quinta-feira, 29 de novembro de 2012

furadinha e band-aid

Agora há pouco tiraram meu sangue pro exame
queria que você tivesse visto meu sangue
não era um sangue triste
como tantas vezes,
nem sozinho

também não tocava trombeta,
era apenas um sangue

com cor de sangue vivo
e com cor de sangue morto.


terça-feira, 27 de novembro de 2012

vício

A poesia não é a minha segunda pele
nem a primeira, se fosse a poesia
minha pele [segunda ou primeira]
como explicar essa névoa
que se sente além
do corpo?

A poesia é uma capa.
A minha capa mágica.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

candura

Cuidado,
amor.

O limão, a bandinha de limão
dentro da geladeira usei há pouco
pra aliviar meu suor forte de sátiro.

Por favor, não vás espremer o resto
pensando em fazer pra ti um refresco.

A não ser que queiras
além de minha alma
também meu suor
e minha volúpia.


a modorra das segundas-feiras

Muito sonolento
pra escrever versim,
perdoa eu, meu benzim -

pega a minha mão aquela de unha machucada
e escreve por mim versos bonitim,
bonitim

que digam pro povo
que não bebo mais café
como de costume a cada minuto

pois o médico, doutor bonzim,
recomendou apenas uma xícara,
imagina, docim, só uma xícara por dia.

Tou tão sonolento,
não gosto de tá assim

mas que fazer se mesmo
molenga, maluco, molusco,
bichinho-de-seda ainda me sobra
um tiquim de vontade de escrever versim?


decorando a casa

Estou juntando sementes de jerimum
pra trazer de volta aquele passarinho
tocador de blues.

Estou juntando farelos de bolacha cream cracker
pra trazer de volta aquela barata [magricela]
exímia improvisadora de jazz no trompete.

Estou juntando pedaços de madeira podre
que sobrou da janela pra trazer de volta
aqueles cupins de filarmônica
que tocavam tão bem
Bach e Mozart.

Estou juntando livros velhos,
centenas deles, pra trazer
de volta aquelas traças
que tinham na boca

fantásticos instrumentos
de percussão: dentes,
pinça, tesoura,
arpão.

Estou juntando meus chinelos antigos
para quando chegarem as lagartas-de-fogo,
as centopeias, as mariposas, as esperanças,
os gafanhotos e os louva-a-deus tenham todos
onde descansarem seus pezinhos sofridos da viagem.


domingo, 25 de novembro de 2012

boas lembranças



Sempre que eu ouço something
lembro da minha mão direita
e de tudo que ela é capaz -

colher flores no jardim do prédio,
escrever bilhetinhos e colá-los na porta da geladeira
o mais lindo te fazer cerrar os olhos e morder os lábios.

Sempre que ouço something lembro que a minha mão direita
tem vida própria e um dia trará de volta a tua lágrima
e o teu gozo junto.

Que seria de mim se tivesse nascido no islã
e roubado uma fruta, como viveria
com a mão direita decepada?

Sempre que eu ouço something
penso na delícia de ter uma mão direita assim
voluntariosa que faz andorinhas morrerem de cócegas
e as estrelas tremem as bochechas se eu aperto-as feliz.

Que seria de minha vida se fosse eu um tratador de animais
e o urso irritado da falta de mel me pegasse o braço
comesse a minha mão direita, como viveria
maneta dizendo adeus com o olhar?


sábado, 24 de novembro de 2012

apressa-te, Odisseu

Você deve pensar, lá vem ele de novo
esse bipolar de uma figa me trazer rosas
isso mesmo, estou de volta com a mão cheia
das mais frescas e perfumadas rosas que roubei agora
do jardim do prédio, jurei dez tostões ao zelador e tudo ok.

Receba de volta esse jovem senhor poeta
e essas flores que juro pela segunda vez
que são suas por merecimento
não por que me sinto
péssimo.

Você deve pensar, meu deus, que coisa mais tola
eu concordo contigo e com bob dylan
e digo sorrindo, baby, seremos jovens
eternamente.

Aceite essas rosas
antes que alguma abelha
queira resgatar o cachecol
esquecido na pétala de uma.

dia de gato egípcio

hoje é um sábado
daqueles sábados

em que a gente mata
e morre em seguida.

Morrer é fácil, aprendi com
as tantas unhas que perderam
o equilíbrio e caíram dos meus dedos.

Agora matar é bem mais difícil.
Só mato, e sem querer,
formigas quando ando
em zigue-zague
pela praça.

Hoje é um sábado em que nem xarope na colher
lembra minha infância e me faz sentir
um sobrevivente.

Parar diminuir esse batuque de pajelança dentro do meu peito
não me há outra alternativa senão matar alguém
e morrer depois.


emotivo

Quantas professorinhas me provocaram maravilhosos sonhos
muitas delas morreram e hoje são ossinhos debaixo da terra.

Se pudesse fazer-lhes carinho passaria a mão
em seus crânios lisinhos

e deixaria cair
uma lágrima.


liberdade das escamas

Por que eu tenho de mostrar meu bagulho pra vocês?
Estranho e tolo o maluco que gosta da convivência
com gente normal, cínica, capaz de dar um tiro
no meu olho.

A partir de hoje então todos vocês façam o favor
de deixar meu quarto com esse riso debochado.

Não morro, meus amores, entendam:
a morte pra mim é uma companhia
que me revigora a cada minuto.

Depois que completei a maioridade
pedi pra que ela fosse a minha ama de leite.

Pergunto-lhes agora:
gostam tanto assim
do meu sangue?

Misturem no sorvete e no drinque
um pouco também do meu esperma.

Vocês terão um filho meu,
bacana, não?


máscaras da antiguidade

O meu sangue segue por outras trilhas.
Não é coisa de mocinha esse vazio.

Sou bem mais homem
com essa cara de mau,
perdido e cheio de lembranças.

pílula passageira

A minha dor dura o instante do poema.
Da mesma forma a alegria idiota.

Tirando o poema da minha vida
não valho um maço de cigarro fraco.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

comunidade alternativa

Não devíamos pagar por nosso alimento.
Se quiséssemos uma laranja apenas andar
até o pomar, levantar o braço e pegar
a laranja. Se quiséssemos peixes
bastaria ir à beira de um rio
assobiar, estender a mão
e tilápias pulariam
fresquinhas.

