segunda-feira, 21 de novembro de 2011

fim de temporada

Estou farto de poetas
pois já não me suporto -

esses olhos lacrimosos que escondem segredos
e não compartilham com as paredes
as últimas lágrimas.

Estou farto de bruxos que nunca beberam outra coisa
senão chá e café e limonada e de bruxas que nunca
fizeram fogo e queimaram as faces.

Estou farto da minha bebida, da minha loucura,
dos anjos que apunhalei e dos cadáveres
que andam presos aos meus pulsos.

Estou farto da minha xícara desfigurada,
das minhas botas tolas, da estante
de ferro, do teclado sujo.

Estou farto do meu cheiro no frasco de perfume
e do meu cheiro na minha pele e dos meus risos
e dos meus medos e da total ausência
de humanidade.

Estou farto da inocência dos golfinhos
que ainda morrem emaranhados
em redes de pescador.

Estou farto das estrelas, do meu pégaso
no telhado, do musgo, das águas-vivas,
das ondas, da poeira debaixo
dos meus tênis.

Estou farto das minhas cuecas no varal
e do vento que empurra o encosto
e me fere.

Estou farto de me sentir acompanhado
pelos pingos do chuveiro quebrado
batendo dentro do balde.

Estou farto da minha infância.
Estou farto da minha velhice.

Do meu sinal caindo pelo canto da boca.
Das costelas. Das minhas unhas roídas.

Estou farto de mim
que não me conheço.

Não ouço mais o que me diz a voz da fortuna.
Minhas mãos cambaleiam e nada trazem do jardim.

3 comentários:

  1. Se todos os fins fosse assim, a gente se fartava até não poder mais, que haja beleza e vida nesse drama :)
    beijoss

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  2. este teu fim é na realidade um belo começo

    abraço
    LauraAlberto

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  3. reconheço essa queixa... é uma antiga companheira!!!

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