma torneira quebrada
é tudo que tenho para te oferecer nesta manhã.

Forças ainda me restam
para abrir a boca de um hipopótamo
até que o bicho me peça clemência, clemência.

Mas que onda é essa, rapaz, hipopótamo
de boca torta? Melhor é pensar na velhinha
do prédio vizinho.

Talvez eu seja mesmo sua única alegria nessa vida.
E deixo que ela me espie sem constrangimentos.

Banho-me naturalmente,
pensativo, distante.

Às vezes o sabonete cai
e eu olho pra janela da velhinha.

Lá está ela -
atenta e simpática.

terça-feira, 19 de março de 2013

entre os tendões e as nuvens

Já estou bem melhor da perna, querida.
Até ontem eu era um urso velho
a encantar camponesas
com o andado

e um salmão
entre os dentes.

Agora, querida, veja que incrível -
posso me alongar até o teto
e ver de perto a cara
das minhas amigas
aranhas.

Elas nunca dormem.
Sempre tocando harpa.


chá das seis

Faço parte de um grupo de solitários
que todos os dias se reúnem
em um buraco

para rir da mazela humana:
do carro novo que bateu no poste
sem ainda ter seguro ou do vestido de noiva
que sujaram de lama pouco antes do casamento.

E rimos à beça
que seguramos a pança.

Só bebemos água porque há aqueles
se beberem vinho enlouquecem -

e loucura é o que não desejamos
em nossas divertidas reuniões.

Exceto no dia do nosso protetor
em que cada um escolhe
seu próprio desfrute.

É uma celebração nesse dia
e todos se transformam
noutros seres:

lagartixas, passarinhos,
baratas, formigas,
rinocerontes.

Há um que sempre escolhe
ser uma xícara.

E fica lá sobre a estante
esquecido por todos.


paquera

A cada dia a árvore da minha calçada
está mais próxima do quarto
os galhos já batendo
à janela

e os passarinhos
com ciúme.

Ou a árvore de fato
está apaixonada
por mim

ou estou vendo coisas.


feriado

Não se preocupem,
depois da minha morte

não lhes puxarei
os pés dormindo.

Morto
não lançarei fora os meus chinelos
não coçarei minhas costas
não passarei a língua
pelos meus dentes

não terei nenhum laço
com os meus inimigos nem
com as minhas doces andorinhas.

Só os meus ossos que dançarão felizes
quando alguém por descuido disser
com a voz trêmula alguns
dos meus versos.

Coitado - a partir daí
não o deixarei
em paz.

Serei seu anjo.
Seu encosto.


domingo, 17 de março de 2013

três acordes

Sou um amante incorrigível das palavras,
embora as minhas sejam ralas
e presumíveis.

Acredito que o poema escrito
é anteriormente sugerido

por outra atmosfera
distante do vocábulo.

Como o olhar do apaixonado
que antevê o rosto da amada.

E nesse buraco negro
sequer existe espaço
para a respiração
do poeta.


ossos trincados

Nunca pensei tão cedo
ser coxo nessa vida
e tu me perguntas:
cadê suas asas?

Quem tem asas
é passarinho.

E mesmo assim apesar de todo o frêmito de quem voa
batem à minha janela passarinhos
enfadonhos e tristes.

Agora entendo o sorriso
da serpente que rasteja.

Ao coxo nenhum milagre é oferecido.
Nem a epifania dos entes alados.
Nem a troca de muda do réptil.

Ao coxo apenas aquele andado sofrível,
patético, dissimulado, de quem será
amanhã um belo assassino.


sábado, 16 de março de 2013

encantamento

A lâmpada do quarto queimou.
Sinto pelos besouros que lhe
tinham tanto afeto.

Sou testemunha de inúmeras mortes
desses besouros apaixonados
que colidiam contra
a luz.

O que farão eles agora
que a escuridão reina?

Com a lâmpada queimada
hão de procurar outra paixão
para tentar o suicídio em paz.


andejo

Morro de medo quando lavo o liquidificador.
Aquelas lâminas lá no fundo parecem
tentáculos de monstro

cujo único propósito
é cortar os dedos
da gente.