Pra quem gosta de peixes de água salgada
haveria de pegar um barco até alto mar
jogar a rede e eis sardinhas
frenéticas.

Aquelas pessoas que gostam de carne
olhariam dentro dos olhos de uma vaca
e pediriam humildemente, "senhora vaca,
por favor, dai-me um bife
do vosso traseiro."

E a vaca cairia mortinha
com as peças fatiadas
e já embrulhadas.

Não devíamos pagar por nosso alimento.
Ganharíamos assim tempo pra amar
as mulheres felizes e as outras
desgostosas da vida.



reflexões de um cleptomaníaco

A minha prioridade é perder o interesse pelas coisas.
Ou serei preso roubando um mamão na feira.

Ou, mais grave, baleado
ao tentar roubar a pistola
de um policial.

Preciso com urgência,
pra ontem, parar com
essa mania de realizar
desejos dos meus olhos.

Eles olham, desejam,
e eu vou lá e roubo.

O verdureiro não me perdoará se eu correr
levando seu mamão e o policial vai acertar
meu peito se eu tentar roubar-lhe a pistola.

Preciso entender que meus ossinhos de versos
posso guardá-los tranquilão na última gaveta
que ninguém roubará meus ossinhos,

mas se o policial conseguir um mandado
e o verdureiro corromper o porteiro?

Haveria algum interesse do verdureiro
e do policial para com meus ossinhos?

Não são ossinhos de gente
são ossinhos de versos,
oxalá eles entendam.


impropérios

A poesia é a arte
dos psicóticos
e enfermos.

Não conheço um poeta
que não tenha tiques
nervosos.

Costumo me iludir pensando
que não é tique nervoso,

mas batuque
de pajelança
do coração.

Conheço poeta sereno,
sim, poeta manso
e doce -

mas ele esconde
o ruflar da tarola.

Na verdade esse poeta
tem mais psicoses
que uma lagarta-
de-fogo.

E tem mais tiques nervosos
que Frankenstein passeando
de noite em uma rua deserta.


um dia florido

Ando em zigue-zague
até à pracinha e lá
esperam-me eles,
os pombos.

Por meu olhar mortão e suave, 
sabidos que são, suspeitam 
que estou tomando 
remédio.

Peço que deem o fora 
que tenho muito trabalho.

Os pombos sabem a que me refiro.
Espalham-se e me deixam, enfim,
sozinho com as flores.

Ponho meu chapelão de palha
e inicio meu estudo complexo
sobre a vida íntima das flores.

Sou um ótimo terapeuta
pras flores revoltadas
com o calor

ou para aquelas enlouquecidas
de tantas abelhas em suas pétalas.

Explico pras primeiras
que realmente o sol é um caso sério
e o melhor que fazem é rezar pra chuva.

Às últimas, psicóticas, determino
diariamente a cada uma
20 ml de água do mar.

Chamo o jardineiro
repasso a orientação médica
e volto pra casa em zigue-zague.

tristezas iguais

As chaminés de padarias
abandonadas são almas
que assustam  nuvens.

Foram-se os padeiros,
sumiu do meu nariz
aquele cheiro.

Da minha janela
vejo uma alma
triste -

como se o meu baço
pedisse pro coração
parar de bater

ou os ossos das costelas
confessassem seus pecados
aos cílios do meu olho direito.

Se existe uma tristeza mais cruel
parada em uma esquina
sobre o telhado,
não conheço.

melindre

Quero acreditar que não seja
apenas vaidade essa loucura
do poeta mostrar suas penas.

Augusto dos Anjos
sentia fortes dores
de cabeça só em
imaginar a solidão
dos seus poemas.

E nós que somos pássaros
de olhos ultravioletas
ainda sofremos
do mesmo
mal?

Não nos cansa essa insanidade
de não nos bastar ser pássaro:
temos de mostrar para o outro
as penas desse pássaro e o pio.

Inacreditável,
até o pio.


curupira

Sua mãe não lhe aconselhou
ficar longe de poetas?

Sua mãe estava certa
ao dizer que poeta

hoje é um lírio,
amanhã um trator.

Você já viu um lírio
depois que um trator passa?

O lírio vira mel
que entorpece quem
dele beba um só gole.

Veja aquelas formigas andando
meio tontas a desabarem.

A sua mãe deveria ter lhe dito
passar léguas de distância
quando ouvisse o nome
poeta.

Veja o que deu,
você é minha.

Acabou sua vida,
seus sonhos,
seu dengo.

Um dia você aprende a deixar de lado esse mistério
e abrir a porta do meu quarto à base de pontapé.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

rastros

Antes que a minha unha caia
observo as cores do machucado.

Uma unha esmagada muda de tom
em duas semanas: primeiro o roxo
até o grená.

Que não caia a minha unha moribunda
quando eu estiver andando sem notar
o seu último adeus ao meu dedo.

Não é minha a intenção
de que a unha o vento
leve à praça e ao bico
de algum pombo.

Tenho dentro de uma caixinha de fósforo
o primeiro dente do meu filho, espero
guardar a minha unha.

passeios

Ninguém é culpado
se o poema não vingou

e pouco a pouco foram
murchando seus poros

caindo suas escamas
soltando as penas
das asas opacas.

Outro dia você saberá
qual a técnica apropriada -

se a ferramenta contundente
de um fórceps ou o bico
de uma pinça banhada
a ouro 18.

Talvez no outro dia
você esteja de fato atento

e não se deixe levar por um ruído
ou por uma imagem descabida que lhe veio
à mente justo no momento em que você mordia
os lábios e abria a boca para a sua língua respirar.

Não foi sua culpa,
acalme-se.

A palavra final é do poema:
ele tem de estar a fim
de sair  da toca

e oferecer o corpo para uma doação de órgão
em que o poeta também tem de estar pronto
para morrer e receber de braços abertos
o poema e todas as suas minúcias.

Morra,
poeta.

arca de bombons

Se eles forem embora
o que você dirá pra si mesma?

Caminhará em circulos,
subirá à montanha mais alta,
pagará drinques pra novas companhias?

Amor, não se apegue aos anjos
nem aos seres dessa terra.

Seja como uma folha seca
que pousa na poltrona
pensam todos
porque ela
é frágil -

não, amor, a folha seca
é bem mais forte que imaginamos:

é ela quem faz o seu próprio caminho,
ela quem escolhe as janelas por onde
quer entrar.

