terça-feira, 29 de março de 2011

despedida

Minhas botas eu sei o quanto vocês amam os poodles.
Mas por favor deixem nas calçadas o cocozinho deles.

Encerrada essa mania de fezes pregadas nas solas.
Compreendo que toda paixão é débil
mas esse fetiche é repugnante.

Se eu sentir esse cheiro desagradável
quando eu for ler ou dormir juro
que deixo o par dentro do cesto
de roupa suja por um mês.

Quanto a você formiguinha líder da torcida
fiquei tão triste ao saber que de madrugada
as minhas barras de cereal eram devoradas
de maneira egoísta sem o mínimo respeito.

Em menos de uma semana duas caixas
sumiram por mágica e avidez.

Um passarinho contou-me tudo:
você líder da torcida por quem
eu tinha tanta consideração
sempre arrastava junto
toda a tropa
e faziam a festa.

Se houver outro saque na calada da noite
saibam que ponho todas de castigo
coladas na vidraça com os olhos
voltados pro sol do meio-dia.

Por último, ah,
que feio minha xícara.

Eu nunca forcei o vosso relacionamento com a cafeteira.
Mas traí-la com o açucareiro enquanto eu bebia água
enquanto eu lavava os pratos enquanto eu fazia pipoca
não esperava tamanha luxúria.

Aqueles chupões.
Aquelas bulinações.

Aquele coito de kama sutra na frente da pobre cafeteira
já quase enfartando e vocês nem aí só no desfrute
com o libidinoso açucareiro.

Não tenho palavras.
Estou pasmo e sentido.

Mas enfim eu chamei vocês para ter uma conversa séria.
Amanhã viajo e não sei quando volto.

Não me perguntem nada. Ouçam-me.
Parto amanhã e não sei quando volto.

Não faça esse bico, minha xicara.
Não é hora de desmaios, minhas botas.
Formiguinha, obséquio, acalme suas antenas.

No momento o que tenho a dizer é isso.
Parto amanhã e não tenho hora para voltar.

Portanto,
juízo.

Botas então nada de bostinha de poodle.
Formiguinha líder e seu bando nada de barrinhas de cereal.
Xícara seja gentil com a cafeteira e devolva-lhe a aliança.

Comportem-se.
Na volta eu conto os detalhes.

sábado, 26 de março de 2011

figura

O meu guarda-chuva é um senhor de terno preto.

Dentro do quarto pendurado na estante
reza baixinho para que amanhã chova.

Debaixo da chuva é um safado
abre as asas é um corvo

bulinando canteiros
pegando o telefone
de toda gramínea.

Eufórico enquanto chove.

Dentro do quarto é um senhor de terno preto. Casto.
Silencioso. Rezando baixinho encostado à parede.

O cinto preso no pescoço.
As mãos postas para baixo.

o delito do dentuço

Creio que não faz mal
dormir após comer uma maçã
e não escovar os dentes.

Quantas cáries nascem
da carne fresca da maçã
entre os dentes da frente?

Os dentes de trás são poucos.
Coitados deles.

Nunca souberam o que é dormir com peles de maçã
fazendo cócegas entre os vãos da mônica.

Será que vovô já dormiu sem escovar os dentes
ou sempre deixou de molho a dentadura?

O meu filho tenho certeza
já dormiu foi com o pomar inteiro
e toda uma fábrica de doces
e chicletes.

O meu neto nascerá com os dentes feitos?
Não duvido. Os bebês de hoje
nascem diferentes.

Uns de óculos escuros.
Outros de aparelho.

sexta-feira, 25 de março de 2011

ministério das formigas

Dizem para não se apegar ao passado,
eu digo: grudem-se nas lembranças.

Dizem para fugir do perigo,
eu digo: brinquem com fogo.

Dizem para se apartar das más companhias,
eu digo: façam um banquete para os malucos.

Dizem para se poupar dos excessos,
eu digo: torçam os joelhos.

Os eunucos cantam maravilhosamente
mas não ouvem os gemidos da amante.

O que é felicidade para um jardineiro gripado?

rebelião

Não te preocupes.
Não é sangue o que cospes.

É chocolate.

Há tempo que o sol não entra pela janela.
De longe faz uma curva quando avista tua vidraça.

Mas nada disso é motivo para que tu te escondas
dentro da caixa de sapato e com os pezinhos de fora
corras até o guarda-roupa e te metas na última gaveta.

Tolo.
Tem sol debaixo da cama.

limpidez

Caso eu envelheça em um banco de praça
não quero a companhia dos pombos.

Não tenho nada nas mãos
nem dentro dos bolsos.

O sol será bem-vindo
queimando a velha retina.

Os livros que repousem no quarto.

Coisa que ultimamente concedo:
deixá-los em paz sobre a estante.

Os livros também precisam
do resguardo dos olhos.

Os meus sem óculos.
A miopia virando outra coisa.

Se porventura eu envelhecer em um banco de praça
o sol será bem-vindo e as nuvens que conseguirem cair.