Mas não era isso que queria te falar, meu bem.
É que hoje completa dez dias de tratamento
e cada osso beijado pelo carbonato
de lítio é uma dor desumana.

Talvez tu agora estejas a gargalhar do meu exagero.
Mas o que seria da simplicidade das coisas
sem o vexame do poeta?

Sei que é uma arte manter-me sensato.
Prender bem preso o meu demônio.
Lavar o liquidificador em paz.



convite de um bufão

Se você estiver cansada
de agradar ao seu namorado

malhando direto
e só na dieta

venha até minha alcova
que aqui dentro é tudo sincero -
só vejo a alma de quem me visita.

E lhe juro que sua alma
se dará maravilhosamente bem
com a alma dos meus bichinhos de estimação:

cupins, baratas e uma andorinha solitária
que bebe água com açúcar
na minha janela.


sexta-feira, 15 de março de 2013

quimeras

Lembra-se do tempo em que jogava búzios
e convidava entidades para sentar-se
ao seu lado?

Você era um louco, meu chapa
e até a lua cheia ajoelhava-se
diante das suas retinas.

Você jogava xadrez,
lia muitos livros secretos,
pulava de montanhas, andava
pela mata no escuro, colhia lírios
e bebia na mesma fonte das onças pintadas e das serpentes.

Veja só o resultado dessa loucura toda:
virou um monge preso em sua cela
acariciando uma velha estante
e falando sozinho.

bolero

Sem ópio, sem vinho
o poeta descobre
que cupins
ao alho

são deliciosos, sobretudo como vingança
por esses diabinhos terem devorado
a porta do seu quarto.

E é tão triste
uma porta oca
caindo da sua cabeça
cachos de madeira podre.



quinta-feira, 14 de março de 2013

convulsões no córtex frontal

Ah, quantos poemas cadáveres tenho
no cemitério de rascunhos

dentro do meu computador
e nos papéis amassados
dentro da lixeira.

Às vezes aproveita-se o braço de um
as vértebras de outro, mas sem o sacrilégio
de fuçar-lhes os ossos: simplesmente na hora
do transe e da ciência encaixa-se uma ideia a uma imagem.

E sinto o frio na espinha
dos mortos que se levantam.

Mesmo depois de morto
o poema morto não morre nunca.

E isso é extraordinário.



etéreo

Digo-lhe que sua alma
é feita de nuvens

e a cada dia
um novo rosto se forma
e se desfaz com a mesma surpresa.

Digo-lhe que é pouca a minha saliva
para embebedar o seu corpo,

mas ambos andamos trôpegos
pelo som silencioso das palavras.

As nuvens ora eu pego,
ora você pega e todos os rostos
que conseguimos guardar o deleite maior
é vê-los sumindo do céu que bate no espelho.


lúcido

As penas que expio hoje em dia
são frutos de um tempo

em que era eu
um menino
maligno

que atravessava palitos
nos abdomes das cigarras

somente para vê-las
voando a cantar
com dor.

quarta-feira, 13 de março de 2013

dores postais

O seu travesseiro que você esquentava
entre suas pernas em um tempo
saudosa de mim ou morrendo
de cólica

já fiz dele um boneco de Judas
e todas as noites eu o esfaqueio.

Serei forte do meu jeito
tropeçando nos seus chinelos
e levando-os às narinas sedento. 

Se fui um peso para você
saiba que sou uma montanha
para meus ombros e é difícil pedir gentileza
a um estivador no momento em que ele segura
com a mão o navio que parte...

tambores de um saltimbanco

Dois carocinhos de mamão
esquecidos dentro da geladeira
é uma poesia arrebatadora, meu bem.

Não acredita?
Veja-os com os olhos da imaginação.

Pode-se até dizer que é a mesma coisa
de tirar as botas e ver na sola

uma tampinha de refrigerante
colada a um chiclete.