Amor, o fim não é definitivo
e a dor, a dor grandiosa,

é um toque da vida
pra gente respirar
melhor que antes.

Se os outros forem embora
não jogue seu chapéu
da ponte.

Ele é lindo e combina com sua cabeça
de cabelos longos
e brilhantes.


luz sobre a cabeça

Meu bem, se você me pergunta
se o meu dia é sempre assim

com girassóis pra colher
e papoulas pra dourar -

não posso mentir
e lhe digo, isso
mesmo.

Desde quando acordo, meu bem, e ponho os pés
no chão e os dedos saem à procura dos chinelos
que o meu dia é assim - girassóis pra colher
e papoulas pra dourar no parapeito
da varanda.

Às vezes ainda tenho a sorte
de dar de cara com um passarinho
de papo amarelo e perninhas esbeltas.

de madrugada os gatos brincam

Descascando batata-doce
a essa hora da noite
é uma dádiva,
é um luxo.

A calma é tanta
que ouço meus ouvidos
jogando dominó e conversando.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

limpo

Tu que foste meu inimigo,
entende: já não o és.
Como?

Antigamente não sabia
que eras tu os botões
do trompete

que hoje toco
meu blues.

Da queda de braços
quem mais sofre
é a mesa.

Guardo então meus punhos
dentro dos bolsos.

Salvei-me na última curva
e levo meu trompete -

meu entardecer,
meu blues.


sóbrio de fogo

Agora quando fecho os olhos e suspiro
não tenho mais a esperança de um trago.

Morrerei com a garganta seca
e os passarinhos à minha janela
gritam desesperados -
"não, poeta!"

Mas é tarde.
O fundo do poço
secou e lá não posso
cruzar as pernas e voar.

As nuvens brincando
confortam os passarinhos.

Brincam mudando de rosto,
e o que vejo? Eu sorrindo.

Riso amplo e confortável
de quem lavou as mãos
e não bebeu do vinho.




a taça que Bukowski bebeu

Mulher grávida ou mãe que perdeu o filho,
eis o que pareço nesses dias chorando
pelos cantos -

sensível feito uma pata,
sensível feito um ganso.


pinturas rupestres

Meu bem, se você me visse tomando banho
morreria de rir: meu olhar perdido e atento
aos raios que batem na janela

e a voz baixa dizendo versos
que suponho ossinhos
de um novo poema.

Se você tomasse banho comigo,
meu bem, não morreria de frio.

Simples assim.

macaca

Hoje acordei com a macaca
e hei de escrever versos
como quem come
banana.

Que o sr. macaco não me ouça
nem me veja com sua senhora.

Mas a verdade tem de ser proferida:
hoje acordei com a macaca
e será uma festa na copa
das árvores.

Hoje o dia é da macaca,
sumam andorinhas!


rebelião

A segurança dos miseráveis
que atravessam avenidas
cruzando carros
sem medo,

nada muda
da minha valentia
quando escrevo versos -

no íntimo pedimos ajuda
e choramos escondidos
no banheiro.

dentro da cartola um avestruz

O vento que entra pelo
espaço da porta
entreaberta

e bate na quina da cama
fazendo tremular o lençol
não é uma mágica?

Diga-me, meu amor,
que mágica é essa?

Vejo sorrindo o lençol
e os pelos das minhas canelas
só faltam deslizar de skimboard.

Não tenho razão, meu bem,
de ficar louco diariamente?


cessar-fogo

Parem de soltar bombas
que os poetas precisam de paz
para o eterno glamour de sua dor.

Este filme é tão antigo matar crianças,
mulheres, velhinhos e encher os bolsos
de moedas de ouro.

Parem de soltar bombas
porque o único pesar
genuíno e milenar
e a dor grandiosa
dos poetas.

Como namorar a pequena
e beber o cafezinho tranquilo
se vocês soltam bombas feito loucos?

Parem de soltar bombas
e tratem de cultivar novos lírios
nas montanhas sujas de carvão.

Dor clara e beatificada
só existe uma, a dor
dos poetas

que mordem os pulsos
que raspam a cabeça
que plantam bananeira
no alto de uma ponte

só para chamar atenção de vocês,
meus queridos, parem de soltar
bombas e vão cuidar

dos seus filhos
e das suas mulheres.



terça-feira, 20 de novembro de 2012

piquenique

Baby, como eu estou sedento -
quase arranquei meu mamilo
com as próprias unhas
ao vestir a camiseta.

O médico disse que o vinho
é uma amante morta 
e enterrada.

Se eu ouvi-la e bebê-la 
será o dia do apocalipse.

Está tudo certo,
tudo certo.

Minha indignação é lívida,
branca, pálida com ar
de cadáver velho.

Mas está tudo certo,
tudo certo.

O que me salva dessa dor
são meus versos que escapam
loucos e embriagados - eles podem.


bilhetinho

A poesia é mãe, meu filho -
uma mãe amorosa sem limite.

De tão generosa acolheu-me
quando vi tudo escuro
no fundo do mar.

E ela mandou-me ao meu resgate
um dos seus filhos mais queridos -
Sabe quem? Acertou,
um golfinho.

Fui salvo por um golfinho
com nadadeiras de mergulhador.
Igual ao desenho do seu roupão.

Quando eu morrer, meu rapazinho,
deixarei em seu nome os meus poemas.

Lembre-se que a poesia é minha mãe -
não queime os versos nem os jogue
dentro de um baú antigo.

Só agora entendo, meu filho,
que os poemas escritos
precisam de ar.

Também precisam de sol
e, se possível, do olhar
de uma moça tímida.

Tu, meu garotão,
será o único detentor
da minha caminhada.

E que bacana, rapazinho, eu ter andado nesse mundo
e ter criado tantos laços e comunhão com outra vida.

Beijo do teu pai.


brincantes

Esses meus lençóis são uma graça:
se não os dobro quando acordo
menos espero eles embolam-se
praticando jiu-jitsu.

Separá-los é dose e num vacilo
eles me pegam e dão-me
uma chave de braço.

Mas te liguei não foi pra contar esse delírio,
sim pra dizer que para me amar há uma condição -

veja-me como uma criança,
um louco meninão.

Terminando o que dizia:
os lençóis conseguiram
vencer-me no 3 round.