Mas que caiam de verdade ao meu lado.
Não me enganem refletidas na água da fonte.

Os pombos assustarei com o resto de voz
[espero que seja um berro]

espero que seja um berro melancólico
de um velho comum e normal.

Caso eu envelheça em um banco de praça
quero envelhecer melancólico o olhar afiado
o sorriso de sátiro e de pouquíssima confiança.

Assim espantarei os pombos
e toda aquela mendicância extrema.

quarta-feira, 23 de março de 2011

devoluto

A tristeza mora comigo mas não me incomoda.
Quando ela dorme faço a festa.

Digo que é guaraná diet mas é rum.
Digo que é confete mas é ácido.

Para falar a verdade não é tristeza.
É um cansaço maior que tudo que tem peso no corpo.

Um tendão inflamado.
Um músculo rompido.

O nome dela não é tristeza é mesmo cansaço.
Um cansaço maior que tudo que tem peso no silêncio.

Posso dizer que o silêncio é a alma e que a alma
é pesada demais para ser carregada
por uma só formiga.

A alma mora comigo mas não me enlouquece.
As formigas moram comigo mas não me enlouquecem.

É tudo fantasia da tristeza
que afinal é um cansaço passageiro.

terça-feira, 22 de março de 2011

amor

Eu vivo falando de ti.
Normalmente em casas de estranhos.

Pessoas que nunca vi na vida
se por coincidência lembram
algum fato pitoresco e natural
da tua existência que marcou
a alma deles então eu logo
me emociono e lacrimejam
os meus olhos.

Por encanto fico íntimo
das pessoas e também comento
sobre tuas peripécias e ardilezas.

Falo de ti para as pessoas
com um brilho na voz
como se tu ainda
estivesses viva.

Hoje cheguei a te ver novamente.
E não importa a prisão tu continuas fulgurante.

Tentaram te fazer cantar.
Mas tu (como sempre foste)
faceira e temperamental disseste
em silêncio com as unhas na grade:
"só canto quando desejo e ponto final"

Eu explodi de felicidade
por tua mudez e atitude.

Talvez tu não saibas
mas a minha personalidade
(a mais sensível parte) foi afeiçoada
naquelas tardes em que eu te observava.

Sei tranquilamente
que naquelas tardes
tu já sabias do meu amor.

E ficávamos horas paquerando.
Desculpa-me, também sei que
às vezes eu te encabulava:
eu era uma criança.

Hoje eu falei de ti como nunca.
O pior é que sempre termino
falando da tua morte.

Dos meninos terríveis
que te envenenaram
com coca-cola.

Após odiar muito esses meninos
penso agora de outra forma:

deve ter sido uma aventura e tanto
experimentar a fórmula mágica
desse refrigerante molhando
o teu bico e descendo por tuas
cordas vocais

Nenhum pássaro canta
igual a ti, minha graúna.

Que o teu espírito
conserve-se perto.

E não te aflijas com a altura dos céus por minha causa.
Também adoro nuvens.

segunda-feira, 21 de março de 2011

espumas cristalinas

Quando aquela música inesquecível perde o encanto.
Quando o livro predileto de poesia é esquecido na estante.

Quando já não lavamos o banheiro nem as cuecas de madrugada.
Quando o teclado parece com o tapete sujo jogado na despensa.

Quando a escrivaninha é uma nuvem cinza.
Quando não nos interessa o que tem para o almoço.

Quando não fazemos um lanche durante a insônia.
Quando só malhamos para fustigar a alma indolente.

Quando a alma não reclama.
Quando o corpo não se regozija.

Quando a caspa queima.
Quando os dentes ficam mais amarelos.

Quando as botas emudecem
Quando quebro a xícara na parede.

Quando não molho as plantas da varanda.
Quando cuspo em quem passa lá embaixo.

Quando retorno ao quarto de cabeça abaixada.
Quando tropeço na luminária e esmurro o sofá.

Quando vejo os travesseiros suando frio.
Quando procuro e não acho meu chinelão antigo.

Quando ouço pouco e enxergo menos.
Quando não há palavras nas dobras da língua.

Quando a garganta inflamada é um inferno.
Quando os olhos estão secos e áridos.

Quando a tarde é um mormaço.
Quando o ventilador sussurra.

Quando sinto vontade de fazer uma loucura.
Quando não faço uma loucura.

Quando o celular desligo.
Quando vejo um inseto passeando pelo mouse.

Quando esmago o inseto com a cam.
Quando abro o zíper do bermudão e me espreguiço.

Quando cruzo as mãos segurando a nuca.
Quando meu olhar se perde fitando o teto.

palidez

Só parei de beber.
Mas continuo o mesmo canalha.
Amigo dos passarinhos e das formigas.

Depois de tanto tempo na estrada
hoje acendeu-me uma luz na cabeça
e outra no espírito: eu não me conheço.

Esse tempo todo na estrada eu não caminhava, seguia as nuvens.
Esse tempo todo na estrada eu não caminhava, apontava estrelas.

