Como acreditar em sonhos
se os meus são tortos e ralos.
Quanta diferença dos sonhos do meu tataravô
que bebia e fumava uma parada lisérgica
para vislumbrar se haveria boa colheita
ou para descobrir onde estava escondida
sua filha caçula depois que um estrangeiro
um estrangeiro sem escrúpulo a desvirginara.
Os antibióticos que bebo são uma tolice.
Não me causam visões e não me dão o dom da profecia.
Sequer consigo desvendar o mistério do desaparecimento
das minhas formigas que outrora eram multidões
de carnavais fora de época.
Já fiz vários testes a jogar pela casa
migalhas de pão e bolacha, colheres
sujas de doce de leite, taças de vinho.
Elas não aparecem.
Terei de apelar pro baú antigo.
Pros artefatos e substâncias místicos do baú antigo
cujo zelo meu avô confiou-me naquela tarde de sua morte.
Nunca vi de perto o que há de fato dentro do baú antigo.
Lembro-me, no entanto, das rugas na testa do meu avô
e da sua voz de oráculo sussurrando coisas
ao meu ouvido antes de morrer.
O que um poeta apaixonado por suas formigas não faz.
Pedirei licença a meu avô, bisavô e tataravô e logo
que caia a tarde pela sombra da janela do banheiro
abrirei o baú antigo e beberei e fumarei
as paradas lisérgicas.
Que eu não tenha um tipo de loucura sinistra
e pense que as formigas são meus dedos
e que meus olhos são os olhos
de girassóis.
É isso, eu, que também falei de sonhos hoje lá no Roxo, deleito-me com suas imagens oníricas, é sempre sonho por aqui, sempre essa dimensão onde tudo ganha vida.
ResponderExcluirSintonizamos nos sonhos, nos avós, nos carnavais...
Beijos, querido!