E o que diria de uma folhinha de oiticica
todas as manhãs uma diferente sobre
o sofá?

Poesia, meu bem,
é tão natural
quanto
viver.

Embora às vezes
a gente pense
em se matar.

Ora, mas o que seria dos carocinhos de mamão
esquecidos dentro da geladeira e da tampinha
de refrigerante colada a um chiclete
se não fosse eu um poeta suicida?

Pra você, meu bem,
basta abrir os olhos.

E se piscar,
não chore.


pinça e bisturi

Preciso adotar uma baratinha como amiga de infância
para discutirmos sobre esse vazio existencial
que nos comove tanto.

As baratinhas também sofrem horrores
desse mal que é olhar pras paredes
e ver um sorriso cínico de dentro
das fendas.

Não tenho dúvida de que ela concordaria comigo
que melhor é parede com rachaduras
do que aquelas outras lisinhas,

frescas, recém-saídas
de um conto de fadas.

Seria bacana ouvir uma baratinha
com seus olhos brilhantes gesticulando a mil
a discorrer sobre literatura, filosofia, ocultismo.

E eu do meu jeito bonachão
fingindo ouvi-la só de olho
em suas asas pensando
em como extraí-las.

A verdade é que não me conformo
as baratas terem asas e não voarem
por medo dos céus - que a baratinha não me ouça
mas acho que hoje experimentarei um voo rasante pela casa.




terça-feira, 12 de março de 2013

cântico de Apolo

A poesia me faz chorar quando me mostra a verdade
e não me diz uma palavra. Não é por maldade
que ela age assim: é para que eu me acostume
um pouco mais com o ar
dos seus pulmões.

Penso, que mulher possessiva é essa
que só me quer silêncio, fervura,
dormência , afogamento

e nunca divide comigo
o outro lado da morte.

Entender não entendo,
por isso permaneço
aos seus pés.

Fazendo suas unhas
e limpando seus calos.


marinheiro

Além de escrever versos
tenho um andado capenga.

E se estou em alto mar
meu olhar é um olhar perdido

pro céu azul
ou cinzento.

Um olhar perdido
sem tábua de salvação,
sem passarinhos e sem golfinhos em volta.

Só os cabelos das ondas
para segurar e fazer
cachos.


o menino do dedo lilás

Ainda sou uma criança que come sabonete
de tão apaixonado por chocolate.

Que brinca com os cadarços dos tênis
imaginando tentáculos de monstros marinhos.

Que conversa com as paredes,
conversa com as nuvens,
conversa com formigas

e mata baratas
com requinte
de crueldade.

Ainda sou uma criança barriguda,
lombriguenta, amarela, silenciosa,
distraída, invejosa, olhos tristes
e uma boca grande.

Se vivo só não é por querer
é que sigo ordem do anjo da guarda.

Ele é um tolo,
esse meu anjo da guarda,

mas é somente ele que segura minha mão
naquelas noites em que penso abrir
a porta dos fundos
e ir embora.

a fragilidade dos loucos

Um rato quando está cansado
entra no seu buraco e come queijo.

Mas um poeta não é simplesmente um rato.
Quando estou cansado, querida
corto meu pulso ou bebo
mil comprimidos.

Um dia eu aprendo a gargalhar
a estufar o peito e andar de bicicleta.


o bufão

Ando com a solidão
em volta do meu pescoço
fazendo aquele barulhinho
de guizos e chocalho de cascavel.

É o meu amuleto a minha velha e boa solidão:
dá-me sorte e me traz tudo que é improvável
de se ver apenas com os olhos de quem
está vivo.



segunda-feira, 11 de março de 2013

declaração

Não sou eu quem te leva comigo
mas tu desde cedo que trocaste
meu sangue por versos

e tudo que circula em minhas veias
são palavras mudando de pele
entre pedregulhos
e gravetos.

Quando eu estiver bem velhinho
tu ainda serás minha bela camponesa
a amar-me com tanta loucura como no início.

E do meu sangue
havemos de beber
as mesmas palavras
fermentadas pelo tempo.

