Em anos bissextos deixo o corpo, mudo de pele,
troco o dente da frente pela sétima vértebra
e ao sorrir todo o sistema nervoso palpita.
Em anos bissextos ganho de presente
uma alma novinha em folha.
Sem linhas traçadas, sem páginas gordurosas,
sem vestígios de traças, cupins e baratas.
Tenho a chance de recuperar a moeda de dez centavos
que um dia eu perdi dentro da rachadura da parede.
Em anos bissextos posso perdoar a mim mesmo
do olhar cruel e da voz cínica que derrubaram
quem se importava comigo
e me amava.
Em anos bissextos como maçã
e ouço os pássaros
sem nenhum desejo
de rastejar sinuoso
ou voar boçal.
Em anos bissextos meus punhos inflamam,
meu coração para de bater, a mente pifa,
a língua seca, o sangue flui
e não volta.
Em anos bissextos eu morro,
eu morro de óculos,
bermudão,
os pés sobre as correias
de um velho chinelo.
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