segunda-feira, 15 de agosto de 2011

fome e sede

Meu coração é o mesmo de sempre.
Sem um centímetro a mais de artéria
nem uma gota de sangue à toa.

Nada de multiplicidade, sombras, fantasmas,
mudas de pele entre rochas e gravetos.

Eu nunca fui outros.
Eu nunca cruzei pontes
e fiz fogo em outras margens.

Sempre, sempre, sempre os mesmos olhos
e os mesmos passos dentro da minha alma.

A minha alma é palpável.
Muito mais vertiginosa
que o tecido do corpo.

Desde criança quando os versos eram escritos
sem mãos e sem palavras naquelas tardes inteiras
no jardim, quintal, cozinha, salas, quarto, calçadas
esquecendo de comer e de beber
temia ser o que sou hoje.

E eu escrevia versos
em silêncio e no olhar.

Coisa alguma mudou em minha volta.
As coisas são as mesmas coisas.
Os ancestrais são os mesmos.

Nenhum pavor diferente
nem cor estranha
de arco-íris.

A minha alma não cresceu, não estreitou,
não chegou a verdades nem desvendou
o segredo do suspiro.

Ainda que sem mãos e sem palavras
minha alma se vale do vácuo
do pacote de café aberto.

Fecho os olhos ao ser atingido
e outras coisas revelam-se.

A alma, no entanto, é a mesma.
A minha alma é a mesma.

Sem um centímetro a mais de artéria
nem uma gota de sangue sem destino.

7 comentários:

  1. " a minha alma é a mesma"...isso é muito bonito....tbm acho q a alma não envelhece

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  2. Misteriosa vida essa nossa, que os anos passam e nós mudamos sem mudar. Mudamos enquanto somos os mesmos.

    Lindo poema.
    Abraço em ti.

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  3. "E eu escrevia versos
    em silêncio e no olhar."

    Saudade desse tempo...

    Beijinho com admiração, poeta dos dias!

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  4. Quando a essência permanece o que mudam são as coisas da matéria, porque alma e coração perecem... quando não apenas evoluem.
    Lindo poema!
    Um abraço

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  5. Sempre mudando e sempre iguais...
    Paradoxos de viver.

    Bonito poema.
    bj
    Rossana

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