Que serão outras serpentes
marcando território
pela língua.


passagem

Você acredita que me conhece.
E se eu lhe dissesse que tenho o rabo
preso entre a porta do céu e a do inferno?

Bom é saber que nem os anjos legais
nem os outros decaídos se importam
com meus versos e minha tenra angústia.

Não creio em coisa alguma senão na poesia.
E o mais belo é que o poema passa
como os carros de boi
passam.

Mas aquele som das rodas de madeira
fica eterno dentro da alma da gente.


o coxo

Mais uma noite sem dormir andando pela casa de muleta
feito um monge a pagar pelos pecados da juventude.

Até os fantasmas se compadeceram
do meu patético estado e me fizeram
companhia relembrando velhos tempos

em que eu os prendia no guarda-roupa
 a torturá-los sem piedade.

Veja só, querida.
Hoje são eles que me aliviam
dessa solidão terrível de tendões inflamados.

Se houvesse ópio na casa
eu encheria minha alma
mas no meu quarto
só há versos.

Alguns já velhinhos de bengala bebendo
seu chazinho e seus biscoitos de gergelim.

Os meus fantasmas nunca mais vou prendê-los
dentro do guarda-roupa ou debaixo da cama.

Foram justamente os meus fantasmas
nessas duas noites seguidas de sofrimento
que me deram a mão e passearam comigo.

Na cozinha de madrugada
as baratas pensam que o reino é delas.

Mas como matá-las
caxingando sem forças
sequer pra segurar um copo d'água?

Aliás, foi uma fantasminha interessante
que me levou o copo à boca e me disse:
"bebe, mocinho, e não se esquece
do seu comprimido, hein?"

Quando eu morrer, querida,
vou me casar com essa fantasminha.


domingo, 10 de março de 2013

um gato rixento

Meu filho é um garotão de onze anos
que adora artes marciais

e quando me visita vive
a esmurrar portas e paredes.

Certo dia quebrou a pata
do gato da sua vó
em uma chave
de braço.

A partir daí (tenho impressão)
o gato ao vê-lo acena
com os dedos juntos
para um novo
desafio.

Se o gato da sua vó aparecer novamente
com a outra pata quebrada
ou o olho roxo

a culpa será
desse gato brigão.


uma alma gentil

Romântico é um homem muito feliz.
Eu que não conheço felicidade
sou apenas um bárbaro.

Mas isso não me impede
de quando venho do trabalho
estender o braço e tocar as flores
dos jardins alheios ou passar mais de uma hora
observando um pombo coçando as costas e dando pulinhos.


simpatia

Você não precisa gostar de mim
mas me convide às vezes
pra passearmos juntos

que lhe mostro o segredo do sol
que bate na calçada e ilumina
uma fenda no pé da árvore
onde mora uma lagartinha-
de-fogo.

Há quanto tempo que você
não vê uma lagartinha-de-fogo?

Vou contar-lhe um segredo:
sabe por que nos queima a pele
se a lagartinha-de-fogo nos toca?

Porque ela vive ocupada
com seus mil braços
e mil pernas

passando roupas
e frisando os cabelos
com chapa quente de ferreiro.


isla negra

Quando conheci Pablo Neruda
eu era um peixe pequeno,
asmático e trêmulo.

O poeta chileno teve muito cuidado
em retirar da minha boca o anzol
e mais zelo ainda ao jogar-me
no cesto.

Não houve tempo para me debater.
Pablo Neruda acarinhou minhas escamas.

Olhou-me amorosamente e deu-me um beijo.
Na mesma boca ainda sangrando do anzol.

Subiu uma ladeirinha íngreme assobiando
uma canção de sua aldeia e do alto
respirou fundo admirando o mar.

Eu, peixe pequeno e asmático,
também suspirei emocionado.

Sabia que meu destino
era o fogo e o sal.

Meti logo o dedo na minha goela e entreguei-lhe uma carta
de um jovem que sonhava em ser poeta e aprender coisas.

