Não há prazer mais delicioso
que andar na grade de ferro
o vento da manhã ouriçando
as plumagens e o vasto céu
ao seu dispor:
as andorinhas sabem como
aproveitar o tempo.
E você com essa cara amuada
dizendo que é pânico o que tem
e que está tomando remédio.
Não precisa ser andorinha
mas não adianta acordar capeta.
Faça as unhas.
Vá ao sebo.
Compre aquele livro
sente-se na cafeteria
leia as três primeiras páginas
ponha o dedo marcando uma
com o olhar perdido
paquere quem passa.
Ou se preferir afogue-se
nos travesseiros imaginando
que ainda é tenro o perfume
daquela noite em que você
ofereceu sua vida a outra pessoa.
Ah, menina.
Não se faz esse tipo de coisa.
Ou quando o faz é de mentirinha.
A solidão é somente nossa
é uma heresia desejar
que o outro elimine
da nossa alma
os seus frutos.
Pensa que andorinhas não têm solidão?
Claro que sim, mulher. Só que elas aproveitam
o céu as grades de ferro o parapeito da varanda
os galhos as calçadas o fio de alta tensão as nuvens
a chuva o sol o mormaço a brisa fresca
de tardinha fazem aquela festa cagam no meu chapéu
riem da minha fúria calam os bicos é hora de dormirem.
Não é conselho
mas que tal sair de ônibus
cruzando e descruzando as pernas
batom vermelho e cílios postiços?
Sim, sei que sou um sátiro.
Mas também sou um passarinho.
Você não quer ser minha andorinha
de vestido azul transparente
sem anágua?
[anágua? o que é isso?]
Vamos, não é pânico o que tem
é um jardim crescendo dentro
do seu coração: sou tímido jardineiro
mas [acredite] trato maravilhosamente
as flores, as rosas, os crisântemos, os girassóis,
as orquídeas até as gramíneas rasteiras e ervas.
Mas se quiser ser freira
reze por minha loucura.
Não preciso mas sempre
recebo de bom grado
amuletos, bênçãos
e orações.
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