segunda-feira, 28 de novembro de 2011

um olhar

O amor há de começar pela carne.
Pela jovialidade das marcas de nascença.

Meus cotovelos hoje sujos de um tipo de escama
pela monótona frequência de tantos banhos
pergunto-me para que me servem agora.

São tristes meus cotovelos por haver sumido
aquele verniz da mocidade.

Eu amava meus dentes e amava muito meus cotovelos.
Era tudo princípio e só existia para o meu deleite a carne.

O amor há de começar por aquilo que o tempo leva.
Que o tempo estraga e oferece depois outro sentido.

Justamente no tempo em que a medula range
quando nos curvamos para amarrar os sapatos.

E se não houver ouvidos destinados ao som da sabedoria?
E se o homem cansado mas vaidoso ainda ousar viver dos cotovelos da juventude?
E se os dentes amarelos por qualquer método de purificação estejam ainda mais brancos?

Creio então que o amor não se iniciou.
E se existiu foi breve e enfadonho.
Durou apenas o tempo
do espanto.

Vendo agora todos os dias meus dentes amarelos
e os cotovelos sujos de nódoas da existência
acredito que amei meu corpo
com intensa euforia.

Alguém que ame as rugas
das falanges dos seus dedos

como ama as ranhuras da sua estante
verdadeiramente amou a si e as coisas.

Esta minha fadiga tem nome -
é o amor exuberante
da minha carne.

7 comentários:

  1. Que poema! Que constrangedora franqueza ao usar os símbolos do nosso desgaste. É de ler e prosseguir com ele, refletindo.

    Abração.

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  2. Tenho dezoito cicatrizes no corpo e ele também encontra-se manchado e carrego a maldição da celulite, mesmo praticando uma luta, três vezes por semana!

    Mas, eh preciso amar nosso corpo, eh preciso olhar assim, tal qual voce o fez. Parabéns!

    Um abraço,

    Suzana/LILY

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  3. Poemaço, Domingos!

    destes que nos são deliciosamente incômodos
    vale ler e reler e olhar e olhar-se...

    beijos pra ti!

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  4. Me refaço em teus versos, poeta dos dias...

    Beijinho de fã para a vida toda!

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  5. Não foi necessário citar as rugas, os olhos cansados, a esclerose, nada disso...
    Genial a sua ideia de perpassar a noção de idade avançada e cansaço dos erros que cometeu(ou não) através da escamação de nossos cotovelos...

    Todo o poema, diga-se de passagem, é muito bom!

    Você se superou, caro poeta!!!

    Muita paz!!!

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  6. o amor que dura o tempo do espanto. que imagem, esta!
    [quantas distâncias guardamos no interior do espaço e do tempo?]
    abraço vivo!

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  7. Que lindo...intensidade é seu sobrenome!!

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