Coisas do tipo:
pescar e amar
os peixes.


sábado, 9 de março de 2013

o degredado

A poesia é uma excelente prisão:
todos os dias eu limpo a vidraça
com meu hálito para que aves
sintam inveja da mocidade
das minhas asas.

As grades lustro usando meus cílios.
E o teto é o bico das minhas botas.

As francesinhas que passeiam
sobre meu prato sempre me
guardam uma migalha
em noites de fome.

E água quem me traz
é uma velha lagartixa.

Bebo da boca dela
e só reclamo quando
sinto gosto de formiga.

No mais, a poesia é uma excelente prisão.
Sobretudo para jovens senhores
cansados da velhice.


saudades de marinheiro

Creio que já falei que a minha xícara antiga
em cujos lábios deixei as marcas dos meus dentes
quebrou-se e tive de jogá-la à lixeira da área de serviço.

Por alguns minutos mantive a parte intacta
sobre a estante e até pensei em conservá-la
com o resto de café que havia colado no fundo.

Logo acordei do delírio
e entendi que a minha xícara
mesmo esfarelada dentro da lixeira
não concordaria com essa espécie de mumificação.

Poderia, isso sim,
ter guardado em uma caixa de sapato
suas cinzas e a parte dela que não se quebrou.

Todas as tardes beijaria seus lábios
e lembraria do tempo em que
éramos uma só cerâmica
e uma só alma.


tríade

O grande trabalho do pescador não é lançar a rede.
Bem antes há de ter o faro de um lenhador.
Escolher a árvore certa.

E depois toda a sensibilidade do carpinteiro
para deixar nos trinques o seu pequeno barco.

Só aí, então, o pescador
ora aos céus e joga
sua rede ao mar.


não chores

Estive pensando como amo o mundo.
Seus sorvetes e suas bombas.

Como amo,
como amo
o mundo.

Seus algozes
e seus jardineiros.

O céu que nos engana
fazendo cara que vai chover.

E lá vem o sol
com seus óculos escuros.

Um dia desses atravessei a praia
de um extremo a outro descalço
conversando com as ondas
pra que não molhassem
meu bermudão.

Como amo o mundo.
Seus caranguejos e seus tubarões.

Um tubarão quando não está faminto
parece um golfinho ansioso
por um afago.

O risco é ser esse tubarão um vigarista
e nos comer a mão, o braço, o corpo inteiro.

Como eu amo os golfinhos.
Estes se estão entediados
podem nos atacar,
mas de leve.

Pelo menos os meus golfinhos.
Nunca se sabe o golfinho do outro.

Há golfinhos de certa gente
que é mais carnívoro
que um tubarão
louco.

Por isso, meu filho,
olhe bem pro seu coração.

Indague-se que tipo de golfinho
você alimenta quando está sozinho.


os pássaros são formigas

Mudaram-me de quarto
depois que fantasmas
fugiram da porta

da velha porta
morta de cupins.

Não sofram, meus amores.
Já estou quase completo
nessas questões
de dor.

Não da dor trivial do corpo.

Dor normal que é dor de dente
nem da unha do dedão arrancada de um chute.

Mudaram-me de quarto
para estarem próximos
do meu corpo.

Não sabem eles que o meu corpo é um guardião cansado.
A qualquer instante pode acordar atordoado imaginando
o fim do mundo e pular da varanda.

Da varanda, meus amores, é um pulo insignificante.
No final do ano viajarei pras bandas do Tibete.
Dizem que lá há verdadeiros penhascos
dignos de uma morte definitiva.

Mudaram-me de quarto.
E me sinto melhor.

Não pelo quarto em si
mas pelos novos amigos
que estou conquistando:

insetos ainda desconfiados
meio incrédulos da minha solidão.



olhares

Uma torneira pingando
apenas uma torneira pingando

e o inepto poeta não consegue trocar por outra
falta a chave apropriada embora eu já tenha
tentado com os dentes mas os meus dentes
de bom vampiro não servem pra morder
e girar torneiras pingando.

