sábado, 11 de agosto de 2012

dois senhores à mesa de um banquete

Sou do mato, seu moço
e céu azul assim só é bonito pros passarim.

Não fecho a janela porque tenho um pacto com Deus.
Não digo do que se trata nosso segredo, seu moço.

Só adianto que se eu fechar a janela
as andorinhas lá fora vêm até à varanda
reclamar da minha falta de boas maneiras.

Sou do mato, seu moço
desde menino ando no escuro
e lavo meus pés no riacho perto
de três cruzes de viajantes desconhecidos.

Dizem que os viajantes morreram de cansaço
durante a passagem entre o céu e o inferno.

Sim, seu moço, onde cresci
e no riacho em que sempre lavei os pés

antigamente era caminho
dos querubins decaídos.

Eu sei tocar trombeta,
seu moço sabe?

Ah, seu moço
se não sabe tocar trombeta

como anseia que de um céu azul assim
caiam anjos com suas trombetas de ouro?

Naturalmente engano os anjos, seu moço:
acabei de trocar uma trombeta incrustada de diamantes
por minha flauta doce de bambu que roubei de um monge.

Os anjos são tão bobos, seu moço
que tenho medo que um deles
um dia vire belzebu.

Mas como já lavei meus pés no riacho
entre as cruzes dos viajantes
tenho a alma fechada.

Seu moço acredita
nessas coisas de frêmito
e arrepio gelado na espinha?

Eu acredito, seu moço
senão como ter coragem
para escrever versos assim
debaixo de um céu tão azul?

Um comentário:

  1. Ei, seu moço poeta, eu também sou do mato e a espinha arrepiou lendo teus versos agora!

    Beijos,

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