E convenhamos: o que as nuvens fazem de melhor é iludir
e as estrelas são mestres em nos fazer sonhar.

Só parei de beber.
Mas continuo o mesmo maluco.

Dormindo dentro do guarda-roupa
e acordando debaixo da cama.

Amigo dos passarinhos
e amigo das formigas.

domingo, 20 de março de 2011

a lembrança da magia

Eu desconfiava que uma lua daquela de ontem
não entra pela janela do banheiro impunemente.

Botas, livros, algumas formigas fugiram assustadas.
Até a minha tartaruguinha de pano rasgou o plástico
mostrou uma cara de urso e partiu
pro alto do telhado.

Não sei como ela conseguiu soltar-se
do saco plástico de supermercado.

Livre agora aos meus pés
[de olho na porta]

parece-me mais jovem
enrolado no pescoço
um cachecol
de fios dourados
e tecido vinho.

A porta entreaberta
sob sorriso aparente

concorda que seu encosto
[a tartaruguinha de pano]

está de fato robusta
e atenta.

Quando ventar forte
tirarei minhas conclusões.

sinais abertos

Que atração física é esta:
mal dou o primeiro passo ao banheiro
a escova sorri e os meus dentes tremem.

Espremo o tubo do creme dental
enquanto a escova morre
sob espasmos

enlouquecida pra batucar
seu cabo contra meus caninos.

Também observo o mesmo rubor e enlace
das minhas meias dentro das minhas botas.

sábado, 19 de março de 2011

equinócio

Saio do quarto e quase morro de susto:
a lua cheia monstra invadiu quebrou tudo
para cair na pia da área de serviço.

Molho meu rosto com o rosto dela.

enfarte

A gente priva-se de tanta imagem
quando vacila e se estende
ou equivocado extrai
um ou outro verso.

Difícil na construção do poema
aquele instante em que mente
e invisível perdem o contato.

Se a gente é todo arrebatado
o poema se assemelha
a uma epístola escrita
por alcoólatra.

Entretanto se a gente muito meticuloso
lembra o poema um rosto de terrorista
ensaiando os passos do trágico ataque.

È claro que tem aquele tipo de poema
[fruto da misericórdia dos fantasmas]

que desce ou sobe sei lá
todo completo sem vãos.

Esse tipo de poema
escrevo normalmente
nos sonhos e acordo
com os versos soltos.

Aproveito e só enfeito
com lacinhos e fitinhas
as palavras e as túnicas.

Mesmo assim se não houver prudência
perde-se a obra completa do milagre.

Nos outros casos
tento manter elos
pontes e calçadas

entre a mente
e a possessão.

É tão natural o poema
quando possuído ainda
distingo mãos de orelhas.

Uma criança deve saber no fundo da alma
o que tem mais valor: se chocolate
ou um plantio de nuvens.

tesouro

É uma tarde de sábado como esta
que agradeço por ter pacto
com deus.

O mundo diz que os ambiciosos
têm pacto com o demônio.

Eu [um grão de areia,
uma haste de bambu]
tenho pacto com deus.

O meu deus é igualzinho a esta tarde:
lá fora tem sol mais adiante há nuvens
dobrando a esquina moeda no chão
do outro lado da rua passarinhos.

O que ofereci ao meu deus
foi algo tão simples: a seiva
da minha poesia.

Ele adora sorver cada gotinha do meu cotidiano
em doses cautelosas [sabe que do exagero
surge a tristeza]

Se porventura o meu deus entristecesse
não teria eu uma tarde de sábado
como esta: passarinho mirim
atacando uma lagartinha
desesperada.

Nada posso fazer.

Não sou deus, ora.

Sou seu filho e não me meto
em briga de passarinho
com lagartinha.

sexta-feira, 18 de março de 2011

e ao vento tornarás

Confesso que sinto prazer
um delicioso prazer em
apagar um poema
um poema inteiro
de uma vez,
puf.

Ouço-lhe os gritos,
gemidos, os dentes
que trincam e racham.

Eu sinto um prazer infinito.

Você não imagina
o prazer que sinto
um minuto antes
de apagar o poema.

Elevadíssimo o prazer
se imagino a eternidade
da sua construção.

É assim, puf.
Delicado e simples, puf.

É um prazer delicioso e infinito.

Lembro que parece
quando se assopra
do olho um cisco

ou [imagino]
quando se tira do saco uma próstata
que teima crescer mais que uma mostarda.

quinta-feira, 17 de março de 2011

crença

Eu acredito na conspiração entre as moléculas
do corpo humano e do vento que entra pela janela.

Acredito no sangue de quem escreve versos
e nas asas do passarinho.

Na transmutação do barro à escultura
e do silêncio à eternidade.

Eu acredito na eletricidade que trespassa paredes
e serpenteia pelas nuvens e mergulha
no café da xícara.

Acredito no sangue de quem escreve versos
e no casco da tartaruga.

No subterrâneo da terra.
Na indecisão das minhocas
[se cobra ou lombriga]

Eu acredito na brandura dos objetos
mesmo daqueles que ferem e matam.

