segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Drummond

Drummond, não escreverei nenhum verso em tua homenagem.
Já escrevi poemas para flores e para meu filho, mas não creio
haver necessidade de escrever versos para teus ouvidos
nem para ouvidos de outros.

Primeiro tu não me ouves, estás morto.
Depois os outros estão cansados
da minha vaidade.

Drummond, posso dizer-te secretamente
que muitas vezes andei com livros teus
debaixo do braço em praças,
bares e não me lembro
onde os perdi.

Tu ficaste em mim de propósito.
Além da estante e do velho baú.

Vê, os peixes todos te saúdam enquanto eu [um trôpego]
caminho em sentido contrário para onde teus amigos
não nos vejam e eu possa te abraçar oculto
e sentir na tua camisa o cheiro do meu avô.

meditação

Da minha varanda também vejo
um rabo de cavalo na nuca
de uma mulher

que anda apressada
com sua roupa de ginástica

[na sala ao lado
a luminária oscila
sem ninguém
por perto]

mas eu não tenho medo
de fantasmas, aliás

na minha mente só vejo a mulher
com seu rabo de cavalo
correndo apressada

e balançando a cabeça
feito um cavalo comendo milho -

seriam castanhos os olhos da mulher
iguais ao mel dos olhos do cavalo?

domingo, 30 de outubro de 2011

escapulário

Mal amanhece ou anoitece
eu tiro um pedaço do meu coração
e colo em um poema. No dia seguinte
a mesma coisa sem pensar duas vezes.

A minha sorte é que o coração de poeta
é igual a fígado de bêbado após um mês -

não viu nada,
não ouviu nada

e nem se lembra
da última pinga
ou do último
verso.

é hora de queimar seus versos

O pingo do chuveiro
dentro do balde
emite um som
de sapo,

um sapo preguiçoso
coachando pela metade.

Embora tanto delírio
o poeta não viaja
além do poema.

Os versos têm faces ocultas
cujos disfarces podem
enlouquecer um
iluminar outro.

Que o poeta queime seus versos
sequer uma vez na vida
para sua própria
salvação.

A fumaça é outra
a tosse é de outra asfixia.

sábado, 29 de outubro de 2011

chuva

Eu nunca fugi de mim
por isso nunca me cansei

nem dos versos
nem dos sonhos.

A chuva é um sinal
que mais tarde
vem vindo
arco-íris.

E todo arco-íris lava a alma
depois que a chuva
molha os cabelos
das rosas

e os bermudões
das orquídeas.

Se já adultos e velhos não vimos arco-íris algum
havemos de ter por encanto na memória
aquele desenho que fizemos
quando éramos crianças.

E se rosas e orquídeas
é papo de jardineiro tristonho
havemos de lembrar que um dia

mesmo de passagem
desejamos os canteiros da praça.

O cansaço nem por morte minha
e a fuga de mim é um absurdo.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

uma nuvem de suspiros

Eu já fui um cavaleiro fiel e dedicado
mas um dia a minha frágil
e doce mocinha

levantou-se altiva e louca,
fechou todas as portas
e sumiu do castelo.

Eu também já tive
sobre o baú antigo
uma caixinha de música

mas em uma noite fria
a minha bailarina
pulou do palco

esqueceu suas sapatilhas
desceu as escadas do prédio

e sem  olhar para trás
não se despediu
do meu jardim.

Não é fácil para um cavaleiro
acostumado a batalhas
por honra e amor

acordar sem ouvir os gritos
de uma mocinha linda
apavorada com insetos
com trovões, sombras
e pios de coruja.

Terrível olhar para o baú antigo
e só ver aquelas sapatilhas
sem os pezinhos
da bailarina.

Até hoje tenho pesadelos -
se lobos comeram a mocinha do castelo
ou se peixes engoliram a minha bailarina.

Não vivo um minuto em paz,
como posso.

