Então felicidade é esse céu cinzento que não chove.
Essa fresta de luz suspensa pela parede.
Esse quase trovão.
Esse quase raio.
Esse riso cínico no canto da boca
e esse olhar sério, atento, lúcido
a atravessar os livros
da estante.
Então felicidade é esse estado neutro
entre a euforia do mundo
e toda a morbidez
das minhocas.
Então felicidade é esse suspiro,
essa lágrima, essa mordedura
nos lábios.
Esse ar dentro dos pulmões.
Esse vácuo. Esse sangue.
Então felicidade é esse bermudão surrado.
Os bolsos cheios de papel higiênico
de tanto limpar as lentes
dos óculos.
Então felicidade é essa visão estonteante
da minha xícara de café equilibrando-se
sobre outra xícara branca de leite.
Meus chinelos quentes.
Meus dedos frios.
Os pingos da torneira quebrada.
Os vasos vazios na janela.
O barulho das louças
de quem come
na cozinha.
Então felicidade é esse aspecto de morte.
Um adeus embriagado após um passo
depois da porta.
Um passo firme
apesar dos pés
trêmulos.
Um passo firme,
querida, um passo firme.