sexta-feira, 4 de março de 2011

angicos e aroeiras

Não há prazer mais delicioso
que andar na grade de ferro
o vento da manhã ouriçando
as plumagens e o vasto céu
ao seu dispor:

as andorinhas sabem como
aproveitar o tempo.

E você com essa cara amuada
dizendo que é pânico o que tem
e que está tomando remédio.

Não precisa ser andorinha
mas não adianta acordar capeta.

Faça as unhas.
Vá ao sebo.

Compre aquele livro
sente-se na cafeteria
leia as três primeiras páginas
ponha o dedo marcando uma

com o olhar perdido
paquere quem passa.

Ou se preferir afogue-se
nos travesseiros imaginando
que ainda é tenro o perfume
daquela noite em que você
ofereceu sua vida a outra pessoa.

Ah, menina.
Não se faz esse tipo de coisa.
Ou quando o faz é de mentirinha.

A solidão é somente nossa
é uma heresia desejar
que o outro elimine
da nossa alma
os seus frutos.

Pensa que andorinhas não têm solidão?
Claro que sim, mulher. Só que elas aproveitam
o céu as grades de ferro o parapeito da varanda
os galhos as calçadas o fio de alta tensão as nuvens
a chuva o sol o mormaço a brisa fresca

de tardinha fazem aquela festa cagam no meu chapéu
riem da minha fúria calam os bicos é hora de dormirem.

Não é conselho
mas que tal sair de ônibus
cruzando e descruzando as pernas
batom vermelho e cílios postiços?

Sim, sei que sou um sátiro.
Mas também sou um passarinho.

Você não quer ser minha andorinha
de vestido azul transparente
sem anágua?

[anágua? o que é isso?]

Vamos, não é pânico o que tem
é um jardim crescendo dentro
do seu coração: sou tímido jardineiro
mas [acredite] trato maravilhosamente

as flores, as rosas, os crisântemos, os girassóis,
as orquídeas até as gramíneas rasteiras e ervas.

Mas se quiser ser freira
reze por minha loucura.

Não preciso mas sempre
recebo de bom grado
amuletos, bênçãos
e orações.

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