Um cavaleiro precisa de mocinhas sensíveis
para proteger e um ogro de uma bailarina

para vê-la girando e girando
quem sabe um dia o vento
derrube-a ao seu colo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

tríade

Se eu fosse o que penso
seria um céu cheio de nuvens
mudando a cada minuto
de fisionomia.

Também seria o crepúsculo
com suas cores silenciosas
às vezes tristes.

Mas o que sou
nem a mim mesmo digo
durante o tempo em que morro.

Apenas quando durmo
e tomam meu corpo
outros pensamentos,

revelo então uma ponta do céu
além deste acima do teto

e outro entardecer
que não é o mesmo
de lá fora.

Uma luz difusa entretanto
não me deixa confiar tanto
no que sou sob sonhos

pois esses pensamentos
têm a vida daqueles
quando acordo.

Graças! [grito às paredes]
dormindo ou acordado
eu não sou o morto
nem desperto.

domingo, 23 de outubro de 2011

o náufrago

Quando a tempestade veio e derrubou-me
passei quase uma eternidade em alto mar
agarrado às minhas botas.

Os amigos que tive dos céus as gaivotas
desciam até minha boca oferecer peixes.

Os golfinhos fizeram um cerco
dia e noite ao meu lado
aos gracejos.

Os golfinhos foram tão importantes
para que eu não sucumbisse
à terrível solidão do mar.

Em certos momentos os golfinhos
e as gaivotas conversavam entre si
sobre a minha sorte
e penúria.

Não entendia muito bem o que diziam.
Era uma confusão, sei que festejavam
o milagre de não ter me afogado

mas logo se abatiam
pela minha morte
já visível dentro
dos meus olhos.

Os golfinhos para me distrair
purificavam a água do mar
nos seus pulmões
e me jogavam
no rosto.

Eu aproveitava a brincadeira
e conseguia beber uns goles.

Alguma porção havia de mágico nessa água
que vinha dos pulmões dos golfinhos:
dois minutos após o primeiro gole
olhava para o céu esperançoso
e sorrindo.

E o que dizer das adoráveis gaivotas
das mamães gaivotas que repartiam
o peixe dos seus bebês comigo.

Passei quase uma eternidade em alto mar.
Nenhum pescador me viu ninguém me salvou a alma.

Quando eu morri,
as gaivotas prometeram
nunca mais comer peixes

e os golfinhos choraram durante todo o tempo
em que as ondas arrastavam meu corpo
até a hora em que as minhas botas
largaram-se das minhas mãos.

sábado, 22 de outubro de 2011

um duende apaixonado

Os teus sonhos são meus
pois todas as noites
sou eu que rego
desde cedinho
teu dia

fico à cabeceira
cantando aos teus ouvidos
entrançando meus dedos
aos teus cachos

e ao teu limiar suspiro
conheço o princípio
da felicidade

pois sou eu quem cuida
desde nosso primeiro encontro
das coisas simples da tua vida -

trocar lâmpadas,
descer a escada com o lixo
e aos sábados comprar pão.

O que seria de mim
sem a tua presença
decerto um louco

um mendigo
um falastrão

mas graças ao meu bom pai e meu deus
tu existes todos os dias de manhã
quando dou mais vida
às tuas plantinhas

até planto outras flores [escondido]
e te faço aquela surpresa
logo que o perfume
chega ao teu nariz.

O que seria da tua varanda
sem o dom das minhas mãos.

Então nunca esqueças
que os teus sonhos
são meus

desde quando teu paizinho e tua mainha
brincavam na primavera e te concebiam.

Não aceito distância.
Não aceito morte.

Jamais aceitarei viver sozinho
e dormir tarde distante do teu corpo.

O teu corpo é meu
e tu sabes que sou capaz
de enfrentar todos os brutamontes
do ufc e todas as gangues de skinhead.

O que seria de mim sem as tuas unhas e o teu esmalte
certamente um eremita de olhos vermelhos e distraído.