Acredito na mão do facínora que se recolhe.
No pensamento resguardado.
Na fúria contida.

Acredito no sangue de quem escreve versos
e nas escamas dos peixes.

Na música, na fábula, no reisado e no amor.
Eu acredito no leite materno.
Na presunção do pai e no perdão.

Eu acredito na reviravolta.
No redemoinho.

No olhar acima dos cílios.
Na lágrima pura.

Acredito no sangue de quem escreve versos
e no batimento cardíaco das minhas botas.

quarta-feira, 16 de março de 2011

reatores

Não é surpresa a minha alienação.
Sou um alienado.

Preciso além das imagens
do pavor coletivo um troço
dos céus ácido e invisível
queime a minha garganta.

O meu egoísmo parte justamente
desse apelo pelo toque: para que
eu me desperte preciso do toque.

Como fez agora o cinto da minha farda
rosnando contra a cadeira de plástico.

Eu não sou canalha.
Eu sou um alienado filho da mãe.

Por isso (sem dilema)
talvez eu seja o sujeito
mais indicado na hora
de salvar almas.

A minha está quietinha
morrendo de medo
que eu apague a luz
do quarto.

Ela sabe que ao fazer isso
não protejo os entes queridos.

Ninguém me comove tanto
quanto a multidão silenciosa
que me rasga as vísceras.

Sou um alienado e um egoísta.
Mas tenho um estômago fraco.

aleluia

Milagre existe.
Acabo de observar um.

A minha xícara
sobre a estante

sem vestígios de vida
nem mortes dentro.

Estranho.

Por onde andam
as minhas sacanas
formiguinhas?

É bom que me acostume:
um dia serei o banquete delas
[no fundo da terra eu o intruso]

fábula

Tu nem imaginas o que trago agora
dentro do bolso do meu bermudão.

Adivinha: uma azaleia
ou um palito de dentes?

Quem sabe então o lenço dos óculos escuros
ou talvez uma moeda de um real esquecida?

Estás fria,
fria.

Não sei se te conto o que trago agora
dentro do bolso do meu bermudão
azul desbotado.

Um verso antigo escrito no guardanapo do último porre?
Uma fotografia daquela noite de lua cheia e discos voadores?

Adivinha, baby.

Pode ser um camelo
ou um elefante
ou borboleta.

[tu sabes que tudo cabe
no bolso do bermudão
de um poeta]

Se não fizeres esforço
também não te direi.

Ah, não sorrias desse jeito
assim não vale é covardia.

Por favor, não dês esses gritinhos
não dês esses pulinhos não faças
esse rostinho de fadinha sofrida.

Direi, então.

Nessa manhã de quarta-feira
eu trago dentro do bolso
do meu bermudão
azul-claro

uma aliança de aço cirúrgico
no meu dedo anelar [ontem
amputado]

Dá um beijinho,
que sara.

terça-feira, 15 de março de 2011

a mansa solitude

Como deseja conhecer o caminho
se ao fechar a porta não deixa
os pés atravessarem?

Uma ave pode acordar serpente
um cão sarnento amanhã
um beija-flor?

A minha compreensão é tão pequena.
O meu juízo um tantinho assim.

Só sei que é triste fechar a porta
separando chinelos.

o lençol

o meu lençol de seda
uma seda bem velhinha
puída pelo tempo
deus me livre
das traças

nessa manhã não se levantou
não dobrou as extremidades

continua jogado 
sobre os travesseiros

é um lençol de seda
alvo quanto a alma
do meu filho

aproveita a chuva
que respinga da área
de serviço

e lhe bate nos braços
ontem costurados
por uma feiticeira

continua deitado
o meu lençol de seda

parece morto
mas só dorme

enrolado,
com frio

os tendões dos fios fracos
as veias do tecido lânguidas

é um lençol de seda
uma seda velhinha
puída pelo tempo
deus me livre
das traças.

segunda-feira, 14 de março de 2011

champanhe

Se o criador na sua incomensurável sapiência
gerou alguma coisa mais deslumbrante
que a mulher então decerto

esconde tal loucura
dentro do seu baú antigo
para momentos inesquecíveis
de febre e tesão humano.

[veste, meu bem,
teu cotton azul

rebola na ponta dos pés
ó, maliciosa, faze feliz
teu duende

pois hoje sou eu o corcunda
coroado pela luz divina
benzido, sóbrio e cão
espumando flores]

Se o criador na sua infinita astúcia
forjou alguma coisa mais encantadora
que a mulher então certamente

oculta dentro do seu guarda-roupa
para que ninguém (nem santos
nem poetas) possa pôr o bico.