Ok, perdi a luta
mas vejo agora
que eles suaram
pra me imobilizar.


o conquistador de passarinhos

diacho de amor platônico é esse meu deus que tenho pelos passarinhos
não posso pôr o pé fora de casa saio à procura de pombos, andorinhas
e aqueles outros de papo amarelo, ah, deus, dai-me uma luz
e trazei logo aos meus olhos e à minha boca uma mulher
espartana que manuseie bem espada porque chega
já não suporto esse meu tesão delicado
que tenho pelos  passarinhos

que só de mal voam
pela minha cabeça
bicam as orelhas

deixam-me nos ombros e na nuca o perfume das nuvens e sabe-se lá mais onde
se metem esses passarinhos bonitinhos e fantásticos que me avassalam
sem dó nem piedade tirando de mim tudo que me resta -
lágrimas, riso, loucura.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

o convalescente

Da forma que estou escovando os dentes, meu amor,
pode me levar pra sua casa que me sinto bem melhor.

Antes deixe-me perguntar uma coisa:
um cara que sobe uma montanha
é natural que lhe falte oxigênio
lá no ápice, mas que raios

de cansaço é esse
ofegante eu feito
um cão obeso?

Antes que você me pergunte
se subi uma montanha, não!

E a questão é essa - estou só,
paradão, entre a cozinha
e o quarto e não paro
de ofegar...

Ah, seria saudade? Pronto,
pode me levar pra sua casa.


mito

Se quisesse apenas desfrutar de um corpo feminino
pensaria seriamente namorar uma nova invenção
de mulher gostosona criada à base de silicone,
botox, rímel e esmalte.

Dizem que ela tem coração,
sangue, feromônios, faz de
tudo na cama, não  fuma
nem tem ciúme.

Invenção de um cientista
de Amsterdã, chamam-no
"sátiro dos países baixos".

Mas não me interessa
porque ela não escreve versos.

Estou mantendo contato
com o sr. sátiro dos países baixos -
se ele acrescentar ao protótipo uma alma
de poetisa louca, criativa, que rebola suavemente
então serei o primeiro da fila a experimentar essa delícia.

Sacou?

tranquilidade

Não tenho mais problemas com cupins.
Basta eu ver uma nova facção na cômoda,
porta ou janela que olho sério pra alguns deles.

A notícia logo se espalha -
"o poeta está furioso,
furioso!"

Somem rapidinho com suas malas, mochilas e alforjes
olhando pra trás com seus olhinhos de chinês assustado.

a valsa mágica

O poema não foge, fugia, mas encontrei
um jeito de deixá-lo preso iludido do céu.

O cabide que caiu e pegou-me de surpresa
não me assustou como outrora teria tido
um colapso.

O poema que seria escrito naquela hora
não o foi e tudo parecia um desastre.

Aí então me lembrei de uma técnica antiga
de caçadores de borboletas que é pintar
dois olhos nas costas - naturalmente
as borboletas pousam e o caçador
leva as borboletas para casa.

O que fiz,
pintei minhas costas
de um vazio deslumbrante.

Os poemas que por descuido do poeta
fogem, logo se encantam com aquela
vastidão de nada e aquele infinito
de vazio.

Encantam-se eles e pousam nas costas
do poeta que os leva pra onde quiser.

opus

pra Nelson Freire

Um piano de cauda
não é pra qualquer um.

O parto é difícil - pergunte
à senhora piano de cauda.

Um piano de cauda
é sempre uma menina.

Não há sexo oposto e a gravidez
das senhoras piano de cauda
ocorre pelos dedos
do artista.

Há histórias verídicas de garotos prodígios
terem engravidado senhoras piano de cauda
de mais de cem anos.

Então, caro amigo, não desdenhe
daquele ritual de celebração e pompa

quando o senhor de fraque senta no banquinho
estala os dedos e respira fundo trazendo ao palco
as lembranças mais remotas do tempo de sua infância.

mr. magoo

Parece que passou uma manada de camelos
sobre as lentes dos meus óculos - triste fim
de quem tantas vezes abriu meus olhos
para uma boa leitura e para distinguir
bruxas de mocinhas indefesas
nas paradas de ônibus.

Andarei agora pela casa e pelas ruas
com o olhar turvo de um rinoceronte.

Passarei batido se houver
uma rebelião de andorinhas
nas oiticicas de minha calçada.

Triste, triste fim dos meus óculos -
sentirei saudade do longo idílio
com meus cílios.

Adeus, jovem senhor
e que a sua viagem
não seja penosa.

confissão de atos

A tolice é humana
e à sombra dela
eu vivo.

Preciso ser tolo
irrestritamente
todo o dia.

Confesso que danço
limpando os óculos
que passo margarina
nas bolachas sorrindo
que refresco a memória
coçando o cotovelo
e não a cabeça.

Eu, poeta,
que vivo à sombra
da tolice humana não me sobra
muita coisa senão adorar o instante.

O pulo do gato.
As hélices do ventilador girando.

domingo, 18 de novembro de 2012

jardim

Eu não me canso de colher flores
e sinto muito se te derrubo
querendo aquela
mais linda.

Foge entre as roseiras
que te pego depois,

por enquanto só quero
colher flores -

as mais
lindas.

o ato da peleja

Quem escreve versos sabe
que para cada poema
há uma voz própria,
insubstituível.

Quando leio um poema
logo no início encaixo
um timbre adequado -

como se tivesse na garganta
um papagaio sacerdote
e músico.

E por esse prévio conhecimento
[que também julgo desconhecido]

percebo qual o rosto do poema,
se fatídico ou se risível ou se oculto.

Quem escreve versos sabe
que há poemas tão secretos
onde o melhor é ser o poeta
reservado a ponto de morrer.

E calar o bico.


rascunhos

Há um reino encantado dos babalorixás
em que guardo meus filhos que por
um motivo torpe e detalhe fútil
não vieram ao mundo.

Alguns vestidos daquelas máscaras de entidades
dançam de madrugada no piso do meu quarto.

Pedem-me licença para fugir do encanto
de uma prisão alucinante e correr
aos braços de uma noviça.

Eu sei que existem noviças
que precisam do amparo
de alguns filhos meus.

Embora não me cerquem
com suas faces de névoa
são meus filhos e amo-os.

Se há um filho que agora me ouve -
permito, então, o desdobramento

dos ombros em asas
e da pele em escamas.

Voa, filho
e abriga-te no seio
de uma doce noviça.

ninja de luz

Tenho um ursinho que todo final de semana vem pra minha casa
fazer-me feliz trazendo suas guloseimas e seu bom humor delirante.