Os meus caninos são adaptados para morder
pescoços de meninas ingênuas e também
daquele tipo de menina esperta
que no fim da noite

convida-nos toda maliciosa
pra uma última taça de vinho.

Engraçado, nunca soube ao certo
depois de morder os pescoços
das minhas meninas

o que de fato é vinho na taça
e o que é sangue manchado
na minha camisa branca.


uma manhã singela

Vale a pena estar vivo por esse momento
de há pouco vindo da padaria uma chuvinha fina

e como não havia de ser comendo
o biquinho do pão com os olhos chorosos.

Os pequenos animais que não vemos
mas que andam nos seguindo pelas calçadas
certamente também conviveram comigo desse deleite.

E eu andava vistoso, altivo, meio preguiçoso
cheio de esperança de um mundo tranquilo
em que nos bastaria apenas ir à padaria

debaixo de uma chuvinha fina
e comer os biquinhos dos pães.

zumbi

O poema tem suas manias.
E cada um é mais louco que o outro.

Tive de acordar já tarde porque
um certo poema simplesmente

ordenou-me que eu fosse ao banheiro
e não me esquecesse de fazê-lo vivo.

E como se faz vivo um poema,
digam-me, senhores, quando o artífice
já anda morto do cansativo dia debaixo de sol.

O poema não se importa com minhas frescuras.
Se trabalhei como peão ou se havia tomado
comprimido para dormir.

Os poemas, como disse, cada um tem sua tática.
Este que agora escrevo levantou-me da cama
a apavorar-me sob um pesadelo
em que eu mijava sem fim.

Na minha idade não há escapatória.
Vai que de fato realiza-se a maldição do poema?

Como de costume venceu-me o poema
e por mistérios e armadilhas
desses sujeitos -

levantei-me,
pus-me as mãos sobre o teclado
e fiz dele, desse poema sacana,
um verdadeiro homem distinto

com mil palavras na boca e um riso
envaidecido de quem ganha a batalha
contra o seu próprio parceiro de trincheira.

Satisfeito, senhor poema?
Agora, por favor, leve-me pra cama.


sexta-feira, 8 de março de 2013

o amor é um troço bacana

As mulheres mesmo que me matem
adoro-as sufocando-me debaixo
do travesseiro ou aplicando
cianureto em minha veia.

O meu grande sonho é morrer pelas mãos de uma mulher.
Seja segurando firme um travesseiro ou uma seringa.

Agora, se possível, deem-me antes um aceno,
um beijo, um afago, uma lágrima sobre
meu ombro e se despeçam.

Eu não me perdoaria a mim mesmo se porventura acordasse
noutro mundo sem a voz feminina dentro do meu coração
dizendo apenas que foi inevitável minha morte.

Que eu era muito triste e cínico
e tudo que escrevi o vento
sem esforço levou.

Digo-lhes, minhas mulheres,
que existe um segredo:

o vento não sabe das suas unhas
que guardo dentro do bolso
do meu bermudão.

As suas unhas vento algum leva.
E mesmo depois de morto darei um jeito
de plantar na minha cova novas orquídeas das unhas de vocês.


quinta-feira, 7 de março de 2013

caridade

O meu cheiro é forte, meu bem.
De búfalo, de camelo.

Desde criancinha eu tinha um cheiro forte assim.
Inclusive as flores do jardim da minha pracinha
prendiam a respiração quando por perto
eu colhia algumas azaleias.

Faça como as flores da minha infância, meu bem.
Prenda a respiração mas não me deixe sozinho
sem um pouco de perfume nas mãos.

femininas


Entendo aos poucos mas definitivo
que não são eus que tenho aos montes.

São almas apartadas
que vivem fora.

Agora mesmo há uma que olha da varanda
um passarinho triste equilibrando-se
no fio de alta tensão.

Outra tenta consertar a torneira.
E mais outra oculta debaixo da cama
cata com a língua formigas e saboreia-as.

Os meus eus são complicados.
Racionais e senhores.