[lança pro alto teus cachos
morde teu mindinho

sorri, ó fadinha
desce aos requebros
dos céus ao tapete

que hoje sou eu o sátiro
o monge de olhar carnal]

Se o criador na sua suprema altivez
de dono dos porcos [e dos passarinhos]
fez alguma belezura mais manhosa
que a mulher então sem dúvida

somente Ele mergulha
e bebe da seiva
dessa criatura

e gargalha do meu desejo
e gargalha que chora
da minha inocência.

domingo, 13 de março de 2011

substância estranha

Quando um homem
de poucas mulheres
e muitos sonhos

acorda da sua sesta
os cotovelos postos
sobre a mesa

a xícara do café com leite
à boca e o olhar distante

lembrando dos mortos
da sua rua

é que já andam pelo mesmo caminho
seguindo a mesma estrada

a sua alma cansada
o seu corpo melindre

e perde-se o sentido da vida
e ganha-se nova cor o anseio

do que há por trás dos montes
se uma plantação de trigo
ou um pântano.

É de entristecer seus parentes
(passarinhos e objetos)

a infernal dúvida que reina
e se estende do quarto
à cozinha:

será agora enfim o último suspiro
do homem de tantos sonhos
e poucas mulheres?

E nada se ouve do seu olhar
senão os golpes mudos
da faca de cortar pão
contra o vento.

sábado, 12 de março de 2011

fatos cotidianos

Nunca em hipótese alguma
subestime a sobra da maçã
sobre a estante.

Há quem adore:
veja suas formiguinhas
enlouquecidas.

Agradeça-lhes
por não serem
carnívoras.

Já pensou o que seria
das suas mãos e braços?

Nunca imagine que o sobejo da maçã
após jogado fora ninguém aprecia:
veja suas formiguinhas sorrindo.

Crueldade da sua parte
que todas agora (ainda
saboreando o resto
da maçã) estejam
na lixeira.

um ato de ciúme

Jamais pensei na minha vida
que a delicada e suspirante cafeteira
um dia iria me ferir e feriu-me
e tirou-me sangue do dedo.

Sempre soube que roseira tem espinhos.
Mas era eu um inocente
quanto aos dentes
da cafeteira.

Dentes firmes e pontudos
que servem para prender
o filtro de papel

dessa vez cortaram-me o dedo
com fúria e desprezo.

É um claro sinal
para que eu ame
menos os objetos.

Ou deles também aceite
a loucura humana.

quinta-feira, 10 de março de 2011

gelatina

A toalha de plástico
sorri desdentada

(falta-lhe uma flor
na extremidade) .

Assim que os objetos se cansarem
desse meu olhar de bufão tagarela

então escreverei sobre
a saudade que é tarde
e sobre a esperança
que é tardia.

As andorinhas encantadoras.
As estrelas uma coisa do céu.

Mas (desculpa-me)
uma toalha de plástico
quando mostra os dentes
é uma cigana tão linda.

Hoje só quem conversa comigo
é essa toalha: devo dar-lhe
toda atenção possível.

Logo ela se cansa
e dorme com a fruteira.
[e durmo eu com as botas]

quarta-feira, 9 de março de 2011

reflexões

Finda-se o carnaval e eu não lavei o banheiro.
Patético.

Cheguei a escrever um samba.
Mas tudo não passou de poesia e de vento.

Sequer tive tempo para perceber que as meias
permanecem afogadas dentro das minhas botas.

Seria uma coisa tão simples:
lavar o banheiro somente.

E eu não o fiz.
Imperdoável.

Se houver amanhã (e sempre há)
juro que pelo menos trocarei as meias
e darei uma escovada nas orelhas das botas.

Apesar do embuste posso vangloriar-me
de não existir uma louça na pia
nem uma cueca mofada
debaixo da cama.

[notou que sumiram
as baratinhas?]

Também tenho meus méritos.

Quanto ao banheiro,
fica para sábado.
Prometo.

Afinal sou um poeta
não sou um rato.

testemunho

Se a mulher o primeiro beijo não esquece
nem a  minha formiguinha o seu primeiro torrão de açúcar
como hei de esquecer meu primeiro pelo pubiano branco?

Um fio longo,
tenro

em meio a uma juventude
de cachos escuros
e crespos.

Posso dizer então que o meu falo
agora é um jovem senhor
de cabelo grisalho.

Não é um pequeno detalhe:
é toda uma história de vida.

terça-feira, 8 de março de 2011

tribuna

Consciente do hábito desprezível
continuo cheirando minha cueca
depois do banho (embora eu saiba
que o destino dela é o cesto
de roupa suja) .

Sem falar do meu nariz
de cujas fossas retiro
suntuosas melecas

[boca aberta pensando
na morte da bezerra]

em seguida esfrego todo o muco nasal
na capa do sofá ou nas almofadas.

Essa fase em que vivo
coincide com uma certa
altivez da alma

que de tão envergonhada do corpo
deseja pra ontem a separação metafísica.

Tento (em vão) explicar a justa normalidade
das pequenas infrações da licença poética.

Mas a alma sisuda não me ouve.
Não muda de ideia.

Diz que alma é alma.
Corpo é corpo.

E que no mínimo há de se ter
uma boa educação.