Então já sabes,
não fujas dos meus versos
pois cada sílada que acorda

gosta e adora
quando estás por perto
rindo ou caladinha

mas bem perto
onde possam meus cílios
tocar tua alma e fazer cócegas.

Não aceito outro encanto.
Não aceito outra vida.

Se um dia partires
parto em seguida
meu coração
em mil
tiras.

Junto tudo na mesa
e deixo para que vejam.

Para que vejam
como brilha
meu amor

ou minha
loucura.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

noiva

Amor, sabe por que não enlouqueço?
Porque eu não me canso
de olhar para as paredes
e elas não se cansam
de piscar de volta.

E assim passamos o tempo -
eu olhando-as sério
e elas rachando-se
sorridentes.

os tênis

Falta desfazer um laço
apenas um laço

para que os meus tênis sujos abram os braços
e impeçam as formiguinhas de chegarem
ao banheiro.

Quando os meus tênis sujos
estiram os braços no meio do quarto
ninguém passa.

As formiguinhas resignadas
pegam um atalho em torno
da cadeira giratória.

Algumas voltam a ser crianças
e voam agarradas às rodinhas.

os pregadores de roupa

Os pregadores de roupa
ainda que soltos no varal
vivem presos à lembrança
do perfume dos panos

e foram tantos -
algodão,
elastano,
jeans.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

pretexto

Exceto o momento em que sento para escrever,
eu sou por completo um tolo -

nos assuntos,
nos olhares
e na voz.

Natural então que eu escreva incessante
cada dia distraído e cada noite atento
lançando meus olhos

contra as paredes
e pelas calçadas.

É nesse mundo de faz de conta
a doer o dente e curvar-se a espinha
que me depuro das tolices em minha volta.

Sei de mim e do meu fracasso
quando me levanto
e deixo de lado
a imaginação.

Cai sobre a minha cabeça uma folha seca
com o peso gigantesco de uma montanha.

outra terra além do silêncio

Uma forca no pescoço de um gafanhoto
não faz nenhum sentido, portanto
que ele atravesse vagarosamente
com suas longas pernas
o campo de girassóis -

e que seus olhos perdidos
enxerguem outra terra
além do silêncio.

consolação

também não sei muito sobre poesia
eu só sei que sou um peixe
e aproveito a rede
do pescador

pra tomar um banho de sol
depois dou um pulo
de volta pro mar

também não sei o que é solidão
mas sempre que encontro meus chinelos
é como se encontrasse parte da minha alma

sei que as pessoas precisam de um abraço
o mundo todo precisa de um abraço
mãe e filha e netos

sobretudo se alguém da famíla
morre cedo e deixa saudade
na casa, nos objetos,
no telhado

é assim mesmo
sendo peixe

sem saber muito de poesia
mas tomando meu banho de sol

procurando e encontrando os chinelos perdidos
abraçando quem chora pela perda
de um filho

que vou vivendo
e hei de viver

apenas
e somente.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

caboclo reflexivo

A palavra é o pensamento do poeta.
Mesmo que se negue a verdade
ou meta-se ele em mentiras.

Suspenso entre querer ser
e aquele claro segredo
do que já foi feito

desperta o poeta o seu caminho
lançando aos céus as mudas
da sua pele.

A palavra do poeta
como o seu pensamento
embora possam enlouquecê-lo

nem um nem outro
tem o poder do sangue
do seu coração, se ameno.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

o eremita

Nunca direi qual o caminho o louco há de seguir
nem a nuvem em qual terreno árido deve chover.

Os meus pés já me doem
as minhas mãos tremem.

O louco precisa conhecer de perto
o seu olhar fundo e o brilho oculto.

A nuvem com o tempo há de fugir
da altivez e da desordem do vento.

Não sou o escolhido para indicar ao louco
o seu tesouro escondido atrás das costelas.

Nem à nuvem mesmo a mais solitária
apontar onde dorme e sonha o oceano.

Amanhã o louco pode se cansar da sua loucura
e a nuvem simplesmente se perder da sua vista.

domingo, 16 de outubro de 2011

terror

Quase o fim da minha xícara.
Decerto seria a minha morte.