Esse ursinho muitos o confundem com filho de samurai
por seus olhos brilhantes, apertadinhos e seu cabelo
liso e preto.

Se a minha vida tomou um novo rumo
foi nele em que pensei quando me vi
pronto pra ligar a tomada
e colá-la no meu peito.

Falta pouco para o meu ursinho ir embora
pra casa de sua mãe, mas sem drama -

também fico feliz porque lá
o ursinho tem seu Xbox
e os seus bonecos
especiais.


vaidade

Quando falo contigo por telefone
sinto o hálito de teus amantes
por perto - isso não é bom
pra minha saúde mental.

Percebe que agora só penso em salvar
o que me resta de sólido na mente?

Tudo o mais [coração e alma]
já virou poeira, vapor, cinzas.

Justo o que me põe de pé: a poeira do quarto,
o vapor da panela no fogo e a cinza
do último passarinho morto
que guardei debaixo
do colchão.


translúcido

A obra poética nunca será completa:
o poeta morrerá imperfeito e faminto.

Cada poema escrito é apenas uma janela -
 lá fora adiante os outros lancem os olhos.

Mesmo extraído de elementos singulares,
dentro e fora da gente, o poema tem poder
somente de abrir mais e mais janelas e fazer

com que mais e mais pessoas por um momento
tornem-se humanas e pensem muito sobre elas.

O dia final em que o poeta
beijar a terra da sua terra
será o início de sua busca.

sábado, 17 de novembro de 2012

libertação

Quando nasce uma ruga no meu rosto
igual a que nasceu agora na fronte
eu acendo vela e danço reggae
na cozinha -

a ruga é um sinal claro
que o corpo já não suporta
a leveza da alma que escapa.


vastidão

Lembrei-me de uma camisa que eu tinha.
De listras horizontais azuis.

Era uma camisa talismã.
Sempre que a usava coisas boas
aconteciam - cinema, parque,
dinheiro pra figurinhas.

Eu tinha nove anos e já pressentia
o valor enigmático das coisas.

Onde está essa camisa?
A terra comeu-a, mas
quem a enterrou?

Cresci e ainda me lembro
que essa camisa com o tempo
e com o florar de uma razão idiota
joguei-a a um canto e por fim ela foi doada.

Não sei, bobagem, mas tenho
dentro do meu coração uma suspeita -
acho que ela ainda está viva, desbotada,
velhinha mesmo, contudo ainda está viva.

No mínimo devo tratar essa camisa
como gente e não como coisa.

Quando a tratei assim,
deixei-a de lado e perdi a infância.


o orvalho de um ácido

Hoje em dia respondo tranquilamente
quem sou, mas não sai palavra
alguma.

É um saber oculto,
bem guardado.

Posso morrer de qualquer tolice
sem assombros porque sei
quem sou, embora

da garganta palavra
alguma me delate.

É um saber silencioso
que se aprende com o tempo.

O meu tempo é diferente
do tempo do relógio parado na parede da sala
e do relógio de pulseiras coloridas do meu filho.

Sei quem sou e esse saber
não me pega pela mão
beija meu rosto e diz
com voz de mãe -

"vai em paz e que o mal
não te alcance..."

Alcança, enlouquece, tritura ossos, mói a carne.
Esse saber indizível é como punho de pai bêbado.

Mas, como não alegrar-se?
Sabendo de mim, antes do escurecer, posso fingir-me de morto.
E antecipar a dor de um soco de um pai bêbado e esconder os dentes da boca.



corcel

Ganhamos o dia quando descobrimos
o próximo passo da nossa mente,
pra isso é importante
vivermos fora
dela.

A minha mente sempre foi um cavalo em disparada
e antes que pudesse ver sua crina, lá estava ele
na cocheira comendo milho.

Não entendia aquela velocidade toda
para simplesmente voltar pra cocheira.

De uns tempos pra cá a minha mente,
ou o meu cavalo, sei lá, não corre
em disparada nem volta pra casa
doce e delicado a comer milho.

Quando ele corre estou montado nele
alisando suas tranças e até, acreditem,
polindo seus cascos.

Se volta à cocheira,
no lugar do milho
dou-lhe cevada.

E deito sobre seu dorso
a contar-lhe histórias
do tempo em que
o reino era dos
cavalos.

Ele gosta dessas histórias
e seus grandes olhos
parecem lembrar
desse tempo.

Ganhamos o dia, sim, nós ganhamos.
Mas não pensem que é definitivo
esse sentimento de mansidão
e paz.

Basta minha mente sentir um perfume antigo
o cavalo se agita, urra, pisoteia, refuga, me dá um empurrão,
quebra a portinha da cocheira e volta a correr em disparada.

É preciso muito esforço
para trazê-lo de volta -

e é triste vê-lo voltando
acabado, melancólico,
pra comer milho
na cocheira.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

total frenesi

Se minha alma tivesse corpo
seria magra e confortável
com pernas de flamingo.

Teria o bico das gaivotas
se a minha alma tivesse boca.

Se a minha alma tocasse um instrumento
tocaria violino com a graça e loucura
das muriçocas.

A minha alma só andaria de bermudão
e sem camisa se fosse convidada
a sair do quarto.

Mas a minha alma não é louca de sair do quarto.



ossos da clavícula

Que gosto tem a sua língua
bala soft de cereja
ou morango?

Que cheiro tem os seus cabelos
almíscar ou alfazema?

São dúvidas infantis, meu bem,
peço-lhe mais uma vez desculpa.

Ainda não me acostumei a conversar com fantasma.
Digo, uma fantasma igual a você é de tremer
e fazer qualquer homem gago.

Você não mudou nadinha do que eu imaginara -
o mesmo jeans, camiseta branca, brinco,
batom ousado e um leve riso
no canto da boca.

Se você me aparecer assim na cafeteria do posto de gasolina
na próxima semana, creio que até lá estarei melhor dos espasmos,
eu a reconhecerei e vou correr em sua direção babando, babando.

Sim, meu bem, eu não sou poeta -
sou um cachorro babão.

a voz do sabonete

"A pele dos seus cotovelos,
poeta, esta flácida e suja"

Disse-me o sabonete grã-fino
que ganhei de presente
no meu aniversário.

Não ligo pra sabonetes,
muito menos pra esses
soberbos porque têm

uma embalagem luxuosa
e fragrância estonteante.