Compreendo a atitude da colega.
Respeito. Mas entre a efemeridade
do corpo e a eternidade da requerente

em ileso juízo
dou ganho de causa
ao sensível folião.

Bato o martelo.
Que oficializem a papelada.

segunda-feira, 7 de março de 2011

uma boa música

A monotonia mantém um caso amoroso
com almas lânguidas e distraídas.

Se a tua é de passarinho
nunca o sol terá o mesmo brilho
nem as nuvens as mesmas fisionomias.

Porque passarinhos são vivos
não perdem o pingo da chuva
tampouco o ardor do estio

e ainda pescam na primavera
peixes, pétalas, minhocas.

Não estás satisfeito com a tua alma de pedra?
Então sê o próprio vento.

Almas são as unhas dos dedos dos pés
de tanto enfiadas em sapatos fechados
criam em volta da carne fungos.

Muda por sandálias
chinelões abertos
anda descalço.

As calçadas terão uma textura mágica.
{os pombos sempre que acordam
dançam nos canteiros]

toalete

Não consigo escrever sem os dentes escovados
[mesmo que eu tenha dormido com as garotas
da kolynos e da colgate] A poesia é vaidosa:

primeiro o rosto fresco do sabonete e a boca
pura do flúor para que as palavras se elevem
do ventre e escorreguem pela língua.

Junto com a espuma dançam sapinhos
e pulam amêndoas da barrinha de chocolate.

Preciso comer uma pizza.
Mudar o destino do meu último bochecho.

cegueira

quando o carnaval terminar venha
de qualquer jeito morta ou mulambenta
mas venha para meus braços coloridos
de azaleias e cada pétala puxada
irei colar nos seus cílios
e você será motivo de pilhéria
dos beija-flores

mas venha mesmo após o carnaval
toda usada gasta ínfima sem voz
venha aos meus braços rígidos
frutos da cadeia ramificada
de aminoácidos

e serei o homem mais feliz
que já viveu dentro da caixa de sapato
junto a pezinhos de feijão
enrolados com algodões
úmidos de éter

venha e não me diga
que é um trapo humano
nós sabemos que você
sempre será um trapo humano
que assombra criancinhas felizes
dentro do coração de um poeta

quando terminar o carnaval
traga seu corpo de volta

deixe sua alma na latinha e no spray
do lança-perfume paraguaio
mas venha mesmo roída
moída carcomida

trazendo no suor
a maldição do arrependimento
não sou padre nem exorcista

tenho só cobiça
pelas pregas da sua mucosa
pelos suspiros do seu esôfago

venha santinha venha doida
venha varrida nojenta
mas venha quando
o carnaval acabar venha
aos meus braços que já
lhe preparo unguentos
sucos naturais frutas doces

não se importe com as gargalhadas das andorinhas
com as ferozes bicadas dos beija-flores
com as formiguinhas nos seus calcanhares

perdoe esses meus fantasmas
eles não sabem o que é
escrever por impulso

acordado
desvalido

empestando o ar
de flatulências

domingo, 6 de março de 2011

as maravilhas do entardecer

Aproveite essa tranquilidade de cadáver seu moço.
Vire-se para as paredes.

Sorria de volta.
Seja gentil.

Ninguém sabe se amanhã apóstolos
roubarão o seu corpo
[marcas de sangue
pelo caminho]

Ninguém o seguirá: as suas formigas
gostam de açúcar e as suas botas
de bostinha de poodle.

Aproveite essa paz de fotografia antiga.
Dê-lhe boa tarde.

Talvez seja a sua única foto
em que se nota um sorriso.

Seu moço ninguém sabe
se amanhã vândalos picharão seu muro
[deixarão marcas de cal pelo caminho]

e ninguém o seguirá: as suas cuecas
presas no varal ainda molhadas
e o seu bermudão azul claro
dentro do cesto de roupa suja.

Aproveite essa luz de cadáver imaculado seu moço.
O passado queima a consciência daqueles tolos
que retornam ao princípio do erro.

O seu corpo é um corpo de cadáver.
Deixe-o como está: morto e feliz.

o silêncio dos vivos

Perceba que é você quem existe:
os outros são ilusões
ficção que pode
enlouquecê-lo.

Também não precisa
trancar-se em um mosteiro
fazendo pão tão triste

ou subir à montanha
e comer raízes
desolado.

Abaixe-se e apanhe
os prendedores de roupa

[conte quantos minutos
você pensou sobre
si mesmo]

Cada um imagina que é o outro
o responsável pela sua solidão.

Não tarda uma turba
de espantalhos e zumbis
passeiam [olhos fingidos]
suplicando atenção e amor.

Amor?

[vá fazer seu cafezinho
e pergunte à sua xícara]

combustível

Adoro as cantoras, atrizes, poetisas e dançarinas
libertinas que mal se aproximam o meu sangue
borbulha e meu coração galopa:

fazem-me tão feliz quanto essa tarde de carnaval
o poeta a estender cuecas no varal ouvindo rock.

Adoro essas criaturas extraordinárias
que beijam bem e odeiam fazer amor
sem tesão e sem o diabo no corpo.

