sábado, 11 de fevereiro de 2012

dois velhinhos sacanas

Viverei até os oitenta anos.
Não se trata de presságio
ou sandice.

É que gostei desse número.
Dessa imagem simbólica.
Simples assim, diria
Pitágoras.

Até lá hei de colher meus gravetos em pântanos sombrios
como também em coloridas florestas de esquilos.

Terei bem de tardinha quando o sol esfriar
o que lançar às calçadas: versos tortos,
poemas apagados, palavrinhas ainda
bebês.

Os meus olhos estarão claros.
O meu sorriso franco.

Não sei o que você terá lançado sobre as calçadas
quando o sol estiver frio, talvez moedas de ouro.

Sei que você igual a mim morrerá aos oitenta anos.
Suas mãos gordas e peludas não verei seu sangue.

Ouvirei decerto seu escárnio das minhas memórias.
Dos meus gravetos colhidos em pântanos sinistros
como em florestas aprazíveis.

Terei a meu favor a mágica da textura do bambu
e ao tenro toque reconhecerei qual o poema
mais louco e qual o mais dócil.

E você com todas as moedas de ouro
espalhadas nas calçadas o que revelará?
As mulheres estarão aos seus pés.

E você ditoso de tanto rir das minhas ilusões
e de tanto alegrar-se da sua volúpia
não perceberá que as suas mulheres
são demônios de saia
e perfume.

Enquanto as minhas mulheres somente terei em versos.
Pois cada uma terá envelhecido e morrido antes de mim.

E serão todas santinhas no céu.
Não lembrarei delas da dor terrível no peito
pelo que me fizeram sofrer durante quase um século.

Engraçado é que fecharemos os olhos
ao mesmo tempo, minuto e delírio.

Eu não morrerei feliz porque gravetos
guardados dentro dos bolsos do paletó
incomodam quando se dorme
para sempre.

Imagino você com tantas moedas de ouro.

2 comentários:

  1. Um arraso, Domingos:

    Eu não morrerei feliz porque gravetos
    guardados dentro dos bolsos do paletó
    incomodam quando se dorme
    para sempre.

    Muito bom! Beijos,

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  2. quando se morre o que se deixa é nada
    mesmo que abundem as moedas de ouro
    permite-me que te deixe esta passagem do António Lobo Antunes:

    "Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: «Quanto é que ele deixou?» O advogado respondeu: «Deixou tudo.» Ninguém é mais pobre do que os mortos."

    Beijinho
    LauraAlberto

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