Mas a verdade, amor, é que passei
dois dias sem dormir ouvindo
a voz desse sabonete.

"A pele dos seus cotovelos,
poeta, esta flácida e suja"

a torre é frágil

Ultimamente paro a uma distância segura da janela da varanda.
Olho a rua sem me encostar no parapeito -

meu pescoço de girafa,
enfim, tem serventia.

Medo?
Não, bem, volúpia.

Você sabe que poetas lúbricos
se estão desterrados, exilados,
sob tratamento psiquiátrico,
é um perigo aproximar-se
de janelas.

O sol que bate nos galhos das oiticicas é um convite
pra gente criar asas, ou melhor, pra gente
sacudir as que estão presas à cintura
e pular e cair na gandaia
dos passarinhos.

Seria ótimo se no dia seguinte
você me fizesse um chá verde
lesse alguma coisa tranquila
não tirasse seus dedos
dos meus cabelos
brancos.

Mas não, meu bem -
nessa hora você sorri
e faz as unhas indecisa
entre o azul e o vermelho.



eterna espera

São dez e pouco
e você não chega.

É bom eu adotar um cãozinho -
limpar suas sujeiras, jogar um graveto,
vê-lo trazendo de volta o pedaço de pau
com a língua de fora e os olhos brilhando.

Só assim poderia esperá-la sossegado
sem ficar tão ansioso diante
da parede do quarto.

Aliás, peço-lhe um favor -
na próxima vez entre pela porta
como uma pessoa normal e viva.

Depois que morreu não sei mais qual a parede
que você atravessa e me deixa meio tonto
olhando pras paredes do quarto, sala,
cozinha.

São dez e trinta e pouco
e você ainda não chegou.

Onde você mora agora
nesse outro lada da vida
deveria haver um sininho

como o trem tem apito
e o náufrago golfinhos
nadando em volta.


água para leões

A minha altivez vem da forma
que me sento para escrever poema.

Estufo o peito,
respiro pra dentro,
encolho o abdome.

Somente assim consigo
lutar contra os dragões.

Dizem que temos de matar um leão por dia
para continuarmos vivendo com coragem.

Eu não mato leões -
eu lhes dou de beber.

Os leões não reclamam da água
que lhes ofereço - às vezes água
de chuva, às vezes água
do mar.

Só uma vez, que me lembre,
perdi o braço - acreditei
em um leão dormindo.

Meu filho, nunca entres em uma jaula
ou em uma cova com leões
mesmo que digam
que és santo.

Perdi um braço,
mas eis-me cá insone
usando os dois braços:

o poema depois que começamos
juntar os ossos é um  trabalho infinito.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

sátiro

Permita-me ser um canalha
dizer como a vejo no quarto.

Não me venha então com lirismo timido
se o que você deseja lateja dentro
do meu bermudão.

Espantada com minha vulgaridade?
Então corra da minha casa e fuja
pra floresta encantada de anões
cruéis e tarados.

Esses anões com quem você lê poesia
são todos mais patifes que eu e dizem
pra você que só são homenzinhos
de chapéu verde e tristonhos.

O que sempre desejei de você
e todas as outras foi o corpo -
sem forçar um músculo
vê-la se despindo
é meu ato de fé.

Você nem imagina que escrevo versos
pra um dia tê-la na minha cama
sem esse papo de poesia -

ler poesia na cama
é uma chatice.

É hora de você fugir,
pois agora está claro

que o meu sonho
são suas coxas,
costas, orelhas.

Os seus olhos só quando eu acordar.
Afinal preciso dar bom dia para um anjo.


dedo anelar

A dor tem seus mistérios
sobretudo quando deixa
sua marca, no meu caso,
ao machucar meu dedo
a unha ficou cor violeta.

E o tal roxo da unha
nem com água benta
ou soda cáustica sai.

Apenas o tempo
limpa por dentro
a dor e logo traz
de volta a unha.

Que seja outra
com pontinhos
mais brancos.

no tempo das cavernas

Antes de fazer o fogo
e engendrar a roda
eu fiz um samba

batucando meus dedos de homem primata
na madeira da floresta onde bisões
no outono acasalavam-se.

Ninguém nem esposa nem filhos
levaram-me a sério quando gritei -
"é um samba, isto é um samba!"

Todos riram - o clã, a aldeia,
fiz fama de homem primata louco.

Antes de fazer o fogo
e criar a roda eu fiz
um samba

batucando
meus longos e peludos
dedos sobre um banquinho.

Os livros de História não dizem
que antes de tudo [fogo, roda,
samba] eu fiz um banquinho
pra Noel Rosa
e Lupicínio.

confraria

O lobo, o elefante e o passarinho
têm um segredo em comum
dentro de suas gargantas -

aquele som especial
quando estão sozinhos.

O lobo só vê a lua,
o elefante já velho
caminha pra morte
e o passarinho hoje
rua deserta sobe
ao topo do poste
e suspira aliviado.

Não entendi esse suspiro -
deixa pra lá, não é bom
saber de tudo que passa
na alma de um passarinho.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

o fulgor da sensibilidade

Eu vi um homem triste
à beira do mar - as ondas
batiam-lhe os pés, subiam-lhe
nas pernas de um homem velho e triste.

De onde estava eu podia ver lágrimas
dentro dos seus olhos e podia ouvir
seus murmúrios- "tá bom, Deus quis,
tá bom, tinha de morrer nos meus braços..."

Perguntei a alguns pescadores na vila
por que aquele homem sofria tanto
se a mulher o deixara
há muito tempo.

Os pescadores balançaram a cabeça
de maneira desdenhosa fazendo crer
que eu estava completamente
errado - um vacilão.

"moço, aquele homem
perdeu o juízo desde
quando viu um bebê
de golfinho morrer
na praia... foi ele,
esse homem triste
e louco, que pegou
o bebê golfinho
nos braços
antes dele
morrer..."

Fiquei em silêncio,
em profundo e desesperador silêncio -

"será que a lembrança de um bebê golfinho
morto pode nos enlouquecer?"

Tossi, levantei-me da palhoça
e caminhei pela praia sem
saber o que pensar.

Nunca tive nos braços
um bebê golfinho
morrendo.

Deve ser triste -
é, deve enlouquecer
uma boa e sensível alma.


uma lágrima diz tanto

Saiba que todos os seus conceitos
desabam com a textura do solo
em que seus pés andam.