Juro que meu coração também saiu pulando
junto com ela e que rezei todo o credo
em questão de segundos

enquanto o seu corpinho de porcelana
saltitava sob frêmitos pelas cerâmicas
da área de serviço.

Xícara de poeta é forte e brincalhona -
girou em torno do próprio umbigo,
deu piruetas e cambalhotas

até, enfim, inocente
pousar debaixo da pia.

Parecia um cachorrinho
pedindo afago.

E eu beijei-a como beija
um marinheiro a fotografia
da amada.

Prometi-lhe [com lágrimas
no rosto] colar sua asinha
aos meus dedos, polegar
e indicador.

zumbi

Onde perdi meu sonho
e quando esqueci
de visitá-lo

e abrir-lhe
as janelas?

Ando exausto das ruas lá fora,
das estrelas e da lucidez
das corujas.

Não tenho lar,
minha casa é uma casa
sem largas janelas
e sem sonhos.

Tudo que vejo é um marasmo
um ranger de dentes
um suspiro fraco.

Onde, meu deus,
perdi minha vida

e quando roubei
essa alma silenciosa
e louca?

sábado, 15 de outubro de 2011

do outro lado do jardim

Deve ter morrido aquela rosa lilás no canteiro perto da garagem.
Nunca mais desci a escada e tratei do seu ferimento.
Tinha ela na orelha esquerda uma mordida
de gafanhoto e outra de borboleta.

As rosas cruelmente são esquecidas
quando os poetas só têm olhos
pras suas botas.

As rosas não entendem que a etérea beleza das suas pétalas
é um insulto à ressaca do solado das botas -

tampas de cerveja
pregadas em chicletes.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

alma jovial

Sê forte, meu caro
não te deixes afundar
sob as ondas gigantescas
nem te escondas no porão.

Lá tem rato de todo tipo
certamente tu não és

um daqueles ratos
que vivem no escuro,
umidade e mau cheiro.

Abre teus olhos -
os objetos que te cercam [acredita]
têm vida própria e são cheios de graça.

Vê tua caneta que ganhaste de presente.
Presta atenção no biquinho dela -
parece soltar suspiros.

Muitas vezes cansada
por tão pouco uso.

Olha, meu amigo
uma caneta desprezada
é um demônio de saia
com ciúme.

Um dia lançará toda a tinta
sobre teus papéis e livros.

o sol no meu chinelão antigo

A minha poesia é uma prosa decaída
como eu sou - torto e trôpego.

Além de viver esbarrando em cadeiras
e tropeçando nas minhas botas

meu pescoço sempre pende
pro lado sujo da parede.

A minha poesia é uma formosa dama
convalescente de um longo sarampo.

Tento, por deus, tento mesmo
beijá-la na boca mas seu rosto
defeituoso de tanta febre
causa-me medo.

Pode ser que a minha língua caia.
Qual a utilidade de um poeta sem língua?

Não quero perder por paixão alguma
a minha língua com suas extremidades
azuis e flexíveis.

Nessas horas a formosa dama
supõe indiferença da minha parte.

Aventuro-me então a ser lúcido o possível
e explicar-lhe que ela na verdade
não é uma dama nem formosa
apenas um ato voluntário
sabe-se lá de quem.

Concluo [para sua surpresa]
que tanto eu quanto ela
não somos absolutamente
o que imaginamos.

A minha língua com suas extremidades azuis e flexíveis
talvez seja de fato o único elo perdido.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dom Quixote

Padre, perdoa-me
pois pequei.

Ultimamente venho seduzindo e molestando
todas as formiguinhas do quarto
todas as borboletas da pracinha
e até as ingênuas andorinhas
que chegam à varanda
eu as papo.

Padre, embora essa vida de desfrutes
idílios e sarros pareça um paraíso,
tu te enganas

pois ando melancólico,
dormindo tarde

mais solitário que um pé de meia
perdido debaixo da cama.

