domingo, 17 de fevereiro de 2013

as cinzas de outrora

Então felicidade é esse céu cinzento que não chove.
Essa fresta de luz suspensa pela parede.

Esse quase trovão.
Esse quase raio.

Esse riso cínico no canto da boca
e esse olhar sério, atento, lúcido
a atravessar os livros
da estante.

Então felicidade é esse estado neutro
entre a euforia do mundo
e toda a morbidez
das minhocas.

Então felicidade é esse suspiro,
essa lágrima, essa mordedura
nos lábios.

Esse ar dentro dos pulmões.
Esse vácuo. Esse sangue.

Então felicidade é esse bermudão surrado.
Os bolsos cheios de papel higiênico
de tanto limpar as lentes
dos óculos.

Então felicidade é essa visão estonteante
da minha xícara de café equilibrando-se
sobre outra xícara branca de leite.

Meus chinelos quentes.
Meus dedos frios.

Os pingos da torneira quebrada.
Os vasos vazios na janela.

O barulho das louças
de quem come
na cozinha.

Então felicidade é esse aspecto de morte.
Um adeus embriagado após um passo
depois da porta.

Um passo firme
apesar dos pés
trêmulos.

Um passo firme,
querida, um passo firme.