E se for névoa
o seu tapete,
imaginou?

O olho direito vê algo
o esquerdo vê outra coisa.

Até as sombras, meu filho,
costumam bailar sinuosas
pela intensidade da música
tocada pelos violinos
dos cílios.

Se você estiver com sono
ou delirando de tanta lucidez
as sombras hão de fazê-lo tolo.

Olha onde você pisa, meu filho,
mesmo de olhos fechados sinta
o que é névoa e o que é pedra.

O mundo terá outro olhar
com você olhando de outra forma -
sem olhos, sem palavras, só aquele toque
que nos bate na boca do estômago e nos faz tremer.

idílio entre duas almas penadas

Os ossos o vento já varreu e a pele até os passarinhos experimentaram.
Mas tem alguma coisa que vem junto com a poesia que guardo para ti.
Não seria então loucura se eu dissesse que me guardo
para ti desde que nasci.

Pois foi lá respirando debaixo d'água
que aprendi a ser peixe e anfíbio
bom de bola.

A tua vida deve prosseguir como antes
faz de conta que não me ouviste
mas não te esqueças
antes de dormir:

eu me guardei durante toda a minha vida para ti.


os oito passos da felicidade

Sob o encantamento de uma manga-rosa,
primeiro temos que sorrir para ela,
cheirá-la intensamente apaixonado,
beijá-la, apertá-la contra o rosto.

Depois desses mimos carinhosos,
levamos a manga-rosa para debaixo
da torneira e lavamos seu rosto com
delicadeza como se lavássemos o rosto
do nosso primeiro amor - feito isso, conduzimos
a manga-rosa ao quarto e diante de um bom livro
deixamos que ela pingue as suas lágrimas rosadas.

Permita que a manga-rosa suje o seu livro predileto.
Será uma marca, uma nódoa, elo amoroso de vocês.

Coma-a, por favor, sem faca.
Morda-a, por favor, ternamente.

Faça a manga-rosa tremer na sua boca.
Deixe os cabelos da manga-rosa entre seus dentes.

Após o saboroso banquete, antes de lavar suas mãos,
fique alguns minutos com o perfume dela. Arrisque-se
e passe suas mãos na sua camiseta branca e guarde-a.

A boca, não, a boca não lave.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

quase fechando os olhos

Para os indecisos no momento
de cravar a espada no peito
do dragão, existe a poesia.

Para os que contam com seres
de outros lugares e espaços
mas confiam no vizinho,
existe a poesia.

Para os confusos, os sonolentos,
os dentistas e as futuras mamães,
existe a poesia.

Para os bichos de mil pernas
e nenhum olho atento,
existe a poesia.

Para os arquitetos, os médicos,
as enfermeiras viciadas em éter,
existe a poesia.

Para os lutadores de jiu jitsu e muay thai
e para os cães ferozes desses lutadores,
existe a poesia.

Para quem vai a igrejas e a terreiros
à lua e ao fundo do mar à procura
de respostas, existe a poesia.

Para quem é monge, vândalo,
herói, bailarina clássica,
existe a poesia.

Para quem é criança,
existe a poesia.

Para quem passou dos oitenta,
existe a poesia.

Para quem é santo,
maluco, veterinário,
domador de baleias,
existe a poesia.

Para quem vive sozinho em casa,
existe a poesia. E para quem tem
um castelo cercado de bajuladores,
também existe a poesia.

Para quem está engraxando os sapatos, existe a poesia.
Para quem anda feito Drummond, existe a poesia.
Para quem tem os olhos de peixe de Neruda,
existe a poesia.

Para quem está morto
e deixou amores e plantinhas,
existe a poesia e a vida segue.

a morbidez é uma flor

A minha garota só pode ser mesmo necrófila
para sentir atração e amor por este poeta
pálido, dentes amarelos, sob um estado
eufórico de penúria e solidão.

E quão forte ela me abraça como se quisesse
matar-me novamente e de novo
e várias vezes para melhor
aproveitar o meu corpo
frio e triste.

Eu deixo -
o que pode fazer um cadáver
senão sentir a última delícia
de uma paixão?

folha seca que desaba

Se você se afastar de vez
eu juro que pulo da varanda.

Eu juro ainda mais firme
que levarei comigo
todas as plantinhas
que ajudei a nascer
e as fiz bonitas
com minhas
lágrimas.

É chantagem, lógico -
eu conheço esse caminho.

Não se afaste -
o tempo que gasta
à farmácia, acredite,
é o tempo que eu levo
à cozinha e pego a faca.

água de pote

O copo d'água sobre a cômoda
que bebo de manhã certamente
baratas e outros insetos beberam -

mesmo assim bebo
com um sorriso nos olhos.

Não tenho dúvida que esse meu desapego
é uma súplica às baratas e aos outros insetos
que não me vejam como um cara diferente de
outra espécie - somos todos filhos da mesma
casca, do mesmo exoesqueleto e da mesma sujeira.

Baratas e outros insetos,
ouçamos o poeta e bebamos juntos
a água dormida do comprimido da noite passada.

pra sugar-lhe a alma

Ainda bem ou ainda mal
estou tentando salvar-me
antes de morrer e levá-la.

Você irá comigo -
Quem mandou alegrar-se
com as bobagens de um psicótico?

É para tremer de medo,
pois viajarei até sua casa.

Serei bondoso com sua família
e não queimarei o gato, o cão,
os passarinhos e os carros
na garagem.

Apenas levarei você
desmaiada nos meus braços.

Pergunto-me de que vale sua beleza
inerte, sem forças, levada por mim
nos braços.

Tenho tudo bem planejado -
não era esse o seu desejo
uma morte silenciosa?