As minhas almas, ao contrário,
são leves e cheias de encanto
e passionais.

As minhas almas são moças,
e todas virgens, acredite.

O único conceito que têm de mim
é que não sou atado a nenhuma delas.

As minhas almas só me pedem liberdade.
E olha que até pouco tempo eu pensava
que só eram três.

Vejo que são muitas e muitas delas
ainda bebês se enroscando
entre minhas pernas.

Eu tenho leite, meus amores.
Não se queixem da sede.

Eu tenho braços, meus amores.
Trarei todas para meu peito.


solidão silvestre

Vou tomar pílulas dessas que papagaios assanhados tomam
e vivem se declarando pra mulheres bonitas que passam
debaixo da sua janela -

"curupaco, curupaco, curupaco,
moça bonita quer se casar comigo?"

Mas, que tosca figura a minha,
sou muito tímido e o máximo
que digo -

"curupaco, moça bonita, curupaco,
leu o livro? curupaco, gostou do livro?"

Eis o meu fim
de papagaio velho
mais triste que uma porta
depois que os cupins lhe levaram a alma.


o pródigo náufrago

Esquecer uma palavra é o bastante para o poema fincar os pés.
Esconder-se em labirintos de nuvens.
Rejeitar a camisa nova,
os tênis velhos.

Uma palavra esquecida quando já dançava
no dorso da língua é um ato demoníaco
confabulado por certos anjos
que detestam o poema.

E dentro dele, do poema,
incutem-lhe desprezo
por aquele artesão

que perde a vida
para encontrar uma janela aberta.

A palavra que some por essa janela aberta
não causa dor nem saudade porque ela
existiu e foi sã e transparente.

Mas a palavra que escapa do coração
por um tal de esquecimento estranho
que nem esquecimento é,

esse sumiço sim
é uma desordem.

Um pássaro que voa sisudo
descontente do tempo chuvoso.



a justa sombra da luz

A poesia é um travecão
inebriante sobre o palco

mas quando chega em casa
joga longe os sapatos

e com um cigarro colado
nos lábios de batom vermelho

anda firme
até a varanda.

Se a noite foi boa sorri cínica
mas se a noite foi péssima
dá uma banana e manda
o mundo às favas.

Impressionante a coragem e o esplendor
desse travecão novamente sobre o palco

as mãos glamourosas de quem segura uma flor
e ao mesmo tempo calosas de quem levanta uma parede.

E será o mesmo show dentro de casa uma taça de gim
os sapatos largados debaixo da cama
o sutiã sobre a mesa

o mesmo andado até a varanda
com o cigarro colado nos lábios de batom vermelho

e se a noite foi boa gargalha
e se a noite foi uma droga
fica em silêncio.

A lágrima que desce não é pela noite
nem pela desgraça nem pelo luxo -

a lágrima que desce
é porque é uma lágrima
e tem de descer e não cegar os olhos.


imperecível

Penso um dia tatuar meu peito
com o rosto do amor eterno

que é essa vida que levo
esse suicídio que às vezes tento.

O amor não vai embora de mim tão cedo
porque ele ocupa um lugar de vime
e quanto mais chove
ou esquenta

a nossa cabana
fica mais forte
e tenra.



terça-feira, 5 de março de 2013

tosco

Ofereça sua narina direita
pra uma enfermeira
entubar-lhe um cano
de borracha
abaixo

e ouça a música do seu vômito
chegando dos seus pulmões,

aí então, menino
você é poeta

e poderá dizer aos sete ventos
que tem um punhal cravado
no seu peito.




do submergir-se

Por que vocês querem tanto minha alma?

Ela é minha e há
dentro das minhas botas
e pela circunferência
da minha xícara
recanto e lugares
somente dela.

Deixem minha alma em paz quando ela morrer.

Estarei vivo, decerto, mas tão distante
que só poderei ouvir-lhe
seus cantos ou
suas lágrimas.

Esticar a língua, a minha língua,
e bater-lhe contra o seu céu
será impossível.