quarta-feira, 25 de julho de 2012

além dos nossos ossos e da nossa carne

Como acreditar em sonhos
se os meus são tortos e ralos.

Quanta diferença dos sonhos do meu tataravô
que bebia e fumava uma parada lisérgica
para vislumbrar se haveria boa colheita

ou para descobrir onde estava escondida
sua filha caçula depois que um estrangeiro
um estrangeiro sem escrúpulo a desvirginara.

Os antibióticos que bebo são uma tolice.
Não me causam visões e não me dão o dom da profecia.

Sequer consigo desvendar o mistério do desaparecimento
das minhas formigas que outrora eram multidões
de carnavais fora de época.

Já fiz vários testes a jogar pela casa
migalhas de pão e bolacha, colheres
sujas de doce de leite, taças de vinho.

Elas não aparecem.

Terei de apelar pro baú antigo.
Pros artefatos e substâncias místicos do baú antigo
cujo zelo meu avô confiou-me naquela tarde de sua morte.

Nunca vi de perto o que há de fato dentro do baú antigo.
Lembro-me, no entanto, das rugas na testa do meu avô
e da sua voz de oráculo sussurrando coisas
ao meu ouvido antes de morrer.

O que um poeta apaixonado por suas formigas não faz.
Pedirei licença a meu avô, bisavô e tataravô e logo
que caia a tarde pela sombra da janela do banheiro
abrirei o baú antigo e beberei e fumarei
as paradas lisérgicas.

Que eu não tenha um tipo de loucura sinistra
e pense que as formigas são meus dedos
e que meus olhos são os olhos
de girassóis.

Um comentário:

  1. É isso, eu, que também falei de sonhos hoje lá no Roxo, deleito-me com suas imagens oníricas, é sempre sonho por aqui, sempre essa dimensão onde tudo ganha vida.
    Sintonizamos nos sonhos, nos avós, nos carnavais...

    Beijos, querido!

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