Não precisa nunca mais abrir os olhos
e ter desânimo na vida pelas pessoas
ao seu redor - você irá comigo
de olhos fechados
até o último
suspiro.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

fim da epopeia

Até há pouco fui tão engraçadinho
falando de andorinhas, formigas,
xícara e botas - acabou a festa,
ouviu? E não me venha com
conselho de uma pessoa sensata
que fala de loucura com um lindo sorriso
e uma calma de matar elefantes de tédio.
Não me fale mesmo de loucura como
se fosse a demência uma ampla casa
confortável com portas e janelas abertas.
Eu também pequei, confesso, em ver luzes
dentro de uma caverna escura, pois é isto
a loucura - uma caverna escura, e o colorido
no teto e no chão é apenas uma vontade
de não querer morrer cedo, nada mais.
Portanto, não me venha falar de loucura
com os olhos brilhando e um sorriso lindo no rosto.
Saiba definitivamente: andorinhas não têm dono,
formigas gostam é de solidão, xícara é xícara,
botas são botas - sem essa de dar ouvidos aos objetos.
Você não imagina o esforço que faço para não cair em tentação
e delirar aos seus pés só para fazê-la feliz. Mas, chega.
A festa acabou, ouviu? Desfaça o laço dos seus dedos entre
os meus dedos e siga o seu caminho com essa sua calma
de matar elefantes de tédio e essa sua maneira mansa e lúcida
de falar de loucura e até de fingir-se senhora do ofício.
Não, a loucura não é como você me falou um dia.
A loucura, meu bem, não é um pátio com crianças brincando.

domingo, 11 de novembro de 2012

hastes de rosas

Como acreditar nos meus versos
que não sejam doloridos - um tal
galanteio que eleva
o estivador.

Como acreditar no homem,
na minha voz e no meu andado,
que não seja de uma alma cansada.

A exaustão é muito pouco
para as palavras que nos dobram.

Como acreditar nos meus versos
que não sejam construídos
do favo dessa voz -

essa dor cartilaginosa
a nos moldar os ossos.

sábado, 10 de novembro de 2012

outro nome que se chame tristeza

melancolia, melancolia, melancolia
vós sois uma menina tão doce
e terrível - ai de quem vos admira
da janela os vossos longos cabelos
...

melancolia, melancolia, melancolia
raios que me fizeram de vós cativo
servo disposto a morder os pulsos
e vos oferecer o sangue róseo
de um poeta
...

melancolia, melancolia, melancolia
vós não entendeis que é difícil
para um vampiro ser triste
com tantas artérias

brilhando diante
dos meus caninos
...

mas é a sina sê-lo,
triste e vampiro.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

carbonato de lítio

Uma unha,
isso é tudo.

Mas dói uma unha esmagada.
Sem sangue, morta.

E diria eu que há felicidade contida nisso.
As almas dentro da gente nascem
como nascem flores em jarros.

Um dia, sem água e pouco sol,
explode dentro do jarro uma flor.

Sinto crescer uma nova alma
dentro do meu peito,
ou seria jarro?

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

apito de navio

veja-me como quem vê um navio partindo
a levar uma trilha de ondas
e de peixes...

a saudade de um sonho
é uma saudade
tão triste...


terça-feira, 6 de novembro de 2012

uma manhã nada boa

Se os meus óculos pudessem dizer alguma coisa
certamente diriam para eu parar de levantá-los,
abrir-lhes as pernas, juntá-las às minhas orelhas.

Se eu tivesse certeza de que os meus óculos
me ouviriam, diria bem sereno -

"óculos meus, não me enchas
meu saquinho de papai noel!"

os galos emudeceram

Não é possível somente versos a minha vida -
se nasci para esse fim dai-me pelo menos
um cachimbo e um terreiro tranquilo
para morrer.

De bolas de ferro
aos calcanhares
estou exausto,
meu filho.

E tornozelos com asas
é um fiasco quando chove.

solilóquio

Sou o que sou
já não me ilude.

O meu desejo
de arder ossos

é saber naturalmente
quem são eles,
os outros.

Se eu soubesse, poeta
tu serias torturador
de almas alheias -
não da tua.

Volta à cama -
e enforca um dos travesseiros.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

a cama

A minha cama tem alguma coisa além da alma:
um fio de cabelo branco, uma lêndea,
um cravo, uma lasca de unha.

Tudo é dela o que lhe deixa meu corpo:
um fio de cabelo branco, uma lêndea,
um cravo, uma lasca de unha.

Devo uma oração à minha cama
como a um amigo morto.

toda despedida é graciosa

Se um dia eu for fiel à verdade
que juro não conhecer te direi,

ou melhor, te escreverei versos
com a pena do meu cílio e tinta
transparente do sal da lágrima.

Mas no momento e por enquanto,
e faz tempo, o que te digo e penso
são coisas que caem do curvo teto.

Não te afastes de mim quando eu for preso
ou quando me internarem aos cuidados de

São Bento - dizem que lá há monges
de cujos olhos escapam fogo e água.

Se essa a tal verdade então eu te direi,
bem melhor, escreverei os sucintos ais

como o vento escreve pelas lascas
e adentro da porta do meu quarto.

suor e humores

Os versos não me deram a quem segurar pelo braço
antes de cair ao contrário e graças a Deus caio
sozinho e levo somente meus ossos
que ao se espatifarem no solo
ninguém dirá que é lindo.

Os versos mais lúcidos e mais cortantes
são aqueles que afastam pessoas deles
e nos deixam a sós a loucura
e o deleite.

É aí então que se abate
sobre nós o furacão
com seus mil olhos
de coisa alguma -

um vazio,
um formigamento.

o fogo de dentro é lilás

As palavras tiram de mim
a firmeza dos passos
logo ao primeiro
vento

vão-se os versos
com o pólen
das botas.

uma tarde vã

Esqueça o poeta
rasgue-me os versos
queime as minhas botas
lance contra a parede
a minha xícara

fure os meus olhos
empurre-me da escada

chega de fúria
e tanta delicadeza -

os fantasmas só nos querem
coragem e lucidez

e olha onde vivemos -
uma caverna com alguns copos sujos
e dois travesseiros que suplicam piedade.

o que os olhos não veem

E as gaivotas perdem o senso
a rota e o rumo e mergulham -

outrora pensava para pegar
peixes, não, meu bem,
as gaivotas mergulham
para ver de perto
os corais.

É como droga,
rompante e dor,

depois de dilatadas as pupilas
todo o céu perde seu encanto.

Os peixes zombam
porque é simples aos peixes
zombarem de quem não vive no mar.

Eu, meu bem, tenho dó
dessas doces gaivotas
que voam de volta
com a alma
perdida.

medalinha benta

ó homem sujo,
não há fuga -
dá tua mão
à sombra

e dança ciranda
sob esse azul atroz
lâmina da insone aurora;

ó homem sujo,
renega tua inocência
e abraça tua sombra -

tua dor é tanta
tua dor é tanta

há quem saiba maior
que a dor dos santos
...