domingo, 30 de setembro de 2012

júbilo dominical

Uma mulher será completamente linda e maravilhosa
se souber jogar para trás os cabelos

e com uma só mão fazer
um rabo de cavalo.

E nesse encanto de graciosidade
ao levantar os braços
um beija-flor

há de beijar-lhe as axilas
e se esconder dentro
do rabo de cavalo.

Depois de bem acomodado o beija-flor
imaginando que é lá o seu ninho

qual divindade negaria a tal mulher
o poder de matar poetas?

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

transe do bom menino

Desenhe o sorriso do golfinho
no alto de um céu estrelado
e verá uma lua minguante.

Não mudei muito de quando era uma criança:
ainda imagino que sei voar e que sou invisível.

Pulo do guarda-roupa com minha capa mágica
e atravesso portas sem tocar-lhes
o trinco.

O mar é imenso,
o mar é vastíssimo

mas só o amor do peixe
pelo seu pescador é infinito.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

todas as baratas são kafkianas

As baratas enxergam no escuro
e já estou psicótico com uma

toda madrugada me olhando
com seus grandes olhos
de âmbar.

Não pega bem ser visto como
um doido de marca maior
só por que não durmo
e passo a noite

beijando as paredes,
limpando os livros,

procurando debaixo da cama
uma flor antiga presente
de alguém linda.

Oh, será que essa barata
com seus grandes olhos castanhos

é a moça que me ofereceu um dia
a tal flor antiga que busco em vão
debaixo da cama?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

todas as flores merecem um olhar

Como não amar lara, cris, lelena, daniela, luiza?
Como não amar tânia, joelma, zélia, laura alberto ou raquel mendes?

Como não amar minhas andorinhas que voltaram à janela
e me fazem sorrir encostando o rostinho contra a vidraça?

Como não amar minhas fadas que limparam meu quarto,
deram um jeito na bagunça, puseram o lixo fora,
lavaram o banheiro, trocaram até a roupa
de cama?

O que dizer aos meus amores
senão que só tenho a lhes oferecer
um coração africano que bate tambor e toca blues?

E é tão verdadeira esta pontada no peito
que a cada minuto que passa
ficamos loucos, loucos,
loucos.

Então, apressem-se, meus amores,
corram, saltem do avião, e me abracem

e beijem meus olhos, pois a saudade caminha com meus pés
e  me leva ao abismo (e pular sozinho não tem graça
se eu não puder me segurar em seus cabelos).

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

entre a xícara e os óculos

Procuro pela casa algum objeto
que me venha dar um abraço.

Sinto falta dos abraços dos objetos
quando tonto me seguro pelas paredes.

A minha xícara sobre a mesa
silencia-se de lábio cortado.

Ela imagina que a desprezo depois daquele dia
em que alguém a levou à boca
e a deixou cair.

A minha xícara apartou-se
do meu coração e hoje
é apenas uma fria
cerâmica.

A minha salvação
é que tenho os óculos
que me falam ao ouvido
para erguê-los contra a luz
e tentar ver algum novo arranhão.

a generosidade do entardecer

Tentarei lhe escrever um poema bonitinho
sem nenhum traço de tristeza
e de vazio,

pra você que tem uma bonequinha de pano
e tantos esmaltes jogados debaixo da cama.

Veremos se consigo,
primeiro pinto suas unhas
e mordo todos os seus dedinhos.

Antes que você diga
que estou viajando
e que o meu mal
é a solidão,

beijo seus lábios e afogo meu nariz
no redemoinho da sua nuca
de pelos castanhos.

O perfume não me diga,
não me diga, eu conheço:

é o perfume da quimera do marinheiro
a conversar agora com os golfinhos.

tambores no teto

Se nascemos uma folha em branco
e a cada dia da nossa morte
escrevemos nosso destino,

ai de mim
que sempre tive
as mãos trêmulas.

Mas se a ferro e a plumas
já acordamos no caminho

sem que treva alguma
possa escurecer
a viagem

e nenhum céu azul
possa fazê-la mais bela,

ai de mim
que ando trôpego
e quase cego.

Ainda hoje deixo parte da minha loucura
na porta de estranhos e de longe
tenho a impressão

que sou eu quem abre a porta
pega os pães, o leite, o jornal

e olha triste
o fim da rua.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

o mendigo de óculos

Voltei a pedir moedas nas esquinas.
A quem passa digo um poema
e estendo a mão.

Recebo feliz de bom grado
até prótese de perna
de pau.

E são tantos espíritos bondosos
que choram abraçados
à minha garrafa
de vinho.

adeus é um breve aceno

O que se faz quando a alma da gente perde todo o gás?
Os passarinhos, bem sei, se perdem as asas há o jardim.

Mas e o poeta quando sente
que sua alma perdeu
todo o gás?

Vejo que minha alma não tem mais gás.
Sequer para acender um fósforo
dentro do coração.