A elas somente a elas
entrego de mão beijada:

alma atiçada, coração trôpego,
corpo tatuado a fogo de cavalo.

Adoro essas assombrações
que caem dos céus entram
pela janela do banheiro
rastejam por debaixo
da cama infernizam
o meu juízo.

Lindas, deslumbrantes, sensíveis, maravilhosas:
todas libertinas sem um pingo de vergonha.

Levantam os braços
fazem cachos

deixam à mostra
aquele redemoinho
de pelos dourados
enfeitando a nuca.

O bastante para que o poeta berre
vire lobisomem ou um vampiro

pule da varanda
sobre um carro

e dance com os dedos
cruzando os olhos

[feito aquele filme
de Tarantino]

antiquário

A verdade é que raramente desaba
na minha cabeça um poema pronto

escrito por duendes verdes
ou entes quaisquer doutro mundo.

As palavras não são fáceis.
Elas não gostam de mim.

Da minha pele.
Do meu cheiro.

Elas trancam-se diante dos meus olhos
às vezes tenho medo de bater à porta.

Algumas [por piedade]
afrouxam o trinco.

E dizem "seja rápido"
Acabo escrevendo tolices.

Um olho no teclado
e o outro na porta.

[por exemplo, agora
vejo uma fila indiana
todas elas em fuga]

Digam-me como escrever dessa forma:
dispensado por quem deveria me estender as mãos.

As palavras não são fáceis.
Não me oferecem nem mãos
nem nádegas nem axilas.

Não gostam da minha presença.
Da minha voracidade e da minha fome.

[por exemplo, agora
elas erguem suas lanças
e protegem-se com seus escudos
sob tática espartana]

Digam-me como vencê-las.
Elas aprenderam com Leônidas
a nunca se curvarem diante de um louco.

Elas odeiam a minha loucura.
Não gostam de mim nem um pouco.

Nem mesmo neste exato momento
em que vizinhos bêbados derrubam
pratos e copos

elas me permitem chegar próximo
confessar-lhes a minha vida

os meus erros gramaticais
a minha solidão efêmera.

As palavras não são fáceis.
Não me ouvem.

Dão rabissacas.
Somem pela área de serviço.

Não vou atrás delas.
Também não sou fácil.

sábado, 5 de março de 2011

invólucro

Não passa por minha mente a hipótese:
última vez em que farei o cafezinho
e andarei até a varanda.

No entanto, sem alarde
partindo desse mundo

não quero levar nenhuma lembrança
[boa ou danesca] que me faça
prender uma lágrima já vestido
do paletó de madeira.

Não lembro por que me lançaram
nessa maravilha de ringue e de coliseu.

Sei que tenho lutado com tantos gigantes
e com ferozes leões [todos frutos
da minha imaginação]

que pouco restará do frescor dos olhos
quando bater o sol espatifar a vidraça.

Uma coisa tenho certeza:
não estarei lerdo.

Nunca estive.

Nem mesmo naquele tempo
em que acreditava reais

os gigantes com seus caninos
os leões com as jubas de fogo.

Não passa por minha mente
[deus me livre] um adeus

aos meus objetos e às pessoas
que atravessaram minha sombra
e não notaram algo diferente
na silhueta das asas.

Mas se é para falar da morte
então vestido de lilás mortalha
saiba que não estarei dormindo

tampouco ligado às lembranças
[flores ou alfinetes] estarei apenas

ouvindo uma descomunal anjinha
tocando flauta os lábios carnudos.

Não passa por minha mente
[saravá meu pai] viajar agora
ou evaporar para sempre.

É que há tanto silêncio em volta
que me vejo feliz e saltitante.

Digamos, uma perfeita tarde
para despedidas.

simulacro

Nunca mais tirei os fones dos ouvidos:
dormindo, acordado, escrevendo.

Ouço de tudo que toca
a minha alma.

Mas o que é alma?
[menciono tanto essa coisa
como se verdade o abstrato]

Quanta tolice
e exagero.

Alma deve ser tão somente:
a guitarra do blues, o batuque
da África, o sangue que pinga
no piso da cozinha.

Quando você descascar uma laranja
certifique-se que os pensamentos
ainda estão dentro da cabeça.

É batata cortar o dedo
aéreo pensando nessa coisa
meio vã que chamam de alma.

Os pensamentos que voam
são iscas, baby.

a margem

A imensa felicidade de colher girassóis
é que há de ser rápido e atento

senão tudo que é amarelo entristece
e murcha antes que toquemos.

Um girassol morto
é um dia perdido.

Colho os meus girassóis
normalmente de madrugada.

Se algum morrer nas minhas mãos
terei a insônia para mudar de alma.

Que as traças brinquem
dentro dos livros antigos
[o meu filho ame a vida]

Eu prossigo colhendo girassóis
sobretudo quando amanhece

e já tenho comigo o próximo
jardim e a montanha lá no alto.

sexta-feira, 4 de março de 2011

o dia

Esperei o carnaval
para lavar o banheiro.