Padre, talvez seja minha sina
minha fortuna e meu carma
essa onda de penúria

mesmo tendo ao lado
as mais tesudinhas formigas
as mais sensuais borboletas
as mais gatas andorinhas

e não há um dia
em que eu não acorde
com uma formiguinha
mordendo meus lábios

e logo que desço à calçada
surgem como por enquanto
mil safadinhas borboletas.

Padre, nem com a lua alta
vivo em paz com minha insônia -

penso em ler um livro
ou simplesmente
olhar os furos
do teto

mas eis que entram pela janela do banheiro
duas irmãs gêmeas duas sapecas andorinhas.

Não é loucura, padre
já tardão da noite
fria madrugada

duas irmãs gêmeas
duas sapecas andorinhas.

Padre, aconselha-me
dá-me um rumo
purifica-me.

Não é mais do desejo da minha alma
seduzir e molestar formiguinhas,
borboletas e andorinhas.

Juro, padre
quero morrer seco sem escrever um verso
se eu voltar a flertar e bolinar minhas meninas.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ciranda

Não gosto de enlaçar o búfalo
quando o bicho está distraído
passarinhos sobre seu dorso
comendo parasitas -

gosto quando o búfalo
corre seguindo a manada
cruzando planícies e charcos.

Então é a hora - subo, aperto seu pescoço,
meto-lhe os dedos nas narinas, desabamos.

Corro o risco [e sempre acontece]
de ser pisoteado e partirem-se costelas.

Mas é prazeroso, eu e o búfalo
caídos, sujos, suados, entregues:

ele ao seu instinto natural de búfalo;
eu ao meu frenesi de peão louco.

Não gosto de balear pato
quando ele nada no lago
em círculos,

aquele ar ingênuo
beirando a santidade -

gosto quando o pato voa
atravessando céus
feito uma seta.

Então é a hora, miro seu peito,
aperto o gatilho e só vejo penas
dentro dos meus olhos.

Deleite maior é pegar o seu corpo na água
ressuscitá-lo com um canudinho de bambu.

Os patos nunca morrem quando a bala é rolha de vinho.
Há uma certa cumplicidade no oxigênio que assopro
e no seu suspiro depois do desmaio.

Não gosto de pisar formigas
quando no chão comem migalhas.

Sinto-me feliz quando elas
sobem pelas paredes
chegando ao teto.

Dou um salto de Bruce Lee
e quebro as pernas de três.

Mas todos sabem -
botas de visionário
não machucam  formigas.

Ao contrário, quanto mais pisões
multiplicam-se abdome e antenas.

domingo, 9 de outubro de 2011

proscrito

na minha aldeia o rio é transparente
pode-se banhar o coração com água limpa

na minha aldeia a caça é boa
e nas pontas das flechas
o macaco despenca

o veneno também é bom
não lhe queima o sangue

assim todos da aldeia
meninotes, anciãos
mulheres e homens

põem-se a comer a carne
sem prejuízo do caldo

na minha aldeia alegria é o batuque
em noites que o povo perde a alma
e a fúria

dançam frenéticos
como se o mundo
chegasse ao fim

na minha aldeia quando nasce o dia
ninguém sabe onde raios
meteu-se o pajé

mas quem não se lembra
das estrelas.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

beatitude

Quantas vezes te roguei,
não laves minha xícara
com os teus dedos.

A minha xícara é sensível.
Acostumada somente
aos meus lábios.

Há uma verdade especial entre eles.
Os meus lábios são os responsáveis
pelas fissuras na circunferência dela.

E ela de tanto queimar-lhes a pele
modelou-me o bico a tal ponto
que aprendi assobiar.

Há uma mística relação entre eles.
A minha xícara só sossega
quando meus lábios sorvem
o último cafezinho,

aí, então, ela dorme
sobre a estante.

A minha xícara é sagrada.
Os meus lábios o que há de corpo em mim.