quinta-feira, 28 de julho de 2011

mimar uma mulher

Deixe-me entrar na sua casa,
conhecer sua cozinha,
sua sala, sua varanda;

por último,
no seu quarto,
deitar na sua cama
e ouvir suas músicas.

Apresente-me à sua coleção de esmaltes.
Aponte-me a sua cor preferida.

Aproveite meu ouvido tão perto
e sussurre seus versos.

Estou louco para ouvir da sua boca
os seus poemas. Não consigo
pensar noutra coisa:

você pintando as unhas
e dizendo seus versos.

Você vê estrelas?
Eu não consigo
olhar para o alto.

Seus olhos
encabulam-me.

O jeito é olhar pros seus pés
e notar que as unhas
estão azuis.

terça-feira, 26 de julho de 2011

dançarina

Se eu tivesse de escrever um poema
que não esquecesse facilmente
não escreveria para seus olhos
nem para sua bunda:

escreveria, meu bem,
para suas panturrilhas.

Eu não olhei para os seus cabelos
quando a vi na praia nem para
os seus belíssimos seios,

eu me encantei com suas panturrilhas
e antes que eu morra escrevo meu epitáfio:

"aqui jaz um atormentado poeta
que deixou lá fora
um par de panturrilhas
para alguns patifes"

Não permita, meu bem, que eles
chupem-lhe e mordam-lhe
as panturrilhas.

As suas panturrilhas
são as minhas doces
mangas rosas.

Só eu posso mordê-las
e chupá-las igual a criança.

Eu amo suas panturrilhas
como nunca amei uma alma.

A sua alma
são as suas
panturrilhas.

sábado, 23 de julho de 2011

rave

Fiz a barba e rezei um pai nosso
pois se aproxima o mês de agosto:

é por demais temerário o poeta
dormir e acordar de barba longa
e coração exposto.

A ventania já levou as portas
(trancas, trincos, ferrolhos)

só há como porto seguro
a sua toca atravessando a ponte

depois da margem esquerda
debaixo do último arco-íris.

Digam adeus ao poeta
apesar da estação vazia
e do trem que nunca chega.

Mas olhem lá, fumaça!
Ouçam o apito!

Embarquem logo esse louco
ajudem-no com suas malas,
cuias, alforjes, trouxas
e mochilas.

Vejam que lindo o bardo
sentado em cima do vagão
a tocar ora sua flauta doce,
ora a gaita de bob dylan.

Digam adeus ao poeta
e deem-lhe as costas
e não olhem
para o céu.

(só vejo pássaros
e nuvens perdidas)

sábado, 16 de julho de 2011

espantalho

Os meus livros fugiram
um a um enquanto
eu escrevia versos
acompanhado
das paredes.

Pode ser que amanhã
em breve suspiro
eles me ouçam

feito cães de caça
que ouvem o apito
do seu dono.

Deixarei a porta do quarto entreaberta
e apontarei com o olhar sério
que subam na estante
cada um ao seu degrau
de importância
e de loucura.

Decerto não retornarão os meus livros.
Eles são pródigos e bem mais orgulhosos.

De cabelo branco
e muito desejo na alma,

deixo-os em paz
ou em fúria
nas mãos
de outros.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

um moço estranho

Assim que nasci secou o leite materno.
A única alternativa foi mamar em uma golfinha.

Levaram-me a uma ilha deserta
e apresentaram-me à senhora golfinha.

Ela vivia sorrindo e além de me oferecer o deleite
do seu leite sabor de cavalo-marinho e ostras

também me ensinou a passar horas
no fundo do mar sentado sobre corais
pensando na vida e escrevendo versos.

Devo minha vida (a minha vida de louco)
a essa senhora golfinha que um dia
sussurrou aos meus ouvidos "vai, poeta
tudo que um náufrago precisa
tu já sabes"

Levantei-me da minha poltrona de corais
e beijei os amigos que fiz no fundo do mar.

domingo, 10 de julho de 2011

a essência do afeto

Fiz um samba
ontem de madrugada
enquanto tive uma crise

e chamei as vizinhas
e foi tanto absinto

que não consigo
parar de sorrir.

Você nem imagina
o samba que fiz
ontem de madrugada

enquanto pensava
em cortar os pulsos.

Chamei todas as formiguinhas
que encontrei no quarto
e foi tanto veneno
quase morri.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

beato

Sei que sou um bom homem agora
pelo simples fato de estar escrevendo
versos melhores.

Aproveito a clareza dentro da minha alma
e digo (para teu espanto) que deus

é aquele livro de D. Quixote cujas páginas
estão marcadas pelo suor dos meus dedos.

Aliás, deus é toda a estante:
remédios na cestinha,
fotografias, estatuetas,
cds, bilhetes.

Em outro tempo fui um homem mau
porque escrevia versos ruins.

[e como eu sofria
para ver deus
em algum
objeto]

fogo

Não me peças para te levar ao alto da montanha.
Existe um ponto no desfiladeiro que muitos pulam.

Alguns dizem ter ouvido deus tocando blues.
Outros que foi uma linda luz branca
saindo do abismo.

Eu acredito em todos eles,
por isso não levo ninguém comigo.

Não é da minha natureza passar toda uma vida
crucificado e atormentado pela loucura do próximo.

Fica na praça.
É um lugar tranquilo.

As crianças espantando pombos.
As velhinhas simpáticas.
As madames com seus
cachorrinhos poodles.

(não me segures pelo braço,
não tentes ir dentro do bolso
do meu bermudão)

Caso naquele temido ponto do desfiladeiro
eu ouça deus tocando blues ou veja
uma luz radiante,
eu pulo

e te mando notícia
em breve.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

saliva acre

Se vomitasse o céu e todas as suas gaivotas
entenderia esse desejo mórbido que tenho
pelas coisas no fundo do guarda-roupa,
debaixo da cama, dentro das paredes.

Cafezinho, cocaína, vinho,
livros, versos, solidão, fúria:
tudo é a mesma dor
sem diferença.

A minha tristeza
não se modifica.

O céu não vomito.
E as gaivotas voam alto.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

enquanto as sacerdotisas dançam

Sou cínico e cruel,
patife e egoísta,

mas tenho
uma alma doce
que atrai beija-flores,
borboletas e andorinhas.

Imaginem agora
que a barba cresce.

Terei mais pólen
e mais mel.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

cerâmicas rachadas

Passo a mão na minha testa
e me pergunto "até quando
esse suor frio?"

Perdi a lembrança do dia
em que jurei lealdade
aos versos.

Certamente era um dia chuvoso
e eu estava com febre.

Não tinha botas nem formiguinhas
nem uma xícara sempre sorrindo.

Eu era bem mais só
e bem mais jovem.

Cada verso é um sinal de loucura.
Uma imagem da minha morte.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

místico

Qual o destino de um homem
de rosto áspero e sem barbeador.

As coisas encantam-se
dentro do meu guarda-roupa
em questão de segundos.

Algum tempo atrás
eu jurava que eram
as formiguinhas
as ladras.

Depois passei a pôr a culpa
nos meus queridos duendes.

No fundo sempre soube
que é a minha alma
pregando peça:

rouba band-aid
para que o sinal
nunca sare

e foge com o barbeador
para que as minhas faces
amedrontem o espelho.

É a sua deliciosa vingança
contra a vaidade do corpo.