Ainda que um futuro presente
amanhã escreverei meu enredo:

escovão, sabão em pó,
alvejante, detergente.

As cerâmicas hão de sambar alegres.
O vaso sanitário de sorrisão aberto.

Darei um trato até na minha saboneteira
[um pequeno veleiro de plástico]

Esperei ansioso que o carnaval chegasse
já me causava náuseas a melancolia
do meu banheiro.

Atrás da porta, dentro da lixeira,
no ralo e acima do chuveiro
os inimigos multiplicavam-se
sob formas dionisíacas:

parasitas,
bactérias,
fungos.

Amanhã ainda que
um futuro próximo
será o fim deles.

Serei cruel.
Sádico.

Peço a deus apenas que nenhuma formiguinha
atravesse o meu caminho nem tente boiar
sobre a espuma do omo.

Eu não salvarei nenhuma delas.
Nem cortarei os pulsos.

angicos e aroeiras

Não há prazer mais delicioso
que andar na grade de ferro
o vento da manhã ouriçando
as plumagens e o vasto céu
ao seu dispor:

as andorinhas sabem como
aproveitar o tempo.

E você com essa cara amuada
dizendo que é pânico o que tem
e que está tomando remédio.

Não precisa ser andorinha
mas não adianta acordar capeta.

Faça as unhas.
Vá ao sebo.

Compre aquele livro
sente-se na cafeteria
leia as três primeiras páginas
ponha o dedo marcando uma

com o olhar perdido
paquere quem passa.

Ou se preferir afogue-se
nos travesseiros imaginando
que ainda é tenro o perfume
daquela noite em que você
ofereceu sua vida a outra pessoa.

Ah, menina.
Não se faz esse tipo de coisa.
Ou quando o faz é de mentirinha.

A solidão é somente nossa
é uma heresia desejar
que o outro elimine
da nossa alma
os seus frutos.

Pensa que andorinhas não têm solidão?
Claro que sim, mulher. Só que elas aproveitam
o céu as grades de ferro o parapeito da varanda
os galhos as calçadas o fio de alta tensão as nuvens
a chuva o sol o mormaço a brisa fresca

de tardinha fazem aquela festa cagam no meu chapéu
riem da minha fúria calam os bicos é hora de dormirem.

Não é conselho
mas que tal sair de ônibus
cruzando e descruzando as pernas
batom vermelho e cílios postiços?

Sim, sei que sou um sátiro.
Mas também sou um passarinho.

Você não quer ser minha andorinha
de vestido azul transparente
sem anágua?

[anágua? o que é isso?]

Vamos, não é pânico o que tem
é um jardim crescendo dentro
do seu coração: sou tímido jardineiro
mas [acredite] trato maravilhosamente

as flores, as rosas, os crisântemos, os girassóis,
as orquídeas até as gramíneas rasteiras e ervas.

Mas se quiser ser freira
reze por minha loucura.

Não preciso mas sempre
recebo de bom grado
amuletos, bênçãos
e orações.

quinta-feira, 3 de março de 2011

o prelúdio dos jardins

Hoje só trabalho de tarde.
Só vou pra rua depois do almoço.

Tenho tempo para escrever alguma coisa
que se pareça com poesia boa e delicada.

Alguma coisa que tu gostes
que te faça me amar um pouco.

Tirei essa manhã pra escrever alguma coisa
que te bula ainda deitada

[naquele processo de espreguiçar pernas
e braços e bocejar e esfregar os olhos]

Alguma coisa boa e delicada
que D. Quixote se emocione
e Dulcineia Del Toboso
enfim compreenda
que os moinhos
são monstros.

Não vou pra rua agora.
Tenho algumas horas
pra te dizer que não morre
essa alma pendurada nos meus cílios.

Se é tua a alma
é outro departamento.

Talvez eu precise de mais tempo
(o carnaval será ótimo)

quem sabe eu escreva alguma coisa
que tu gostes e me respondas de volta
propondo-me um jantar à luz de velas
sei lá tu que sabes eu só sei por que
não fui trabalhar hoje:

para escrever alguma coisa boa e delicada
que toque o teu coração e te faça pensar diferente
sobre esse poeta meio louco e cínico que vive enfurnado
dentro do quarto amando sem medidas os objetos da casa.

[mais tarde pelas ruas refletirei melhor se
sou de fato um vegetal ou um herói de olhar triste]

terça-feira, 1 de março de 2011

Janis Joplin

Nada aparente muda de espaço quando abrimos os olhos.
As canetas continuam dentro da cestinha de palha.
As meias dentro dos tênis suados da academia.

Quem lhe consegue tirar a clareza das coisas?
Nem os mais velhos do ginásio.

Emboscadas existem a falsidade reina
mas o passado é um banquete [basta
aproveitar cada algodão
preso nos galhos]

Quando abrimos os olhos
a única mudança é a cor
dos nossos corações:

arco-íris refletido em um musgo
um caco de porcelana debaixo da cama.