sexta-feira, 11 de novembro de 2011

o crepúsculo é uma lenda

Agora é assim, qualquer esforço humano
meus pulsos doem e os nervos latejam.

Escrever é humano,
diga isso aos meus tendões
melindrosos
e frágeis.

Agora é assim, mal amputo meus dedos
sobre o teclado e nem se vê o sangue
meus pulsos já doem e latejam.

Como faço então meu amor para escrever cartas.
Sabe, essa manha das minhas mãos é herança
daquele tempo em que eu morria
em uma olivetti studio 45.

Batia a máquina mil cartas de amor e todas iam ao lixo.
Naquele tempo eu era jovem portanto podia morrer
quantas vezes quisesse - e todos riam da loucura
da minha língua que passava horas
fora da boca feito eu um lunático.

Valeu, hoje sinto-me um bom moço
por ter sido um amante exemplar
da minha velha máquina
de escrever.

E foram tantas voltas em torno da lua
usando rolos de fitas e léguas e léguas
de papel ofício.

No final [como agora] todas as cartas de amor iam ao lixo.
Isso não mudou, mas como doem hoje meus pulsos.

Haverá o dia em que só de olhar pras minhas mãos
elas se levantarão de dentro dos bolsos
quentinhas sem nenhum nervo delicado,
sem nenhum nervo mocinha,
reclamando de inflamação
nos tendões.

Mas tu sabes que te amo
e te amo mesmo sem nunca
haver trocado uma ideia contigo
nem trocado os lençóis juntos.

Te amo mesmo com os pulsos doídos
inchados e creio também
que estou nada bem
da garganta.

Garganta, pelo menos dela
eu tenho a voz que não muda.

4 comentários:

  1. Muito, muito bom! Ótimo!

    Vou ler mais...

    Um abraço,

    Suzana/LILY

    ResponderExcluir
  2. ...e nem me fala de cartas, que tanto sinto falta das que já escrevi sem nunca terem ido...
    Muito bom, Domingos!
    Beijos,

    ResponderExcluir
  3. os pulsos de tinta são eternos. mesmo depois da morte do corpo.
    grande, grande texto, amigo domingos!
    abraço!

    ResponderExcluir
  4. o que mais me surpreende na sua poesia, Domingos, é a inesgotávavel variação de temas e, principalmente, de perspectivas.
    seus olhos devem ser milhares, e espalhadas por todo o corpo!

    abraço

    ResponderExcluir